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RESUMO:
Em 1904 o Rio de Janeiro viveu um conflito que pode ser comparado a uma guerra
civil. Quebra-quebra, destruição de bondes, iluminação pública. Barricadas nas
ruas para enfrentar a polícia. Esta, mesmo com a ajuda da Marinha e dos
Bombeiros, teve dificuldade em conter o ímpeto popular. A Revolta da Vacina é
comumente retratada como um levante popular contra um decreto que obrigava a
vacinação. Mas não é só isto que a explica. Buscamos neste artigo entender os
mecanismos que levaram a população carioca ao levante e a enfrentar com armas
ou o que pudesse ser usado como tal, as autoridades. Defendemos que a
obrigatoriedade da vacina foi somente uma justificativa. Os motivos eram bem
mais antigos e bem mais profundos. Era uma mescla de frustrações com o governo,
com o novo regime, com as condições de moradia e com a imposição arbitrária de
novos modos de vida que excluíram a maior parcela da população.
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1850 – 1889: AS MUDANÇAS QUE ABALARAM AS ESTRUTURAS DA
NAÇÃO.
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A nova versão da idéia de progresso dá ainda maior
ênfase à ciência e à técnica como fatores de
transformação social. [...] Mas no caso brasileiro
talvez se devesse mais ainda ao surgimento de um
grupo social urbano e educado que se sentia
sufocado na sociedade escravista e rural. Sua única
credencial para ascender socialmente era a
competência técnica. (CARVALHO, 1998, p. 109)
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República através de um golpe militar que uniu civis e militares. Um
ano antes, em 1888 foi assinada a Lei Áurea que proibia a escravidão
no país, este foi o golpe final no sistema monárquico, pois os grandes
fazendeiros, senhores de escravos que sustentavam a monarquia,
foram abalados pela abolição.
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sem a colaboração das massas. O novo regime
resultaria de um golpe militar. (COSTA, 1999, p. 15)
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da elite civil republicana ateve-se estritamente ao
conceito liberal de cidadania, ou mesmo ficou
aquém dele, criando todos os obstáculos à
democratização. (CARVALHO, 1987, p. 64)
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do Império até a Proclamação da República. Vivia-se na capital a
agitação dos novos tempos, os sonhos de mudança com o novo regime.
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No final do XIX os efeitos da Segunda Revolução Industrial1
alteraram os costumes e o cotidiano no Brasil e no mundo, e para
civilizar o Rio de Janeiro era preciso modernizá-lo, fazer da capital da
república brasileira um modelo, um atrativo para os estrangeiros, uma
capital tão reluzente quanto as européias, uma Paris nos trópicos, sem
nada dever a capital francesa, entretanto para chegar a isto era preciso
enfrentar os problemas da cidade. E eles eram enormes, havia muito a
fazer.
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grandes empresários e negociantes estrangeiros, portanto, o centro da
cidade precisava ser modernizado.
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tradições negras e, portanto, com a feitiçaria e a
imoralidade. (SEVCENKO, 1998, p. 21).
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Era preciso, portanto alargar as ruas transformá-las em avenidas
que permitissem o tráfego dos automóveis, das mercadorias do porto,
a renovação da cidade e, principalmente, livrar o centro da população
pobre indesejável, esconder as mazelas dos olhos europeus.
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A grande reforma da cidade começou com o presidente
Rodrigues Alves e foi planejada em três etapas: modernizar o porto,
sanear e reformar a cidade. Para isto foram dados poderes ditatoriais e
ilimitados aos três responsáveis o engenheiro Lauro Müller, o médico
sanitarista Oswaldo Cruz e o engenheiro Pereira Passos.
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providência para realocá-los. (SEVCENKO, 1998, p.
23)
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afinco, a associação era simples: se o trabalho gera riqueza, quem é
pobre não trabalha o suficiente, então se não trabalha é vagabundo e se
é vagabundo é perigoso. O mais grave é que o contexto social e
histórico da época fez com que os negros encabeçassem a lista dos
integrantes das classes perigosas. (CHALHOUB, 1996, p. 23).
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A imprensa do período aplaudiu a atitude do prefeito. A Revista
Ilustrada2 mostrou uma ilustração que satirizava o acontecimento.
Nela uma barata desfila triunfante em cima de uma cabeça de porco
lacrimejante servida em uma bandeja. As reformas promovidas por
Rodrigues Alves para modernizar a cidade seguiram a mesma linha
impositiva.
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A forma como a moderna República tratava o povo, fazia com
que este tivesse uma antipatia pelo regime. Sua simpatia era dirigida à
Princesa Isabel, pela obvia assinatura da Lei Áurea e ao Imperador D.
Pedro II que era considerado o pai dos pobres e representava a
sacralidade e a tradição familiar.
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entre os pobres e a República mostrando o que a modernidade
brasileira não era.
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capital civilizada no estrangeiro, para isto era preciso esconder o povo,
esconder o negro, o mestiço, que inferiorizavam a nação. Criar um
espaço único para a elite que mantivesse longe de seus olhos a pobreza
e a miséria.
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desenvolvimento material que aumentou as diferenças sociais. No
Brasil, assim como na América Latina isto ocorreu porque as elites
promoveram a modernização das cidades aplicando a eficácia, mas não
a autonomia, mantendo o povo dominado e sem direitos democráticos.
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Em meio às reformas ocorria também o saneamento e a
higienização da cidade justificadas pela ocorrência de epidemias. O
médico sanitarista Oswaldo Cruz, tentava erradicar as doenças e
acabar com os problemas sanitários no centro. Para isto, assim como o
prefeito Pereira Passos, ele possuía poderes ilimitados para cumprir a
contento sua tarefa. Há muito seus atos incomodavam os cidadãos mais
atingidos.
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terrenos férteis para a propagação de todos os
vícios. (CHALHOUB, 1996, p. 29)
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Ao assumir a presidência em 1902 Rodrigues Alves torna
Oswaldo Cruz responsável por acabar com as epidemias no Brasil. O
primeiro alvo é a febre amarela, um grupo de sanitaristas visita as
casas em busca de focos da doença e destruição do mosquito, a
população não entende como um mosquito pode causar o mal. Nos
jornais da época ele é satirizado por caçar mosquitos e ratos para
acabar com as proliferações de doenças, como na charge ao lado, onde
é identificado com um caçador e ganha até mesmo um epíteto. O tempo
provou que Oswaldo estava certo, em 1907 a febre amarela foi
erradicada no Rio de Janeiro. O próximo alvo foi a varíola.
3 Inocular: Transmitir uma doença inserindo seu agente etiológico (vírus, neste
caso) em um organismo.
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novos métodos e da nova medicina, que há pouco tempo havia
descoberto as formas de conter ou amenizar os sintomas da doença.
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refrega, segundo os jornais da época: 23 mortos,
dezenas de feridos, quase mil presos, sendo que
centenas destes enfrentariam um breve “estágio” na
ilha das Cobras4 e, em seguida uma viagem sem
regresso para o Acre.5 (CHALHOUB, 1996, p. 97)
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A campanha em grande escala contra a doença criou “batalhões
de visitadores que, acompanhados da força policial, invadiam casas a
pretexto de vistoria e da vacinação dos residentes.” (SEVCENKO, 1998,
p. 23). Quaisquer indícios de risco de contaminação ou de possibilidade
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de propagação da doença era a justificativa para a expulsão dos
moradores e a demolição da construção.
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Os próprios fiscais eram conflitantes em suas inspeções aos
cortiços. Num relatório feito em 8 de janeiro de 1905, o inspetor
sanitário Dr. Belisário Penna as condições de seu trabalho durante o
período de maio a dezembro de 1904. No relatório ele fala de alguns
locais onde fez a inspeção e demonstra claramente o preconceito
contra as habitações populares ao mesmo tempo preocupa-se com o
destino dos expulsos e critica a falta de atitude do governo:
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commodos, verdadeiros formigueiros, onde
dominam em geral a immoralidade e a porcaria,
onde a promiscuidade e a agglomeração geram as
molestias e a patifaria, trazendo o definhamento
physico e a perversão moral d'esse povo. Enquanto
os governos não enfrentarem com animo decidido o
importante problema das habitações para
operarios, n'uma capital como esta, onde é notavel a
proporção d'esse grupo, a hygiene encontrará
serios embaraços na debelação das epidemias e nas
medidas geraes de saneamento.
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sua vez a auctoridade competente faz o mesmo, e
assim em seguida. (PENNA, 1905)
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E para finalizar o relatório, sua opinião em relação às reformas que
estão sendo feitas,
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modernidade era somente para a elite, o povo, novamente, era
ignorado e excluído.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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concentrado em determinado momento na questão
da vacina. (CHALHOUB, 1996, p.101)
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João do Rio, um personagem repórter citado por Sevcenko (1998,
p.543) conta depois da reforma completada que foi conhecer os
morros onde habitava a população retirada do centro e descreve que
ao ver as luzes da cidade ao pé do morro teve a sensação de que
estavam em outro mundo, regido por leis e condições próprias no
centro do Rio de Janeiro. Diz que a população segregada estava
vivendo em condições piores que aquelas em que vivia nos cortiços.
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interessados: a população da cidade. Será que podemos dizer que
atualmente é diferente? Podemos afirmar isto?
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Fonte:
Referências:
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SEVCENKO, N. A capital irradiante: técnica ritmos e ritos do Rio. In:
_____. (org.) História da Vida Privada no Brasil. Volume 3. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 514-619.
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