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Estética para a Educação Musical:


teoria, práxis e educação

Sara Cecília CESCA1

Resumo: A disciplina de Estética para a Educação Musical do curso de Licen-


ciatura em Música do Claretiano – Centro Universitário vem sendo reconhecida
entre os alunos que por ela passam como uma disciplina fundamental no que diz
respeito à compreensão do campo da estética, bem como no tocante a contribui-
ções para o campo da educação musical. Na contramão do que se espera de uma
disciplina de Estética dos cursos de licenciatura – geralmente, inclinada para
a história da estética – sua proposta consiste, especificamente, num encontro
dialógico entre estética e práticas educativas em música. Sob a ótica dos pressu-
postos filosóficos de Luigi Pareyson, os conteúdos da disciplina se concentram
em diferentes questões que permeiam os fenômenos da atividade artística e na
articulação dessas questões a partir do processo inventivo e realizativo em dife-
rentes contextos educativos.

Palavras-chave: Estética. Educação Musical. Formação Docente.

1
Sara Cecília Cesca. Doutoranda em Música pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Mestre em Música pela mesma instituição. Especialista em Arte, Educação e Tecnologias
Contemporâneas pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciada em Música pela Universidade de
Ribeirão Preto (UNAERP). Graduada em Música Com Habilitação em Instrumento pela Universidade
de São Paulo (USP). Tutora do Curso de Licenciatura em Música do Claretiano – Centro Universitário.
E-mail: <sara.cesca@gmail.com>.

Educação, Batatais, v. 6, n. 2, p. 13-32, jul./dez. 2016


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Aesthetics for Musical Education: theory,


practice and education

Sara Cecília CESCA

Abstract: Students who attend the subject Aesthetics for Musical Education
of the licentiate course in Music of Claretiano – Centro Universitário are
widely recognizing it as a fundamental subject regarding the understanding
of the field of Aesthetics, as well as its contributions for the field of Musical
Education. Contrarily to the expected from Aesthetics subjects in licentiate
courses – frequently focused on the history of Aesthetics –, its proposal consists,
specifically, of a dialogic encounter between Aesthetics and educational practices
in Music. Under the perspective of Luigi Pareyson’s philosophical assumptions,
the contents of the subject are focused on different questions that permeate the
phenomena of the artistic activity and on the articulation of such questions based
on the inventive and performative process in different educational contexts.

Keywords: Esthetic. Musical Education. Teacher Training.

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1.  INTRODUÇÃO

Os escritos que apresento neste dossiê de educação musical


descrevem o nascimento da disciplina de Estética para a Educação
Musical do Claretiano – Centro Universitário, seus objetivos e con-
tribuições para a formação docente, como também a importância
das questões estético-filosóficas que substanciam o processo artís-
tico quando observadas pelo educador-esteta na prática do ensino
de música.
Fundado em 1970, o Centro de Ensino Superior Claretiano
deu seus primeiros passos com o funcionamento da Escola Supe-
rior de Educação Física na cidade Batatais/SP, abrindo mais tarde
as portas para o surgimento da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras “José Olympio”. Dirigida pelos Padres Missionários Cla-
retianos, as Faculdades Claretianas contavam com campi nas ci-
dades de Batatais, Rio Claro e São Paulo, o que resultou na União
das Faculdades Claretianas (Uniclar). Posteriormente, a unidade
de Batatais tornou-se Claretiano – Centro Universitário (Ceuclar),
transformando-se em um Centro de Ensino Superior autônomo,
tendo como princípio fundante a capacitação de professores e pro-
fissionais com sólida formação humana para o exercício do ensino
(CATÁLOGO INSTITUCIONAL CLARETIANO, 2016, p. 9). Em
2014, o Claretiano – Centro Universitário ampliou o panorama da
área de humanas, com a abertura do curso de licenciatura em mú-
sica na modalidade a distância. Atualmente, o curso de licenciatura
em música conta com 31 polos institucionais, abrangendo todas as
regiões do país.
A decisão de implantar uma disciplina de Estética que pudes-
se dialogar com os estudos do campo de Educação Musical teve
como ponto de partida a visão atenta e construtiva da equipe de
coordenação.
Ao contrário de um estudo que pudesse apresentar um pano-
rama histórico da estética ao longo dos séculos, a presente disci-
plina, intitulada Estética para a Educação Musical, traz como pres-
suposto teórico-filosófico de seus estudos a abordagem do esteta
e filósofo Luigi Pareyson (1918-1991), dentre outras referências

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bibliográficas que dialogam com a proposta da disciplina. Como


bibliografia básica da disciplina, destacam-se as seguintes obras:
Reflexões sobre Arte (1986) de Alfredo Bosi, Os problemas da Es-
tética (1997) de Luigi Pareyson e Estética e Educação (2009) de
Gabriel Perissé. No que diz respeito à bibliografia complementar
da disciplina, contemplamos as seguintes obras: Educação Estética
para jovens e adultos (2010) de Sonia Carbonell Alvares, A defini-
ção de Arte (1972) de Umberto Eco, A aula como acontecimento
(2010) de João Wanderley Geraldi, Estética: Teoria da Formativi-
dade (1993) de Luigi Pareyson e Arte, Estética e formação huma-
na: possibilidades e críticas (2013), organizado pela autora Sílvia
Rosa da Silva Zanolla.
O principal objetivo dessa linha de estudos consiste na pos-
sibilidade dialógica entre teoria, praxis e educação, mediados por
uma conduta especulativa, crítica e inventiva em torno do ensino de
música, bem como de seus fenômenos artísticos.

2.  UMA DISCIPLINA E MUITAS REGIONALIDADES

Baseado na pesquisa de mestrado em música que concluí em


2014 pela Universidade Estadual de Campinas na linha de “Teoria,
Criação e Prática em Música”, fui convidada a construir o material
digital da presente disciplina e mais tarde a atuar como docente.
Antes de iniciar o processo de construção do material digital
da disciplina, julguei ser importante considerar a amplitude nacio-
nal do curso na modalidade a distância. Com bases institucionais
fincadas em inúmeros estados brasileiros, cada qual com suas diver-
sidades culturais, foi preciso refletir sobre aspectos importantes de
um trabalho dessa natureza: qual será o perfil desses alunos? Quem
são? De onde vêm? Com quem partilharão esses escritos e refle-
xões? De que forma a abordagem pareysoniana poderá contribuir
para o trabalho docente de cada um desses alunos? A partir desses
questionamentos e de maneira cautelosa, o trabalho foi ganhando
forma, de modo que os relatos de experiências, ilustrações didáticas
e contextos educativos apresentados segundo minhas experiências

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como educadora pudessem ser compreendidos apenas como peque-


nos recortes para uma ampla abordagem estético-educativa.
Embora pautado por um olhar atento e cuidadoso, assumi a
construção do material tendo como princípio reflexivo somente as
perguntas. Ao demorar-me nesses questionamentos, pude notar que
as reflexões dessa empreitada também poderiam ser compartilhadas
com os alunos-leitores, afinal questões dessa natureza são também
relevantes para a orientação do futuro educador e esteta em sala de
aula. Diante desses cuidados e observações que se voltam para o
leitor num processo de escrita, assim também prossegue o trabalho
do educador musical frente ao processo formativo de seus alunos
(CESCA, 2015). Para tanto, uma importante questão foi destacada
aos leitores desse material:
Diante destas considerações, é importante esclarecer que
as reflexões estéticas que serão lançadas a partir dos rela-
tos que traremos, não possuem o intento de firmar-se obje-
tivamente em propostas estanques ou em uma abordagem
única de estética, mas, como mostra didática para facilitar
a compreensão do uso dos conceitos filosóficos em dife-
rentes situações do ensino de música (CESCA, 2015, p. 14).
Cada um dos exemplos que ilustram o material é fundamentado
por diferentes conceitos filosóficos de Luigi Pareyson, incluindo
também sua importante teoria da formatividade. Apresentados
como um start ou mesmo um insight, os relatos cumprem uma fun-
ção prática e ilustrativa para a realização de diferentes ações educa-
tivas pautadas por uma abordagem estética. A práxis que circunda
cada um dos relatos de experiência do material também nos ajuda a
compreender o modo como estética e educação musical podem se
relacionar. Outra importante concepção apresentada pela disciplina
diz respeito à proposta de conscientização que legitima o educador
musical como um esteta em sala de aula. Essa abordagem concei-
tual consubstancia os estudos da presente disciplina, objetivando,
para além das reflexões e experiências prático-musicais, uma per-
cepção íntegra, respeitosa e humana do outro no processo inventivo
e realizativo; uma ação educativa, transformadora e humana que
nos ajuda a compreender o potencial inventivo que permeia a vida
de cada um de nós.

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3.  ESTÉTICA PAREYSONIANA: CONTRIBUIÇÕES


PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL

À luz da estética pareysoniana, o material institucional do


Claretiano – Centro Universitário tem como principal objetivo
proporcionar aos futuros educadores musicais reflexões em torno
dos fenômenos estéticos que permeiam a atividade artística em
diferentes momentos do seu constructo a partir de práticas educati-
vas em música.
Diante das notas introdutórias, eis a seguinte questão:
de que forma os conceitos pareysonianos, bem como sua
teoria da formatividade, podem contribuir para o campo
da educação musical? Vejamos: a realização de atividades
artísticas em diferentes contextos educativos também
pressupõe um fazer artisticamente reflexivo, consciente e
valorativo em torno das questões que permeiam o processo
inventivo, do seu nascimento – insight – até o complexo
campo de recepção e leitura da obra. A conscientização
dos obstáculos, descobertas, tentativas e transformações
que permeiam o itinerário de invenção o qual os artistas
(e também nossos alunos) percorrem contribui para um
modus operandi mais criativo, humano e sintonizado com
a obra que cada um realiza em seu existir, isto é, o próprio
viver.
O viver é incerto e o processo artístico, enquanto dinâmica
inventiva, traz-nos considerações significativas e palpáveis desse
evento operantemente inconcluso. Assim sendo, é importante que o
educador esteja ciente de que uma proposta educacional que tome
como modelo estético-filosófico ferramentas especulativas como
mecanismo investigativo do processo inventivo tem como princí-
pio a impossibilidade de qualquer tipo de controle. Na citação a se-
guir, Pareyson traz em destaque o pensamento de Platão e Schelling
com o objetivo de ilustrar os riscos da prática filosófica – em suma,
as agruras do ofício filosófico, e por que não do educador esteta em
sala de aula?
Quando Platão exaltava a beleza do risco, aludia ao fato de
que a filosofia requer audácia e coragem; e é quando, em
tempos mais recentes, recorda Schelling: “Quem verdadei-
ramente quer filosofar, deve renunciar a toda esperança, a

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todo desejo, a toda nostalgia, não deve querer nada nem sa-
ber nada, sentir-se pobre e só, abandonar tudo para ganhar
tudo” (PAREYSON, 2005, p. 6, grifo do autor).
Os meandros do campo da estética em diálogo com a edu-
cação musical podem se tornar arriscados e perigosos quando não
sustentados por uma orientação teórico-filosófica; é preciso ter
cautela, de forma a não incorrer no risco de uma proposta vazia e
a crédito, pois a maior contribuição desse encontro entre estética e
educação musical reside num alcance transcendente à própria arte.
Segundo Gabriel Perissé (2009, p. 36):
A arte educa na medida em que, atraindo nossa visão, en-
cantando nossa audição, agindo sobre nossa imaginação,
dialoga com a nossa consciência. Mais do que nos fazer
reagir à melodia, à rima, à composição pictórica, às cenas
do filme, esses estímulos que nos chegam pela arte criam
um espaço de liberdade, de beleza, no qual nos sentimos
convidados a agir criativamente.
Na medida em que os alunos reagem e dialogam com os
fenômenos que delineiam o fazer artístico, na medida em que se
deparam com as dificuldades advindas desse processo de criação,
ou seja, dificuldades e fenômenos que não diferem – em essência
– da experiência vivenciada pelos grandes artistas e inventores,
a atividade pedagógica ganha fôlego, confiança e alcança a
compreensão de que qualquer atividade humana se constrói somente
baseada no labor, no fazer, no respeito e na referência mútua das
experiências coletivas. Embora os escritos pareysonianos sejam
discutidos no campo da arte e da filosofia, em diferentes trechos
o autor relaciona o conceito formativo em arte com o processo
formativo humano. Toda atividade humana é operosamente
formativa, afirma Pareyson. Portanto, viver é um ato de criação
e toda atividade humana requer práticas inventivas, realizativas e
executivas.
De acordo com Pareyson (1993, p. 20), “[...] todos os aspectos
da operosidade humana, desde os mais simples aos mais articula-
dos, têm um caráter, não eliminável e essencial, de formatividade”.
Assim sendo, é possível afirmar que vivemos em plena condição
“formante”. Baseados nesse princípio filosófico, podemos compre-

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ender a relevância de sua teoria estética em diálogo com educação


musical. Pareyson soube colher, a partir de seus amplos estudos
realizados ao lado de artistas, críticos, intérpretes e apreciadores,
importantes questões que permeiam o complexo itinerário da pro-
dução artística, do seu nascimento até o campo da recepção, abar-
cando também as questões da obra em face do desgaste do mate-
rial, de suas múltiplas possibilidades reprodutivas e até mesmo do
esquecimento do homem. Oriundo desse processo de observação e
reflexão nasceu sua teoria da formatividade.
Assim sendo, é possível tomar as considerações pareysonia-
nas como ferramentas filosóficas – prática e teórica – na formação
do futuro educador musical; uma contribuição substancial para um
olhar estético e humano que circunda o processo inventivo e reali-
zativo da produção artística no campo da educação musical.

4.  A ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS

As unidades de estudo do material de estética e educação


musical foram divididas em quatro segmentos, contemplando ilus-
trações didáticas em cada um deles segundo a abordagem pareyso-
niana. Diante da diversidade e abrangência do curso de Licencia-
tura em Música do Claretiano – Centro Universitário, é importante
frisar que os relatos foram destacados como recortes específicos
de determinados espaços educativos, apresentando-se como porta
de entrada para a reflexão estética na prática do ensino de música;
seu caráter fechado e ao mesmo tempo aberto não se esgota frente
às inúmeras interpretações e influências que poderão suscitar ao
serem lidos por cada um dos futuros docentes.
Em sua obra Os problemas da Estética (1997), Pareyson de-
dica ampla reflexão às atribuições destinadas à arte ao longo da
história. São elas: a arte como um fazer, um conhecer e um expri-
mir. Embora uma ou outra dessas definições possam ter sido em-
pregadas com maior vigor que as demais, em determinado período
ou no próprio feitio e exame de qualquer obra específica, o filóso-
fo ressalta que essas “[...] concepções ora se contrapõem e se ex-
cluem umas às outras, ora, pelo contrário, aliam-se e se combinam

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de várias maneiras. Mas permanecem, em definitivo, as três prin-


cipais definições da arte” (PAREYSON, 1997, p. 21). Para além
dessas definições, Pareyson dedicará seus estudos e observações
ao processo inventivo da atividade artística, agregando ao campo
da Estética a ideia de arte como forma e o processo artístico como
formatividade.
A partir dessa concepção triádica, o conteúdo da disciplina
foi organizado de modo que fosse possível a apresentação de ques-
tões que nutrem cada um desses campos conceituais, seguida da ex-
planação dos conceitos de poética, estética e crítica. O conceito te-
órico da formatividade também recebe destaque, englobando todo
o percurso realizativo da atividade artística. Vejamos, no gráfico a
seguir, a estrutura organizacional desses conceitos:
Figura 1. Conceitos pareysonianos.

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Os conceitos anteriores oferecem ao educador musical fer-


ramentas investigativas e reflexivas voltadas para a compreensão
do processo artístico. Como educadores musicais, é importante que
saibamos transitar por esses atributos, de modo que nossa conduta
como mediadores do processo artístico em diferentes situações do
ensino não incorra numa prática dispersa das riquezas que com-
põem o processo de inventivo e realizativo dos nossos alunos.
A apresentação dos conceitos pareysonianos recebe destaque
na primeira unidade do material, em que também são esclarecidos
os princípios que ligam cada um dos conceitos – afinal, no processo
artístico, ora lidamos com ideias em que o fazer é sobressalente, ora
o conhecer, ora o exprimir, sem esquecer-nos de que o seu desen-
volvimento sempre ocorrerá de maneira imbricada e congruente.
Na segunda unidade do material, a abordagem de arte como
um fazer ganha ênfase, conduzindo os estudos para os conceitos
que englobam a teoria da formatividade: a obra como forma for-
mante, forma formada (acabada) e execução.
Após os estudos que nos levam a compreender a complexa
rede de caminhos e problemas que o artista (e também nossos alu-
nos) percorre durante o processo de produção e invenção, a terceira
unidade de estudos que compõe o material de estética adentra os
problemas que circundam a atividade artística em seu estágio de in-
terpretação, leitura da obra e recepção. Considerando as diferentes
formas da leitura de cada intérprete ou leitor, cabe ao educador, em
face da plural rede de interpretações geradas no contexto coletivo,
adotar condutas que propiciem um trânsito respeitoso e legítimo
entre as diferentes considerações compartilhadas. Nas palavras de
Pareyson (1993, p. 180):
[...] na interpretação é sempre uma pessoa que vê e obser-
va. E observa e vê do particular ponto de vista em que
atualmente se acha ou se coloca e com o singular modo de
ver que formou ao longo da vida [...] e na interpretação é
sempre uma forma que se vê e observa.
Na quarta unidade de estudos, é abordado o conceito de edu-
cador musical como um esteta em sala de aula, isto é, um profis-
sional apto a mediar de forma hábil e reflexiva os processos cons-

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trutivos da atividade artística, considerando todas as suas etapas


realizativas. Um educador esteta e também artista capaz de ponde-
rar e transformar o árduo percurso desse processo em situações de
crescimento, confiabilidade e amadurecimento para a vida como
um todo. Um esteta em sala de aula é um profissional ciente de que
o exercício docente também deve ser pautado no trabalho filosófi-
co, concebendo seu ofício como veículo transformador e humano
para além do próprio pensamento sobre arte, afinal:
[...] abrir caminhos, dedicar-se à arte de ensinar, é ativida-
de repleta de incertezas quanto ao desenrolar dos aconte-
cimentos, à reação dos alunos, aos resultados. Incertezas
não assustam o artista. A vida é incerta, a despeito dos
nossos esforços e conjecturas. O relacionamento humano é
incerto. A arte nos ensina que a vida é uma obra de arte em
andamento, repleta de surpresas (PERISSÉ, 2009, p. 88).

5.  RELATO DE FUTUROS EDUCADORES

Neste breve tópico, destacarei uma das atividades realizadas


na disciplina de Estética para a Educação Musical, bem como ex-
certos extraídos da atividade escrita de alguns alunos. É importante
frisar que os relatos a seguir ilustraram duas comunicações apre-
sentadas no IV Congresso Brasileiro e I Congresso Interamericano
de Educadores Claretianos. De acordo com a normativa do evento,
farei uso apenas de uma letra para mencionar os autores.
A proposta da tarefa realizada pelos alunos trazia o seguinte
enunciado: “Realize uma composição de tema livre, usando os re-
cursos e materiais que julgar necessários, com duração mínima de
um minuto. Registre como vídeo e publique no Portfólio. No de-
correr da construção desta atividade, reflita sobre as questões a se-
guir: a) as dificuldades técnicas encontradas; b) as influências mais
marcantes; c) o diálogo implícito que ocorre entre autor e matéria;
d) as tentativas e erros necessários para alcançar um resultado. Em
seguida, redija um texto de, no máximo, duas páginas, descrevendo
como experiências estéticas dessa natureza podem contribuir com
o trabalho do futuro educador musical frente ao processo inventivo

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de seus alunos em diferentes contextos educativos”. Nas palavras


de Guerson,
É relevante que o professor de Arte, em sua formação,
compreenda as pertinências das áreas aqui explicitadas,
adquirindo a capacidade de conferir ao fazer, à
contextualização, à leitura da obra de Arte, o que de
maneira diferencial for pertencente à Técnica, à Poética,
à Crítica, à História, à Estética (GUERSON, 2010, p. 6).
Baseado em experiências diversas, cada um dos alunos vi-
venciou o processo inventivo e realizativo de uma proposta artísti-
ca. Após o processo de execução e gravação, relataram conforme as
orientações da tarefa aspectos dessa atividade formativa. São essas
observações que apreciaremos a seguir. Vejamos alguns casos:

Figura 2. Relato 1.

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Figura 3. Relato 2.

Figura 4. Relato 3.

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Figura 5. Relato 4.

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Figura 6. Relato 5.

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Figura 7. Relato 6.

Baseado nos excertos anteriores podemos identificar o modo


particular que cada um dos alunos apresentou mediante a experi-
ência artística. Os conceitos filosóficos que englobam o diálogo
entre autor e matéria, insight, matéria formada, recepção, potencial
criativo humano, o exercício, o tentar como condição construtiva,
os limites técnicos do autor e a experiência de vivenciar os mesmos
desafios de seus próprios alunos foram passíveis de serem percebi-
dos no decorrer da atividade.
Posicionar-se como um educador-esteta é, portanto, acredi-
tar que a atividade artística em seu estágio formante pode revelar,
mediante um diálogo filosófico, o “mundo” do artista (do aluno) tal
qual se apresenta no ato do formar, e um educador:

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[...] esteticamente mais bem formado cultivará (eis um


pressuposto somado à esperança) um comportamento es-
pecial no cotidiano escolar, porque olhará de modo espe-
cial os seus alunos, verá neles artistas em potencial, respei-
tando essa possibilidade, acreditando nela como realidade
alcançável (PERISSÉ, 2009, p. 54).
Mediante a abordagem filosófica que a disciplina de Estética
para a Educação Musical vem oferecendo aos futuros docentes a
cada semestre, está sendo possível mapear a apropriação dos seus
estudos no que diz respeito à formação docente, como um instru-
mento investigativo em torno dos processos de invenção e produ-
ção artística em diferentes contextos educativos, seja no estágio de
criação, realização ou interpretação. Assim sendo, é possível con-
cluir que os diálogos entre estética e educação musical podem con-
tribuir significativamente para um olhar profundo e transcendente
para além do próprio fazer artístico. Um encontro entre pessoas,
que de forma íntegra e recíproca, se reconhecem nesse processo de
formatividade artística e humana.

6.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da proposta dialógica entre estética e educação mu-


sical, bem como de seus resultados observados até o presente mo-
mento, é possível afirmar que a reflexão dessas diferentes formas
de compreender a arte em seu estágio construtivo são fundamen-
tais à prática do educador musical. Em sua atuação como mediador
frente aos processos artísticos de seus alunos, é imprescindível dis-
por de reflexões dessa natureza, pois se trata de saber compreender
e orientar de forma didática e construtiva as escolhas e os caminhos
os quais cada um dos alunos desbravará em sala de aula na condi-
ção de artistas, estetas, intérpretes, apreciadores, físicos, biólogos,
matemáticos, contadores de estórias, cientistas, inventores, teóri-
cos, e acima de tudo, humano.

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