Para entender a
saúde no Brasil 2
2 Medicina e saúde: o determinismo de uma e o probabilismo da otra
Para Entender a Saúde no Brasil 3
Para entender a
saúde no Brasil 2
2008
LCTE Editora
4 Medicina e saúde: o determinismo de uma e o probabilismo da otra
Para Entender a Saúde no Brasil 5
Apresentação
Sumário
meiro cientista a usar a metodologia científica tal como foi proposta a partir
dos conhecimentos gerados no Iluminismo: observando fenômenos naturais,
formulou hipóteses e saiu em busca de sua refutação ou prova, recorrendo aos
conhecimentos que possuía e criando formulações sustentadas por indiscutível
raciocínio matemático.
E onde andava a medicina a esta altura? É difícil afirmar com precisão,
mas tudo indica que por um longo tempo, a medicina continuou escondida
por trás de sua aura de divinização. Louis Pasteur (1822-1895) pode ter sido o
primeiro cientista a formular uma hipótese e testá-la à luz da metodologia cien-
tífica, revolucionando o conhecimento teórico e a atitude prática dos “deuses
da saúde” no campo das doenças infecciosas. Um detalhe curioso: Pasteur não
era médico! Era químico e microbiologista. E esta opção profissional deve ter
sido essencial para habilitá-lo a usar a metodologia científica, mesmo sabendo
que os resultados poderiam afrontar o pensamento dos deuses.
A pressão foi muita! Tanta que a medicina se entregou à metodologia
científica. Afinal, era impossível continuar sobrevivendo como ciência sem
aderir aos métodos e modelos que faziam as outras ciências progredirem e
prosperarem. Até porque estas outras ciências começaram a produzir tecnolo-
gias com grande impacto na prática médica e, aqui, uma delas: Wilhelm Conrad
Röntgen (1845-1923), um físico alemão, inventou o Raio-X e deu aos deuses
da medicina a capacidade de enxergar o que, até então, eles não viam.
Sim, a medicina se entregou à metodologia científica, mas não perdeu a
divinização ancestral que, afinal, está fortemente impressa em seu DNA. Dessa
entrega, surgiu o conceito de saúde, o qual, embora usado no singular, denota
uma noção indiscutivelmente plural. A medicina é para a pessoa, e a saúde é
para o coletivo humano ao qual as pessoas pertencem. Claro que um grupo
saudável é formado por indivíduos saudáveis. Sob o ponto de vista de prática
da medicina, esta afirmação é incontestável. No que toca a sua administração,
o confronto entre indivíduo e comunidade a qual ele pertence também é incon-
testável. E é esse aspecto que abordamos a partir de agora.
A primeira definição de saúde foi formulada pela Organização Mundial
da Saúde em 1946, em um fórum contando com a presença de 61 países repre-
sentantes. Mas só pôde ser oficializada em 1948 (WHO, 1948). A demora entre
14 Medicina e saúde: o determinismo de uma e o probabilismo da otra
Bibliografia
HOUAISS, Antonio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa – Versão
1.0.7 Instituto Antonio Houaiss – Editora Objetiva, setembro 2004.
KANT, Immanuel. Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung? Berlinische
Monatsschrift, Berlin:, Zwölftes Stük, dezember 1784.
20 Medicina e saúde: o determinismo de uma e o probabilismo da otra
Mapa 1
Medicamentos no
Brasil – impasses
e perspectivas
2
Introdução
Há muitos anos a saúde pública reconhece interna-
cionalmente o acesso aos medicamentos como uma condi-
ção essencial para o efetivo direito à saúde, bem como, em
diversos encontros, a Organização Mundial de Saúde – OMS
– promoveu a reflexão sobre essa questão. Já em 1975, re-
solução da Assembléia Mundial de Saúde solicitava auxilio
aos países membros para o estabelecimento de políticas far-
macêuticas, incluindo estratégias para a seleção de medica-
mentos essenciais e a aquisição correta de medicamentos de
qualidade, baseada nas necessidades sanitárias. A primeira
lista de medicamentos essenciais foi publicada pela OMS
em 1977 (WHO, 2002).
22 Medicamentos no Brasil – impasses e perspectivas
fato criava uma clara iniqüidade, pois apenas aqueles que podiam adquirir os
medicamentos com recursos próprios conseguiam tratar adequadamente suas
moléstias; além disso, produzia péssimos resultados para a saúde, seja do pon-
to de vista individual, com evolução clínica desfavorável, mesmo para aquelas
doenças para as quais já se dispunha de medicamentos eficientes, como no
caso da hipertensão arterial e da diabetes, por exemplo, seja nos perfis de saúde
da população.
A implantação do SUS resultou de um longo processo histórico e so-
cial, buscando a modificação desse quadro, intervindo nas condições de saúde
e na assistência médica prestada à população brasileira. Entre os princípios do
sistema, incluem-se a universalidade, a integralidade e a eqüidade na assis-
tência à saúde, expressando os valores escolhidos e estabelecidos por nossa
sociedade na Constituição, por considerá-los como ideais para a área da saúde.
A integralidade da assistência deve ser entendida como o conjunto de ações de
promoção, prevenção, proteção específica, diagnóstico, tratamento (incluindo
os medicamentos), e reabilitação em saúde.
Atualmente, a assistência farmacêutica constitui-se em um dos gran-
des desafios à consolidação do SUS, uma vez que o acesso da população a
medicamentos de qualidade, no momento apropriado, é uma das pedras fun-
damentais para se garantir bons resultados nos atendimentos realizados pelo
sistema e sua integralidade. Por certo, os princípios do SUS acima apontados
são objetivos que serão atingidos de forma gradual, principalmente na área de
assistência farmacêutica. São direitos a serem garantidos pelo poder público,
com a adequada estruturação de programas e práticas que permitam o acesso
universal da população aos medicamentos dos quais necessita, com segurança
e eqüidade.
1
Mais informações sobre os programas de assistência farmacêutica em São Paulo disponíveis em,
<http://portal.saude.sp.gov.br/content/assistencia_farmaceutica.mmp>.
Para Entender a Saúde no Brasil 29
2
Informações adicionais e protocolos disponíveis no sítio do Ministério da Saúde <http:\\portal.saude.gov.
br/saude>, no ítem de assistência farmacêutica, “Programas e Projetos, Medicamentos Excepcionais”.
30 Medicamentos no Brasil – impasses e perspectivas
3
Normas diponíveis em <http:\\portal.saude.sp.gov.br/>, no ítem de assitência farmacêutica.
Para Entender a Saúde no Brasil 37
Conclusões
Toda política de Estado de caráter social tem implementação gradativa (o
SUS é de 1988), e exige aumento de recursos, os quais sempre serão finitos, com
aplicação eqüitativa (seguindo o adágio “mais para quem tem menos”). Na as-
sistência farmacêutica também é preciso buscar eficiência no setor público, para
atender mais e melhor. Contudo, a integralidade nessa área de atenção não pode
ser entendida como a obrigação, pelo SUS, de dar todo e qualquer medicamento
solicitado, para qualquer doença, sem obedecer à norma de utilização.
Como a experiência nacional e internacional tem demonstrado, garantir
medicamentos para todos exige o estabelecimento de um rol de medicamentos
essenciais e de alto custo, a definição de normas técnicas (protocolos) com
embasamento científico para utilização racional dos fármacos, a opção por me-
dicamentos genéricos e mais baratos, sempre que não houver comprovação
científica da superioridade de novos medicamentos de marca, muito mais dis-
pendiosos para o sistema.
Os gestores do SUS precisam unir esforços e buscar o auxílio de todos
os interessados (Poderes Legislativo, Judiciário e representantes da sociedade
civil) para criar mecanismos mais eficientes, ágeis e justos para a distribuição
de medicamentos, buscando soluções factíveis e economicamente sustentáveis
para o aperfeiçoamento da assistência farmacêutica no Brasil.
Bibliografia
ABAJO, F. J. El medicamento como solución y como problema para la Salud Pública.
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Para Entender a Saúde no Brasil 41
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Disponível em: <http://www.who.int/management/anmicrobialresistance.pdf>, april,
2005.
__________. Good Governance for Medicines – Promoting Transparency in Medicines
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__________. Treatment works, Scaling Up Antiretroviral Treatment – Learning By
Doing., Disponível em: <http://www.who.int/3by5/en/treatmentworks.pdf>, 2004.
Planos de saúde:
regulação e
conseqüências
4
não desejadas
JOSÉ CECHIN
Superintendente executivo do Instituto de Estudos
de Saúde Suplementar, ex-ministro da
Previdência e Assistência Social.
Introdução
Desde 1999, os planos e seguros de saúde no
Brasil são regulados pelas normas expostas na Lei 9.656.
Em 2000, a Lei 9.961 criou a Agência Nacional de Saúde
Suplementar, a qual passou a ser o principal órgão responsá-
vel pela regulação da indústria da saúde suplementar.
Antes das referidas leis não havia regulação específi-
ca da indústria – exceto para as seguradoras, submetidas às
normas da Susep, levando constantes queixas dos benefici-
ários dos planos no País, dado, aparentemente, nem sempre
serem os contratos regidos por regras claras. Sem dúvidas,
essa insatisfação foi um dos motivos que levaram à pro-
posta e posterior aprovação da regulação.
44 Planos de saúde: regulação e conseqüências não desejadas
4
Um Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional propõe que a diferença máxima seja de
quatro e não mais seis vezes. Evidentemente, o efeito adverso, mostrado a seguir, será agravado no
caso da aprovação do projeto.
5
MAIA, A. C.; ANDRADE, M. V.; RIBEIRO, M. M.; BRITO, R. J. A. Estudo Sobre a Regulação do
Setor Brasileiro de Planos de Saúde. SEAE/MF. Documento de Trabalho n° 37. 2007.
46 Planos de saúde: regulação e conseqüências não desejadas
Fonte: MAIA, et. al. (2007), com base em dados das PNADs de 1998 e 2003.
Propostas
Não é objetivo da regulação deixar os idosos sem cobertura, muito me-
nos limitar a capacidade de crescimento do setor pela estagnação dos planos
individuais ou retardar a entrada de jovens no sistema suplementar. É, portan-
to, de extrema importância a formulação de propostas capazes de solucionar
esse problema.
Uma sugestão seria rever a regra que estabelece a relação de seis vezes
entre os preços cobrados da primeira e da última faixa etária. A relação de men-
salidades deveria manter proximidade com a relação de riscos entre essas duas
faixas etárias extremas. O aumento dessa proporção permitiria preços mais
acessíveis aos jovens e pessoas em idade ativa, possibilitando o crescimento
da população coberta pelas OPS com importantes efeitos positivos de escala e
diluição do risco.
Contudo, a elevação da proporção entre as faixas etárias extremas en-
careceria ainda mais o preço para os idosos, agravando um problema já grave.
Essa situação poderia ser contornada pelo desenvolvimento de produtos que
permitissem a formação de poupança-saúde. Produtos com poupança-saúde
não substituiriam os atuais, mas seriam ofertados como mais uma opção.
Seriam atrativos para aqueles (mais jovens), que ainda tivessem tempo sufi-
ciente para acumular reservas para custear o plano na idade avançada.
6
Segundo a Revista Exame (27/04/2005), a GM gastou cerca de US$ 5,3 bilhões em 2003 com plano
de saúde para 1,1 milhão de funcionários, aposentados e dependentes. O montante representava 5%
de todas as suas vendas no mercado norte-americano.
Para Entender a Saúde no Brasil 49
7
No exercício foram utilizados dados referentes a 7,5 milhões de vidas de um conjunto de OPS.
50 Planos de saúde: regulação e conseqüências não desejadas
Conclusão
No texto discutem-se aspectos da regulação do mercado de planos e se-
guros de saúde no que diz respeito às possíveis conseqüências não planejadas
(e não desejadas), da regulação.
Mostra-se que ações não embasadas em cuidadoso planejamento prévio
podem resultar em situações nas quais o beneficio social extraído da regra é
nulo ou mesmo negativo.
Particularmente, observa-se que o subsídio cruzado objetivado com o
estabelecimento de uma diferença máxima entre as mensalidades cobradas en-
tre a primeira e última faixa etária de reajuste para os planos e seguros de saú-
de, pode, de fato, reduzir a propensão dos mais jovens em aderir a tais planos.
No limite, o efeito desse comportamento pode ser bastante adverso, dado o
regime de repartição simples no qual se baseia a saúde suplementar do País. O
problema é reforçado pelo acelerado processo de envelhecimento populacional
experimentado no Brasil.
Como alternativa, propõe-se a criação de produtos de poupança-saúde.
O aumento da proporção entre as mensalidades das faixas etárias extremas
permitiria reduzir as mensalidades para todas as faixas etárias, exceto a dos
mais idosos, estimulando a adesão a planos dessas faixas etárias. A redução das
mensalidades poderia ser acumulada na forma de poupança-saúde capitalizada
a ser utilizada para financiar o prêmio mais elevado da última faixa etária.
52 Planos de saúde: regulação e conseqüências não desejadas
Bibliografia
MAIA, A. C.; ANDRADE, M. V.; RIBEIRO, M. M.; BRITO, R. J. A. Estudo Sobre
a Regulação do Setor Brasileiro de Planos de Saúde. SEAE/MF. Documento de
Trabalho n° 37. 2007.
Revista Exame, 27/04/2005.
Os desafios para
a sustentabilidade
na saúde
4
suplementar
no Brasil
saúde. A prestação dos serviços pode se dar diretamente pelo Estado ou por
intermédio da iniciativa privada, conforme o art. 199, CF/88, não havendo,
portanto, monopólio estatal nesse setor. No entanto, dada a sua relevância pú-
blica, as ações e serviços de saúde devem ser regulamentados, fiscalizados e
controlados pelo poder público.
O sistema de saúde brasileiro se caracteriza por seu hibridismo, sendo
marcante a interação entre os serviços públicos e a oferta privada na conforma-
ção da prestação de serviços de assistência à saúde, dando origem a dois sub-
sistemas. De um lado está o subsistema público, que incorpora a rede própria
e a conveniada/contratada ao Sistema Único de Saúde – SUS e, de outro, está
o subsistema privado que agrupa a rede privada de serviços de assistência à
saúde e a cobertura de risco pelas operadoras de planos de assistência à saúde.
Esse modelo deve levar em conta que a questão da saúde não pode ser vista
isoladamente, mas associada a políticas públicas de saneamento, alimentação,
transporte, ambiental, emprego e lazer.
A saúde pública no Brasil é prestada por meio do SUS, consolidada na
CF/88, normatizada pelas leis 8.080, de 19.09.1990 – Lei Orgânica da Saúde,
e 8.142, de 28.12.1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na ges-
tão do SUS e o sistema de transferência de recursos financeiros, capitaneado
pelo Ministério da Saúde.
O sistema privado de saúde, também é garantido pela Constituição de
1988, quando o art. 199 autoriza expressamente que a assistência à saúde é
livre à iniciativa privada. Esse sistema engloba a prestação direta dos serviços
por profissionais e estabelecimentos de saúde ou pela intermediação dos servi-
ços, mediante a cobertura dos riscos da assistência à saúde pelas operadoras de
planos de assistência à saúde.
O marco regulatório de saúde privado, também chamado supletivo ou
suplementar, dá-se com a entrada da Lei 9.656, de 03.06.1998, e das medidas
provisórias que sucessivamente a alteraram. Hoje vigora a Medida Provisória
2.117-44, de 24.08.2001, que dispõe sobre os planos privados de assistência à
saúde, a qual aguarda, até hoje, deliberação do Congresso Nacional. Antes, a
normatização desse setor só existia para o seguro-saúde e, mesmo assim, ape-
nas nos aspectos econômico-financeiros dessa atividade.
56 Os desafios para a sustentabilidade na saúde suplementar no Brasil
12
O termo “usuário” é apropriado para definir àquele que faz uso do serviço público uti universi,
quando a remuneração do serviço dá-se por meio de tributos. Serviço público é todo àquele serviço
prestado pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes.
Para Entender a Saúde no Brasil 59
Bibliografia
BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. http://www.ans.gov.br.
_______. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Regulação
& Saúde: estrutura, evolução e perspectivas da assistência médica suplementar. Rio
de Janeiro: ANS, 2002.
GREGORI, Maria Stella. Planos de Saúde: a ótica da proteção do consumidor. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MARQUES, Claudia Lima; LOPES, José Reinaldo Lima; PFEIFFER, Roberto
Augusto Castellanos (coord.). Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de
assistência privada à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
PORTER, Michael; TEISBERG, Elizabeth. Repensando a Saúde: estratégias para
melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre: Bookman, 2007.
Planos privados de
assistência à saúde:
plano coletivo
5
por adesão – um
estudo de caso
CLAUDEMIR GALVANI
Economista, professor do Departamento de Economia da
PUC-SP, diretor da Metha Consultoria Empresarial.
Legislação
A Constituição da República Federativa do Brasil
assegura, no Título VIII – “Da Ordem Social” – o direito
à saúde. Essa garantia constitucional tem como objetivos o
bem estar e a justiça social, traduzindo-se na redução do ris-
co de doenças e outros agravos, bem como o acesso universal
e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção
e recuperação da saúde. Embora o direito à saúde seja um
dever do Estado, a Constituição permite à iniciativa privada
a prestação de serviços de assistência à saúde.
66 Planos privados de assistência à saúde: plano coletivo por adesão – um estudo de caso
caso da Lei nº. 9656/98, ocorreram várias alterações em seu texto por meio de
sucessivas reedições da Medida Provisória nº. 1.665, de 4 de junho de 1998.
Os contratos de prestação de serviços de saúde são de longa duração,
tendo como finalidade a transferência onerosa e contratual de riscos e garantias
de uma possível necessidade de assistência médica e hospitalar, nesse mis-
ter envolvendo, durante anos, prestador de serviço e consumidor. Nesse tipo
de contrato incidem tanto a Lei nº. 9.656/98 como o Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº. 8.078/90), prevalecendo o diploma legal mais favorável
ao consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi criado pela Constituinte
com o intuito de estabelecer limites ao legislador, impedindo-lhe a criação de
normas cujo conteúdo restrinja ou anule qualquer direito do consumidor. O
CDC possui um campo de incidência abrangente e difuso, permeando todas as
relações de consumo, seja no direito público ou privado, contratual ou extra-
contratual, material ou processual. É uma lei específica, compreendendo todos
os princípios cardeais do Direito do Consumidor, seus conceitos fundamentais
e suas normas e cláusulas gerais para a sua aplicação e interpretação.
Podemos afirmar que não há antinomia entre o Código de Defesa do
Consumidor e a Lei nº. 9.656/98. O CDC representa a ordem pública cons-
titucional, não regulando contratos específicos, mas elaborando normas de
conduta gerais e estabelecendo princípios a serem obedecidos em toda rela-
ção de consumo; é uma lei de função social, gozando de uma potestade de
índole constitucional, pertencendo à categoria dos direitos humanos. A Lei nº.
9656/98 é especial, trazendo normas específicas referentes à relação de consu-
mo existente entre fornecedores de serviços de saúde e consumidor. Dessa for-
ma, são hierarquicamente diferentes, visto não ter a Lei nº. 9.656/98 o poder de
suprimir ou anular qualquer direito trazido ao consumidor pelo CDC. Assim,
nos contratos de prestação de serviços de saúde, as cláusulas que porventura
venham infringir os princípios trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor,
devem ser consideradas abusivas e, conseqüentemente, desconsideradas do
pacto contratual.
Nos contratos firmados antes da vigência da Lei nº. 9.656/98, somente
se aplicam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela
68 Planos privados de assistência à saúde: plano coletivo por adesão – um estudo de caso
anterior legislação especial dos seguros. Pelo CDC temos a aplicação de cláu-
sulas gerais de boa-fé, transparência, informação, normas visando o equilíbrio
contratual com a proteção da parte vulnerável na relação de consumo; a Lei
nº. 9.656/98 veio consolidar o que já era considerado abusivo pelo CDC. Dessa
forma, o espírito do intérprete deve ser guiado pelo artigo 7º do CDC, o qual
autoriza a aplicação de leis e tratados visando dar maior proteção ao consumi-
dor. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada em 2000 pela
Lei nº. 9.961, tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse
público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais,
inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, e contribuir
para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
médio prazo. Trata-se de fator prioritário para garantir que o benefício contra-
tado pela associação/sindicato permaneça com o objetivo inicial, isto é, ofere-
cer aos seus associados e familiares a melhor condição de saúde do mercado.
Chamamos a atenção para a condição do fechamento para as adesões
de agregados idosos, cuja implementação não foi definitiva; em nosso entendi-
mento, deve existir controle com responsabilidade para atender a essas pessoas.
Desta forma, além de garantir a entrada de pessoas mais jovens, é necessário
desenvolver trabalhos junto às operadoras para garantir rede de prestadores,
forma de atendimento e acompanhamento diferenciados, sem riscos para o
contrato. É imprescindível que a gestão de saúde tenha como premissa básica
a manutenção da qualidade do benefício, caso contrário essa gestão assume o
caráter de gestão financeira do plano, nem sempre benéfica no longo prazo.
Sob qualquer ponto de vista, o grupo usuário do benefício nada mais é
do que um coletivo de pessoas, cada uma com uma condição singular de saúde
e de vida; a junção dessas pessoas reflete-se na saúde do grupo de adesão ou da
empresa. Isso posto, considerar que o tratamento do grupo deva seguir regras
e idéias há muito debatidas na medicina, é um simples passo; portanto o início
do processo deve ser o diagnóstico correto para garantir a eficácia do tratamen-
to – um grupo mais saudável e feliz com um resultado financeiro adequado e
socialmente responsável.
Inicialmente estratificamos as pessoas e seus respectivos diagnósticos,
permitindo-nos formar grupos mais homogêneos, passíveis de serem benefi-
ciados do melhor foco das diferentes práticas de prevenção e promoção da
saúde. Essa questão vem sendo muito debatida, com avanço significativo no
estabelecimento de regras e práticas de gestão, mas há que se avançar sobre o
foco dessas práticas e a avaliação criteriosa de seus resultados, não obstante ser
inegável a necessidade de sua implementação.
Caracteristicamente, até 5% do grupo é responsável por até 40% do
custo em determinado período; em nossa experiência, tal concentração de cus-
to independe do tamanho do grupo aderente ao plano e do perfil de população.
Essa parcela, em sua maioria, constitui-se de pessoas portadoras de doenças
crônicas, com internações freqüentes e por longos períodos, e/ou pessoas sub-
Para Entender a Saúde no Brasil 75
Método
Nossa base de dados de atendimentos vincula-se a informações diag-
nósticas, parte das quais (3%), são informações inválidas, não permitindo uma
classificação conforme a Décima Revisão da Classificação Internacional de
Doenças, (CID-10), porém não inviabilizando o estudo. O CID-10 é hierarqui-
zado, sendo seu primeiro nível a Lista de Categorias de Três Caracteres ou os
21 capítulos (Anexo 1), por sua vez dividindo-se em grupos contendo as doen-
ças e os critérios para sua classificação, conforme, o exemplo abaixo.
Avaliamos todos os atendimentos realizados no período de janeiro a ou-
tubro de 2006, segundo a data de referência. Inicialmente avaliamos o número
de usuários em cada capítulo do CID-10, baseando-se o estudo no cálculo da
prevalência das doenças no período analisado. A prevalência indica o número
de pessoas que apresentam determinada doença, incluindo os casos novos e os
já existentes; avaliamos também a prevalência por sexo e idade.
13
“Gestão de Saúde”, de Rildo Pinho da Silva.
76 Planos privados de assistência à saúde: plano coletivo por adesão – um estudo de caso
Grupo avaliado
No período de janeiro a outubro de 2006 o grupo possuía 22.578 vidas,
sendo 70% do sexo feminino. A idade média dos homens era de 48 anos, e das
mulheres 53 anos; a dos titulares era de 56 anos e a dos cônjuges, de 59 anos,
sendo 58% do grupo composto por titulares. Pai, mãe e agregados correspon-
diam a 19%.
Abaixo mostramos a distribuição do grupo por tipo de contratante.
14
Proporção de Usuários Classificados por capítulos CID 10 – indica a proporção de usuários que
foram classificados no respectivo CID. Caso ele seja classificado em mais de um CID no período
analisado, ele foi contado mais de uma vez.
80 Planos privados de assistência à saúde: plano coletivo por adesão – um estudo de caso
15
A análise por capítulos do CID – prevalência, indica o número de usuários classificados no respectivo
capítulo do CID, dividido pelo total de usuários analisados no período. Nesse quadro os usuários são
contados apenas uma vez.
Para Entender a Saúde no Brasil 81
Idade
Categorias do CID Desvio
Média
II. NEOPLASIAS 57 16
CATEGORIA GRUPO %
Conclusão
Os mecanismos de regulação e controle dos custos assistenciais tra-
duzem os avanços tecnológicos e exigências do mercado consumidor do be-
nefício assistencial, fornecendo instrumentos seguros e eficazes na busca da
excelência de gestão dos índices de sinistralidade.
O caso apresentado retrata de maneira bastante didática as incidências
de variáveis que provocam distorções nos mecanismos de gestão de sinistros,
resultando em altos índices de sinistralidade, e exemplifica as medidas corre-
tivas para restabelecimento do “status quo ante” de utilização em patamares
razoáveis e suportáveis aos agentes operadores da medicina supletiva.
Para Entender a Saúde no Brasil 87
Anexo I
Introdução
O mercado de saúde suplementar brasileiro comple-
ta dez anos desde a implementação do seu marco regulatório
com a edição da Lei nº. 9.656 em 1998. Entre algumas das
principais novidades trazidas pela nova legislação, destacam-
se: a) proibição da rescisão unilateral dos contratos por parte
das operadoras; b) controle governamental dos reajustes de
preços dos planos de saúde individuais; c) proibição de se-
leção de risco por doença ou lesão pré-existente; d) regula-
mentação das coberturas mínimas obrigatórias; e) controle
atuarial de preços de venda dos planos; f) regras de entra-
90 Concentração e verticalização no setor de saúde suplementar: uma análise econométrica
Concentração
Em primeiro lugar é importante que se diga que concentração de mer-
cado não é sinônimo de cartelização. Pode parecer óbvio, mas estes dois con-
ceitos vêm sendo utilizados de forma pouco rigorosa pela grande maioria dos
analistas da saúde suplementar. Por concentração de mercado entende-se que
existam poucos ofertantes do produto ou serviço, o que pode ser medido por
diversos indicadores. A cartelização é algo completamente diferente, esta sim,
danosa per si à concorrência, já que, neste caso, as empresas que operam no
mercado combinam estratégias de preço e/ou região de atuação para maximi-
zarem seus lucros. As empresas cartelizadas agem conjuntamente, como se
fossem um grande monopólio.
Um mercado concentrado é uma condição necessária para o surgimento
de operações cartelizadas, mas não é suficiente, pois, em um ambiente compe-
titivo, essa prática seria pouco ou nada lucrativa. Separemos, portanto, esses
dois conceitos, pois, além de serem distintos, suscitam discussões apaixonadas
– que, ao partirem de bases equivocadas, produzem conclusões ainda mais
equivocadas. Afirmações do tipo “O mercado de saúde suplementar é carte-
lizado” ou então “O governo precisa fazer algo para acabar com os cartéis”
vêm sendo tratadas com pouca fundamentação econômica.
16
Fonte: Caderno de Informações da Saúde Suplementar – ANS/Dez-2007.
Para Entender a Saúde no Brasil 93
17
Veja, por exemplo, BAUMOL, William J., PANZAR, John C., and WILLIG, Robert D. (1982).
Para Entender a Saúde no Brasil 95
Fonte: Fenasaúde.
Verticalização
Muitas operadoras procuram melhorar o gerenciamento e controle de
seus custos mediante a aquisição de redes próprias de atendimento médico-hos-
pitalar. O objetivo é sair de um sistema de pagamento do tipo fee-for-service
que remunera o prestador pelo volume de produção incentivando muitas vezes a
superutilização dos recursos e serviços. A teoria econômica trata esse problema
pela identificação de fontes de ineficiências associadas às assimetrias informa-
cionais que permeiam toda a rede de contratos deste setor e na busca de soluções
Para Entender a Saúde no Brasil 97
Modelos econométricos
Para verificar a presença de economias de escala na administração de
planos de saúde, que se comprovado implica que existem ganhos de eficiência
econômica oriundos do processo de concentração, procuramos estimar funções
de custo médio controlando para algumas variáveis que também possam in-
fluenciar a variável explicada. Utilizamos como variáveis explicativas a receita
das operadoras, o tamanho, o efeito conjunto do tamanho sobre a receita, o
market-share e uma característica institucional que é a finalidade lucrativa das
empresas18. Estimamos quatro formas funcionais para o relacionamento dessas
variáveis: linear, recíproca, recíproca logarítima e logarítima. Estimamos os
modelos com as seguintes formas funcionais:
1) Linear: Cme = β0 + β1 Rec + β2 T + β3 (T*Rec) + β4 ms + β5 F + µ;
2) Recíproca: Cme = β0 + β1 (1/Rec) + β2 T + β3 (T*(1/Rec)) + β4 ms + β5 F+ µ;
3) Recíproca Logarítima: Cme = β0 + β1 (1/lnRec) + β2 T + β3 (T*(1/lnRec)) +
β4 ms + β5 F+ µ;
4) Logarítima: Cme = β0 + β1 ln Rec + β2 T + β3 (T*lnRec) + β4 ms + β5 F+ µ.
Onde:
• Cme é o custo administrativo médio = despesas administrativas / receita;
• Rec é a receita anual = contraprestações efetivas / prêmios ganhos de ope-
rações c/ planos de saúde;
18
As operadoras classificadas nas modalidades de cooperativas médicas, autogestão e filantropias são
entidades sem fins lucrativos enquanto que as seguradoras especializadas e as medicinas de grupo
são entidades com fins lucrativos. Como se sabe o novo código civil alterou essas denominações para
empresas com ou sem finalidade econômica. Sem querer adentrar nas repercussões tributárias de
cada modalidade, o que procuramos aqui é testar se as empresas antigamente classificadas como sem
fins lucrativos e que possuem menores sistemas internos de governança e incentivos para utilizarem
de forma mais eficiente os recursos.
100 Concentração e verticalização no setor de saúde suplementar: uma análise econométrica
19
Seja um modelo interativo dado por Y = β1+β2X2 + β3X3 + β4(X2X3) + ε. Sem o termo interativo,
o impacto de X2 em Y é dado por β2. No entanto, com o termo interativo o impacto de X2 será de
β2+β4X3. Então o efeito de X2 em Y depende da variável X3. Se β4 for positivo, o efeito de X2
em Y aumenta quando X3 aumenta. A esse respeito ver Pindyck, RobertoS and Rubinfeld, Daniel L
(1998).
Para Entender a Saúde no Brasil 101
20
O IDSS é o resultado final das pontuações obtidas em 39 indicadores distribuídos entre as dimensões
de atenção à saúde, estrutura e operação, situação econômico-financeira e satisfação dos beneficiá-
rios, que contribuem para o cômputo geral do IDSS cujos pesos são respectivamente de 50%, 10%,
30% e 10%. As empresas são classificadas em 4 (quatro) intervalos de notas: (0-0,24), (0,25-0,49),
(0,50-0,74) e (0,75-1,00). Quanto mais próximo de um, melhor é o desempenho da operadora na área
de saúde suplementar. Analogamente, quanto menor for a nota obtida, pior é o desempenho, segundo
a metodologia adotada. Para efeito de nosso estudo, utilizamos a variável IDSS transformada em
uma seqüência numérica de 1 a 4 a fim de denotar a posição da operadora no ranking. Maiores infor-
mações sobre o IDSS estão disponíveis no documento “Qualificação da Saúde Suplementar: Nova
perspectiva no processo de regulação. Setembro de 2007”. Disponível no site: www.ans.gov.br.
21
Esta norma estabelece os critérios para o diferimento da cobertura com ativos garantidores da provi-
são de risco condicionada à adoção, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de programas
de promoção à saúde e prevenção de doenças de seus beneficiários.
22
Estabelece procedimentos de apresentação e critérios para avaliação dos programas de promoção à
saúde e prevenção de doenças, propostos pelas operadoras de planos privados de assistência suple-
mentar à saúde, citados na RN nº. 94
102 Concentração e verticalização no setor de saúde suplementar: uma análise econométrica
Concentração
Recíproca
Linear Recíproca Logarítima
Logarítima
Variáveis Coef. Prob. Coef. Prob. Coef. Prob. Coef. Prob.
Intercepto 1.259.421 0.0000 0.743882 0.0000 -7.714.003 0.0000 1.015.518 0.0000
Rec -3.90E-08 0.0000 91012.39 0.0000 1.338.103 0.0000 -0.591748 0.0000
T -1.017.922 0.0002 -0.434090 0.3227 7.444.865 0.1565 -9.168.876 0.719
T*Rec 3.91E-08 0.0000 -2811196. 0.9325 -1.228.710 0.2028 0.555020 0.0457
23
Além da estrutura de risco, os segmentos médico-hospitalar e odontológico diferem na formação
dos custos, na regulação dos preços e na própria motivação da demanda. Para maiores informações
sobre o segmento odontológico, ver COVRE, E; ALVES, S. L. (2003) “Planos Odontológicos: Uma
Abordagem Econômica no Contexto Regulatório”, ANS. Disponível em: www.ans.gov.br.
Para Entender a Saúde no Brasil 103
Recíproca
Linear Recíproca Logarítima
Logarítima
Variáveis Coef. Prob. Coef. Prob. Coef. Prob. Coef. Prob.
Ms -0.007361 0.9805 -0.038865 0.8305 0.062114 0.7652 0.065120 0.7540
F -0.177839 0.3276 0.220964 0.2167 -0.474895 0.0074 -0.432041 0.0154
Verticalização
A Tabela 3 abaixo apresenta os resultados da equação utilizada para
estimar o efeito da verticalização sobre a sinistralidade pura. O grau de ajuste
foi muito baixo (R2=2%). Ainda assim, as variáveis Alv, End e IDSS aparecem
significativas. Nossa variável de interesse (GV) não foi significativa para ex-
104 Concentração e verticalização no setor de saúde suplementar: uma análise econométrica
Conclusão
Diante da elevação dos custos advindos com a regulação do setor de saú-
de suplementar ocorrida em 1998 com a edição da Lei 9.656 e a partir de 2000
com as resoluções da ANS era de se esperar o início de um processo de consoli-
dação e concentração do mercado, por um lado, e de verticalização, por outro.
O que procuramos fazer neste trabalho foi verificar se esses movimentos
são apenas movimentos de curto prazo motivados pelo próprio processo compe-
titivo ou se existem fundamentos econômicos que justificam essas tendências.
Para isso nos concentramos em estimar regressões para verificar por
um lado a presença de economias de escala neste setor, o que justificaria a sua
concentração, e por outro se o movimento de verticalização reduz os índices
de sinistralidade e melhora o resultado das empresas, medido pelo índice de
rentabilidade do patrimônio líquido.
Nossa análise econométrica mostrou que, a partir dos dados observa-
dos de 602 operadoras de planos de saúde do setor médico-hospitalar no ano
de 2007, foi possível identificar a presença de economias de escala na admi-
nistração de planos de saúde. E mais, essas economias são ainda maiores nas
empresas muito grandes. Como em qualquer estudo de economia de escala
é importante que se ressalte que o que aparenta ser economia de escala pode
na realidade ser a denominada eficiência-X. Em outras palavras, grandes em-
presas têm melhor capacidade gerencial e administrativa, o que se reflete em
menores custos. De toda forma este é um resultado que mostra a necessidade
de escala para suportar os elevados e crescentes custos regulatórios.
106 Concentração e verticalização no setor de saúde suplementar: uma análise econométrica
Bibliografia
ALVES, S.L. Verticalização e alinhamento de incentivos na saúde suplementar:
Uma análise a partir dos resultados econômico-financeiros. Rio de Janeiro: Revista
Cadernos de Seguro, Ano XXVII, 141: 15-21, março 2007.
BAUMOL, William J.; PANZAR, John C.; WILLIG, Robert D. Contestable Markets
and the Theory of Industry Structure. New York: Harcourt Brace Jovanovich, Inc.
1982.
BLAIR, Roger D.; JACKSON, Jerry R.; VOGEL, Ronaldo J. Economies of Scale
in the Administration of Health Insurance. Cambridge: Review of Economics and
Statistics, 5(2): 185-189, may 1975.
COVRE, E.; ALVES, S. L. Planos Odontológicos: Uma abordagem econômica no
contexto regulatório. Disponível em: www.ans.gov.br, ANS, 2003.
CUTLER, D.; ZECKHAUSER, R. The Anatomy of Health Insurance, in Handbook of
Health Economics. North-Holland: Elsevier Science BVM, 2000, pp. 563-643.
PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Econometric Models and Economic
Forecasts, 4th edition, New York, McGraw-Hill International Editions, 1998.
ZWEIFEL, P.; MANNING, W.G. Moral Hazard and Consumers Incentives in Health
Care, in Handbook of Health Economics, LOCAL: Culyer and Newhouse ed., 2000,
pp.409-459.
24
ALVES, S. L. (2007).
Aumento da
cobertura e dos
preços dos planos
7
de saúde
garam mesmo. Sem atrasar uma parcela. Apesar das dificuldades enfrentadas
pelo hospital, percebi a seriedade da gestão, compromissada com os objetivos
da instituição.
Nessa jornada, aprendi que os números não significam muito se mal
interpretados, as informações subjetivas são muitas vezes mais importantes na
hora da decisão do crédito. Quem está na gestão, como é o comportamento dos
funcionários, se estão sorrindo para os pacientes, se são atenciosos; limpeza,
salas de espera, condições dos equipamentos, roupa de cama, mesa do gestor
financeiro e do pessoal administrativo. Tudo isso procuro observar em minhas
visitas. É uma percepção real. Não quero dizer que os números não tenham
sua importância, pois, em qualquer processo de gestão, é imprescindível saber
como a empresa está, para onde vai e para onde deseja ir. A contabilidade deve
ser orientadora, uma cultura ainda presente, justifica a existência da contabili-
dade apenas para finalidades fiscais. Todas essas informações formam o con-
junto que levo em consideração na análise de crédito.
Custos
Em um projeto ou em uma instituição já em operação há vários anos,
um fator importante na atualidade, quando o preço é definido pelo mercado,
diz respeito ao controle e conhecimento de seus custos. Visitando um hospital
na região do ABC paulista, foi-me demonstrado seu sistema de custos: tinham
tudo apontado. Custo por leito, por utilização de equipamentos, por departa-
mento, centro cirúrgico, bem como a receita gerada. Um por um. Com essas
informações, o hospital demonstrava ótima saúde financeira e tinha parâmetros
para negociar com as operadoras. Mas não foi isso o constatado nas mais de
800 visitas: infelizmente, menos de 5% dos hospitais possuem sistema de cus-
tos implementado e funcionando. Os demais cobram pelo histórico das tabelas
corrigidas por índices de inflação, ou, em momentos de congelamento de pre-
ços, criando-se procedimentos ou taxando-se procedimentos simples, como a
aplicação de injeção por uma enfermeira, ou o transporte de um paciente para
a realização de um exame. Alguns vão pela direção do vento. Vi isso várias
vezes.
116 Os bancos e o setor de saúde
Desafios
Vivenciamos uma transformação do sistema de saúde privado iniciada
com a regulamentação dos planos por meio da Lei 9.656/98 e com a criação
da agência reguladora, a ANS. Essas mudanças forçaram a necessidade de in-
vestir na profissionalização dos gestores, gerando ainda um forte movimento
de concentração de operadoras, reduzindo a concorrência por meio de fusões
e aquisições. Por sua vez, a verticalização dos serviços hospitalares é uma
realidade, reduzindo o poder de negociação dos prestadores de determinados
serviços.
De outro lado, os hospitais estão reagindo, com a criação de redes como
a do São Luiz, em São Paulo, e da Rede ALFA, no Nordeste, visando obten-
ção de ganho de escala e uma relação mais equilibrada com as operadoras; a
criação da ANAHP – Associação Nacional dos Hospitais Privados – buscando
padronizar indicadores e compras, também é um forte indicativo da tendência
de união dos hospitais.
O setor ainda enfrenta vários desafios: a implementação em todo o
país da CBHPM – Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos
Médicos; a implementação pela ANS da PEONA – Provisão para Eventos
Ocorridos e Não Avisados, e do cálculo da margem de solvência das opera-
doras. Esses desafios estão gerando importantes alterações na forma de gestão
das operadoras e prestadores. Em alguns momentos as contas não fecharão,
mas acredito no surgimento de soluções criativas.
Nos últimos anos o sistema financeiro também vem se concentrando,
vários bancos com especialização no atendimento ao setor de saúde foram in-
corporados, algumas estruturas foram mantidas, outras desativadas, mas em
alguns bancos foram criadas. O mais importante é saber que a experiência dos
bancos atuantes no setor é positiva, com o amadurecimento das relações e o
entendimento da viabilidade do setor de saúde privado, em franca expansão e
gerando uma infinidade de oportunidades de negócios.
120 Os bancos e o setor de saúde
Estratégias de
desenvolvimento
do Grupo
9
Nossa Senhora
de Lourdes
FÁBIO SINISGALLI
Diretor geral, Grupo Nossa Senhora de Lourdes.
2000, ao concluirmos que poderíamos abrir mão da posse dos imóveis, tra-
zendo novos investidores para o Grupo, ao mesmo tempo direcionando os re-
cursos financeiros obtidos para o nosso negócio. A posse de imóveis sempre
conferiu uma sensação de garantia e segurança, tanto para os acionistas quanto
para os fornecedores de uma empresa, porém entendemos que o fomento de
seus negócios é o que a mantém sadia e lucrativa. Para tanto, é muitas vezes
necessário que ela cresça e expanda sua área física, de forma a atender uma
demanda maior e gerar melhor ganho em escala.
Por outro lado, o Grupo NSL é controlado pela holding Sinisgalli
Administração e Participações S/A, um grupo familiar composto por médicos
e administradores desejosos de manterem-se no controle do negócio, portanto
ainda não dispostos a abrir o seu capital. Essa alternativa, de abertura de ca-
pital, tem sido outra forma de trazer investidores para o desenvolvimento das
empresas, e que muito tem crescido em nosso mercado.
Dentre as formas de abertura de capital, pesquisando várias possibilida-
des para a captação de recursos financeiros, vimos que mais cedo ou mais tarde
a família precisaria acompanhar as eventuais chamadas financeiras para fazer
frente ao desenvolvimento por vir, e caso não o pudéssemos fazer, perderíamos
ao longo do tempo nossa posição acionária e, conseqüentemente, o controle da
empresa. Escolhendo os fundos de investimentos imobiliários e isolando os
imóveis aos investidores, manteríamos a composição acionária da empresa e
garantiríamos a seqüência da gestão.
Necessitamos investir no negócio, não em tijolos, dessa maneira di-
recionando nossos recursos financeiros para o que sabemos fazer melhor, ou
seja, “promover a saúde das pessoas”, a missão do Grupo NSL. Todos sabem
o quanto é custosa a saúde com qualidade no Brasil; complexas estruturas físi-
cas, tecnologia em constante renovação, recursos humanos altamente especia-
lizados e estruturas de gestão cada vez mais avançadas são requisitos básicos
a serem atendidos por uma empresa de saúde que pretenda estabelecer-se em
mercado altamente competitivo como é o brasileiro, exigindo cada vez mais
competência, segurança e eficácia com alto grau de qualidade. Dessa forma, o
Grupo NSL tem conseguido projetar-se nesse mercado, e por meio dos fundos
de investimentos imobiliários, fazer expansões com mais agilidade; essa tem
sido uma das estratégias de seu desenvolvimento.
Para Entender a Saúde no Brasil 123
25
Ebtida: sigla em inglês para lucros antes dos juros, impostos, depreciação e amortização, “lajida” em
português.
128 Estratégias de desenvolvimento do Grupo Nossa Senhora de Lourdes
Primeira etapa
Na primeira etapa é feita a avaliação econômica do Hospital, executada
por auditor independente e baseada na metodologia de fluxo de caixa descon-
tado. No caso do HNSL foi definido o valor de 88 milhões de reais.
Segunda etapa
Na segunda etapa é constituído o fundo de investimentos imobiliários,
com a finalidade de aplicar recursos em empreendimentos imobiliários, com a
elaboração de contratos, prospectos e material para aprovação junto à CVM.
Nesse momento, o Hospital transfere o seu imóvel ao FII Nossa Senhora de
Lourdes e permanece dono de suas cotas. Uma vez transferido o imóvel, é ela-
borado o contrato de locação entre o Hospital e o Fundo por tempo determina-
do (20 anos, renováveis pelo mesmo período), com cláusula de reajuste anual
pelo IGPM. O valor da locação é estabelecido no ato da constituição do fundo.
No caso do HNSL foi de 1,3% sobre o valor original do fundo, 88 milhões de
reais.
Terceira etapa
Na terceira etapa, após aprovação da CVM, o fundo coloca as cotas à
venda no mercado, por intermédio da Bolsa de Valores, transferindo para o
hospital os recursos assim obtidos.
A operação de venda das cotas foi estruturada em três séries ou tran-
ches; a primeira tranche, de 30 milhões de reais, lançada em 11/10/2006, foi
vendida em 25 horas. A segunda tranche, de 30 milhões de reais, lançada em
10/01/2007, foi vendida em 15 dias, com ágio de 5,4 milhões de reais. A tercei-
ra tranche, de 28 milhões de reais está sendo comercializada após a conclusão
das obras de expansão do Hospital, terminadas no primeiro semestre de 2008.
Foi uma surpresa para todos a rapidez de como entraram, em apenas
um dia, os 30 milhões de reais da primeira tranche do FII Nossa Senhora de
Lourdes, comparado com a demora de quase dois anos dos 20 milhões de reais
Para Entender a Saúde no Brasil 131
Resultados alcançados
Com essa estratégia de captação de recursos por meio do FII, o Grupo
NSL conseguiu a redução de suas despesas financeiras, conforme demonstrado
no gráfico 3, além disso, houve a injeção de 65 milhões de reais para elimina-
ção do endividamento bancário e ampliação do HNSL com taxas menores do
que as taxas bancárias.
132 Estratégias de desenvolvimento do Grupo Nossa Senhora de Lourdes
cimento dos gastos tem sido tema de inúmeros estudos que procuram explicar
as possíveis causas para essa trajetória. Freqüentemente, citam-se como causas
desse aumento a inovação tecnológica, o acesso de um número crescente de
pessoas aos serviços e sistemas de saúde, o envelhecimento populacional e
uma inflação no setor saúde (ver Tabela 2), maior do que as aferidas pelos
Índices de Preços ao Consumidor (IPCs) ou pelos índices gerais de preços
(IGPs) (ZUCCHI; NERO; MALIK, 2000. MARUJO, 2006).
(1) =
Acumulada de 2003 a 2004
(2) =
Acumulada de 2002 a 2003
IGP-M
O que difere o IGP-M/FGV do IGP-DI/FGV é que as suas variações
de preços referem-se ao período compreendido entre o dia vinte e um do mês
anterior até o dia vinte do mês de referência, enquanto o IGP-DI/FGV refere-se
a período do primeiro ao último dia do mês em referência.
IPC-Br e IPC-3I
A cesta básica dos IPC’s da FGV é constituída por produtos que são
pesquisados em 2500 estabelecimentos, totalizando aproximadamente 180.000
mil cotações mensais. A sistemática de coleta de preços do IPC é decendial e
compreende dois segmentos de pesquisa: no primeiro, levantam-se preços de
produtos que representam os grupamentos alimentação no domicílio, artigos
de limpeza e higiene, além do setor serviços. Essa tarefa é realizada por donas
de casa, especialmente treinadas para este fim. Trata-se de um trabalho que
se repete, sistematicamente, a cada dez dias, nos mesmos estabelecimentos,
conforme calendário prévio; no segundo segmento, pesquisam-se os demais
Para Entender a Saúde no Brasil 145
Índices da FIPE
Itens %
Habitação 33,0
Alimentação 23,0
Transportes 16,0
Despesas Pessoais 12,0
Saúde 7,0
Vestuário 5,0
Educação 4,0
Subgrupos %
Contrato de Assistência Médica 43,0
Remédios e Produtos Farmacêuticos 36,0
Serviços Médicos e Laboratoriais 17,0
Aparelhos Corretivos 4,0
Índices do DIEESE
Tabela 8 – Gasto mensal médio por domicílio – Município de São Paulo – dezembro de
1994 a novembro de 1995 (em %), segundo grupos de gasto e extratos de renda
Discussão e conclusões
Qualquer tentativa de se usar os índices para medir o comportamento de
preços ou custos de um setor, sofre limitações decorrentes de fatores tais como
o grande intervalo entre atualizações das Pesquisas de Orçamento Familiar
(POF), a dificuldade de comparar produtos não-homogêneos e a dificuldade de
tratamento dos produtos (MARUJO, 2006c; CATA PRETA, 2004).
Outra questão a limitar os resultados de índices de inflação é a própria
natureza dos itens abrangidos, que não englobam parte considerável dos itens
de custo de saúde. Há uma diversidade entre aqueles itens que são pagos pelo
consumidor, aqueles que são pagos pelo governo e aqueles que são pagos pelos
planos de saúde. Metodologicamente, não é apropriado empregar medidas de
aumento de preços de itens de uma classe como instrumento de mensuração de
variação de preços de outra classe de itens, a menos que exista uma correlação
muito estreita entre estes, o que a prática parece não corroborar (OCKÉ-REIS,
2006).
Como já apresentado, os gastos no setor saúde podem ser afetados por
fatores diversos, como as variações econômicas, as variações demográficas, a
incorporação de tecnologia, a característica do mercado setorial e o envelheci-
mento da população. Ademais, a facilidade na disponibilidade de informação
atual faz com que muitas vezes procedimentos diagnósticos desnecessários
sejam solicitados, assim como leva alguns pacientes a realizarem exames e/
ou terapias não totalmente reconhecidas como eficazes, buscando a cura ou
atenuação dos sintomas. (23, 24)
A inflação da saúde acumulada no período de 2003-2007 mostrou-se,
em média, 34,7% maior que seus respectivos índices de inflação geral. A alta
de preços e o aumento do uso dos serviços privados de saúde fizeram essas des-
pesas crescerem de importância dentro do orçamento das famílias que ganham
até 40 salários mínimos, vide a estrutura de ponderação das POFs de 2003 e
2006 do setor “Saúde e Cuidados Pessoais” para cálculo do IPCA.
Composição e evolução dos índices de inflação geral esetorial no Brasil:
152 o que os gestores em saúde precisam saber
Bibliografia
AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Cadernos de Saúde
Suplementar. Rio de Janeiro, mar. 2007.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Índices de Preços. Série: Perguntas Mais
Freqüentes. Diretoria de Política Econômica – Gerência Executiva de Relacionamento
com Investidores. Agosto de 2006.
BODENHEIMER, T. High and rising health care costs. Part 1: seeking an explanation.
Philadelphia: Annals of Internal Medicine, 142:847-854, 17 May 2005.
BODENHEIMER, Thomas. High and rising health care costs – Part 2: technologic
innovation. Philadelphia: Annals of Internal Medicine, 142(11):932-937, June 2005.
BRASIL. Ministério da Saúde. Disponível em: <www.saude.gov.br>. Acesso em: 10
jan. 2008.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Acessória econômica.
Brasília, DF, dez. 2005.
CARVALHO, Déa Mara Tarbes de. Financiamento da assistência médico-hospitalar
no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 12(4):879-892, jul./ago. 2007.
Para Entender a Saúde no Brasil 153
Primeiro ao
último dia
IGP-DI
do mês de
referência IPA, IPC
Não há Não há
21 do mês e INCC
anterior ao
IGP-M 1 a 33
dia 20 do mês 12 maiores
Salários Regiões
Fundação Getúlio de referência
Mínimos Metropo-
Vargas (FGV) Primeiro ao Saúde e
(SMs) no
último dia Cuidados litanas
IPC-Br IPC
do mês de Pessoais =
referência POF-FGV 10,36%
Não há
Primeiro ao 2002/2003 Saúde e
último dia Cuidados
IPC- 3I
do mês de Pessoais =
referência 15,03%
IPCA Saúde e
Cuidados
1 a 40 SMs
Instituto IPCA- Primeiro ao Pessoais =
11 maiores
Brasileiro de Saúde último dia POF-IBGE 10,62%
Não há Regiões
Geografia e do mês de 2006
INPC Saúde e Metropolitanas
Estatística (IBGE) referência
Cuidados 1 a 8 SMs
INPC-
Pessoais = 7,56
Saúde
Fundação IPC-FIPE
Instituto de
Primeiro ao
Pesquisas FIPE – São Município
último dia do Não há Saúde = 7,0% 1 a 20 SMs
Econômicas – IPC-FIPE Paulo de SP
mês ref.
Universidade de Saúde
São Paulo (FIPE)
Departamento ICV-
Intersindical DIEESE
Primeiro ao DIEESE
de Estatística Município
ICV- último dia do Não há – POF Saúde = 8,2% 1 a 30 SMs
e Estudos de SP
DIEESE mês ref. 1994/95
Socioeconômicos
Saúde
(DIEESE)
Composição e evolução dos índices de inflação geral esetorial no Brasil:
156 o que os gestores em saúde precisam saber
Relevância da
análise econômica
em saúde para
11
o processo
decisório do
governo no
tratamento
da doença
cardiovascular
Análise de custo-efetividade
A análise de custo-efetividade (cast-effeitiveness) mensura o custo em
unidades monetárias dividido por uma unidade não monetária, chamada uni-
dade natural, por exemplo, anos de sobrevida após uma determinada inter-
venção em saúde ou redução de eventos cardiovasculares. A análise de custo-
efetividade é a melhor opção quando comparamos duas ou mais intervenções
para um mesmo desfecho em saúde. Permite estimar o custo por unidade de
efetividade. Trata-se da modalidade mais utilizada nas análises econômicas em
saúde. Uma intervenção em saúde é dita custo-efetiva se produz um benefício
clínico justificável para o seu custo.
Análise de custo-efetividade da trombólise pré-hospitalar versus intra-
hospitalar no cenário do Sistema Único de Saúde
(ARAUJO et al., 2008)
Métodos
Por meio da elaboração de um modelo analítico de decisão, do tipo ár-
vore de decisão, podemos avaliar e comparar os custos e a efetividade clínica
da trombólise pré-hospitalar versus intra-hospitalar em pacientes com infarto
agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento-ST, no cenário do
Sistema Único de Saúde (Figura 2).
Para Entender a Saúde no Brasil 161
Resultados
A análise de custo-efetividade, na comparação da trombólise pré-hos-
pitalar com tenecteplase versus intra-hospitalar com estreptoquinase, no ho-
rizonte de tempo de um ano, demonstrou minimização de custo de R$ 44,90.
Essa condição de menor custo com maior efetividade na comparação entre as
duas estratégias de tratamento é chamada dominante. A tabela 1 sumariza os
resultados encontrados na análise econômica.
Tabela 1 – Resultado da análise de custo-efetividade na comparação
da trombólise pré-hospitalar versus intra-hospitalar, no tratamento do Infarto
Agudo do Miocárdio, no horizonte de tempo de 1 e 20 anos
Horizonte de tempo de 1 ano
Expectativa de vida
Estratégia Custo RCEI
(em 1 ano)
Pré-hospitalar R$ 1.025,45 0,7696
Intra-hospitalar R$ 1.070,34 0,7661
Incremental (R$ 44,90) 0,0035 DOMINANTE
Horizonte de tempo de 20 anos
Expectativa de vida
Estratégia Custo RCEI
(em 20 anos)
Pré-hospitalar R$ 5.640,04 11,4853
Intra-hospitalar R$ 5.816,76 11,3268
Incremental (R$ 176,72) 0,1585 DOMINANTE
Conclusão
Apesar do avanço nos recursos tecnológicos e dos esforços de cons-
cientização da população quanto à necessidade de atendimento precoce em
vigência da suspeita de IAM, o tempo decorrido entre o início dos sintomas
e a instituição da terapêutica trombolítica permanece inalterado. Tal cenário é
preocupante nas principais capitais brasileiras, nas quais o deslocamento dos
pacientes com suspeita de IAM é complicado por questões logísticas, impedin-
do o acesso rápido à terapia trombolítica.
A análise de custo-efetividade ambientada para o cenário do Sistema
Único de Saúde, permitiu a comparação da estratégia de infusão do trombolíti-
co em ambiente pré-hospitalar, realizada pelo SAMU, comparado ao tratamen-
to intra-hospitalar convencional. O objetivo foi avaliar se o custo inicial com
o aparato logístico do SAMU e os custos do trombolítico em bolus proporcio-
naria redução de custos subseqüentes como necessidade de re-hospitalização
e procedimentos intervencionistas, pelo melhor manejo do IAM no ambiente
pré-hospitalar. A modelagem sugeriu que apesar da necessidade de investi-
mento inicial e a menor acurácia diagnóstica do IAM no grupo do atendimento
pré-hospitalar, o custo total da coorte hipotética de pacientes acompanhados ao
longo de um ano foi menor comparado ao tratamento no intra-hospitalar, com
ganho de 0,0035 em um ano e 0,1585 na projeção dos dados para o horizonte
de 20 anos.
A adoção da estratégia de trombólise pré-hospitalar no IAM, no cenário
do SUS, com uso do SAMU, pode reduzir a mortalidade precoce e a morbida-
de desses pacientes. O benefício de saúde da intervenção, isto é, a possibilida-
de de reperfusão precoce pode significar menor custo no médio e longo prazo,
pela redução do reinfarto e morbidade da cardiopatia isquêmica crônica.
Este é um exemplo da contribuição que a análise econômica em saúde
pode oferecer para formuladores de políticas de saúde e gestores, na difícil ta-
refa de alocar os recursos escassos, em estratégias que reduzam a mortalidade
e signifiquem melhora da qualidade de vida para a população brasileira.
Relevância da análise econômica em saúde para o processo decisório do
166 governo no tratamento da doença cardiovascular
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-hospitalar:
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contribuições
da história
econômica para a
compreensão de
problemas atuais
26
Disponível em <www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/economia_saude/economia_
saude.pdf>.
Para Entender a Saúde no Brasil 181
27
Para ampliar o entendimento sobre as organizações sociais de saúde (OSS), ver os artigos de BAR-
RADAS BARATA e MENDES; NASCIMENTO; ABDALLA, em AMORIM e PERILLO (orgs.)
Para entender a saúde no Brasil. São Paulo: LCTE, 2006.
Formação do complexo médico-hospitalar: contribuições da história econômica
186 para a compreensão de problemas atuais
28
Ver PERILLO, E. B. F. Sistema de saúde no Brasil: história, estrutura e problemas, in AMORIM, M.
C. S.; PERILLO, E. B. F. (orgs.), Para entender a saúde no Brasil. São Paulo: LCTE, 2006:238-242.
29
Ver BLACK, Edwin. Guerra contra os fracos. São Paulo: A Girafa Editora, 2003.
Formação do complexo médico-hospitalar: contribuições da história econômica
188 para a compreensão de problemas atuais
Tradução livre do autor. “The Doctor’s Duty to the State” The physician “should teach the laity that
30
mental hygiene, or discipline, is as essential to proper living and happiness as physical hygiene (...)
Hygiene of the body gives a spirit of religious toleration and calm (while) hygiene of the mind gives a
healthy digestion and a good income-making body and fits the man for this world as well as the next.
Para Entender a Saúde no Brasil 189
31
Conceito originado por ocasião da anexação do Texas aos estados da União, em 1845-1846, segundo
o qual os Estados Unidos possuíam, por direito divino, o destino manifesto (Manifest Destiny), de
espalhar-se por todo o continente americano, e a missão de nele disseminar a democracia republica-
na. Logo foi associado à Doutrina Monroe, com vistas a fundamentar ações futuras para remodelar o
mundo à imagem dos Estados Unidos (WEEKS, 1996:61).
32
Introduzido em 1905, durante o governo de Theodore Roosevelt (1901-1909). Diisponível em: http://
www.ourdocuments.gov/doc.php?flash=true&doc=56>.
33
Visitando uma feira em Minesota em setembro de 1901, Teddy Roosevelt usou pela primeira vez a
expressão que o caracterizaria: “speak softly and carry a big stick and you will go far”.
34
Documento 011 da Coleção Rockefeller, Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz.
Para Entender a Saúde no Brasil 191
35
Durante o governo Rodrigues Alves (1902-1906), foi firmado na cidade de Taubaté um acordo con-
junto entre os presidentes dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, estabelecendo
as bases de uma política de valorização do café. Para os mecanismos do acordo, ver: (FURTADO,
1984:179).
36
Dollar diplomacy refere-se à política do governo e das corporações norte-americanas, de forçar a
abertura de mercados, sobretudo na América Latina, por meio de poder econômico, diplomático e
militar.
37
Ver: (WERNECK SODRÉ, 1964:312-5) para uma discussão do contrato da Itabira Iron.
Formação do complexo médico-hospitalar: contribuições da história econômica
192 para a compreensão de problemas atuais
morte perinatal do que um outro com mãe escolarizada até o nível secundário
(WHO, 2008:29)38.
Explica-se. As pressões para a adoção do modelo hospitalocêntrico já
eram pronunciadas no Brasil de então, e aumentariam em função do cresci-
mento dos interesses médico-assistenciais, até então preteridos em nome dos
interesses sanitaristas/campanhistas. Tal embate, ainda não ideologizado, teria
maior expressão ao longo das décadas seguintes, até que, após o golpe militar
de 1964, seria materializada a supremacia do modelo assistencialista em 1966,
durante o governo Castello Branco39.
A partir de então o modelo médico-hospitalar tornou-se absoluto.
38
Para dados de iniqüidade e desenvolvimento econômico relativos ao Brasil, ver WORLD BANK,
Brazil, Inequality and Economic Development (2 vol.). Report No. 24487-BR, Washington: World
Bank, October, 2003.
39
Para a discussão em profundidade sobre a importação e implantação do modelo médico-hospitalar no
Brasil, ver: (PERILLO, 2008).
Formação do complexo médico-hospitalar: contribuições da história econômica
202 para a compreensão de problemas atuais
40
Para erros de tipo III na pesquisa operacional, ver: RAIFFA, Howard. Decision Analysis. Reading,
Addison-Wesley, 1968:264.
Formação do complexo médico-hospitalar: contribuições da história econômica
206 para a compreensão de problemas atuais
Considerações finais
A partir da segunda metade do século XX, a prestação de serviços de
assistência médica, partindo de uma estrutura artesanal secular, evoluiu para
constituir uma complexa estrutura médico-hospitalar, e desta, a partir dos anos
80, para o atual complexo médico-industrial (RELMAN, 1980:963-70). A evo-
lução tecnológica do antigo instrumental e das próprias práticas do trabalho
médico, passou a exigir estruturas progressivamente complexas, e os hospitais
constituem os centros de atenção à saúde e local privilegiado de sua execu-
ção. Originalmente obtidos a partir de extratos naturais, medicamentos moder-
namente utilizados tornaram-se tecnologicamente complexos e patenteáveis,
com vida útil relacionada ao período financeiramente rentável da proteção pa-
tentária.
As articulações entre as campanhas nacionais e os problemas locais
sempre foram difíceis, entre outras causas, pela disparidade do nível de desen-
volvimento econômico-social das regiões brasileiras, e pela histórica debilida-
de da infra-estrutura do poder público – e ainda no século XXI perdura como
um dilema de difícil solução. A história nos conta do fracasso de iniciativas no
âmbito da saúde pública provocado pelo modelo de desenvolvimento econô-
mico e pelo desenho político a ele associado nos anos 40.
No Brasil pós-Plano Real, o Estado vem privilegiando o gasto com cus-
teio, em detrimento dos investimentos em infra-estrutura, típicos de governo,
por mais que o ideário liberal clame pelo Estado mínimo. A pergunta não é
nova, mas continua atual: quanto se perde em saúde em virtude das dificulda-
des e custos excessivos de transporte, da precariedade dos sistemas de sanea-
mento e segurança, da baixa qualidade ou inexistência de educação, do atraso
Para Entender a Saúde no Brasil 209
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