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P-026 - Duelo de Mutantes - Clark Darlton
P-026 - Duelo de Mutantes - Clark Darlton
DUELO DE MUTANTES
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Os primeiros ataques do Supercrânio foram repelidos. A Terceira
Potência provou sua solidez.
Mas o pavoroso inimigo continua de posse de seu quartel-general,
de onde pode lançar novos ataques contra a Terceira Potência ou outros
Estados. A tarefa mais urgente de Perry Rhodan consiste em localizar
essa central e arrebatar as armas do Supercrânio, pois só assim
conseguirá evitar o caos.
Perry Rhodan coloca em campo os seus mutantes, que se defrontam
com inimigos que nada lhes ficam a dever em capacidade. O Duelo de
Mutantes é deflagrado.
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — Chefe supremo da Terceira Potência.
Reginald Bell — Ministro da segurança da Terceira Potência.
Clifford Monterny — Apelidado de Supercrânio.
Julian Tifflor e Klaus Eberhardt — Dois cadetes da Academia Espacial.
Tatiana Michalovna — Uma jovem muito perigosa.
André Noir, John Marshall, Betty Toufry — Os membros mais importantes do
Exército de Mutantes da Terceira Potência.
Gucky — Uma criatura vinda do planeta Vagabundo.
1
***
Anos atrás, o primeiro foguete espacial tripulado decolou com destino à Lua e pousou
no satélite. Naquela oportunidade ninguém desconfiava de que com isso teria início uma
nova época da história da Humanidade. O major Rhodan, comandante da expedição,
encontrou na Lua alguns representantes dos arcônidas, uma raça humanóide que regia um
império estelar situado a 34.000 anos-luz de distância. Prestou ajuda à expedição frustrada e
esta o recompensou com o extenso saber de sua raça, que há milênios conhecia os segredos
da navegação espacial. Com o auxílio dos arcônidas, Perry Rhodan instalou na Terra a
Terceira Potência, impediu a guerra nuclear e, nessa altura dos acontecimentos, esforçava-se
para alcançar a união definitiva do mundo.
Seu quartel-general achava-se instalado na cidade de Terrânia, situada em pleno
deserto de Gobi. Terrânia era a metrópole mais moderna do mundo e encerrava em seu seio
o saber e a tecnologia de milênios. Em caso de necessidade a cidade e as instalações nela
existentes podiam ser isoladas do mundo exterior por meio de uma abóbada energética. Um
exército formado por dez mil soldados e robôs cuidava da segurança da Terceira Potência.
Reginald Bell, ministro da segurança e um dos homens que haviam acompanhado
Perry Rhodan na primeira viagem à Lua, aguardou pacientemente até que a tela de quase
dois metros de altura se iluminasse. Uma escrivaninha surgiu na mesma. Atrás dela estava
sentado um homem. Quase chegava a ser magro, seu cabelo castanho-escuro era liso e
estava penteado para trás; possuía um par de olhos cinza-azulados que pareciam chispar
fogo. Embora já não fosse tão jovem, Perry Rhodan não aparentava mais de trinta anos. E
conservaria esse aspecto para sempre, pois o saber inconcebível de uma raça há muito
desaparecida tornara-o quase imortal. A cada sessenta e dois anos teria que visitar o planeta
da vida eterna, onde estava instalada a misteriosa ducha celular que lhe conferiria a
juventude por mais seis decênios.
Também Reginald Bell estivera no planeta Peregrino e, tal qual Rhodan, obtivera o
tratamento da conservação celular.
— Um dos destróieres roubados apareceu, Rhodan — disse Bell. Seus olhos
chispavam de nervosismo contido. — Atacou uma nave-escola da academia.
Perry Rhodan ergueu as sobrancelhas.
— Onde?
— Nas proximidades de Marte. Felizmente um dos cadetes teve bastante presença de
espírito para destruir a nave atacante, depois que o instrutor tinha sido morto. Capturou um
prisioneiro.
De repente Rhodan demonstrou bastante interesse.
— Um prisioneiro?
— Foi por isso que me comuniquei com você. Pensei que gostaria de dar uma olhada
no sujeito.
— Onde está o prisioneiro?
— No momento está na cela da nave-escola Z-82. Aguarde um momento. Eu o
colocarei em contato com o destróier. Assim você poderá falar pessoalmente com o cadete.
A nave está a caminho da Terra.
Alguns segundos depois, o cadete Julian Tifflor anunciou-se pelo rádio. Relatou mais
uma vez em palavras lacônicas, mas precisas, o incidente pelo qual havia passado, e
aguardou. Perry Rhodan refletiu sobre o que acabara de ouvir e disse:
— Como é mesmo seu nome?
— Cadete Julian Tifflor.
— Muito bem. Você pousará no espaçoporto de Terrânia e me apresentará um relato
pessoal. Sua base será avisada. Cuide bem do prisioneiro; é muito importante para nós. O
cadáver do capitão Hawk será trasladado para sua terra natal. Quando poderei contar com
sua chegada?
— Dentro de oitenta minutos.
Na voz de Tiff havia respeito e veneração. Para ele Perry Rhodan não era apenas o
chefe supremo da Academia Espacial; era principalmente uma figura lendária e distante.
Onde estaria a Terra hoje se Perry Rhodan não tivesse conseguido utilizar o poder dos
arcônidas? Talvez os homens já tivessem se destruído uns aos outros. Talvez nosso planeta
nem existisse mais.
— Está bem, cadete Tifflor. Fico à sua espera.
Bell interrompeu a comunicação e instruiu os postos militares para que dentro de
oitenta minutos facultassem o pouso do destróier Z-82 e fizessem conduzir os tripulantes
imediatamente ao edifício do ministério da segurança. Depois voltou-se a Rhodan, cuja
imagem em tamanho natural ainda era projetada na tela.
— Então, o que acha?
— Não tenho a menor dúvida; trata-se de um dos três destróieres que o Supercrânio
nos roubou.
— Supercrânio; sempre ouço falar nele — resmungou Bell, assustado. — Quem dera
que soubéssemos quem se esconde atrás desse apelido. Supercrânio, Supercabeça. Talvez
não passe de uma cabeça d’água.
— Não acredito — disse Rhodan. — O Supercrânio é um sujeito muito inteligente,
que resolveu se transformar na Quarta Potência do planeta Terra. Não será fácil impedi-lo
de realizar seu intento. Até hoje não conseguimos estabelecer a identidade do grande
desconhecido. Só sabemos que nos defrontamos com um inimigo dotado de uma enorme
inteligência e falta de escrúpulos, que não recua nem mesmo diante de um assassínio.
Interrogaremos o prisioneiro até descobrir tudo que desejamos saber a respeito desse
desconhecido. Depois disso saberá quem eu sou. Se é que o prisioneiro vai prestar
declarações — objetou Rhodan, enfatizando o se.
Bell soltou uma risada fria.
— Ele vai prestar declarações; nem tenha a menor dúvida. Afinal, para que serve
André Noir?
— Não me refiro a qualquer resistência da parte dele — disse Perry Rhodan. — Mas é
bem possível que o Supercrânio tenha adotado certas providências que o impeçam de prestar
declarações, mesmo que se encontre sob influência hipnótica.
— Veremos — disse Bell para espantar as preocupações que surgiram em sua própria
mente.
***
Para Tiff o primeiro encontro com Perry Rhodan foi um dos grandes momentos de sua
vida. Então era este o salvador da Humanidade e o herói da juventude moderna, o lendário
Perry Rhodan, que repelira a invasão dos deformadores individuais, expulsara os tópsidas
do sistema Vega e salvara a Humanidade da destruição.
E esse homem estava sorrindo.
Para Tiff talvez fosse a maior surpresa de toda a vida, e mais tarde o mesmo
reconheceu que, no primeiro instante, aquele sorriso o decepcionara um pouco.
Perto de Rhodan havia outro homem, que já conhecia de muitas fotos e telefilmes. Era
Reginald Bell, ministro da segurança da Terceira Potência e o melhor amigo de Rhodan. Até
Tiff sabia que Bell estava sorrindo, mas era um sorriso impaciente e insistente.
Tiff ficou em posição de sentido.
— O cadete Tifflor e o cadete Eberhardt estão de volta de um vôo de treinamento.
Ocorrências especiais: ataque de um destróier, o capitão Hawk morto, inimigo destruído, um
prisioneiro capturado.
De repente Rhodan não estava sorrindo mais. Dirigiu-se a Tiff e estendeu-lhe a mão.
— Agradeço-lhe por sua atuação decidida, cadete Tifflor. Você vingou o capitão
Hawk e nos prestou um grande serviço. Se não fosse você não saberíamos quem espalha a
insegurança pelo espaço com nossos destróieres roubados. O prisioneiro é este?
Eberhardt e o mestiço estavam um pouco atrás de Tiff. Além da cor da pele não havia
a menor diferença entre os mesmos, pois ambos continuavam a envergar o leve terno
pressurizado, embora sem o capacete. E na academia dos espaçonautas não existiam
diferenças raciais.
Por isso não era de admirar que Rhodan apontasse para Eberhardt, que se encontrava
ao lado do prisioneiro, ligeiramente embaraçado. Tiff se esforçou para reprimir um sorriso.
— Perdão, este é o cadete Eberhardt, que aprisionou o sobrevivente.
Rhodan apertou a mão de Eberhardt.
— Então é este? — disse, examinando atentamente o mestiço. Aproximou-se dele. —
Quem é você? E qual é a pessoa que lhe dá ordens?
Nenhuma resposta.
Bell, que também cumprimentara os dois cadetes, franziu a testa, bastante contrariado.
— Para que tudo isso? — perguntou. — Para que servem nossos mutantes? John
Marshall logo descobrirá o que há com ele. Esse sujeito não conseguirá esconder seus
pensamentos.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Cuide disso, Bell. Enquanto isso converso com os nossos hóspedes. Avise-me
assim que ele falar.
Bell aproximou-se do prisioneiro, fitou os olhos inexpressivos do mesmo, sacudiu a
cabeça, perplexo, e deu-lhe o braço. E de braços dados, como se fossem grandes amigos, os
dois homens saíram da sala. Rhodan seguiu-os com os olhos; parecia pensativo. Depois de
algum tempo voltou a se dirigir a Tiff.
— Agora você vai contar minuciosamente o que aconteceu. Quero conhecer todos os
detalhes, mesmo os que pareçam não ter a menor importância. Devemos encontrar algum
indício.
Tiff começou a contar.
***
***
Perry Rhodan levantou os olhos quando a porta foi aberta com violência e alguém se
precipitou.
Era Bell; mas tinha diante de si um Bell que ainda não conhecia. Os cabelos estavam
desgrenhados, e no rosto, geralmente corado, via-se uma palidez cadavérica. Os olhos
chamejavam nervosamente, e Rhodan percebeu que as mãos do amigo tremiam.
— Viu o demônio por aí? — perguntou, espantado.
— Dentro de pouco estará aqui mesmo — fungou Bell. — O diabo está às soltas. A
companhia de vigilância do tenente Becker está atacando nossos estaleiros.
— O que aconteceu? — perguntou Rhodan e lançou um olhar atento para Bell, como
se temesse pelas faculdades mentais do mesmo. — Becker está atacando os estaleiros? Acho
que isso só pode ser uma piada de mau gosto. Comigo pode-se fazer muita coisa, Bell,
mas...
— É verdade. Aquela gente ficou louca. O Supercrânio deve estar atrás disso.
— O Supercrânio — murmurou Rhodan, enquanto se levantava lentamente. — Como?
O que aconteceu?
— Há poucos instantes recebi aviso de alarma do setor sete. Becker e seu grupo está
marchando em direção ao estaleiro e destruiu nove robôs de combate. A guarnição de defesa
assumiu seus postos. Está aguardando novas ordens. O que devem fazer se Becker
realmente se lançar ao ataque? Deve ter enlouquecido.
Naquele instante Rhodan pareceu ver diante de si o mestiço que havia morrido em
virtude de um comando do inimigo desconhecido. Se o Supercrânio era capaz de uma coisa
dessas, ele também estaria em condições de dar a uma companhia inteira a ordem de
marchar para sua própria destruição.
Subitamente sentiu-se sacudido por um susto. Deu-se conta do que poderia acontecer
se realmente o tal do Supercrânio dispusesse de qualidades inconcebíveis, face às quais até
mesmo as forças dos mutantes não passassem de brincadeira. Com uma frieza implacável a
idéia de que se defrontava com um inimigo igual em forças, que seria capaz de destruí-lo se
agisse com bastante inteligência, impôs-se ao seu cérebro.
— Não podemos perder tempo — com essa observação Bell interrompeu as reflexões
de Rhodan. — Os homens aguardam nossas instruções. Não é nada fácil atirar contra
amigos que enlouqueceram.
— Vamos até lá — respondeu Rhodan em tom decidido. — Arranje um projetor
mental e um neutralizador gravitacional pequeno. Ande depressa. Espero no carro.
Bell não perdeu tempo com perguntas. Girou nos calcanhares e saiu apressadamente.
Dois minutos depois, quando Rhodan chegou ao seu carro, Bell já o esperava. Na mão
esquerda segurava uma caixinha metálica, que não parecia ser muito pesada. Na direita
trazia um bastão prateado.
— Não vamos levar mais ninguém?
— Se não dermos conta disso sozinhos, ninguém mais dará — respondeu Rhodan e
entrou no carro. As turbinas uivaram e o pequeno veículo acelerou loucamente,
precipitando-se sobre a superfície lisa de concreto. Tomou a direção do estaleiro de naves
espaciais, situado a cinco quilômetros das instalações centrais de Terrânia.
A hora não era de muito movimento. Vez por outra um pedestre solitário parava e
olhava atrás do veículo tresloucado, cujo motorista devia ter perdido o juízo.
Bell respirava com dificuldade.
— O que será que aconteceu?
— Trata-se de influência hipnótica; nem poderia ser outra coisa. O Supercrânio
apoderou-se da companhia de Becker e submeteu-a ao seu comando. Devemos tentar
compensar esse comando por meio do projetor mental.
O projetor mental era uma arma arcônida. Através dele podia-se penetrar na vontade
de outra pessoa e dirigi-la. Até se podiam transmitir comandos pós-hipnóticos.
— O que será de nós? — perguntou Bell. — Será que o Supercrânio conseguirá nos
impor sua vontade?
— Sabemos que ele já o tentou com Crest, o arcônida, mas não teve êxito. Por isso
suponho que sua força não é capaz de influenciar um cérebro arcônida. E atravessamos o
treinamento hipnótico arcônida. Talvez ele tenha deixado seus reflexos em nossos cérebros.
Ao menos faço votos de que seja assim.
— Eu também — disse Bell, respirando profundamente.
O veículo disparava pelo deserto. A pista de concreto, lisa como um espelho, tinha dez
metros de largura. Era encimada pelo ar tremeluzente, que tinha o aspecto de uma nuvem de
gás que escapava de algum lugar. Mais adiante erguiam-se os edifícios alongados do
estaleiro, onde diariamente surgiam novas naves espaciais do tipo dos destróieres. Rhodan
percebeu os contornos pouco nítidos de figuras que corriam de um lado para outro e
fechavam enormes portões. Veículos blindados assumiam suas posições.
Mais à esquerda, em pleno deserto, uma nuvem de poeira erguia-se acima do solo.
Embaixo dela, marchavam soldados. Eram os homens de Becker!
Rhodan não compreendia por que o inimigo desconhecido não utilizava suas
faculdades num empreendimento que possuísse maiores chances de êxito. Se estava em
condições de submeter uma companhia inteira à sua influência, poderia ordenar aos pilotos
das naves de Rhodan que decolassem e atacassem Terrânia. Por que não fazia isso? Por que
se contentava com uma ação relativamente inofensiva, da qual devia saber de antemão que
não levaria a nada?
Será que pretendia desgastar os nervos de Rhodan?
Bem, ao que parece já o havia conseguido com Bell. O ministro da segurança da
Terceira Potência transformara-se num modelo de insegurança. Se John Marshall estivesse
presente àquela hora, sem dúvida o teria apelidado de ministro da insegurança. Revirava
nervosamente o projetor mental e escorregava nervosamente em seu assento.
— Será que você não sabe mais ficar quieto? — indagou Rhodan. — Não pense que o
Supercrânio se contentará com este ensaio. É só o começo.
— O começo? — disse Bell com um gemido de pavor. — Nossos homens atiram
contra nós e você diz que isso é só o começo?
Rhodan não respondeu. Conhecia o amigo e sabia que sua aparente desorientação só
era externa. Passou pelos primeiros robôs de vigilância e deixou para trás os canhões de
radiações que se encontravam em posição de combate. Parou junto a um abrigo subterrâneo,
onde havia alguns oficiais que envergavam o uniforme da divisão de vigilância. Vieram
correndo quando reconheceram Rhodan.
Bell não permitiu que falassem.
— Saiam do caminho! — gritou-lhes. Saltou do carro e levantou a caixa prateada do
projetor mental. — Vamos mostrar a essa gente como se comanda um exército.
Rhodan tirou a caixa metálica de suas mãos e colocou-a no chão. Ao que parecia não
estava confiando no efeito do projetor. Deu um aceno de cabeça em direção a Bell:
— Tente. Transmita um comando para que regressem imediatamente aos seus
alojamentos.
Depois disso dirigiu-se aos oficiais, que pareciam desorientados.
— Mantenham seus homens reunidos. Mas só dêem ordem de fogo quando eu
autorizar. Não queremos matar nossa gente.
— Eles destruíram nove robôs — disse um capitão.
— Isso é muito lamentável, mas robôs não são gente. E acontece que fizeram isso
contra a vontade.
— Contra a vontade? — perguntou o capitão, esticando as palavras, mas não formulou
outras perguntas.
Nem teria tempo para isso, pois Bell entrou em ação.
Evidentemente o alcance do projetor mental era limitado. Mas as forças do tenente
Becker já haviam se aproximado bastante. Era inexplicável que ocupassem posições num
lugar tão próximo, pois com seus canhões poderiam ter bombardeado o estaleiro a dois
quilômetros de distância. Mas Becker mandou que sua coluna parasse a quinhentos metros
das linhas do comando de vigilância e colocasse as peças de artilharia em posição de atirar.
Bell ajoelhou-se lentamente e dirigiu o bastão prateado sobre o inimigo involuntário.
Comprimiu um botão para acionar o aparelho. Falando em voz alta, disse:
— Tenente Becker, ordeno ao senhor e aos seus subordinados que voltem
imediatamente aos seus alojamentos. Qualquer ordem em contrário que lhes tenha sido dada
é revogada.
Os oficiais — neste meio tempo um total de cinco se reunira no local — olharam para
Bell como se fosse algum bicho milagroso. Sabiam que os arcônidas possuíam armas
lendárias, mas nunca tinham visto nenhuma delas em ação. Ao menos o projetor mental
ainda lhes era desconhecido. Infelizmente ainda dessa vez não tiveram sorte.
O tenente Becker não deu a menor atenção às ordens de Bell.
O primeiro disparo passou a pequena altura acima do grupo, derretendo um robô de
vigilância desprevenido que se encontrava a alguma distância.
— O poder do Supercrânio é maior que o de nosso projetor mental — disse Rhodan
em tom tranqüilo.
Terminara seus preparativos e estava agachado junto ao abrigo, pronto para entrar em
ação. Ali poderia desaparecer de um momento para outro, quando isso se tornasse
necessário. Os cinco oficiais abrigaram-se atrás da cúpula de concreto. Utilizando seus
rádios, instruíram os subordinados, espalhados por vários lugares, para que aguardassem
novas instruções e em hipótese alguma abrissem fogo contra as tropas amotinadas.
Bell voltou a dirigir o raio hipnótico contra os homens de Becker e transmitiu um
segundo comando que, tal qual o primeiro, não foi obedecido. Pelo contrário, três dos
canhões dirigiram seus raios neutrônicos contra os pavilhões do estaleiro que se
encontravam mais próximos.
Rhodan percebeu que não poderia opor-se à atuação do Supercrânio por meios
exclusivamente psíquicos. Só a violência resolveria. Dirigiu a objetiva do neutraliza-dor
gravitacional sobre as tropas de Becker e acionou o aparelho.
O campo de atuação abria-se em forma de leque; começava junto à caixa metálica,
espalhando-se em direção ao inimigo e diminuindo de intensidade. Mas a regulagem levada
a efeito por Rhodan foi suficiente para fazer com que Becker e seus homens não mais
tivessem peso.
O sargento Harras, contrariado, estava dando um passo para a frente, sem saber por
quê, quando subitamente perdeu o apoio dos pés. Foi subindo lentamente, girando em torno
de seu próprio eixo. Assustado, soltou a arma de radiação, mas o objeto não caiu para baixo,
permaneceu na mesma altura.
O que aconteceu com Harras também aconteceu com os outros homens do tenente
Becker. Este, que pretendia se deslocar com um salto para junto de um dos canhões, foi
atingido com maior intensidade pela súbita ausência de gravidade. Subiu inclinadamente,
como se fosse uma granada humana e remou desesperadamente com os pés e as mãos,
procurando se segurar no ar. Infelizmente Rhodan não estava em condições de seguir sua
trajetória. O infeliz logo saiu do campo de atuação do neutralizador e caiu ao solo feito uma
pedra. Transformou-se na única vítima do ataque que lhe fora imposto, além dos condutores
e artilheiros dos veículos destruídos pelos robôs.
Praticamente toda a força do tenente Becker encontrava-se no ar. A terra não mais
conseguia segurá-la. A posição ocupada por cada um dependia dos movimentos que
executara em terra. De qualquer maneira, o alcance do aparelho arcônida não era ilimitado.
Para evitar maiores perdas, Rhodan teria de agir imediatamente. Dirigindo-se aos oficiais
que, perplexos, haviam acompanhado o fenômeno, disse:
— Vou reduzir a intensidade do neutralizador. Mandem seus homens para lá, a fim de
que aguardem a companhia que vai aterrisar. Devem se mover com muita cautela. Na área
submetida à ação do aparelho a gravidade foi reduzida a um décimo. Cuidem dos carros de
combate de Becker. Se necessário, os artilheiros devem ser reduzidos à inatividade.
Foi espantosa a rapidez com que os oficiais se recuperaram do susto. Levaram poucos
minutos para mobilizar seus homens. Os soldados moveram-se com estranhos passos
rastejantes sob os corpos que desciam lentamente, remando desesperadamente no ar e
procurando se recuperar da surpresa. A maior parte deles havia largado as armas, e assim
não poderia mais causar qualquer dano.
Aos poucos Rhodan fez com que a gravidade voltasse ao nível normal e esperou até
que a companhia amotinada fosse dominada. Tirou o projetor mental das mãos de Bell e
procurou proteger os soldados contra novos comandos hipnóticos. Supunha que esse tipo de
proteção seria perfeitamente possível, muito embora não houvesse condições de romper um
bloqueio depois de instalado.
Menos de cinco minutos depois disso, o Supercrânio retirou sua influência.
De repente o sargento Harras sentiu que a pressão em sua cabeça diminuía. No
primeiro instante não compreendeu de que se tratava. Pensou que ainda se encontrasse no
fundo da piscina e ficou espantado ao ver-se ameaçado por armas apontadas em sua direção.
O próprio Rhodan explicou o acontecimento inconcebível a ele e seus companheiros, e
ressaltou que o fenômeno poderia se repetir a qualquer instante. No momento não havia
motivo para recear qualquer ataque armado vindo de fora; por isso determinou que o
armamento da companhia de vigilância fosse reduzido a um mínimo.
Próximo dali, o corpo imóvel do tenente Becker jazia sob um cobertor. Bell lançou um
olhar na direção do mesmo e disse em tom sombrio:
— Só hoje foram nove vítimas, Rhodan. Está na hora de darmos um passo decisivo.
Rhodan não respondeu. Sem dizer uma palavra, regressaram a Terrânia, onde a notícia
de outra calamidade os aguardava. O coronel Freyt em pessoa trouxera a notícia de Nova
Iorque, onde ficava o quartel-general de Homer G. Adams, o financista da Terceira
Potência. Dali, o mutante de memória fotográfica tecia sua rede e dominava a economia
mundial. Homer parecia infalível e nunca tomava uma decisão errada. Ou melhor, nunca a
tomara enquanto o Supercrânio não existia. Os primeiros ataques do personagem
monstruoso foram repelidos. A mutante Betty Toufry foi enviada a Nova Iorque, para
proteger o gênio das finanças. Betty era a telepata mais potente do Exército de Mutantes, e
ao mesmo tempo era uma telecineta.
E foi Betty que deu o alarma.
Mais uma vez Homer G. Adams parecia ter sido submetido à influência nefasta do
Supercrânio. As últimas instruções dadas por ele não correspondiam às vindas de uma
inteligência normal e teriam levado a General Cosmic Company à beira da ruína financeira.
No último instante Betty conseguiu anular essas instruções por meio de um projetor
mental. Enquanto se encontrasse nas proximidades de Adams, nada poderia acontecer; mas
não poderia segui-lo a cada passo.
Imediatamente Rhodan pôs-se em contato com a G.C.C. A tela retratou o rosto
embaraçado de Adams, que era um pouco pequeno. Seu cabelo ralo estava maltratado; tinha
a aparência de quem passara algumas noites sem dormir. No fundo via-se Betty Toufry, que
parecia bastante cansada.
— Olá, Adams — disse Rhodan, como se Nova Iorque ficasse a poucos quilômetros
dali, não na extremidade oposta da esfera terrestre. — Pelo que ouvi, voltou a ter problemas.
Adams ia dizer alguma coisa, mas Rhodan não permitiu que ele o interrompesse.
— Adams, não há necessidade de se desculpar. Aqui estamos enfrentando os mesmos
problemas. O poder de nosso pavoroso inimigo estende-se por todo mundo. Gostaria apenas
que me dissesse se não consegue sentir o início da influência exercida pelo Supercrânio.
Adams confirmou com um gesto hesitante.
— Sinto uma pressão no cérebro, mas quando isso acontece já é tarde. Não sei o que
teria acontecido se Betty não estivesse perto de mim. Sinto muito, Rhodan, mas não pode
confiar mais em mim.
— Que tolice, Adams! Não diga uma coisa dessas. Mantenha-se numa atitude passiva
até receber novas instruções. Evite nos próximos dias qualquer ação de maior envergadura,
pois vou precisar de Betty Toufry. De uma hora para outra o inimigo vai se expor, e então
golpearemos imediatamente.
— Tomara que isso aconteça logo. Não é nada agradável sabermos que já não somos
donos de nós mesmos.
Rhodan esboçou um sorriso tranqüilizador e interrompeu o contato.
No instante em que a imagem de Adams desapareceu, o sorriso desapareceu de seus
lábios.
***
Para quem não prestasse atenção à sua pele morena e se deixasse enganar por seus
modos fleumáticos, Fellmer Lloyd parecia ser um tipo absolutamente normal e corriqueiro.
Trabalhara durante anos numa usina atômica americana, onde exercia as funções de assessor
do diretor científico, mas a equipe de Perry Rhodan acabou por localizá-lo.
Fellmer Lloyd era um mutante natural.
Não poderia ser designado propriamente um telepata, mas suas faculdades
aproximavam-se das de um mutante desse tipo. Certo setor de seu cérebro fora modificado
pelas emanações radiativas a que seus pais estiveram expostos, a tal ponto que estava em
condições de, a qualquer momento, absorver os modelos cerebrais de seus semelhantes,
classificá-los e analisá-los. Não sabia captar os pensamentos, mas os sentimentos
fundamentais do próximo, e com isso também suas prováveis intenções. Ao falar com
alguém, sabia imediatamente se o interlocutor tinha uma disposição amistosa ou hostil para
com ele. Suas faculdades transformaram-no num tipo de localizador do Exército de
Mutantes.
Fellmer Lloyd estava parado junto à barreira do aeroporto de Moscou; sem despertar a
atenção de ninguém, observava os passageiros que desembarcavam e embarcavam no jato
de carreira. Era um dos aviões das linhas regulares que, por incumbência da Terceira
Potência, estabeleciam ligação entre os continentes.
Na semana anterior dois aviões desse tipo haviam sido destruídos no ar, por
sabotagem. O ministério da segurança da Terceira Potência recorrera aos mutantes aptos
para esse tipo de ação, a fim de impedir a repetição desse tipo de incidente.
E foi assim que Fellmer Lloyd passou a voar de um continente para outro, tateando os
passageiros e tomando cuidado para que nenhum sabotador subisse a bordo.
Ainda estava indeciso sobre se devia tomar esse avião e deixar a capital do Bloco
Oriental. Gostava de Moscou, onde travara relações bastante agradáveis. O povo parecia-lhe
muito amável e gentil, motivo por que sentia bastante ter que deixar essa cidade.
Fez um exame quase superficial de um casal elegante que atravessou a barreira e,
atravessando a faixa de concreto, dirigiu-se ao avião. Provavelmente seriam recém-casados
em viagem de núpcias. De qualquer maneira eram inofensivos.
Mais ao longe os telhados da cidade brilhavam sob os raios do sol que se punha.
Gigantescos arranha-céus erguiam-se para o alto, num esforço de concentrar sobre si os
últimos raios do sol no poente. A larga via de acesso que ligava o aeroporto à cidade recebia
os raios do sol em cheio; mal conseguia dar vazão ao tráfego.
Subitamente Fellmer Lloyd estremeceu.
Alguma coisa má, vinda não se sabe de onde, que não combinava com o ambiente de
paz, penetrou em seu espírito. Alguém pensava em violência e em cautela, em morte, em
assassínio.
O raio de ação de sua faculdade não era muito extenso, só atingia algumas centenas de
metros. Mas a intensidade das ondas cerebrais que o atingiam era tamanha que o respectivo
emissor devia se encontrar nas imediações.
Num movimento apressado lançou os olhos em torno de si.
Grupos de pessoas conversavam. Alguns se despediam, separavam-se, ainda acenavam
com as mãos. Uma dama jovem, com pernas lindíssimas, atravessou a barreira em passos
resolutos e dirigiu-se ao avião. Carregava uma grande pasta marrom. Mais à esquerda,
Lloyd viu um policial, cujos olhos atentos fitavam as pessoas que passavam por ali.
Os olhos de Lloyd voltaram a pousar na jovem dama. As impressões causadas pela
mesma fortaleceram-se em seu cérebro. Realmente. As idéias de violência provinham dela;
não havia a menor dúvida. Por um instante o mutante pensou que se tivesse enganado; mas
podia confiar em seu senso de orientação.
Cautelosamente movimentou seu corpo musculoso e seguiu a dama. Trajava um
vestido moderno e dava a impressão de que praticava muito esporte. Seu andar era elástico,
quase macio.
Faltavam três minutos para a decolagem.
Quando subiu a escada do avião, a dama apresentou sua ficha de embarque com o
número da poltrona, trocou algumas palavras com a aeromoça e entrou no avião. Lloyd
seguiu-a. Sua identidade bastou para que fosse admitido no avião. Recebeu um lugar
próximo ao da dama.
As idéias que se ocupavam com alguma coisa terrível enfraqueceram um pouco, dando
lugar a uma sensação de tranqüilidade e segurança temporária. Lloyd tinha certeza absoluta
de que no momento não havia o menor perigo. Mas também sabia que não devia tirar os
olhos daquela bela dama, enquanto ela se encontrasse no avião.
Devia ter uns vinte e cinco anos, era esbelta e tinha cabelos castanho-escuros. Os
olhos, um pouco estreitos, davam um encanto extraordinário ao seu rosto oval. Lloyd não
podia se conformar com a idéia de que se tratava de uma agente daquele personagem
desconhecido, o Supercrânio. Talvez tudo não passasse de coincidência.
O avião decolou e seguiu o sol que se punha. Sua velocidade era tamanha que o sol
ainda se encontrava na mesma altura quando pousou no aeroporto de Tempelhof, em Berlim.
Lloyd sentiu-se atingido por uma onda de excitação quando a moça se levantou e se
dirigiu à porta. O avião acabara de taxiar na pista e encontrava-se diante das salas de
inspeção alfandegária.
O mutante também se levantou e apressou-se para não perder de vista sua presa. As
ondas cerebrais da mesma eram tão intensas que Lloyd mal conseguia se proteger contra
elas. Quase chegavam a provocar dor ao penetrarem em sua consciência, despertando nela a
sensação de uma ameaça imediata.
Descera e caminhava a passos rápidos e decididos em direção à barreira. Segurava a
passagem na mão. Ao que parecia não tinha bagagem.
Nenhuma bagagem?
Lloyd teve a impressão de que alguém derramara uma tina de água escaldante em suas
costas. E a bagagem?
De supetão percebeu a realidade. A dama não trazia nada na mão. Deixara a pasta de
couro no avião.
Lloyd girou sobre os calcanhares, correu em direção ao avião, forçou passagem ao
lado dos passageiros que desciam, não deu a menor atenção aos protestos enfurecidos e, de
um salto, colocou-se junto à poltrona que havia sido ocupada pela suspeita.
A pasta de couro, aparentemente inofensiva, estava embaixo da poltrona.
Pegou-a num movimento rápido e voltou correndo pelo mesmo caminho. Por um
instante acreditou ter perdido a pista da possuidora da pasta. Mas descobriu-a junto à
entrada do aeroporto onde se esforçava para conseguir um táxi. Lloyd captou o modelo
confuso de suas idéias, nas quais voltara a se introduzir a insegurança. Não estava
convencida do acerto daquilo que acabara de fazer?
Chegou no momento exato em que ela ia entrando num táxi. Com alguns saltos
enormes, alcançou o veículo, abriu a porta e entrou. Fitou diretamente os olhos da dama,
arregalados de pavor. O olhar dela não se fixava nele, mas na pasta de couro que segurava
despreocupadamente embaixo do braço.
— Meu Deus — disse Lloyd, exausto. — Para que tanta pressa? A senhora esqueceu
esta pasta no avião.
A desconhecida fitou-o com os olhos perscrutadores. Depois disso uma expressão de
pavor passou pelo seu rosto. Enfiou a mão no bolso do vestido e retirou com um
revolverzinho. Mas Lloyd fora prevenido por um modelo dos sentimentos do outro cérebro.
Com um gesto tirou a arma da moça.
— Não faça isso, minha bela amiga — advertiu em tom suave. — Minhas intenções
são as melhores possíveis.
— Esta mentindo — disse a dama, sacudindo a cabeça. Falava um inglês arranhado,
com um ligeiro sotaque russo. — O senhor vem me perseguindo desde Moscou. Acha que
não percebi?
— Quer dizer que lê pensamentos.
A dama hesitou por um instante; depois confirmou com um aceno de cabeça.
— Sim, sou telepata.
No primeiro instante Lloyd ficou decepcionado e mesmo assustado. Como lidar com
alguém que adivinhava seus pensamentos mais secretos? Mas depois de algum tempo
sacudiu os ombros.
— Está bem. Nesse caso podemos usar de franqueza. A senhora foi incumbida pelo
Supercrânio de sabotar as linhas aéreas da Terceira Potência. Uma carga explosiva está
tiquetaqueando nesta pasta. A senhora ajustou o detonador e deixou a pasta no avião. Ela
explodiria na viagem daqui para Londres. Minhas suposições não são corretas?
Ela o mediu com o olhar.
— E se fosse assim?
— Nesse caso Perry Rhodan estaria muito interessado em conversar com a senhora.
Uma sombra passou pelo lindo rosto da dama.
— Não tenho nenhum interesse em conversar com o homem que traiu a Humanidade.
Diga-lhe isto da minha parte. Aliás, se fosse o senhor, procuraria me livrar desta pasta
quanto antes. A carga explosiva tem potência suficiente para nos atirar até as nuvens. E a
única pessoa que conhece o momento da detonação sou eu.
— Enquanto a senhora estiver comigo e não demonstrar nenhuma inquietação, nada
poderá me acontecer — observou Lloyd com uma lógica irrepreensível. Inclinou-se para a
frente e abriu o vidro que os separava do motorista. — Leve-nos de volta ao aeroporto —
voltou a fechar o vidro e dirigiu-se à prisioneira. — Seria bonito se nos apresentássemos. Já
conhece meu nome. Como posso chamar a senhora?
— Tatiana Michalovna — respondeu a dama em tom obstinado. Lloyd sentiu que não
mentia. — Em hipótese alguma descobrirá mais que isto.
— Perry Rhodan e seus mutantes descobrirão — prometeu Lloyd em tom tranqüilo e
ficou satisfeito ao constatar que sua interlocutora se assustou. — Tenho um avião rápido no
aeroporto. Daqui a algumas horas poderemos estar em Terrânia.
A dama não respondeu. Seus olhos pensativos estavam pousados na pasta de couro,
que estava de pé junto a Lloyd. Este percebeu o olhar e sorriu.
— Não se preocupe, madame. Na Sibéria encontraremos um lugar em que uma
pequena explosão não fará mal a ninguém. Por lá já houve explosões bem maiores.
A dama manteve-se num silêncio obstinado.
***
O duelo espiritual entre Marshall e Tatiana Michalovna não durou muito. A russa logo
percebeu que não adiantaria ocultar a verdade. E houve outro fator com que não contava:
Perry Rhodan.
Começou a falar com a voz hesitante.
— Tal qual todos os seres humanos, mantive uma atitude de ceticismo face à Terceira
Potência. Para mim o senhor, Sr. Rhodan, era um traidor pois aliou-se a seres extraterrenos
que aspiravam ao domínio mundial. É bem verdade que impediu a guerra atômica entre o
Oriente e o Ocidente. Mas nem por isso tinha o direito de nos forçar a ingressar num
processo evolutivo que avança com rapidez excessiva, atirando-nos para fora da trilha que
nos foi prescrita. Também teríamos alcançado a união mundial sem o senhor.
— Não tenho a menor dúvida — admitiu Rhodan sorrindo e piscou o olho. — Teriam
conseguido à sua maneira, naturalmente. Acontece que eu fiz à minha maneira. Há alguma
objeção contra isto?
— Há algumas. O fato é que um belo dia me encontrei com um homem cujas idéias
coincidiam com as minhas. Também ele condenava a Terceira Potência e desejava a paz.
Nossa paz. Entrei em contato com ele. Como nem desconfiasse das minhas capacidades
telepáticas, descobri tudo. Uma quarta potência está sendo formada; será uma potência
puramente humana, que nada terá que ver com os arcônidas e raças da Via Láctea. A
política do Supercrânio é terrena, não galáctica.
— Não é nada inteligente — disse Rhodan. — Prossiga, Michalovna.
— Resolvi me unir ao grupo do Supercrânio — disse a moça com a maior
naturalidade. — A luta dele é uma luta justa, pois dirige-se contra uma coisa que sempre
será estranha à nossa natureza.
— Já houve um tempo em que as pequenas nações da Europa julgavam as culturas
vizinhas estranhas à sua natureza — objetou Rhodan. — Hoje formam uma unidade.
— Trata-se de uma evolução natural, não artificial...
— Não diga isso. Deram um empurrão.
— Apesar de tudo...
— Não vejo a menor diferença. A Humanidade teve de se convencer de que não é a
única raça inteligente que existe no Universo. Deve se manter isolada, para ser vitimada um
belo dia por uma agressão? Não será muito melhor que nos adaptemos ao ambiente em que
vivemos? Não podemos fazer mais que isso. Só uma Terra unida sob uma mão forte não
perderá a oportunidade de se integrar na civilização galáctica. Há alguns anos ainda se
julgava que essa evolução dos acontecimentos se situava num futuro muito distante; parecia
o sonho de um alucinado. Hoje ingressou no mundo da realidade. Devemos tomar nossa
decisão, e muita gente já o fez. Nem mesmo um Supercrânio pode modificar isso.
— Nem pretende fazê-lo. Apenas opõe-se ao domínio exclusivo que o senhor quer
exercer.
Rhodan sorriu e lançou um olhar rápido para John Marshall.
— Se aspirasse ao domínio exclusivo, já o teria alcançado. A senhora não deixará de
reconhecer isso.
A moça hesitou.
— É verdade. Por que ainda não o conquistou?
— Porque não faço a menor questão disso. A polícia deve cuidar da ordem, mas nunca
deve governar.
— Então acha que lhe cabe o papel de polícia mundial?
— Talvez, mas isso não deve ser levado ao pé da letra. Prefiro que me considere um
desbravador de caminhos.
A moça não respondeu, mas seu rosto revelava que refletia intensamente. De repente
John Marshall, o telepata, disse:
— Michalovna, por que será que não consigo captar claramente todos os seus
pensamentos? Nunca encontrei uma pessoa que conseguisse ocultar seus pensamentos de
mim.
— Pois desta vez o senhor acaba de encontrar uma pessoa destas — disse Tatiana com
um sorriso de superioridade. — Além da telepatia possuo outra faculdade, que
aparentemente ainda não se tornou tão corriqueira como supus. Posso instalar um bloqueio
volitivo contra qualquer tipo de influência estranha. É bem possível que esse bloqueio
também isole meus pensamentos do mundo exterior, impedindo que sejam captados por um
telepata.
— A senhora sabe se resguardar contra qualquer influência estranha? — perguntou
Rhodan bastante interessado. — Será que há necessidade disso? Os hipnos são muito raros.
— O Supercrânio é um hipno — disse Tatiana, enfatizando as palavras.
Rhodan contemplou-a por algum tempo; depois acenou lentamente com a cabeça.
— Quer dizer que a senhora sabe se defender de uma influência hipnótica exercida a
distância?
Esperou até que a moça confirmasse com um aceno de cabeça e prosseguiu:
— Mesmo neste instante estaria em condições de agir contra vontade do Supercrânio?
A moça voltou a confirmar com um aceno de cabeça.
— Já sabe que costuma ordenar a qualquer colaborador aprisionado por nós que
morra?
Tatiana empalideceu.
— E daí? — perguntou, assustada.
— A pessoa obedece e morre — respondeu Rhodan em tom brutal. — Por isso
recomendo-lhe que tome cuidado para que seu bloqueio volitivo resista. Provavelmente é o
único ser humano sobre o qual o Supercrânio não consegue exercer qualquer influência,
com exceção de nós, evidentemente. É possível que possa haver certa influência, mas nunca
o comando dirigido ao nosso coração, de suspender sua atividade.
— Isso é uma coisa horrível! — exclamou Tatiana. Não podia se conformar com o fato
de que seu chefe era um homem sem escrúpulos. Rhodan tirou proveito da situação.
— O Supercrânio fez com que uma das nossas companhias se amotinasse e atirasse
contra seus companheiros. Felizmente conseguimos evitar o pior.
Tatiana cobriu o rosto com as mãos.
— E eu estava tão cega que quase chego a assassinar cem pessoas inocentes. Aquela
bomba...
— Não pense mais nisso — disse Rhodan baixinho e em tom insistente. — Já houve
gente que fez coisa muito pior, de boa fé. A senhora agiu de acordo com suas convicções.
Assim que estiver recuperada do susto, Lloyd a levará de volta para Moscou. Ninguém a
obrigará a ficar conosco.
A moça olhou-o, espantada.
— Vai me colocar em liberdade?
— Por que iria segurá-la? Não acredito que a senhora caia mais uma vez na tolice de
se deixar levar por simples frases. O Supercrânio não é apenas um nacionalista estúpido,
mas também um criminoso ávido de poder. Ainda vou descobrir quem se oculta atrás da
máscara do Supercrânio.
Tatiana levantou a cabeça e encarou Rhodan, um tanto espantada. De repente sorriu.
— Não sabe quem é o Supercrânio? — perguntou em tom perscrutador.
Rhodan sacudiu a cabeça. Subitamente seus olhos cinza-azulados tornaram-se frios e
emitiram um brilho enérgico. Inclinou-se para a frente.
— Será que a senhora sabe?
Tatiana acenou com a cabeça e saboreou seu triunfo.
— Sei; até o conheço pessoalmente.
3
Nas imediações da região onde em 1.945 foi detonada a primeira bomba atômica, um
reator experimental entrou em pane em fins de 1944. As radiações liberadas pelo acidente
mataram muitos cientistas e trabalhadores, mas outros tantos escaparam com vida.
Um deles foi o físico Monterny, que casou pouco depois. Foi um casamento breve,
mas feliz. Em 1.945 sua mulher presenteou-o com um filho, Clifford Monterny. Clifford era
um mutante de primeiro grau, um hipno de potência inacreditável.
Seguindo o exemplo do pai, estudou física. Sua inteligência extraordinária levou-o a
conquistar posições importantes e uma fortuna apreciável, mas quase chegou a envelhecer
antes que descobrisse suas capacidades anômalas. Não tinha a menor dificuldade em impor
sua vontade a outras pessoas. Levou dois anos para descobrir que a distância não impunha
qualquer limitação à influência por ele exercida. Depois de ter visto um homem uma única
vez, conseguiria localizá-lo do outro lado do mundo e submetê-lo à sua influência.
Clifford Monterny era gordo e flácido; não tinha um aspecto muito atraente. As
mulheres evitavam-no, e essa circunstância talvez tivesse exercido alguma influência em
seu caráter. A expressão de seus olhos pequenos e afundados nas órbitas sempre era de
inveja e desconfiança. Com trinta e dois anos já tinha a cabeça completamente calva e quase
sempre andava de chapéu. Sua inteligência extraordinária formava um contraste chocante
com seu aspecto desagradável.
Teve sua atenção despertada pela formação da Terceira Potência e pelos êxitos
alcançados por Perry Rhodan. Acompanhou a formação do Exército de Mutantes e por mais
de uma vez tomou a decisão de se colocar ao dispor de Rhodan. Mas nunca o fez.
Não era ele mesmo um mutante? Não poderia dirigir os destinos da Humanidade se o
desejasse? Não estaria em condições de reunir um poder maior do que jamais um homem
teve em suas mãos? Não poderia formar seu próprio exército de mutantes?
Foi assim que Clifford Monterny começou a reunir, às escondidas, seu próprio grupo
de mutantes.
Clifford Monterny transformou-se no Supercrânio, um homem que quase ninguém
conhecia e que parecia estar em todos os lugares, ou em lugar nenhum. Sua fortuna
permitiu-lhe construir um verdadeiro castelo nas Montanhas Rochosas de Utah. Menos de
cem quilômetros ao leste do grande lago salgado, ao pé do Emmons Peak com seus quatro
mil e noventa metros de altura, ficava sua fazenda de nove quilômetros quadrados. A casa
ali construída parecia uma verdadeira fortaleza, que poderia ser considerada inexpugnável.
As conquistas da técnica moderna permitiam-lhe detectar e vigiar qualquer visitante, e elas
o defenderiam eficazmente contra qualquer ataque.
Quando atingiu a idade de trinta e cinco anos, suas capacidades telepáticas estavam
totalmente amadurecidas. Além de seus dons hipnóticos, sabia dominar qualquer homem
com quem se tivesse encontrado uma vez que fosse, captando o modelo de suas vibrações
cerebrais. Para um homem desses não haveria escapatória: o Supercrânio saberia localizá-lo,
onde quer que ele se escondesse.
Num trabalho silencioso, o quartel-general de uma nova potência foi instalado nas
montanhas rochosas de Utah; tratava-se de uma potência que poderia representar um perigo
mesmo para Perry Rhodan. O primeiro ataque, de natureza econômica, desfechado contra a
Terceira Potência, foi rechaçado por Rhodan. Mas o Supercrânio passou a utilizar métodos
mais diretos.
Foi nesse estágio dos acontecimentos que Perry Rhodan teve conhecimento da
identidade daquele homem, até então desconhecido.
***
***
O cadete Julian Tifflor viu bem ao longe a lâmina redonda formada pela Terra. A
curvatura da mesma era acompanhada por uma camada leitosa formada pelas partes mais
densas da atmosfera; dali em diante o céu, passando pelo violeta, tornava-se negro. As
grandes estrelas brilhavam, mas não cintilavam, muito embora o sol estivesse no céu.
Perry Rhodan o admitira sem maiores formalidades na frota da Terceira Potência.
Confiou-lhe o comando de um destróier. Juntamente com Ray Gall e Pete Maros
encontrava-se no Z-82, trinta mil metros acima do quartel-general da F.D.T., onde Rhodan
estava conferenciando com Mercant.
Mais oito destróieres flutuavam nas proximidades, sustentados pelos neutralizadores
gravitacionais. Mais acima, numa posição em que não podia ser alcançada pela vista dos
tripulantes dos destróieres, a imensa nave Stardust-III estava estacionada no espaço. Bell em
pessoa estava no comando, enquanto Rhodan se encontrava em terra. A Terceira Potência
passara ao ataque contra o Supercrânio.
Mercant transmitira as necessárias instruções; ninguém pensaria em incomodar os
nove destróieres que aguardavam sobre o território submetido à soberania americana.
Quanto à Stardust-III, uma nave esférica de oitocentos metros de diâmetro, de qualquer
maneira não existia arma capaz de afetá-la.
Tiff respirou aliviado quando a tela se iluminou diante dele, exibindo o rosto
conhecido de Bell. Sabia que no mesmo instante os comandantes dos outros destróieres do
grupo estavam entrando em contato com a Stardust-III.
— Atenção, todos os destróieres. Dentro de alguns minutos a nave auxiliar que conduz
Rhodan chegará à Stardust-III. A ação planejada será levada avante. Basta que observem as
instruções permanentes. Fim.
A tela continuou iluminada, mas o rosto de Bell desapareceu. O contato acústico foi
interrompido. Essa situação perdurou por dez minutos, após os quais veio uma indicação de
rota. A voz tranqüila de Bell conduzia os nove destróieres ao destino.
***
O posto de comando militar de Clifford Monterny ficava bem abaixo do nível do solo.
Cercado de inúmeras telas e outros instrumentos de comunicação, o Supercrânio
estava sentado nessa central, igual a uma aranha em sua rede. Era para ali que convergiam
todos os fios, era dali que o monstro dirigia suas batalhas que geralmente passavam quase
despercebidas.
Uma das telas se iluminou. Exibiu um rosto asiático. A imagem tremia, ocultando os
detalhes. A transmissão devia passar por muitos postos de relê.
— O que houve, S-7? — perguntou Clifford.
— No âmbito das novas tentativas, a Usina Syntak foi destruída na noite passada. Fica
na Austrália e sessenta e cinco por cento de seu capital pertencem à G.C.C.
— Obrigado, S-7. Remeterei o cheque. O quadro se apagou. Outro rosto surgiu numa
tela diferente. Era de um negro.
— Aqui fala M-3, meu senhor. Hoje de manhã o governador de Sirãpolis foi vitimado
num acidente de trânsito. O condutor do veículo que causou o acidente escapou sem ser
identificado.
— Obrigado, M-3. Já conhece sua próxima tarefa?
— Perfeitamente. Recebi as instruções por intermédio...
— Está bem, M-3. Aguardo aviso de que a tarefa foi cumprida. Fim.
Ainda outra tela se iluminou.
— Alô, chefe. Aqui fala SP-6. Há uma freqüência extraordinária de vôos no território
da F.D.T. A presença da nave esférica foi observada. O F.B.I. recebeu solicitações de dados
sobre a pessoa de Clifford Monterny.
— O quê? — o Supercrânio se inclinou para a frente. — Sobre minha pessoa?
— Não há dúvida sobre a autenticidade da informação, chefe. Apenas não sei quem
solicitou os dados.
— Que diabo! Não é possível! Ninguém sabe quem sou. A não ser que...
Como uma alucinação, o rosto oval de uma linda mulher surgiu diante de seus olhos.
Há dias não tinha contato com ela.
Tatiana Michalovna!
Perdera-a no instante em que ela deixou de executar sua última tarefa. Sabia que
Tatiana era uma telepata de elevada potência, tal qual ele mesmo. Além disso, porém,
dispunha da faculdade de isolar seu cérebro, subtraindo-se a qualquer tipo de influência.
Inclusive de qualquer influência partida dele.
Será que Tatiana poderia ter se atrevido a traí-lo? Por que teria agido assim? Não era
uma das suas adeptas mais convictas? Sempre tivera de se controlar quando se encontrava
nas proximidades dela, para não pensar alguma coisa que não devia.
— Deve ter sido um dos membros da nossa equipe — soou a voz do agente SP-6. —
Assim que descobrir quem solicitou as informações do F.B.I., voltarei a entrar em contato
com o senhor. Fim.
Por alguns minutos Clifford interrompeu a recepção e refletiu intensamente. Seu
supercérebro expandiu-se, procurando localizar seus homens em todas as partes do mundo.
Às vezes isso não era fácil, motivo por que para as mensagens rotineiras mantinha seu
equipamento de comunicações.
Todavia, se necessário, poderia vigiar seus agentes independentemente desse
equipamento.
Havia treze mutantes submetidos ao seu comando. Um dos grandes mutantes não pôde
acusar o recebimento da mensagem telepática, visto que não se encontrava na Terra. Onze
deles responderam e receberam instruções para regressar imediatamente. Um único mutante
não atendeu ao chamado de Clifford: era Tatiana Michalovna.
O Supercrânio não perdeu tempo. Deu o alarma preventivo. Os primeiros mutantes
estavam chegando. A fortaleza foi colocada em condições de se defender.
Os minúsculos aviões-foguetes foram pousando na área imensa da fazenda. Traziam os
atores principais, os mutantes, que haviam abandonado seus postos para regressar ao
quartel-general, onde lhes seriam ministradas instruções diretas. Uma atividade febril
começou a se desenvolver nas galerias subterrâneas da antiga mina. Peças de artilharia
moderna subiram em elevadores, entrando em posição de defesa pouco abaixo da superfície.
Tudo se processou automaticamente, obedecendo a comandos eletrônicos.
Sentado na sala de comando, o Supercrânio controlava o desenrolar dos
acontecimentos. As telas mostravam todos os detalhes das áreas adjacentes à sede da
fazenda. Mas, por mais que se esforçasse, não viu nada de suspeito. Não se via nem se ouvia
nada de um eventual atacante.
Talvez o agente SP-6 se tivesse enganado; era possível que a solicitação formulada ao
F.B.I. não passasse de um ato de rotina. Mas, para um homem que ocupava sua posição, a
cautela nunca seria demais. Quem dera que o elemento que tinha em Terrânia desse sinal de
vida.
Clifford Monterny não sabia que esse homem nunca mais daria sinal de vida, porque
nunca mais estaria em condições de fazê-lo. Por mais que seu espírito perscrutador o
procurasse, não conseguiria entrar em contato com um cérebro morto. Tatiana tomara
providências para que esse tipo de traição se tornasse impossível. Ao ser preso, o homem de
Clifford foi morto em legítima defesa.
Conforme já foi dito, o Supercrânio não conhecia esse detalhe. Aguardava em vão por
um contato vindo de Terrânia. E, como esse contato não chegava, não podia ter certeza se
Perry Rhodan descobrira sua identidade.
Por enquanto tudo continuava quieto.
Mas, ao menor sinal de um ataque, a fazenda inofensiva do generoso Clifford
Monterny se transformaria numa fortaleza a cuspir fogo.
O Supercrânio estava preparado para a luta.
***
***
Numa fúria desesperada, Clifford Monterny fitou os controles das peças de artilharia
automaticamente dirigidas. O cérebro eletrônico não reagia mais. As escalas indicavam a
marcação zero. Os canhões haviam sido colocados fora de ação.
Mas, se Rhodan acreditava que só por isso já ganhara a batalha, estava redondamente
enganado.
Era bem verdade que Clifford supusera que conseguiria liquidar qualquer atacante com
algumas salvas rápidas de suas vinte peças de artilharia; no entanto, não deixara de prever
outras possibilidades. Não foi à toa que formou um pequeno exército de mutantes, que lhe
dispensava uma cega dedicação.
Seus dedos giraram um botão. Uma tela se iluminou, e nela surgiu a cabeça de um
homem branco. Os cabelos cortados rente faziam concluir que se tratava de um americano.
— Roster Deegan — disse o Supercrânio — ponha seus homens em ação.
Especialmente os telecinetas. Rhodan está atacando com robôs. Em hipótese alguma devem
alcançar a casa. O senhor comparecerá à sala de comando para dirigir o contra-ataque.
Dois minutos depois dessa palestra, os telecinetas de Monterny entraram em ação.
***
***
O Supercrânio sentiu que Tatiana se afastou dele e estabeleceu contato com seu
telecineta. Imaginava o que desejava dele e decidiu aproveitar a oportunidade para tirar a
prova.
Como telepata que era, compreendeu a ordem que Tatiana transmitiu através de seus
pensamentos. Acontece que não era apenas um telepata, mas também um hipno. Deu a
contra-ordem.
Roster parou indeciso em meio ao movimento que ia executar; lentamente voltou a
sentar. O Supercrânio era mais forte que o projetor mental. Monterny começou a exultar;
mas Roster voltou a se levantar. A passos lentos dirigiu-se para a porta e foi ao corredor.
Por um instante, Supercrânio, perplexo, seguiu-o com os olhos. Mas logo praguejou e
voltou a ativar seus dons hipnóticos com uma intensidade ainda maior. Mas percebeu logo
que uma resistência tremenda se lhe opunha, uma resistência que não conseguia vencer. Não
sabia que nesse meio tempo André Noir, o hipno de Rhodan, havia entrado em ação.
Reunindo suas forças às do projetor mental manipulado por Tatiana, era mais potente que o
Supercrânio.
O fracasso deixou Monterny arrasado. O fato de não poder enfrentar Rhodan no
terreno da técnica não lhe ofendia o orgulho; mas não podia se conformar em ser inferior ao
inimigo também no terreno espiritual.
Poderia matar Roster, mas preferiu não fazê-lo. No mesmo instante em que praticasse
tal ato, todos os mutantes se voltariam contra ele, e isso poderia se tornar perigoso na
situação em que se encontrava.
Se estivesse só, talvez conseguisse dominá-los; mas com o reforço espiritual dos
mutantes de Rhodan seriam mais fortes que ele.
A fuga?
O Supercrânio cerrou os lábios. Evidentemente também pensara nessa possibilidade e
providenciara tudo que com ela se relacionasse. No hangar subterrâneo, o terceiro destróier
estava à sua disposição. Estaria em condições de dirigir essa nave, que tinha apenas trinta
metros de comprimento. As provisões de mantimentos que se encontravam a bordo seriam
suficientes para muitos anos. O armamento era suficiente. O destróier poderia alcançar a
velocidade da luz. E, em Marte, o último e o mais terrível dos mutantes aguardava o
momento de entrar em ação.
Por que esperar até que ficasse encurralado e não tivesse nenhuma saída?
Clifford Monterny fez mais uma tentativa para recuperar sua influência sobre Roster
Deegan, mas logo se deu conta da inutilidade dos seus esforços. Apesar disso não desistiu.
Quis dificultar as coisas ao máximo para Rhodan.
Enquanto Roster abria a saída de emergência da fortaleza e a atenção de Tatiana se
concentrava na nova tarefa, o Supercrânio transmitiu comandos pós-hipnóticos aos seus
mutantes e fechou-lhes o cérebro por meio de um bloqueio psicológico. Sabia que a ruptura
desses bloqueios era apenas uma questão de tempo, mas isso aumentaria sua vantagem na
fuga. E bem que precisaria dessa vantagem.
Não hesitou mais.
Fechou-se psiquicamente do mundo exterior e providenciou para que nenhum telepata
pudesse seguir sua pista. Era bem verdade que assim perderia toda orientação espiritual, mas
já não estava interessado no que acontecesse dali em diante no seu reino. Tinha uma tarefa
bem maior à sua frente.
Saiu da sala de comando em passos apressados e andou rapidamente pelo corredor.
Ouviu passos e gritos atrás de si. Tiros soaram nos corredores, e alguém berrou um
comando. Em meio a tudo isso, ouvia-se o andar ritmado dos robôs arcônidas. As forças de
Rhodan haviam penetrado na fortaleza do Supercrânio.
Clifford Monterny, tomado de raiva e desespero, cerrou o punho, soltou uma praga e
continuou a correr. Entrou numa estreita passagem lateral e aumentou a velocidade da
corrida. Devia ter pensado em algum meio de transporte subterrâneo. Mas quem poderia
imaginar que seu esconderijo aparentemente inexpugnável viesse a cair diante do primeiro
ataque? O Supercrânio não podia deixar de reconhecer que, depois de ter alcançado suas
primeiras vitórias, subestimara o inimigo.
O corredor parecia não ter fim. Tal qual em todos os outros, as luzes de teto, instaladas
de espaço em espaço, espalhavam uma débil luminosidade. Havia dezenas de corredores
desse tipo, e os homens de Rhodan levariam bastante tempo em descobrir este.
Uma curva. Mais uma. Depois prosseguiu em linha reta.
O Supercrânio tivera bastante inteligência para instalar seu hangar a boa distância da
sala de comando. Se esta fosse destruída numa ação bélica, o hangar permaneceria intacto.
Além disso, ninguém desconfiaria de que sua saída de emergência se encontrava a mais de
dois quilômetros da entrada principal.
O barulho atrás dele já havia cessado. Os passos do Supercrânio se tornaram mais
lentos. Grossos pingos de suor reluziam em sua calva. Os traços contorcidos do rosto flácido
e nada belo alisaram-se. Nos olhos assustados voltou a brilhar aquela fria superioridade.
Apesar disso, Monterny estava satisfeito em saber que ninguém o via. Ele, o grande
desconhecido, que era superior a qualquer mortal, estava fugindo.
O corredor terminou diante de uma parede lisa.
Os dedos trêmulos do Supercrânio apalparam a parede e encontraram uma pequena
elevação. Uma ligeira pressão, e a parede deslizou para cima, deixando livre a passagem.
Prosseguiu. A parede se fechou atrás dele.
Encontrava-se num pavilhão não muito grande, mas bastante alto. Quase lembrava o
poço de uma mina. As paredes eram de rocha nua, cujas saliências haviam sido removidas
às pressas. O teto de rocha, que tinha uns cem metros de altura, parecia fechar o hangar.
Bem no meio do gigantesco poço, o destróier roubado de Rhodan descansava sobre os
suportes telescópicos.
Clifford Monterny suspirou aliviado. Agora nem mesmo Rhodan conseguiria impedir
sua fuga. Se logo após a decolagem imprimisse à nave a aceleração máxima, ninguém o
alcançaria.
Num pensamento fugaz, lembrou-se dos cientistas seqüestrados, que seriam
encontrados e libertados por Rhodan. Isso pouco lhe importava, pois já se apoderara do seu
saber. Foi graças a eles que conseguiu alcançar o controle perfeito da nave espacial que
tinha diante de si.
Deu alguns passos, alcançou os suportes telescópicos e acionou o botão de controle da
comporta de entrada. No mesmo instante a escotilha se abriu muitos metros acima dele e a
escada deslizou em sua direção.
Enquanto isso acontecia, correu de volta e comprimiu outro botão, que estava
embutido na parede de rocha. Lançou um olhar ansioso para o alto.
A parede de rocha maciça começou a se mover lá em cima. Deslocou-se para o lado,
deixando livre o caminho da fuga. A luz do dia penetrou no hangar, fazendo com que
empalidecessem as luzes que ali se encontravam acesas.
Clifford Monterny não perdeu mais nenhum segundo.
Com alguns saltos, colocou-se junto da escada que já havia completado seu
movimento em direção ao solo, subiu por ela e desapareceu no interior da nave. A escotilha
se fechou com um baque surdo.
Mais alguns segundos se passaram.
Esses segundos transformaram-se em minutos.
Na sala de máquinas da nave, os geradores de energia e os transformadores
começaram a ressoar. O fluxo de partículas atravessou condutos de consideráveis
espessuras, foi submetido a um processo de compressão e de aceleração nos propulsores e
saiu dos bocais de popa sob a forma de impulso ultraluminosos com a velocidade da luz.
A rocha embaixo do destróier começou a ferver, enquanto os suportes telescópicos
eram recolhidos. A nave disparou para o alto.
A energia que escapava para todos os lados com uma pressão tremenda atingiu as
paredes do hangar e derreteu a rocha. A porta secreta foi destruída.
Era evidente que o Supercrânio pretendia utilizar esse caminho de fuga uma única vez.
Com uma aceleração louca, a nave subiu na vertical e, qual um gigantesco projétil,
saiu do cano de cem metros. Dentro de poucos segundos, mergulhou e desapareceu no azul
do céu.
5
Rhodan saiu da Good Hope-V, também conhecida por G-5, no momento exato em que
Roster Deegan surgiu na superfície e, com os olhos inexpressivos, caminhou na direção de
Tatiana, que se aproximou dele e procurou lhe restituir aos poucos sua própria vontade.
O Exército de Mutantes substituiu os robôs e os soldados e assumiu a vigilância. O
telepata John Marshall permaneceu ao lado de Rhodan.
— Tatiana avisa que além de Deegan ainda há dez mutantes no interior da fortaleza.
Um comando pós-hipnótico os obriga a cumprir as instruções do Supercrânio. Devem ser
libertados individualmente da vontade de Monterny.
— E os prisioneiros do Supercrânio? Tatiana não descobriu nada?
— Descobriu sim, mas não tem certeza. Ao que parece, encontram-se na fortaleza de
Monterny.
— Está bem — Rhodan lançou os olhos em torno. — Podemos iniciar a luta contra os
mutantes. Eu mesmo cuidarei de Monterny.
Pegou o projetor mental e dirigiu-se a Tatiana e Deegan, que se defrontavam num
duelo mudo. Perto deles a entrada do labirinto estava aberta. Havia degraus que conduziam
para baixo.
— Irei com você — disse Marshall, permanecendo ao lado de Rhodan. — Sengu,
Anne Sloane e Betty Toufry também. Sengu poderá nos prevenir quando surgir qualquer
perigo, enquanto os dois telecinetas poderão deter qualquer atacante até que consigamos
romper o bloqueio hipnótico.
Foi exatamente o que aconteceu nesse instante com Roster Deegan.
O americano sacudiu a cabeça, como se acabasse de emergir das profundezas da água
e se sentisse livre da pressão. Pegou a mão de Tatiana.
— Ainda não compreendi tudo, mas começo a imaginar o que aconteceu. Conte
comigo. E liberte os outros.
Rhodan se aproximou.
— Venha, Tatiana. Não podemos perder tempo. Ninguém sabe que diabrura o
Supercrânio estará preparando.
Roster lançou um olhar perscrutador para Rhodan. Fitou-o prolongadamente nos olhos
e estendeu-lhe a mão.
— O senhor é Rhodan; conheço-o pelos retratos. Deve estar interessado em aumentar
os efetivos de seu Exército de Mutantes. Se for assim, saiba que no interior da fortaleza há
dez homens que aguardam a hora de poder se considerar seus amigos. Mas ainda não estão
livres.
Tatiana apontou para os projetores mentais que ela e Rhodan traziam na mão.
— Logo estarão.
Enquanto se dirigia para a sala de comando, encontrou-se com o primeiro telecineta.
Subitamente Rhodan sentiu-se atirado para o lado. Teve que estender as mãos para
evitar que sua cabeça batesse contra a parede. Deixou-se escorregar para o chão, para
subtrair-se por um instante à atenção daquele defensor da fortaleza. Depois disso dirigiu
calmamente o projetor para a figura apagada que mal se destacava na luz do corredor.
Martelou insistentemente seus comandos contrários ao bloqueio hipnótico, que não fez
menção de ceder à resistência que subitamente lhe era oposta. Só quando André Noir
acorreu às pressas e utilizou sua potência hipnótica para romper a barreira mental e
implantar seus comandos no cérebro do mutante que o poder do Supercrânio se esfacelou.
Rhodan teve a cautela de lhe transmitir um comando pós-hipnótico através do projetor
mental. Não havia tempo para explicações.
Continuaram a penetrar passo a passo no reino abandonado do Supercrânio. Os
mutantes ainda dominados pelo mesmo opunham-lhe uma resistência encarniçada, mas a
mesma acabou sendo vencida.
Incluindo Roster Deegan, dez mutantes haviam mudado de dono. Mas deviam ter sido
onze.
Onde estava o outro?
Onde estava o Supercrânio?
Rhodan lançou os olhos em torno.
— Ras Tshubai.
A figura gigantesca do africano se aproximou.
— Sim.
— Deu busca em toda a fortaleza?
O teleportador levantou a mão, num gesto de insegurança.
— Não sei. Nesta toca de raposa há tantos corredores e salas que nunca se pode ter
certeza de ter estado em todos os lugares. De qualquer maneira, encontrei a sala de
comando. Está vazia. Não encontrei a menor pista do careca.
— E os cientistas?
Antes que Ras pudesse responder, Sengu, o espia, disse:
— Estão presos num calabouço. Trata-se de um complexo com compartimentos
residenciais. Há um elevador no qual se pode descer ao lugar em que se encontram.
O japonês olhou em direção inclinada para o chão. Quem imaginasse que enxergava
perfeitamente através das massas rochosas não conseguiria evitar um calafrio.
— Alguém deve tê-los encontrado. Vejo um vulto que está mexendo na porta da ala
dos prisioneiros. Não o reconheço.
Betty Toufry, que era telepata e telecineta ao mesmo tempo, se aproximou:
— Estou captando os pensamentos de um homem — cochichou, lançando um olhar
inseguro na mesma direção de Sengu. — São débeis e confusos. Quer matar.
Ras Tshubai se dirigiu a Sengu.
— Descreva a situação do calabouço, para que possa interceptar o homem antes que
faça alguma tolice. Vamos logo!
Rhodan manteve-se imóvel, pois não podia fazer nada. Deixou livres as mãos dos
telepatas. Não via nada, não ouvia nada, não sentia nada. Não era um mutante, era apenas
um homem perfeitamente normal, se o abstrairmos de certas qualidades que nada têm que
ver com qualquer modificação da estrutura cerebral.
Ras Tshubai prestou atenção às breves indicações de posição fornecidas por Sengu,
acenou com a cabeça... e desapareceu.
Os que ficaram sentiram o ligeiro deslocamento de ar provocado pela massa aérea que
penetrou no vácuo formado subitamente com a desmaterialização do teleportador. Nesse
mesmo instante o corpo de Ras Tshubai lhe era restituído no lugar desejado; ele voltava a se
materializar.
Rhodan resolveu aproveitar a pausa forçada.
— Tatiana e Marshall, venham comigo. Precisamos descobrir o que é feito do
Supercrânio. Não posso imaginar que esteja escondido em algum canto e fique parado até
que o encontremos.
— Nesta fortaleza há dezenas de corredores, e ninguém de nós viu todos eles —
ponderou a russa. — Só sei que um deles leva a um hangar aberto na rocha, onde está
guardado um dos destróieres roubados. Quem sabe...
— É claro que só pode ser isso — disse Rhodan com certa impaciência. — Você devia
ter dito logo. Tenho certeza de que o Supercrânio é bastante inteligente para perceber sua
derrota no momento adequado. Você diz que o hangar foi aberto na rocha?
— Isso mesmo.
— Só pode ficar a oeste daqui. Não deve ser difícil encontrar o corredor que leva para
lá. Venha comigo.
A iluminação ainda estava funcionando. Rhodan correu a frente pelos corredores
vazios; Tatiana e Marshall seguiram-no de perto. As paredes de rocha refletiam o eco
abafado e cavo de seus passos.
Atingiram um ponto em que o corredor se bifurcava. Rhodan lançou um olhar ligeiro
para a bússola embutida em seu relógio e escolheu o caminho que seguia pela esquerda.
— Este corredor leva exatamente para o oeste. Talvez seja ele.
Não esperou a resposta, mas continuou a correr.
De repente a rocha começou a vibrar mais à frente. O chão tremia sob seus pés, como
se os efeitos de um terremoto distante se fizessem sentir até ali.
Rhodan parou assustado e Marshall empalideceu. Tatiana baixou a mão que segurava
o projetor mental.
— O que foi isso? — cochichou com a voz quase inaudível.
Rhodan cerrou o punho.
— Foi o destróier. De qualquer maneira já sabemos que o corredor é este mesmo.
Chegamos tarde. Talvez o pessoal que está lá em cima cuide melhor. Vamos ao menos dar
uma olhada naquilo.
A dez metros do ponto em que o corredor terminava, foram atingidos, subitamente, por
uma onda de calor seco, que os impediu de prosseguir. À luz das lâmpadas do teto, Rhodan
viu pingos de rocha endurecidos. A idéia atingiu-o com a força de um raio: o hangar ficava
atrás dessa parede.
— O calor liberado pela decolagem do destróier não pôde se espalhar e derreteu as
paredes. Não acredito que possamos atingir o hangar por aqui.
Refletiu por alguns segundos e disse em tom resignado:
— Isso não nos adiantaria nada. A esta hora o Supercrânio já está correndo pelo
espaço. Só podemos fazer votos de que alguém tenha percebido sua fuga.
— Devíamos avisar a Stardust-III — sugeriu Marshall.
Um sorriso amargo se esboçou no rosto de Rhodan.
— Mesmo para isso seria tarde, Marshall. Mas não se preocupe. O Supercrânio não
nos escapará por muito tempo. Afinal, temos algumas pistas.
Diante dos olhos de Rhodan surgiu o quadro de solidão, formado por um deserto
vermelho atravessado por largas faixas de verde e aquecido escassamente por um sol
distante.
6
Pete Maros era mexicano, mas não tinha quase nada em comum com seus
antepassados.
Mas herdara uma coisa desses antepassados: seu temperamento impulsivo, que
formava um contraste marcante com a atitude fleumática do inglês Ray Gall. A função
principal de Ray era a de telegrafista do destróier Z-82 que, depois de reparado, passou a ser
utilizado por Rhodan.
O comandante da nave era Julian Tifflor, que, por enquanto, ainda ocupava o posto de
cadete da Academia Espacial.
O grupo de nove destróieres se espalhara e se mantinha a menos de trinta mil metros
de altura sobre o Estado de Utah. Cinqüenta mil metros acima dele, Bell procurava se
consolar com o fato de que era de certa forma o quartel-general de Perry Rhodan, e não
podia colocar a Stardust-III em perigo.
As idéias de Tiff eram semelhantes às de Bell.
— Aqui estamos nós pendurados acima das nuvens, e nem podemos ver o que está
acontecendo lá embaixo. Até mesmo o contato pelo rádio foi interrompido. Consegue ouvir
alguma coisa, Pete?
O mecânico apontou para a porta da cabina de rádio.
— Quem está de serviço é Ray. Posso dar uma olhada.
O inglês mantinha-se imóvel diante do aparelho mudo e parecia cochilar. A tela,
através da qual se estabelecia contato direto com a Stardust-III, estava apagada.
— Tudo tranqüilo? — perguntou Pete, demonstrando uma preocupação excessiva.
Ray levantou a cabeça.
— Quando houver alguma novidade, não deixarei de avisar — resmungou e voltou a
fechar os olhos.
Pete sentiu-se aliviado ao constatar que o telegrafista ficava, ao menos, com os
ouvidos abertos e voltou à sala de comando.
Nesse meio tempo, Tiff havia ligado o ampliador de imagem e dirigiu a câmera para a
superfície da Terra. Não havia nuvens que impedissem a visão, e poucos segundos depois o
Estado de Utah surgiu na tela como um mapa. A ampliação começou a aumentar
automaticamente. O mapa se desmanchou, e quando a imagem voltou a se tornar nítida,
apresentava um setor menor em igual dimensão. O jogo repetiu-se até que a mancha
redonda, que representava a G-5 pousada, surgisse nitidamente ao lado da casa destruída.
Tiff lembrou-se das instruções de Rhodan. Não deviam se preocupar com os
acontecimentos que se desenrolassem em redor da G-5. Cabia-lhes cuidar das áreas
adjacentes e do espaço aéreo que cobria o Estado de Utah.
Tiff suspirou. Paciência, não lhe restava outra coisa, embora ninguém pudesse
controlar o que fazia. De qualquer maneira...
Fez a objetiva da câmera deslizar sobre o terreno. Deslocou-a para o oeste, em direção
à cadeia de montanhas. Foi uma paisagem nada agradável que se estendeu diante de seus
olhos. Nenhum homem sensato pensaria em fixar sua residência por ali. Rochas pontudas
sobressaíam por entre matas ralas, formando grotas íngremes e profundas.
O formato regular da montanha logo lhe chamou a atenção.
Num platô relativamente baixo, coberto por uma vegetação rasteira e cercada de
rochas íngremes, havia uma pequena montanha solitária. Parecia ter chegado ali por acaso.
Era feita em grande parte de pedras soltas, mas em certos lugares aflorava a terra fértil.
Apesar disso nenhuma árvore crescia em sua superfície. Apenas alguns vestígios de grama
rala davam mostras da fertilidade daquele solo.
O pé da montanha tinha o formato de meia-lua; o lado oposto era côncavo.
Alguma coisa dava a impressão de se tratar de uma montanha artificial; talvez tivesse
sido formada com os materiais retirados da escavação de uma galeria.
Subitamente Tiff despertou, esquecendo-se do que significava o tédio e a desilusão.
Durante a conferência realizada antes do ataque, Rhodan afirmara que a área ao redor da
fazenda do Supercrânio era desabitada. E agora descobria, a menos de dois quilômetros da
casa destruída, os vestígios de uma escavação recente.
Pete aproximou-se e olhou por cima de seu ombro.
— Alguém andou procurando minério por aí — constatou.
— E tirou toda essa sujeira da terra? — perguntou Tiff.
— Naturalmente. Acredito que se trate de uma galeria secundária da mina que deve ter
existido por ali.
— Quando foi isso?
— As últimas escavações neste local foram realizadas há vinte anos — disse Pete,
lembrando-se das aulas recebidas em Terrânia. — Mas não foram compensadoras, e por isso
decidiu-se suspendê-las.
— Ah! — disse Tiff em tom de triunfo. Viu suas suposições se confirmarem. — Tem
alguma explicação para o fato de que nesses dois decênios nem uma moita cresceu no
montão de resíduos?
Pete calou-se, perplexo, e examinou mais detidamente a imagem projetada na tela.
Depois acenou com a cabeça.
— Isso é estranho.
— Acha que é? Pois também sou da mesma opinião. Tenho certeza de que há pouco
tempo...
Subitamente calou-se. Enquanto falava não tirara os olhos do estranho monte de
entulho. Como que por acaso seu olhar caiu sobre o platô que o cercava e registrou uma
alteração.
— Veja! A parte interna da montanha.
A rocha natural moveu-se junto à montanha suspeita. Um pedaço circular de cerca de
trinta metros de diâmetro deslizou lentamente. Por baixo dele surgiu uma abertura negra, em
cujo fundo brilhava uma luz mortiça.
Era uma nave espacial! Um destróier do mesmo tipo do seu, e idêntico ao que o
atacara junto a Marte.
A aceleração da nave era tamanha que dentro de poucos segundos atingiu a mesma
altura da de Tiff e desapareceu vertiginosamente no céu.
Mas finalmente Tiff reagiu.
— Ray, entre em contato com a Stardust-III e avise Reginald Bell. Vamos perseguir
essa nave.
Deu uma pancada na chave de partida, colocando-a na aceleração máxima. Os campos
gravitacionais foram ativados automaticamente para neutralizar a súbita pressão.
— Pete, ocupe o canhão neutrônico. Ray ficará, por cautela, junto ao canhão de popa,
assim que tiver transmitido sua mensagem.
A nave fugitiva já havia mergulhado entre as estrelas. Tiff procurou uns cinco minutos
com o binóculo antes de localizá-la. Como fosse do mesmo tipo da Z-82, a distância entre as
duas naves dificilmente poderia ser reduzida. Mas era perfeitamente possível perseguir o
destróier e conservar o mesmo intervalo, assim que ambas as naves tivessem alcançado a
velocidade máxima.
A Terra foi recuando depressa, transformando-se num globo verde-azulado. Ray saiu
da sala de telegrafia e sentou na poltrona junto a Tiff.
— Que surpresa! — exclamou. — Reginald Bell praguejou terrivelmente. Mandou que
procurássemos descobrir o destino da nave. Talvez seja o Supercrânio que está fugindo.
Assim que Rhodan confirmar sua suspeita, ele nos seguirá. Pediu que mantivéssemos nosso
rádio ligado para recepção.
Tiff não tirou os olhos da tela.
A mancha conservava o mesmo tamanho. Os números projetados na parte inferior da
tela indicavam que o fugitivo se encontrava a menos de dois mil quilômetros da Z-82.
Continuava a acelerar e dali a pouco atingiria um quarto da velocidade da luz.
Tiff olhou pela janela. Mais uma vez tinha diante de si o espaço infinito com suas
maravilhas e perigos. E lá adiante um pequenino ponto luminoso corria vertiginosamente
por entre os milhares de estrelas, em busca de um destino longínquo e desconhecido.
Sentiu um choque quando voltou a olhar para a tela.
O tamanho da mancha aumentara.
A outra nave encontrava-se a apenas quinhentos quilômetros.
Reduzira a aceleração.
***
***
A distância entre o destróier Z-82 e a nave fugitiva foi diminuindo com uma relativa
rapidez. Já se encontravam a mais de treze milhões de quilômetros da Terra, e a distância
crescia constantemente. A velocidade permanecia inalterada. Uma mensagem de Bell
informou-os de que a Stardust-III recebera ordem para também iniciar a perseguição. Ao
menos, deviam constatar para onde o Supercrânio pretendia fugir.
Pete parecia pensativo.
— Se quisermos liquidar o monstro sozinhos, devemos nos apressar. Senão Bell nos
passará para trás, e a glória será dele. Eu o conheço.
Tiff lançou um olhar de censura para o mexicano.
— Se eu fosse você, teria vergonha de conceber uma idéia dessas. O Supercrânio é um
inimigo do mundo, e pouco importa quem o liquide; o importante é que seja liquidado. Ray
procure entrar em contato com a nave que está à nossa frente.
— Há uma ligação direta com a sala de telegrafia. O senhor pode tentar, se quiser.
Tiff, satisfeito, efetuou as respectivas ligações. Chamou o Supercrânio pela faixa geral
de telecomunicação e passou à recepção intensiva. Menos de dez segundos depois o rosto do
inimigo do mundo surgiu na tela. A calva reluzia fortemente e cheia de satisfação. Os olhos,
que pareciam acolchoados em meio à gordura, emitiam um brilho traiçoeiro e ameaçador.
Demonstrou um interesse visível por seus perseguidores. Com toda calma examinou-os um
por um, como se quisesse gravar seus rostos para todos os tempos.
Tiff sentiu que aquele olhar gelado lhe provocava um calafrio na espinha. Imaginou
que com seus companheiros estaria acontecendo a mesma coisa.
— O que deseja? — perguntou o Supercrânio com uma calma apavorante, da qual não
se poderia deduzir que se considerava derrotado.
Tiff procurou se controlar.
— Desista da luta, Clifford Monterny — disse. — Sua fortaleza em Utah caiu e seus
mutantes se encontram sob o poder de Rhodan. Não tem a menor chance. A qualquer
momento poderá surgir o couraçado da Terceira Potência.
Os olhos gelados pareciam esboçar um sorriso ameaçador.
— Você é um idiota, meu jovem. Acha que deixei que se aproximasse para ouvir um
sermão? Acreditou realmente que iria me entregar a você? Subestima minha pessoa e
minhas intenções, meu caro. É possível que ainda não saiba, mas vou lhe revelar um
segredo. A comunicação visual que estamos mantendo permitiu que eu captasse o modelo
de suas ondas cerebrais. Seu nome é Julian Tifflor, não é? E seus companheiros são Pete
Maros e Ray Gall. Pois bem; já devem ter uma idéia do que lhes acontecerá. Preciso apenas
de uma pequena vantagem. Vocês vão deter o couraçado por algum tempo. Isso me bastará
para encontrar um esconderijo no sistema solar. Peço-lhe que dê um recado a Rhodan: um
belo dia voltarei; e não voltarei sozinho.
A mão de Tiff projetou-se para a frente. A tela se apagou de repente.
No mesmo instante um punho de ferro parecia demolir sua consciência.
***
***
***
Bell seguiu a nave de Tifflor com os olhos. Depois se dirigiu ao rato-castor, que já
havia regressado.
Nada revelava o esforço que tivera que fazer, muito embora se tivesse teleportado para
a sala do reator da Z-82 e exercido uma atividade telecinética.
O animal passou a mão pelo nariz e bocejou. De repente soltou um chiado, sorriu
satisfeito e exibiu seu único dente roedor.
— Não foi nada fácil. Gostaria de saber quem inventou esse dispositivo de separação.
Mal consegui movê-lo.
— Mas conseguiu — exultou Bell e abaixou-se para afagar o pêlo de seu pequeno
amigo. — Nosso colega Tiff ficou sem energia. Se não o pescarmos no espaço, acabará
visitando o planeta Plutão.
O major Nyssen apontou para a tela; parecia preocupado.
— Está na hora.
— Vamos ancorar a nave, tirar os pobres-diabos de lá e submetê-los ao tratamento do
Dr. Manoli. Este lhes ensinará quem é seu mestre e amigo.
Acelerando ao máximo, a nave esférica saiu em disparada atrás do destróier
desgovernado.
7
***
Encontraram-se numa sala pequena e simples. Uma das paredes era formada por uma
tela superdimensionada, que no momento não se encontrava em atividade. Quatro homens
estavam reunidos em torno de uma mesa semicircular: Mercant, os presidentes da OTAN,
do Bloco Oriental e da Federação Asiática.
A sua frente, num plano um pouco mais elevado, estavam cinco pessoas. No centro
encontrava-se Perry Rhodan, à sua direita seu representante, o coronel Freyt, e à direita
deste, Bell. À sua esquerda Crest e Thora, os dois arcônidas, exibiam-se de rosto impassível.
As mãos de Rhodan estavam pousadas sobre uma caixinha, na qual se viam dez botões
vermelhos. Ao lado dos botões encontravam-se pequenas placas, nas quais estava escrita
alguma coisa.
Levantou a cabeça e lançou um olhar de expectativa para os homens que o
contemplavam. Em seus olhos havia um sorriso sutil, mas também um brilho frio, que
parecia advertir de alguma coisa.
— Cavalheiros — principiou Perry Rhodan com uma amabilidade que formava um
contraste marcante com a atmosfera que o cercava — devem ter ficado admirados com este
convite para uma conferência em Terrânia. Têm todos os motivos para isso. Mas não os
deixarei na incerteza por muito tempo. Permitam que lhes dê algumas explicações antes de
formular minhas exigências.
O presidente da Federação Asiática se inclinou para a frente.
— Exigências? — disse, entre espantado e incrédulo.
Bell deu-lhe um sorriso amável de lado. Rhodan acenou com a cabeça; seu rosto
continuou impassível.
— Exigências, sim; o senhor compreendeu perfeitamente, senhor presidente. Mas
peço-lhe que, por enquanto, não se preocupe com isso. Há outras coisas que devem
interessá-lo muito mais. Ou melhor, que devem interessar a todos.
Lançou os olhos para a caixinha e apertou um dos botões.
A enorme tela estava ao alcance da vista de todos; parecia uma tela de cinema.
Não havia muita iluminação na sala, motivo por que as imagens coloridas e bem
formadas pareciam ter muita vida.
Os espectadores deram sinais de espanto quando viram o que Rhodan pretendia lhes
apresentar. Eram filmes que já conheciam. Parte dos acontecimentos retratados nos mesmos
passara-se nos territórios submetidos à sua soberania, e ainda guardavam uma lembrança
nítida dos mesmos.
Greve dos operários de Detroit, Estados Unidos da América.
Atentado contra os delegados do Bloco Oriental por ocasião de sua visita a Londres e
complicações diplomáticas resultantes do incidente.
Revolta de trabalhadores na Sibéria.
Perseguições raciais nos Estados Unidos.
Aumento da criminalidade no Japão.
Fome na China em virtude do fracasso dos nutricionistas.
Os acontecimentos desfilaram numa seqüência incessante, sem comentário e som.
Com isso a impressão tornou-se mais realista.
Subitamente a tela se apagou. Os quatro homens lançaram um olhar indagador para
Rhodan. Depois de algum tempo o presidente da OTAN pigarreou.
— Qual é a finalidade disso? Já conhecemos esses fatos retratados nos semanários.
Tenho certeza de que o senhor não nos pediu que fizéssemos a viagem para ver isso.
— Correto! — confirmou Rhodan e colocou o dedo no outro botão. — Olhem o resto.
Seguiram-se cenas de filmes mais velhos, sobre as guerras de 1914-1918, 1939-1945 e
a breve guerra atômica que fora reprimida no nascedouro graças à intervenção de Rhodan.
Também essas cenas desfilaram sem qualquer comentário.
Quando a tela escureceu, Rhodan tirou a mão de cima da caixinha. Fitou os quatro
homens:
— Os senhores acabam de ver as causas e os efeitos. Toda guerra tem suas causas. Se
acreditamos que já eliminamos essas causas, estamos enganados. O registro cinematográfico
das causas constitui prova cabal disso. As revoluções, as greves, o descontentamento e os
confrontos violentos continuam a ocorrer. A desconfiança ainda lavra entre os membros de
uma raça que já ultrapassou o limiar de uma nova era. Os senhores sabem de tudo isso. Mas
não sabem que a um só homem cabe boa parte da responsabilidade por esses fatos causais.
Refiro-me ao Supercrânio.
Os ouvintes se movimentaram. Mercant se inclinou para a frente e fitou os olhos de
Rhodan. Uma ruga vertical surgiu em sua testa, mas a boca já aberta permaneceu muda.
— O Supercrânio? — perguntou o presidente do Bloco Oriental em tom incrédulo.
— É responsável por grande parte dos acontecimentos — confirmou Rhodan com um
sorriso frio. — O resto é culpa dos senhores. Isso mesmo, é culpa dos senhores. Têm
dificuldade em superar o passado. De qualquer maneira o exemplo do Supercrânio provou
que um mundo desunido sempre pode ser submetido à vontade de um indivíduo, desde que
esse indivíduo seja um mutante positivo revestido de traços de caráter negativo. Pois bem.
Destruí o quartel-general do Supercrânio; mas nem por isso o perigo foi eliminado. Mesmo
que ele estivesse morto, não poderíamos pensar assim. Os Supercrânios voltarão a surgir,
sempre e sempre.
Apertou outro botão. Na tela surgiu uma reprodução fiel do Universo. No primeiro
instante os espectadores não conseguiram identificar o setor do espaço que estava sendo
projetado na tela. Mas logo reconheceram uma estrela chamejante, chamada nova.
— Isso — disse Rhodan com uma calma apavorante — já foi um sistema solar igual
ao nosso. Também nele havia um único planeta habitado. Seus habitantes eram uma raça
inteligente e ativa, mas também eram ambiciosos e de mentalidade estreita em sentido
cósmico. Construíram as armas mais eficientes, e utilizaram-nas para se ameaçarem uns aos
outros. Um belo dia, quando os tópsidas, uma raça de seres inteligentes em forma de
crocodilo, encontraram o sistema, eles o atacaram e destruíram. Não encontraram qualquer
resistência, pois seus habitantes estavam ocupados em dificultar a vida uns dos outros. Bem,
de uma hora para outra ficaram livres de suas preocupações.
Rhodan apontou para a nova flamejante.
— O que restou de seu sol e dos onze planetas foi só isso.
O quadro se apagou.
Um silêncio ansioso reinava na sala.
Rhodan pigarreou.
— Pelo que vejo, entenderam o sentido das minhas palavras. Pois bem. Eu lhes
pergunto: querem que um belo dia nosso sol também seja transformado numa nova
flamejante, incendiada pelas forças terríveis de uma inteligência extraterrena?
— Temos força suficiente para repelir qualquer ataque — objetou o presidente da
Federação Asiática.
— Os senhores dispõem de armas — disse Rhodan com um gesto zombeteiro e trocou
um olhar com Mercant que, segundo sabia, estava de seu lado. — Mas para que adquiriram
essas armas? Para defender sua Federação Asiática. Essas armas só terão um sentido quando
forem construídas no intuito de servirem à defesa da Terra. Mas voltemos ao Supercrânio.
Seus mutantes revelaram que ele fomentava a desunião entre os homens, instigava revoltas,
causava greves e preparava guerras. É um hipno, cavalheiros. Impôs-se à vontade de
políticos influentes e dirigiu-a segundo seu arbítrio. É possível que tenha exercido influência
até sobre os senhores. Recomendo-lhes que aproveitem a pausa que nos foi proporcionada.
Reflitam seriamente sobre a maneira de amalgamar a Federação Asiática, o Bloco Oriental,
e o Ocidente sob um único governo. Minha exigência é esta. Hão de reconhecer que não
constitui nenhuma novidade. A novidade é o prazo que agora lhes fixo. Se dentro de um ano
o governo mundial não se tiver transformado em realidade, eu o imporei com as forças de
que disponho.
Mercant contemplou a tela vazia; seu rosto permaneceu inalterado.
Os três presidentes levantaram-se e encararam Rhodan. Defrontaram-se com o olhar
frio do mesmo e voltaram a cair nas suas poltronas. Os rostos dos arcônidas continuaram
inexpressivos. O coronel Freyt e Bell esforçaram-se para reprimir o riso.
— Poderemos realizar algumas conferências preparatórias — disse o presidente da
OTAN, falando com esforço. Lançou um olhar de desespero aos colegas. — A organização
de um governo mundial...
— Não é tão difícil — interrompeu-o Rhodan. — Façam de conta que um perigo
terrível ameaça a Terra. Ficarão admirados com a rapidez da solução. Aliás, posso lhes
assegurar que esse perigo não existe apenas na imaginação. O Supercrânio continua vivo e
ainda não se deu por vencido.
— Pensaremos no assunto — disse o presidente do Bloco Oriental.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não pensem, ajam! — exigiu. — E isso aplica-se a todos. Acostumem-se com a
idéia de que um belo dia terão que conviver pacificamente com lagartos, aranhas, ou sejam
lá quais forem as inteligências do cosmos. Cavalheiros, a decisão final sobre a maneira da
constituição e a finalidade do governo mundial pertence aos senhores. A decisão sobre a
formação ou não deste governo cabe a mim.
Pela primeira vez Rhodan voltou a sorrir.
— E, acreditem ou não, essa decisão já foi tomada.
Deu um aceno de cabeça em direção a Bell.
O ministro da segurança da Terceira Potência se levantou.
— A conferência está encerrada, senhores. Permitam que os convide a assistirem a
uma parada militar que será realizada em sua honra. Depois disso programamos uma
recepção do corpo diplomático. Ainda hoje de noite nossos aviões os levarão de volta para
sua pátria. Queiram me acompanhar.
Os presidentes seguiram-no em silêncio. Ao que parecia nenhum deles estava
percebendo que Mercant ficara para trás, tendo sido levado a uma sala contígua por Rhodan.
***
— ...portanto, é imperioso que não descansemos enquanto o Supercrânio não tiver sido
definitivamente liquidado, Mercant. Eu ficarei na Terra, enquanto Bell perseguirá o fugitivo.
Já formamos uma pequena frota.
O chefe dos serviços secretos reunidos da Terra fez um gesto de aprovação, mas não
ocultou seu ceticismo.
— O sistema solar é muito grande, Rhodan. Como encontrar um homem? Não tem
nenhuma pista, nenhum indício, absolutamente nada.
— Está enganado — disse Rhodan com um sorriso e levantou os olhos quando viu
Bell entrar. — Temos um indício. Além disso, também aqui a velha regra de que todo
criminoso comete algum engano encontrará sua confirmação. O Supercrânio não é um
homem que se recolhe à inatividade enquanto dispuser de um trunfo.
— Um trunfo?
Mercant levantou a cabeça e lançou um olhar indagador para Rhodan.
— Isso mesmo, um trunfo. Trata-se de um mutante ainda desconhecido, que possui
faculdades que também não conhecemos. Foi o que conseguimos saber dos mutantes
libertados. Ninguém sabe exatamente do que se trata, mas deve ser uma coisa terrível. Estou
convencido de que o Supercrânio não demorará em lançar mão desse trunfo. Ali estará
nossa chance, se tivermos sorte.
Bell torceu o rosto e sentou perto dos dois.
— Mais uma vez a cobaia serei eu. Quando devo decolar?
— Dentro de uma semana — disse Rhodan. — Então, o que acharam os presidentes da
parada realizada em sua honra?
— Estão muito impressionados — disse Bell, rindo com satisfação. — Acho que
apresentarão uma sugestão para que as negociações tenham início na semana que vem.
Assim você terá que fazer alguma coisa enquanto eu estiver percorrendo o sistema solar em
busca daquele cabeça de estouro.
— Cabeça de estouro?! — perguntou Mercant, estupefato.
— Supercrânio... Supercabeça — explicou Rhodan. — Bell gosta de dar apelidos às
pessoas. Assim, por exemplo, costuma chamar o senhor de...
— Não conte! — pediu Bell e se levantou. Retirou-se até a porta, entreabriu a mesma
e, quando se encontrava quase em segurança, disse: — Agora pode contar, se quiser.
E fechou a porta.
Mercant piscou para Rhodan.
— Então?
— Ele o chama de Sherlock Holmes Terrano, se não estou enganado.
Mercant sacudiu a cabeça; estava radiante.
— Ora, ele não precisaria ter fugido por causa disso. O apelido até me lisonjeia
bastante.
Perry Rhodan, como que casualmente, contemplou suas unhas.
— Há outro detalhe, meu caro Mercant. Para certas pessoas, Bell inventa dois
apelidos, porque um só não lhe parece suficiente.
— Dois apelidos? — perguntou Mercant cheio de pressentimentos, passando a mão
pela calva cercada da coroa de cabelos louros. Parecia pensativo. — Será possível? E eu
também tenho outro apelido?
Rhodan fez que sim. Procurava se manter sério.
— Qual é o outro? — insistiu Mercant, cheio de curiosidade.
— Cabeça de luar.
Parecia que alguém havia derramado uma tina de água sobre a cabeça de Allan D.
Mercant. Este lançou um breve olhar para a porta fechada, suspirou resignadamente e disse:
— Vamos falar sobre coisas mais importantes.
Dali a dois minutos haviam esquecido Bell...
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