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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI


EMBTE.(S) : MARIA AUXILIADORA SEABRA REZENDE
ADV.(A/S) : CEZAR ROBERTO BITENCOURT E OUTRO(A/S)
EMBDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Ementa: PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS


INFRINGENTES. PRELIMINARES DE NULIDADE E NÃO
CABIMENTO REJEITADAS. DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO. ART.
89 DA LEI 8.666/1993. SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA DO
ESTADO DE TOCANTINS. COMPRA DE LIVROS DIDÁTICOS.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DO
TIPO. DOLO ESPECÍFICO NÃO EVIDENCIADO NA ESPÉCIE.
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMBARGOS
INFRINGENTES ACOLHIDOS PARA CASSAR O ACÓRDÃO
EMBARGADO E ABSOLVER A EMBARGANTE.
I – Para a consumação do delito previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993,
faz-se imprescindível a demonstração do elemento subjetivo do tipo.
II – Tal hipótese compreende o ato de vontade livre e consciente do
agente de frustrar a concorrência, beneficiando terceiro e produzindo
resultado danoso ao erário.
III - Para a responsabilização penal do administrador, com base no
art. 89 da Lei de Licitações e Contratos, cumpre aferir se foram violados
os pressupostos de dispensa ou inexigibilidade de licitação previstos nos
arts. 24 e 25 do mesmo diploma, bem como se houve vontade livre e
consciente de violar a competição e produzir resultado lesivo ao
patrimônio público.
IV – No caso concreto, não ficou comprovado o dolo específico da
conduta imputada à ré.
V – Embargos infringentes acolhidos para absolver a embargante.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
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Ementa e Acórdão

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AP 946 ED-EI / DF

AC ÓRDÃ O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da
Senhora Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamentos
e das notas taquigráficas, inicialmente, por maioria e nos termos do voto
do Relator, rejeitar as preliminares suscitadas, vencido o Ministro Marco
Aurélio, que, quanto a elas, não conhecia dos embargos infringentes.
Acompanharam o Ministro Relator com ressalva de entendimento os
Ministros Edson Fachin e Celso de Mello. No mérito, o Tribunal, por
maioria e nos termos do voto do Relator, acolheu os embargos
infringentes para absolver a embargante, vencidos os Ministros Edson
Fachin, Roberto Barroso e Marco Aurélio.

Brasília, 30 de agosto de 2018.

RICARDO LEWANDOWSKI – RELATOR

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EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI


EMBTE.(S) : MARIA AUXILIADORA SEABRA REZENDE
ADV.(A/S) : CEZAR ROBERTO BITENCOURT E OUTRO(A/S)
EMBDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

RE LAT Ó RI O

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Trata-se de


Embargos Infringentes opostos pela Deputada Federal Maria Auxiliadora
Seabra Rezende em face de acórdão proferido pela Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF), que, por maioria de votos, julgou
procedente a ação penal, com a seguinte ementa:

“PENAL. PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL.


DENÚNCIA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA. INOCORRÊNCIA.
CONFORMIDADE COM O ART. 41 DO CPP. CRIME DE
DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO. ART. 89 DA LEI
8.666/93. PECULATO. MATERIALIDADE, AUTORIA,
TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA PROVADAS.
CONDENAÇÃO.
1. Não é inepta a denúncia que, em respeito ao art. 41 do
Código de Processo Penal, descreve o fato imputado ao réu com
todas as circunstâncias que possibilitem a individualização da
conduta e o exercício da ampla defesa.
2. Provadas a materialidade, a autoria, a tipicidade
objetiva e subjetiva dos crimes de dispensa irregular de licitação
e de peculato, não havendo causas de exclusão da ilicitude e
culpabilidade, a condenação é medida que se impõe”.

Consta dos autos que a ora embargante foi denunciada por,


supostamente, no exercício do cargo de Secretária da Educação e Cultura
do Estado do Tocantins, ter praticado os crimes de dispensa ilegal de

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licitação (art. 89, caput, combinado com art. 84, § 2º, da Lei 8.666/1993) e
peculato (art. 312 combinado com art. 327, § 2º, ambos do Código Penal),
entre dezembro de 2002 e janeiro de 2004, na aquisição de material
didático para o Programa Educação de Jovens e Adultos.

Segundo a acusação, tais delitos teriam sido perpetrados mediante: a


desclassificação de licitantes em razão de descumprimento de exigência
não prevista no edital; a contratação direta das empresas sem que fosse
demonstrada a caracterização de hipótese de inexigibilidade de licitação;
a aquisição de obras por preços superiores aos praticados no mercado; e a
celebração automática e injustificada de aditivos contratuais, de forma a
favorecer determinadas empresas e malversar recursos públicos, como
consignado no Relatório de Fiscalização nº 609/2005 e no Laudo Pericial
nº 091/2011-SETEC/SER/DPF/TO, tendo o sobrepreço atingido o montante
de R$ 772.384,40 (setecentos e setenta e dois mil, trezentos e oitenta e
quatro reais e quarenta centavos) (fls. 4/17).

A ação penal foi instruída, em autos apensos, com inquérito policial,


laudo pericial da Polícia Federal e relatório de análise da Controladoria-
Geral da União (CGU) – segundo os quais a Secretaria da Educação,
durante a gestão da denunciada, adquiriu livros mediante inexigibilidade
ilícita de licitação, a preços acima dos praticados no mercado –, bem como
cópia dos procedimentos licitatórios investigados (Apensos 1 a 9).

Em 24/06/2014, a denúncia foi recebida pela Primeira Turma deste


Supremo Tribunal (fls. 235/248). Contra o acórdão, foram opostos
embargos de declaração pela Defesa, acolhidos sem efeitos modificativos
(fls. 286/290).

Na sequência, foi negado seguimento aos segundos declaratórios


(fls. 313/316). No curso da instrução foram ouvidas testemunhas (fls.
394/435) e realizado o interrogatório da acusada (fls. 436/451), que negou
a prática dos crimes, ao argumento de que não tinha qualquer

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participação nos procedimentos ou na escolha da modalidade de


licitação, processada na Secretaria de Fazenda, e não na Secretaria de
Educação.

Aduziu que a escolha do material didático constituía atribuição de


uma equipe técnica, destacando os depoimentos das testemunhas
arroladas pela defesa, que participavam deste processo de seleção dos
livros.

Considerou inidôneo o cálculo do sobrepreço, ao argumento de que


foram considerados os preços praticados no mercado à época das
aquisições, quando os livros, por serem lançamentos do ano,
apresentavam valores mais altos do que no ano da elaboração do laudo
pericial.

Sustentou, ainda, que o Tribunal de Contas da União julgou


regulares as contas relativas aos contratos mencionados na denúncia.

Por fim, afirmou ter sido denunciada somente porque, na qualidade


de Secretária da Educação, exercia a função de ordenadora de despesas e,
nessa condição, confirmou a existência dos recursos para a aquisição dos
livros didáticos, liberando o pagamento depois do procedimento de
compra conduzido pela Secretaria de Fazenda.

A pedido do Procurador-Geral da República, vieram aos autos


cópias do processo de tomada de contas relativo aos contratos narrados
na denúncia, no qual o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou
regulares as contas, com ressalvas e ciência à Secretaria de Educação e
Cultura (SEDUC) sobre a ausência de pesquisas de mercado que
comprovassem a compatibilidade dos preços contratados (fl. 462).

Em alegações finais, o Ministério Público Federal pugnou pela


condenação da acusada nos termos da denúncia (fls. 477/493). A Defesa, a

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seu turno, reiterou a preliminar de inépcia da denúncia e, no mérito,


pugnou pela improcedência da pretensão punitiva, por atipicidade das
condutas imputadas à ré e por ausência de prova (fls. 497/534).

Na sessão de julgamento realizada em 30/08/2016, a Primeira Turma


do STF, por maioria de votos, quanto ao crime do art. 89 da Lei
8.666/1993, condenou a acusada à pena de 5 anos e 4 meses de detenção e
100 dias-multa à razão de R$ 300,00 (trezentos reais) e, no tocante ao
crime do art. 312 do Código Penal, após julgar procedente o pedido e
fixar a pena em 4 anos e 4 meses de reclusão e 17 dias-multa, reconheceu
a prescrição da pretensão punitiva em concreto (fls. 549/635).

Em seguida, rejeitados os embargos de declaração opostos pela


Defesa (fls. 740/755), a denunciada opôs os presentes infringentes (fls.
763/842), alegando, em preliminar, nulidade do feito em razão de
litispendência e usurpação de competência do STF para deliberação sobre
o desmembramento da ação penal em relação aos demais investigados.
Ainda como questão preliminar, suscitou a inépcia da denúncia, sob o
argumento de que as suas condutas não teriam sido satisfatoriamente
descritas, impedindo o exercício regular do direito de defesa.

No mérito, sustentou a regularidade das declarações de


exclusividade emitidas pela Câmara Brasileira do Livro, utilizadas para
embasar a inviabilidade de competição e, consequentemente, a
inexigibilidade dos procedimentos licitatórios. Aduziu, ainda, a ausência
de sobrepreço e de prejuízo ao erário, destacando a existência de emissão
de pareceres favoráveis à inexigibilidade das licitações pela Procuradoria-
Geral do Estado do Tocantins e a declaração de inexigibilidade firmada,
na maioria dos casos, pelo então Secretário da Fazenda do Estado do
Tocantins.

Subsidiariamente, pugnou pelo redimensionamento da pena, ante a


ocorrência de bis in idem na dosimetria, em razão da valoração negativa

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da circunstância judicial da culpabilidade e da concomitante majoração


pela aplicação da causa especial de aumento de pena prevista no art. 84, §
2°, da Lei 8.666/1993, bem como pela indevida exasperação atinente às
consequências do crime e continuidade delitiva.

Ato contínuo, a defesa requereu a juntada de dois pareceres jurídicos


(fls. 950/990).

O Ministério Público Federal, por sua vez, apresentou contrarrazões,


propugnando: i) o desentranhamento dos pareceres jurídicos trazidos aos
autos pela embargante após a apresentação das razões recursais; ii) o não
conhecimento dos embargos infringentes, por incabíveis, e a não
concessão de ordem de habeas corpus de ofício; e iii) subsidiariamente, o
conhecimento parcial e o não provimento do recurso, mantendo-se
inalterado o acórdão ora combatido, com a imediata execução da pena
imposta (fls. 1001/1040).

Em 30/4/2018, o Ministro Edson Fachin admitiu os presentes


embargos infringentes (fls. 1042).

Por fim, em 18/6/2018 a Procuradora-Geral da República requereu


prioridade no julgamento do presente recurso, ante a iminência da
prescrição (fls. 1.044/1.045), tendo este Relator, no primeiro dia útil após o
recesso de julho/2018, indeferido o desentranhamento dos pareceres,
liberado o feito para julgamento e oficiado à Presidência a respeito.

É o relatório.

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30/08/2018 PLENÁRIO

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VOTO

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem


examinados os autos, verifico que ambas as partes arguiram questões
preliminares ao mérito, razão por que inicio meu voto com a análise
destacada de cada uma delas.

1. PRELIMINARES

1.1. Nulidade. Litispendência e usurpação de competência do


Supremo Tribunal Federal

A Defesa suscita a ocorrência de nulidade processual, ao argumento


de que teria ficado caracterizada litispendência e usurpação da
competência do STF na deliberação sobre o desmembramento da ação
penal em relação aos demais investigados, na medida em que, sobre os
mesmos fatos descritos na inicial acusatória, teria sido oferecida anterior
denúncia no Juízo Federal da Seção Judiciária do Estado do Tocantins em
face da ora embargante e outros cinco acusados e, após Maria Auxiliadora
obter prerrogativa de foro em razão da assunção no cargo de deputada
federal, o Ministério Público procedeu ao desmembramento unilateral da
acusação, ofertando nova denúncia.

Contudo, do cotejo das mencionadas denúncias formuladas em


desfavor da ora embargante, verifica-se que, em que pese a circunstância
de ambas conterem imputação sobre a prática dos mesmos tipos penais,
os fatos narrados em cada uma delas são distintos, porquanto versam
sobre condutas ilícitas praticadas em procedimentos licitatórios diversos.

Com efeito, consta da presente exordial acusatória que os “fatos ora


denunciados foram investigados no Inquérito Policial 384/2009-

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SR/DPF/TO, instaurado para apurar irregularidades na aplicação das


verbas destinadas à execução de convênios firmados pela Secretaria da
Educação e Cultura do Estado de Tocantins com o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação - FNDE, noticiadas no Relatório de
Fiscalização n° 609/2005 da Controladoria-Geral da União”, versando as
condutas ilícitas especificamente aos fatos ocorridos no bojo dos
“Processos Licitatórios nº 2004.2700.001748 (apenso 3), 2003.2700.003765
(apenso 4), 2003.2700.003811 (apenso 5), 2003.2700.003812 (apenso 6),
2003.2700.003813 (apenso 7), 2003.2700.003814 (apenso 8) e
2002.2700.003452 (apenso 9)”.

Em contrapartida, a outra denúncia mencionada pela embargante,


oferecida no Juízo Federal da Seção Judiciária do Estado do Tocantins, diz
respeito ao “processo SEDUC 2004.2007.001749 (contrato 030/2004 e
Aditivo)” (fls. 26/32).

Aliás, a advertência de que o caso em tela era similar ao examinado


no Inquérito 3.089 constou da própria manifestação inaugural do
Procurador-Geral da República, quando da proposição da presente Ação
Penal, em que foi consignado que “ambos tratam de irregularidades na
aquisição de livros didáticos pela Secretaria de Educação do Estado do Tocantins
e apontam condutas similares dos agentes, cabendo a cada um dos feitos a
investigação de contratos distintos” (fl. 3), sendo, na sequência, determinado
pelo Relator o desmembramento dos autos, para apuração das condutas
dos envolvidos que não gozam da prerrogativa de foro neste Supremo
(fls. 39/41).

Ademais, cumpre considerar que a questão relativa a eventual


identidade de demandas já fora analisada por esta Corte quando do
recebimento da denúncia, oportunidade em que o Relator destacou, na
parte final de seu voto, o seguinte:

“[...] Voto no sentido de receber a denúncia presentes os


tipos dos artigos 89, cabeça, combinado com o 84, § 2º, ambos

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da Lei nº 8.666/93, 312, combinado com o 327, § 2º, do Código


Penal, reportando-me, inclusive, a situação semelhante a
envolver também a denunciada e já objeto de crivo deste
Colegiado no que recebida a denúncia, retratada no Inquérito nº
3.089.
Ressalto que não há sobreposição, porquanto os processos
licitatórios estão individualizados na espécie, sendo diversos
daqueles envolvidos no procedimento aludido”. (fl. 245)

Destarte, para além de se constatar que a denúncia oferecida na


presente ação penal versa sobre fatos distintos daqueles tratados na outra
acusação, a questão já foi objeto de expressa deliberação pelo
Colegiado desta Suprema Corte, tendo, assim, se operado a preclusão
pro iudicato.

Portanto, tenho que a rejeição da preliminar arguida é medida de


rigor.

1.2. Inépcia da denúncia

Quanto à alegada inépcia da denúncia, sob o argumento de que as


condutas não teriam sido satisfatoriamente descritas, impedindo o
exercício regular do direito de defesa, observo que, além de preenchidos
os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, com a
adequada individualização das condutas supostamente ilícitas praticadas
pela denunciada, tal questão também já foi objeto de expressa
deliberação pelo Colegiado desta Suprema Corte, que a rejeitou, à
unanimidade, tanto no recebimento da denúncia quanto no julgamento
do mérito da acusação.

Desse modo, entendo pela que ocorreu a preclusão pro iudicato, não
exsurgindo nos autos novo elemento ou qualquer circunstância
superveniente que autorize a reabertura de discussões devidamente
sedimentadas sobre a matéria, impondo-se, portanto, a rejeição desta

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preliminar arguida.

1.3. Não cabimento dos embargos infringentes

Pugna o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do


presente recurso, por reputar incabíveis embargos infringentes em face de
condenação não unânime em julgamento de ação penal originária por
Turma do Supremo Tribunal Federal.

Contudo, consoante assentou o Plenário desta Suprema Corte ao


julgar o Agravo Regimental nos Embargos Infringentes na AP 863, que
são cabíveis embargos infringentes contra decisões em sede de ações
penais de competência originária das Turmas quando haja 2 votos
minoritários de caráter absolutório em sentido próprio.

E, na espécie, verifica-se preenchido o aludido requisito objetivo de


admissibilidade, na medida em que o julgamento realizado pela Primeira
Turma contou com 2 votos pela absolvição da denunciada.

Destarte, nesse segundo juízo de admissibilidade próprio dos


embargos infringentes, verifico estar correta a decisão proferida pelo
Ministro Edson Fachin à fl. 1.042, que admitiu o processamento desse
recurso, devendo, pois, ser rejeitada a preliminar de não conhecimento
arguida pelo Parquet.

2. MÉRITO

Bem examinados os autos, registro, inicialmente, que o presente


recurso apresenta como objeto apenas o capítulo do acórdão vergastado
que diz respeito à condenação da denunciada pelo crime do art. 89 da Lei
8.666/1993. Não cuidam estes infringentes, pois, de impugnar a outra
imputação descrita na denúncia, referente ao crime de peculato (art. 312
do Código Penal), em relação à qual, a despeito do decreto condenatório,

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houve reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

Como é cediço, o tipo do art. 89 da Lei 8.666/1993 encerra norma


penal em branco, na medida em que seu preceito primário remete à
complementação por outra disposição legal. Especificamente quanto ao
crime de inexigibilidade de licitação, o complemento do preceito
incriminador consta do art. 25 do mesmo diploma legal, que estabelece os
pressupostos da contratação direta pela Administração Pública, em que a
licitação se mostra inviável.

Outrossim, entendo que para a consumação desse delito se faz


imprescindível a demonstração do elemento subjetivo do agente,
consistente na vontade livre e consciente em frustrar a concorrência,
beneficiando terceiro e produzindo resultado danoso ao erário, sendo
insuficiente a conduta culposa, caracterizada pela violação do dever de
cuidado, mediante imprudência, negligência ou imperícia.

Destarte, para a responsabilização penal do administrador com base


no art. 89 da Lei de Licitações e Contratos, cumpre aferir se foram
violados os pressupostos de dispensa ou inexigibilidade de licitação
previstos nos arts. 24 e 25 do mesmo diploma, bem como se houve
vontade livre e consciente de violar a competição e produzir resultado
lesivo ao patrimônio público.

Tal compreensão busca distinguir o administrador probo que, sem


má-fé, agindo com culpa, aplica equivocadamente a norma de dispensa
ou inexigibilidade de licitação daquele que afasta a concorrência de forma
deliberada, sabendo-a imperiosa, com finalidade ilícita.

Esse também é o entendimento que se colhe de abalizada doutrina,


verbis:

“O elemento subjetivo [do artigo 89] consiste não apenas


na intenção maliciosa de deixar de praticar a licitação cabível.

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[...] É imperioso, para a caracterização do crime, que o agente


atue voltado a obter um outro resultado, efetivamente
reprovável e grave, além da mera contratação direta. Ocorre,
assim, a conduta ilícita quando o agente possui a vontade livre
e consciente de produzir o resultado danoso ao erário. É
necessário um elemento subjetivo consistente em produzir
prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido
de licitação. Portanto, não basta a mera intenção de não realizar
licitação em um caso em que tal seria necessário ” (JUSTEN
FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 901-904).

No mesmo sentido, o Plenário desta Suprema Corte já assentou que


a “incidência da norma que se extrai do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93
depende da presença de um claro elemento subjetivo do agente político: a
vontade livre e consciente (dolo) de lesar o Erário, pois é assim que se
garante a necessária distinção entre atos próprios do cotidiano político-
administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais. A
ausência de indícios da presença do dolo específico do delito, com o
reconhecimento de atipicidade da conduta dos agentes denunciados, já
foi reconhecida pela Suprema Corte (Inq. nº 2.646/RN, Tribunal Pleno,
Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 7/5/10)” (Inq 2616, Rel. Min. Dias
Toffoli).

No caso vertente, a Primeira Turma, por maioria, julgou procedente


a acusação no tocante ao crime do art. 89 da Lei 8.666/1993, ao
fundamento de que, em síntese, sem licitação, alegada e não demonstrada
a inviabilidade da competição ante a exclusividade de fornecedores,
ocorreu o desvio de dinheiro público, de que tinha posse a denunciada,
ainda que mediante mera disponibilidade jurídica, em benefício das
empresas determinadas, estando o dolo consubstanciado no envio de
ofício ao Secretário de Fazenda do Estado diante da ausência de emissão
de parecer conclusivo pela Procuradoria-Geral do Estado e na celeridade
em proceder à contratação direta das fornecedoras.

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No entanto, com a devida vênia, penso assistir razão aos


entendimentos explicitados nos votos dos Ministros Luiz Fux (Revisor) e
Rosa Weber, que absolveram a acusada por ausência de efetiva
demonstração do elemento subjetivo do tipo na conduta praticada.

Conforme a acusação, a denunciada teria, no exercício do cargo de


Secretária de Educação e Cultura do Estado de Tocantins, autorizado
ilicitamente a compra direta de livros, porquanto não caracterizada
hipótese de inexigibilidade do certame licitatório, estabelecida pelo art.
25, I, da Lei 8.666/1993.

Segundo o Ministério Público Federal, a acusada valeu-se de


pareceres padronizados e genéricos de equipe técnico-pedagógica que
não apresentavam justificativa plausível para a escolha do material
didático adquirido, das quantidades e das escolas que teriam suas
necessidades supridas, além de ter-se fundado em declarações de
exclusividade que não preenchiam os requisitos legais ou não se
prestavam a comprovar a exclusividade, a indicar a possibilidade de
concorrência, bem como por não haver realizado pesquisa de preços para
demonstrar a equivalência dos valores praticados pelas distribuidoras
contratadas aos do mercado nacional e aos montantes pagos por outros
órgãos da Administração Pública.

Contudo, dos elementos de convicção existentes nos autos, não


vislumbro a presença do dolo específico na conduta da ora embargante,
no sentido de que tenha agido como intuito de beneficiar as empresas
contratadas, mediante inexigência de licitação, ou de comprar os livros
por valores superiores aos praticados no mercado à época, lesando o
erário público.

De início, registro que a aquisição das obras derivou de ações


aprovadas constantes do Convênio nº 816323/2004, firmado entre o Fundo

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Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Estado do


Tocantins, por meio da Secretaria de Educação do Estado de Tocantins
(SEDUC), tendo como objeto a assistência financeira direcionada à
execução de ações para a melhoria da qualidade do ensino oferecido aos
alunos da educação especial, mediante material didático, adaptação de
escolas e capacitação de professores/profissionais (fl. 75 do Apenso 2).

E, conforme consta do procedimento administrativo copiado no


Anexo 3, a denunciada designou Comissão de servidores a fim analisar,
avaliar e consolidar o processo de escolha das coleções finais para
aquisição dos livros didáticos adequados ao mencionado programa, que
elaborou Parecer “ressaltando os pontos positivos e negativos de quatro
coleções finais e consignou que o material relacionado vem ao encontro
das necessidades do processo de ensino-aprendizagem, na medida em
que oportuniza a leitura compartilhada, o trabalho conjunto, a reflexão
solidária, a parceria construtiva, além de favorecer e intensificar o prazer
pela construção coletiva do conhecimento, destacando, ao final, a
existência de limitação do mercado (escassez de Livros Didáticos
específicos para EJA)” (fls. 3/6 do Apenso 3).

Já no procedimento constante do Apenso 4, também se verifica a


designação de equipe técnica pela denunciada (fl. 5), composta por
membros distintos da Comissão anterior, que elaborou um Parecer
Técnico-Pedagógico dando conta de que os livros selecionados “tiveram
sua escolha condicionada por sua inequívoca importância didático-
pedagógica no que concerne à Educação Continuada e, em especial, à
Capacitação dos Alunos da Educação Fundamental de Jovens e Adultos
do 2º Segmento da Rede Estadual, atentando-se para as especificidades
pedagógicas que são peculiares a esta modalidade de ensino” (fl. 6).

Idêntica conduta, ainda, foi adotada nos demais procedimentos,


copiados nos Apensos 5 a 8, em que os fundamentos da escolha mostram-
se semelhantes entre si.

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Dessa forma, da análise de tais procedimentos, pode-se constatar


que a seleção dos livros foi precedida da constituição de Comissões pela
ora embargante, composta de equipe técnica especializada, que
considerou as obras adequadas aos objetivos programa “Educação de
Jovens e Adultos do Ensino Fundamental”.

Quanto à alegada utilização de fundamentação padronizada para


justificar a escolha dos livros a serem adquiridos, entendo que o simples
fato de os procedimentos licitatórios terem sido instruídos com pareceres
técnicos em que constam termos e fundamentos semelhantes não
consubstancia nenhuma ilegalidade, inexistindo ademais qualquer
elemento concreto a indicar que o material didático adquirido era
inadequado para os fins a que se prestava.

Nesse particular, conforme bem anotado pelo Ministro Luiz Fux no


substancioso voto que proferiu nesta ação penal (fls. 563/602), a escolha
dos livros ideais a fim de alcançar os objetivos do Programa Educação de
Jovens e Adultos é matéria que se circunscreve essencialmente ao mérito
do ato administrativo, de forma que a seleção do melhor material
didático escapa a critérios estritamente objetivos sobre os quais o Poder
Judiciário possa exercer controle jurisdicional, hipótese em que a Lei de
Licitações limita a subjetividade, proibindo, por exemplo, a simples
preferência por marcas, o que não ocorreu no caso em tela.

De outro lado, reputo que as cartas de exclusividade apresentadas


pelas empresas contratadas não se afiguravam, na espécie, inaptas para
fins de inexigibilidade de licitação a que alude o art. 25, I, da Lei
8.666/1993, na medida em que, como é cediço, a demonstração da
exclusividade do representante comercial, pode ter caráter local, dispensa
registro em órgão específico, podendo ser comprovada por meio de
documentos emitidos por entidades idôneas, vinculadas ao setor de
mercado respectivo, como é o caso da Câmara Brasileira do Livro.

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Tanto assim que o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu pela


legalidade da inexigibilidade de licitação fundada nas cartas de
exclusividade constantes dos autos, ao fundamento de que a própria
jurisprudência do TCU já reconheceu que a exclusividade relativa é
fundamento para a inexigibilidade de licitação e que, tratando-se de
fornecedores exclusivos na região dos livros objeto das aquisições,
haveria impedimento de outra empresa entrar numa possível
concorrência, conforme se destaca do seguinte excerto do acórdão na
Tomada de Contas Especial TC 020.500/2006-4 (fls. 129/130 do Apenso 1):

“5.3. análise
5.3.1. não obstante existir posição doutrinária defendendo a
possibilidade de se realizar licitação, mesmo diante de exclusividade
relativa de fornecedor, com base no valor a ser contratado, não parece
ser este o caso para o mercado de livros. De fato, a sistemática
regionalização do mercado de livros é uma realidade em nosso
país. Isso é confirmado não só pelas razões de justificativa dos
responsáveis, como também pela própria Câmara Brasileira do Livro
CBL, entidade de âmbito nacional, fundada em 20 de setembro de
1946, que tem como objetivo defender e difundir o livro. Em contato
telefônico com o setor responsável da CBL, nos foi informado que, de
fato, não é possível, ante o respeito aos acordos comerciais
firmados entre editoras e distribuidores, que, mesmo numa
concorrência de grande vulto, um distribuidor venha a invadir
a área de outro; o que, na prática, inviabiliza a competição.
5.3.2. ademais, a própria jurisprudência do TCU já
reconheceu que a exclusividade relativa é fundamento para a
inexigibilidade de licitação, conforme trecho do Acórdão 095/2007-
TCU-Plenário:
Em relação ao direcionamento da compra às contratadas, vê-se
que esse decorreu do fato de essas serem as representantes exclusivas
(temporárias) instituídas pelos laboratórios. Forçoso admitir que a
decisão de conceder exclusividade às contratadas era privativa dos
laboratórios, refugindo à apreciação do TCU, ainda que essa possa não
ter sido a solução que melhor preços tenha trazido à Administração.

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Essa matéria parece estar ais afeta à competência do Conselho


Administrativo de Defesa Econômica CADE.
Assim, não obstante o número exagerado de contratações
em que não se exigiu a licitação, data vênia do excelente
trabalho da unidade técnica, não parece seguro afirmar que, no
caso específico tratado nestes autos, tenham sido indevidas as
adoções das inexigibilidades dos certames.
A uma, porque as empresas [omissis] de fato detinham a
exclusividade na representação dos laboratórios, ainda que
limitada, isto é, pelo menos em relação aos certames discutidos
nos autos. A duas, porque se tratavam de medicamentos que
somente poderiam ser ofertados por único fornecedor
(lembrando que os laboratórios são fabricantes e distribuidores
exclusivos no território nacional dos medicamentos adquiridos.
(...) Feitas essas considerações, posiciono-me, como já dito, em
conformidade com o Ministério Público junto ao TCU no sentido de,
com base no que consta nos autos, considerar legais as contratações
diretas realizadas [destaque nosso].
5.3.3 assim, cabe razão aos responsáveis em relação às
aquisições de livros didáticos destinados à educação de jovens
e adultos por meio de processo de inexigibilidade de licitação,
fundamentada no art. 25, I, da Lei Federal de Licitações e
Contratos, uma vez que se trata de fornecedores exclusivos na
região dos livros objeto das aquisições, o que impediria outra
empresa de entrar numa possível concorrência” (grifei).

Ainda quanto à matéria, oportuno transcrever os valiosos


ensinamentos de Marçal Justen Filho, na mencionada obra “Comentários
à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, verbis:

“6.3.2) Existência de representante exclusivo


O caso acima referido envolve a existência de um único
produto em condições de atender ao interesse supraindividual
sob tutela estatal. Outra é a hipótese em que se trata de
representação comercial exclusiva. Muitas vezes, as duas
hipóteses podem assemelhar-se, mas são situações que não se

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confundem.
No caso do representante exclusivo, a Administração se
depara com estrutura organizacional privada, em que um certo
fornecedor atribui a um certo agente econômico o direito
privativo de intermediar negócios em certa região. No Brasil,
existem diversos diplomas que regulam cláusulas de
exclusividade. Podem lembrar-se os casos das Leis n° 4.886/65
(representação comercial), nº 6.729/79 (concessão de veículos
automotores) e nº 8.955/94 (franquia empresarial). Isso significa
admitir, desde logo, que a questão não envolve apenas
representante comercial exclusivo, mas qualquer espécie de
agente econômico titular de cláusula de exclusividade.
[...]
6.3.6) Dimensão territorial da questão
Outra indagação se põe acerca da extensão geográfica da
avaliação. A ausência de alternativas envolve, como regra, um
certo território. Suponha-se a existência de um único médico no
Município. Estaria presente o requisito da inviabilidade da
competição? Como regra, não mas a resposta exige maior
aprofundamento.
Geralmente, estar alguém estabelecido em certo território
não pode ser imposto como requisito de habilitação. Logo, nada
impede que um médico oriundo de outro Município venha
participar de uma licitação para ser contratado. Portanto, existir
um único médico no Município não caracteriza inviabilidade de
competição. Outro exemplo seria a constatação de que, no
mercado internacional, existem diferentes fornecedores em
condições de atender à necessidade estatal, enquanto no
mercado interno há um único. É possível a contratação direta
ou deverá adotar-se licitação internacional? A resposta depende
das circunstâncias.
Deve-se avaliar a situação jurídica dos possíveis
competidores em face do local em que se desenvolve a licitação.
Se em São Paulo existem diferentes competidores, mas há
cláusula de exclusividade para uma empresa única
comercializar produtos em Brasília, local em que se realizará a

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contratação, o caso é de inexigibilidade. O fundamental consiste


na existência de vedação jurídica à disputa da contratação por
parte de outrem.
Outra é a hipótese quando não há vedação a que terceiros,
estabelecidos em outros locais (no Brasil ou no estrangeiro),
venham disputar a contratação. Como proceder se a ausência
de pluralidade é meramente geográfica? Não há solução
legislativa e seria um contrassenso obrigar um Município do
interior de Pernambuco a licitar, havendo um único fornecedor
na cidade, somente porque em São Paulo há diversos
particulares em condições de realizar o fornecimento. Essa seria
uma solução desarrazoada.
[...]
6.6) O problema do atestado
A interpretação formalista do inc. I tem conduzido a
reputar indispensável um atestado fornecido pelo órgão de
Registro Público de Empresas Mercantis ou por Sindicato,
Federação ou Confederação Patronal. Ora, o legislador incorreu
em extrema infelicidade, ao adotar a solução ora examinada.
Aplicar o dispositivo segundo uma interpretação literal apenas
agrava o problema.
É que não incumbe ao Registro Público de Empresas
Mercantis controlar a existência de exclusividade de
representantes. Não há nem obrigatoriedade de arquivamento
dos instrumentos contratuais em face do Registro Público de
Empresas Mercantis. Por outro lado, essa questão não apresenta
qualquer pertinência aos órgãos sindicais. Logo, trata-se de
formalidade destituída de qualquer seriedade, inútil para a
Administração Pública.
O resultado prático tem sido a apresentação pelos
interessados de cartas de exclusividade ao órgão do Registro
Público de Empresas Mercantis, o qual emite um atestado que
nada mais acrescenta, senão a afirmação de que lhe foi
apresentada dita carta. Trata-se de uma espécie de atestado de
existência de uma carta de exclusividade. Isso é totalmente
inútil, eis que não assegura certeza acerca do conteúdo da carta.

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Ou seja, não atribui à Administração nenhuma informação


acerca do conteúdo do documento, mas apenas de sua
existência material.
De todo o modo, o inc. I refere-se a entidades
equivalentes. Deve interpretar-se o dispositivo como indicando
instituições dotadas de credibilidade e autonomia em relação ao
mercado privado. A inviabilidade de competição pode ser
evidenciada através de documentação emitida por instituição
confiável e idônea, ainda que não integrante no Registro
Público de Empresas Mercantis e sem natureza sindical” (págs.
362/366).

Destarte, à luz da doutrina especializada e do entendimento firmado


pelo TCU, forçoso concluir que, na hipótese, a inexigibilidade de
licitação encontrou amparo no art. 25, I, da Lei 8.666/1993.

No que tange à alegada ausência de pesquisa de preços de mercado


das obras adquiridas, verifico a existência, em todos os procedimentos
licitatórios em tela, de ofícios subscritos conjuntamente pelo Coordenador
Administrativo e pelo Diretor Administrativo Financeiro da SEDUC
dando conta da inviabilidade da realização de licitação, com a
justificativa de que, além da exclusividade da distribuição dos livros
pelas contratadas, os preços são os mesmos praticados em nível nacional
(vide fl. 58, Apenso 3; fl. 62, Apenso 4; fl. 97, Apenso 5; fl. 40, Apenso 6; fl.
34, Apenso 7; fl. 99, Apenso 8; e fl. 89, Apenso 9).

Veja-se, portanto, que a acusada, ao encaminhar o procedimento de


inexigibilidade de licitação à Procuradoria-Geral do Estado, pautou-se em
ofícios assinados pelos coordenadores do Programa Educação Jovem e
Adulto, que garantiam não apenas a exclusividade da distribuição dos
livros pelas contratadas, como a equivalência dos valores por elas
praticados aos do mercado nacional.

Por fim, em relação ao alegado sobrepreço na aquisição dos livros,

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sobreleva notar que o TCU, com base em parecer técnico elaborado por
de expertos de sua Secretaria de Controle Externo, na aludida tomada de
contas levada a efeito nos procedimentos de inexigibilidade de licitação
em questão, concluiu não haver elementos capazes a amparar tal
afirmação.

Ademais, nesse particular, vale ressaltar que, nas análises realizadas


pela Polícia Federal e pela CGU não foram considerados os preços dos
livros à época em que efetivamente adquiridos, pois tomaram por base os
valores praticados alguns anos após a compra, por meio de pesquisa em
sítios de livrarias na internet, sem se atentarem para o fato de que os
índices inflacionários nem sempre incorporam-se ao preços das obras, já
que muitas se desvalorizam com o tempo, sobretudo em razão de
desatualização e publicação de edições mais recentes, afigurando-se,
assim, inadequada a metodologia de adotar-se os preços obtidos nos
anos de 2006, 2008, 2010 e 2011, para indicar que aqueles praticados em
2002, 2003 e 2004 estavam superfaturados.

Dessa forma, apesar de reconhecer que compras em grande escala


diretamente do distribuidor possam conduzir a descontos maiores que
aquelas realizadas no varejo, em livrarias, forçoso é concluir que não
existe nos autos prova segura ou estreme de dúvida razoável no sentido
de que os preços pagos pela SEDUC foram, de fato, superiores aos
praticados no mercado à época.

Portanto, a despeito de inexistir nos autos documento formal que


comprove a realização da diligência de pesquisa de preços, constata-se
que a acusada agiu com suporte em afirmações que davam conta de que
os preços eram compatíveis com os de mercado, valendo asseverar que
eventual culpa por parte da embargante na conferência desses
documentos não é capaz de conduzir ao enquadramento penal da
conduta ao art. 89 da Lei 8.666/1993 que, como dito, não admite a
modalidade culposa para sua consumação.

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Por derradeiro, cumpre considerar que, tal como alegado pela


Defesa, de todos os procedimentos licitatórios em questão, verifica-se que
apenas em um deles é que a embargante assinou a Portaria de inexigência
de licitação (fl. 67, Apenso 3), após concordância do Procurador-Geral do
Estado para realização da compra direta (fls. 63/65 do Apenso 3), tendo
todos os demais processos de compra direta sido decididos pela
Secretaria de Fazenda, em Portarias assinadas pelo Secretário ou
Subsecretário da Fazenda, após parecer favorável emitido pela PGE (fl.
69, Apenso 4; fl. 103, Apenso 5; fl. 47, Apenso 6; fl. 46, Apenso 7; fl. 105,
Apenso 8; e fl. 96, Apenso 9).

Nesse contexto, à vista dos elementos de convicção existentes nos


autos, concluo não haver prova de que acusada tenha de qualquer forma
interferido na escolha dos livros a serem adquiridos para o
desenvolvimento do Programa Educação de Jovens e Adultos, cuja
atribuição coube a uma equipe técnica formada por pedagogos, que
analisaram o material existente e selecionaram as obras que atenderiam
aos alunos da rede estadual de ensino, tampouco tenha a embargante
manifestado preferência por qualquer das obras, editoras ou
distribuidoras específicas.

Da mesma forma, a prova testemunhal produzida em juízo afasta a


existência de qualquer vínculo pessoal entre a então Secretária de
Educação de Tocantins e os sócios das empresas contratadas, bem como
de qualquer indício de acerto prévio entre eles ou mesmo que de a
embargante pretendia, efetivamente, comprar a qualquer custo os livros
daquelas distribuidoras específicas, para o fim de beneficiá-las com
recursos públicos desviados.

Isto posto, acolho os presentes embargos infringentes para o fim de


absolver a acusada da imputação da prática do crime do art. 89 da Lei
8.666/1993. É como voto.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

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Voto s/ Preliminar

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30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO SOBRE PRELIMINAR


O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhora Presidente, o
resultado prático da minha manifestação vai ao encontro da conclusão do
eminente Ministro Ricardo Lewandowski. Nada obstante, na preliminar
de nulidade, entendo que seria a hipótese de não conhecer dos embargos
infringentes, eis que aí não há, na minha percepção, um voto absolutório
em sentido próprio.
Trata-se de uma questão processual. E creio que, quando debatemos
esta matéria aqui, na Ação Penal 863, este tema foi versado.
De qualquer forma, Sua Excelência, o eminente Ministro-Relator
desses embargos infringentes está reconhecendo a preclusão pro judicato
dessa matéria.
Portanto, chegamos ao mesmo porto, ainda que por rotas distintas.
Mas, de qualquer sorte, estou apenas pontuando este aspecto. No mais,
entendo que este Tribunal deve conhecer e julgar os embargos
infringentes. E, também, não acolho a preliminar da inépcia da inicial,
É como voto, Senhora Presidente. Com essa ressalva, acompanho o
Relator.

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Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 78 1167

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, fiquei


vencido quando o Supremo definiu as balizas dos embargos infringentes.
Sustentei, no Plenário, aplicável o artigo 609 do Código de Processo
Penal, mas esta não foi a conclusão da maioria. A maioria proclamou que
os embargos contra acórdão da Turma – portanto, contra acórdão do
próprio Supremo – somente são cabíveis se houver, quanto ao mérito –
não quanto a preliminar – , dois votos vencidos pela absolvição.
Então, num primeiro passo, não conheço dos embargos – e não estou
julgando apelação, estou julgando embargos – no tocante às preliminares.

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Voto s/ Preliminar

Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 78 1168

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO
(s/ preliminar)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia para


acompanhar o voto do eminente Relator, com ressalva do meu
entendimento pessoal.

É o meu voto.

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Esclarecimento

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30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vencido, Presidente,


como parece que vou ser – e o Tribunal abre a via dos embargos
infringentes além dos parâmetros definidos quando da apreciação da
questão de ordem no agravo regimental nos embargos infringentes nº 863
–, vou ao mérito e acompanho o Relator.

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Voto s/ Preliminar

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30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO S/ PRELIMINAR

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -


Com a ressalva do Ministro Edson Fachin, agora, acompanhado pelo
Ministro Celso de Mello, em face da preclusão e chegando-se à mesma
situação, eu acompanho o Relator.

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 78 1171

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Senhor Presidente, voto no sentido de acompanhar o Relator,
inclusive em relação às preliminares que já foram anteriormente votadas
e quanto ao mérito.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 78 1172

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Trata-se de


Embargos Infringentes opostos por MARIA AUXILIADORA SEABRA
REZENDE, com base no art. 333 do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, em face de acórdão proferido pela Primeira Turma
desta CORTE que, por maioria de votos, julgou procedente a ação penal
condenando a embargante pela prática da conduta descrita no art. 89,
caput, cumulado com o art. 84, § 2º, ambos da Lei 8.666/1993, à pena de 5
anos e 4 meses de detenção e à pena de multa fixada em 100 dias-multa à
razão de R$ 300,00 e pela prática da conduta descrita no art. 312,
cumulado com o artigo 327, § 2º, do Código Penal, à pena privativa de
liberdade de 4 anos e 4 meses de reclusão e à pena de multa equivalente a
17 dias-multa, no piso, reconhecendo, quanto a este último delito, a
prescrição da pretensão punitiva estatal.
Após a publicação do acórdão, foram opostos embargos de
declaração, rejeitados por unanimidade, diante da ausência de omissão,
contradição ou obscuridade do julgado.
Na sequência, foram opostos os presentes embargos infringentes, em
que se sustenta, em sede preliminar: (a) o cabimento do recurso; (b)
declaração de nulidade ab initio do processo em razão de litispendência e
violação da competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para
análise acerca do desmembramento da ação penal e (c) inépcia da
denúncia.
No mérito, afirma-se que “o Tribunal de Contas da União já firmou
entendimento no sentido de que, quanto à distribuição de livros, as declarações de
exclusividade expedidas pela Câmara Brasileira do Livro possuem plena
validade”. Assim, no caso dos autos, “resta cristalina a aptidão das
Declarações de Exclusividade, mormente porque as aquisições diretas dos livros
objetos dos procedimentos sob análise são perfeitamente justificáveis, tendo-se em
vista que os mencionados documentos foram expedidos por entidade confiável e

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 78 1173


AP 946 ED-EI / DF

idônea, prestando-se, portanto, ao fim a que se destinam, qual seja, o de


demonstrar a inviabilidade de competição nos processos licitatórios em tela em
razão da exclusividade de distribuição territorial”.
Prossegue sua argumentação afirmando que “uma vez que as
declarações de exclusividade são válidas, tem-se a justificativa para a
exclusividade de fornecedor e, com isto, enquadram-se os indigitados
procedimentos de aquisição de livros na hipótese do artigo 25, inciso I, da Lei de
Licitações, tornando atípicas e revestidas de legalidade todas as condutas da
Embargante, eis que agiu estritamente dentro dos ditames legais”.
Acrescenta que o Acórdão embargado não especificou o prejuízo que
teria ocorrido ao erário, afirmando tão somente ser o dano evidente,
baseando-se na errônea alegação de que teria havido celebração de um
aditivo antes da celebração do próprio contrato, o que não corresponde à
verdade. Explica que “os aditivos contratuais se encontram plenamente
justificados em razão da necessidade de se constituir uma reserva técnica de
exemplares destinados à reposição dos livros danificados, não devolvidos ou de
qualquer forma tornados impróprios para uso”.
Afirma existir parecer emitido pela Procuradoria-Geral do Estado de
Tocantins, diferentemente do que teria constado no Acórdão. Destaca
que “ao analisar o teor do referido documento, verifica-se tratar de verdadeiro
Parecer, malgrado a nomenclatura utilizada haja sido ‘despacho AE´(...)”
frisando ainda que “não se pode dar preferência à forma em detrimento do
conteúdo. O documento, pelo seu teor, consiste em efetivo parecer da lavra do
próprio Procurador Geral do Estado, emitindo opinião jurídica no sentido da
adequação do caso aos ditamos do artigo 25 da Lei de Licitações”.
Esclarece que o procedimento de inexigibilidade de licitação foi
regular, pois “ao se analisar os processos de licitação objeto da presente
demanda, verifica-se que todos eles trazem em seu bojo as respectivas
manifestações jurídicas expedidas pela Procuradoria Geral do Estado do
Tocantins – órgão totalmente independente da Secretaria de Educação e Cultura,
frise-se, todas elas opinando pela regularidade do procedimento via
inexigibilidade de licitação”, e que a escolha dos livros deu-se apenas por
critérios pedagógicos.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 78 1174


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Quanto à autoria do delito, alega que “em seis dos sete procedimentos
não foi a embargante a autoridade que decidiu pela inexigibilidade das
aquisições” e que “a Justiça Federal de primeira instância absolveu dois dos
envolvidos na questão, tendo entendido pela ausência de materialidade dos delitos
imputados”.
Insurge-se contra a dosimetria da pena que lhe foi imposta. Entende
que “a fixação da pena-base acima do mínimo legal em razão da condição de
agente público conjuntamente com a majoração do art. 84, § 2º da Lei de
Licitações pelo mesmo fundamento constitui evidente bis in idem. Constituindo
bis in idem, faz-se necessário o afastamento da sobredita fixação da pena-base
acima do mínimo”.
Pede, em síntese, o processamento destes embargos e seu
acolhimento para reconhecer a nulidade do processo; em linha sucessiva,
seja julgada improcedente a denúncia ou declarada a prescrição.
Instada a se manifestar, a douta Procuradoria-Geral da República
opinou pelo não cabimento dos embargos infringentes e, no mérito, pelo
desprovimento do recurso, mantendo-se inalterado o acórdão combatido,
com o imediato início da execução do acórdão condenatório.
É o relatório.

No julgamento da AP 863, o Plenário desta CORTE, por


unanimidade, entendeu pelo cabimento de embargos infringentes
opostos contra decisões em sede de ações penais de competência
originária das Turmas, e, por maioria e nos termos do voto do Relator,
fixou como requisito de cabimento desse recurso a existência de 2 (dois)
votos minoritários absolutórios em sentido próprio.
É o caso dos autos. Na sessão de julgamento ocorrida em 30/8/2016, a
Primeira Turma desta CORTE, por maioria, julgou procedente a ação
penal, vencidos os Ministros LUIZ FUX e ROSA WEBER, que julgavam
improcedente a acusação.
Os votos vencidos, absolutórios em sentido próprio, ensejam o
cabimento dos presentes embargos.
Passo à análise das PRELIMINARES arguidas pela embargante.

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Com relação à alegada inépcia da denúncia, essa não pode ser


acolhida.
A acusação penal realizada pelo Ministério Público deverá ser
consubstanciada em denúncia, que, obrigatoriamente, na esteira da
histórica lição do mestre JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR,
apresente uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque
deve relevar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação
transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou
(quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o
determinaram (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando),
como apontado em sua preciosa obra (O processo criminal brasileiro, v. II,
Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1959, p. 183).
É o que ocorre na presente hipótese, uma vez que a inicial acusatória
expõe de forma compreensível todos os requisitos exigidos, tendo sido
coerente a exposição dos fatos, permitindo ao acusado a compreensão da
imputação e, consequentemente, o pleno exercício do seu direito de
defesa, como exigido por esta CORTE (AP 560, Rel. Min. DIAS TOFFOLI,
Segunda Turma, DJe de 11/6/2015; INQ 3204, Rel. Min. GILMAR
MENDES, Segunda Turma, DJe de 3/8/2015).
Da mesma forma, além da presença dos requisitos do artigo 41 do
CPP, igualmente está presente a necessária justa causa para a ação penal
(CPP, art. 395, III), analisada a partir de seus três componentes: tipicidade,
punibilidade e viabilidade, de maneira a garantir a presença de um
suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se
traduz na existência, no inquérito policial ou nas peças de informação que
instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a
materialidade do crime e de indícios razoáveis de autoria (INQ 3719, Rel.
Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 30/10/2014).
Diante desses fatos, inviável o acolhimento da primeira preliminar
suscitada pela defesa.
Também não pode ser acolhida a preliminar suscitada para que seja
declarada a nulidade ab initio do processo ante a existência de
litispendência e violação da competência desta CORTE para análise

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 78 1176


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acerca do desmembramento da ação penal.


Isso porque inova a defesa em sede de embargos infringentes, uma
vez que aventada tese não foi arguida durante o trâmite processual (veja,
por exemplo, a peça de alegações finais (fls. 111-148, vol. 3), que sequer
aborda a questão).
Ainda que assim não fosse, nos termos do art. 563 do Código de
Processo Penal, verifica-se que “nenhum ato será declarado nulo, se da
nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. É a hipótese
dos autos. Durante todo o trâmite processual, pôde a embargante exercer
de maneira ampla sua defesa, tanto que assim o fez. Eventual julgamento
de mérito contrário a seus interesses não é suficiente para caracterizar
qualquer nulidade.
Afastadas as preliminares arguidas, passo à análise do mérito.
Os presentes embargos devem ser acolhidos.
Consta dos autos que a embargante, no período de dezembro de
2002 a janeiro de 2004, na ocasião exercendo o cargo de Secretária de
Educação de Palmas/TO, teria celebrado sete contratos de compra de
livros didáticos, mediante inexigibilidade de licitação.
A ação penal foi julgada procedente, condenando-se a embargante
pela prática da conduta descrita no art. 89, caput, cumulado com o art. 84,
§ 2º, ambos da Lei 8.666/1993, à pena de 5 anos e 4 meses de detenção e à
pena de multa fixada em 100 dias-multa à razão de R$ 300,00 e pela
prática da conduta descrita no art. 312, cumulado com o artigo 327, § 2º,
do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 4 anos e 4 meses de
reclusão e à pena de multa equivalente a 17 dias-multa, no piso,
reconhecendo, quanto a este último delito, a prescrição da pretensão
punitiva estatal.
Entretanto, não vislumbro a prática dolosa dos delitos que lhe foram
imputados.
A inexigibilidade da licitação foi devidamente demonstrada.
O crime em comento, previsto no art. 89 da Lei de Licitação, deve ser
analisado em conjunto com os artigos 24 e 25 do mesmo diploma legal
que trazem as hipóteses para a dispensa ou a inexigibilidade da licitação.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 78 1177


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No caso dos autos, a inexigibilidade da licitação foi comprovada por


meio de documento emitido pela Câmara Brasileira do Livro em que se
demonstrou a exclusividade da contratada para comercializar o material
didático (livros) na região norte e nordeste.
Bem por isso, o Tribunal de Contas da União concluiu pela ausência
de ilegalidade na referida contratação conforme acórdão na Tomada de
Contas Especial – TC 020.500/2006-4 (Apenso 1), do qual aqui transcrevo
o seguinte trecho:

“(...) a sistemática regionalização do mercado de livros é uma


realidade em nosso país. Isso é confirmado não só pelas razões de
justificativa dos responsáveis, como também pela própria Câmara
Brasileira do Livro – CBL, entidade de âmbito nacional, fundada em
20 de setembro de 1956, que tem como objetivo defender e difundir o
livro. (...)
Ademais, a própria jurisprudência do TCU já reconheceu que a
exclusividade relativa é fundamento para inexigibilidade de licitação.”

Diante dos fatos narrados e da decisão do Tribunal de Contas,


verifico que a inexigibilidade de licitação está amparada pelo art. 25,
inciso I, da Lei 8.666/93: “I- para aquisição de materiais, equipamentos, ou
gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante
comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de
exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do
comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo
Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda pelas, entidades
equivalentes”.
Também não podem ser acolhidas as alegações do órgão ministerial
quanto à inobservância de outras formalidades legais, entre elas a
ausência de justificativa quanto à necessidade de compra dos livros
selecionados e à ausência de pesquisa do preço de mercado das obras
didáticas adquiridas.
Nesses pontos, permito-me destacar trecho do voto do Eminente
Min. LUIZ FUX, por ocasião do julgamento desta ação penal, que bem

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elucida a questão:

Inicialmente, cumpre destacar que a escolha dos livros


ideais para alcançar os objetivos do Programa Educação de
Jovens e Adultos é matéria essencialmente circunscrita ao
mérito do ato administrativo. In casu , todos os livros foram
escolhidos por uma Equipe Técnico-Pedagógica, depois de
análise do conteúdo dos materiais existentes.
A aquisição dos livros se incluía entre as ações previstas e
aprovadas no Convênio nº 816323/2004, celebrado entre o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e o Estado
do Tocantins, representado pela SEDUC, e cujo objeto era a
assistência financeira direcionada à execução de ações, em
conformidade com o Plano de Trabalho aprovado, visando a melhoria
da qualidade do ensino oferecido aos alunos da EDUCAÇÃO
ESPECIAL (fls. 75 do Apenso 2). Previa, ainda, a Cláusula
Segunda do Convênio, que As ações aprovadas deste convênio são:
material didático, adaptação de escolas e capacitação de
professores/profissionais .
A seleção dos livros que deveriam ser adquiridos para
consecução do objeto do Convênio foi precedida da constituição
de Comissões de análise, avaliação e consolidação do processo de
escolha das coleções finais para aquisição do livro didático adequado à
Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental I e II
Segmentos (v. fls. 03 do Apenso 03).
Na sequência, consta Parecer da Comissão ressaltando os
pontos positivos e negativos das quatro coleções finais (fls. 04/06 do
Apenso 03), destacando a limitação do mercado (escassez de Livros
Didáticos específicos para EJA ) e concluindo que o material
relacionado vem ao encontro das necessidades do processo de ensino-
aprendizagem, na medida em que oportuniza a leitura compartilhada,
o trabalho conjunto, a reflexão solidária, a parceria construtiva, além
de favorecer e intensificar o prazer pela construção coletiva do
conhecimento .
No procedimento juntado ao Apenso 04, também foi
designada uma equipe técnica (fls. 05), composta por membros

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distintos do processo anteriormente citado, e seguindo-se um


Parecer Técnico-Pedagógico, em que se destacou que os livros
escolhidos tiveram sua escolha condicionada por sua inequívoca
importância didático-pedagógica no que concerne à Educação
Continuada e, em especial, à Capacitação dos Alunos da Educação
Fundamental de Jovens e Adultos do 2º Segmento da Rede Estadual,
atentando-se para as especificidades pedagógicas que são peculiares a
esta modalidade de ensino (fls. 06).
Nos apensos 05, 06, 07 e 08, o procedimento é idêntico e os
fundamentos da escolha são semelhantes, ou seja: a aquisição
foi precedida da seleção das obras por uma equipe técnica
especializada, que as considerou adequadas aos objetivos do
Programa de Educação de Jovens e Adultos.
O fato de terem sido utilizados termos e fundamentos
semelhantes nos pareceres técnicos dos procedimentos
narrados na denúncia não traduz, em si, ilicitude, inexistindo
motivos para concluir que os livros selecionados não se
adequavam aos fins visados pelo Convênio.
Adicionalmente, é mister considerar que a escolha do
melhor material didático escapa a critérios estritamente
objetivos sobre os quais o Poder Judiciário possa exercer
controle jurisdicional. Neste sentido, destaco, ainda uma vez, a
lição de Marçal Justen Filho, que destaca a ausência de
objetividade na seleção do objeto como a situação em que É
impossível definir com precisão uma relação custo-benefício. Ainda
que seja possível determinar o custo, os benefícios que serão
usufruídos pela Administração são relativamente imponderáveis. Essa
incerteza deriva basicamente da natureza subjetiva da avaliação, eis
que a natureza da prestação envolve fatores intelectuais,
artísticos, criativos e assim por diante. Não há critério objetivo de
julgamento para escolher o melhor (Justen Filho, 2010, p. 358).
Nestas situações, a Lei de Licitações limita a subjetividade
proibindo, por exemplo, a simples preferência por marcas , o
que não ocorreu no caso concreto.
Ainda nesse aspecto da irregularidade formal narrada
pelo Parquet , noto que a CGU efetivamente afirmou, em sua

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fiscalização, ter constatado precariedade no controle de estoque


dos livros adquiridos, considerando que O material é recebido e
estocado; as saídas do material são feitas através de guias de remessa
de material; a única forma de se saber quanto há no estoque é
realizando a contagem do material (fls. 90 do Apenso 1).
Porém, é importante destacar que o Tribunal de Contas da
União, na Tomada de Contas que realizou no caso sub judice ,
concluiu ter havido a devida adequação desses controles, verbis
(Apenso 1, fls. 144):
11. Deficiência no controle de movimentação de estoques
[...] considerando que, atualmente, o almoxarifado da Seduc/TO
encontra-se informatizado, conforme informação prestada via contato
telefônico, e que uma determinação versando sobre o modus operandi
do controle dos estoques do órgão poderia ensejar uma ingerência na
esfera estadual, cabe um alerta à Secretaria de Educação e Cultura do
Tocantins para que observe seus procedimentos de gestão de estoques,
a fim de prevenir possíveis danos ao erário (fls. 145, Apenso 1).
Ademais, apesar de considerar o controle precário, a própria
CGU assegurou, após a contagem das caixas, que todo o material
havia sido entregue (fls. 90 do Apenso 1).
Por fim, quanto à última irregularidade que caracterizaria
a prática delitiva, o Procurador-Geral da República requer a
condenação da Ré pela prática do crime definido no art. 89 da
Lei 8.666/93, por ter autorizado a compra dos livros sem
apresentar pesquisa de preços de mercado das obras
adquiridas.
Quanto a este tema, é relevante destacar que a Ré, antes de
enviar o procedimento de inexigibilidade à PGE, recebera
ofícios assinados pelos coordenadores do Programa Educação
Jovem e Adulto, que garantiam que os preços cobrados pelas
distribuidoras contratadas eram compatíveis com os de
mercado.
Embora não haja nos autos documentos que comprovem
ter havido a referida pesquisa de preços, à época das aquisições,
a própria Procuradoria-Geral da República afirma, em suas
Alegações Finais, que há ofícios nos autos, expedidos para cada um

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dos procedimentos de dispensa de licitação, da lavra de Fernando


Gouveia Gondim e Adélio de Araújo Borges Júnior, remetidos à ré,
informando-a da possibilidade de efetivação de licitação, sob a falsa
justificativa de que os preços são os mesmos praticados em nível
nacional, muito embora, ressalte-se novamente, não se tenha efetivado
qualquer pesquisa de mercado (fls. 482 destaque-se que há erro
material neste trecho da manifestação do Ministério Público,
pois onde constou impossibilidade deveria ter constado
possibilidade conforme fls. 58 do Apenso 3; fls. 62, do Apenso 4;
fls. 97 do Apenso 5; fls. 40 do Apenso 6; fls. 34 do Apenso 7; fls.
99 do Apenso 8; e fls. 89 do Apenso 9).
Por conseguinte, percebe-se que a acusada agiu com
fundamento nas afirmações de que os preços eram
compatíveis com os de mercado.
Se há possibilidade de ter havido inobservância do dever
de cuidado, por parte da Acusada, na conferência dos
documentos dos autos quanto à pesquisa de preços, este fato
não conduz ao enquadramento criminal da conduta.
Deveras, para consumação do crime definido no art. 89 da
Lei 8.666/93, não basta a conduta culposa caracterizada pela
violação do dever de cuidado, mediante imprudência,
negligência ou imperícia. É preciso que esteja caracterizado o
dolo da conduta: não apenas uma inépcia da acusada, mas
também a vontade de frustrar a concorrência, beneficiando
particulares de sua preferência.
In casu, o elemento subjetivo do tipo não está
demonstrado, inexistindo evidência de que a Ré tenha agido no
sentido de beneficiar as distribuidoras contratadas, mediante
inexigência de licitação, ou de comprar livros por preços acima
dos verificados, à época, no mercado.
As provas juntadas aos autos, tanto as documentais
quanto as testemunhais, afastam qualquer interferência da
acusada na escolha dos livros que seriam adquiridos para o
desenvolvimento do Programa Educação de Jovens e Adultos, a
qual coube a uma equipe técnica formada por pedagogos, que
analisaram o material existente e selecionaram as obras que

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 78 1182


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atenderiam aos alunos da rede estadual de ensino.


Não há prova alguma de que a Ré tenha solicitado
preferência para livros, editoras ou distribuidoras específicas.
De mais a mais, a PGE opinou favoravelmente à
inexigibilidade de licitação em todos os processos objeto da
denúncia (v. Apenso 3, fls. 63/66; Apenso 4, fls. 65/68; Apenso 5,
fls. 99/102; Apenso 6, fls. 43/46; Apenso 7, fls. 36/39; Apenso 8,
fls. 101/104; Apenso 9, fls. 91/92).
Adicionalmente, constato que a inexigibilidade, em quase
todos os procedimentos, sequer foi decidida pela Acusada, mas
sim pela Secretaria de Fazenda, em Portarias assinadas pelo
Subsecretário da Fazenda, em seguida ao parecer favorável da
PGE (Apenso 4, fls. 69; Apenso 5, fls. 103; Apenso 6, fls. 47;
Apenso 7, fls. 46; Apenso 8, fls. 105; Apenso 9, fls. 96 este último
assinado pelo Secretário de Fazenda). Somente no último
processo de compra direta, foi a própria Acusada quem assinou
a Portaria de inexigência de licitação (fls. 67 do Apenso 3), nos
termos do Decreto de 02 de abril de 2004, depois da autorização
do Procurador-Geral do Estado para a compra via
inexigibilidade de licitação (fls. 61 do Apenso 3).

Ausentes os elementos a caracterizar a conduta típica da acusada,


impõe-se a sua absolvição pelo delito descrito no art. 89 da Lei 8666/1993.
Diante do exposto, ACOLHO OS EMBARGOS INFRINGENTES para
julgar improcedente a ação penal e absolver a embargante do crime
descrito no artigo 89 da Lei 8666/1993, nos termos do artigo 386, inciso III,
do Código de Processo Penal.
É como voto.

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Antecipação ao Voto

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30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhora Presidente,
eminente Relator desses embargos infringentes, eminentes Pares,
permito, inicialmente, cumprimentar os ilustres professores, que
trouxeram as razões da defesa, da tribuna, nesse Supremo Tribunal
Federal, bem como a Senhora Procuradora-Geral da República.
Senhora Presidente, na Primeira Turma, ao ser apreciada esta
matéria, compus a maioria, que entendeu provadas a materialidade, a
autoria, e também a tipicidade objetiva e subjetiva; maioria essa, que
estou principiando a depreender, vai se adelgaçando já neste Plenário.
Percebo, portanto, que o Ministro-Relator Ricardo Lewandowski já
indica no seu voto acompanhar o Revisor, Ministro Luiz Fux, que, a seu
turno, foi, na Primeira Turma, acompanhado pela eminente Ministra Rosa
Weber. O Redator originário era o eminente Ministro Marco Aurélio,
sendo, como já disse, Revisor o Ministro Fux. E, na ementa de conclusão,
assentou-se, portanto, a presença de conduta delituosa correspondente a
uma dispensa irregular de licitação e também de peculato, não se
constatando causas de excludente, quer da ilicitude, quer da
culpabilidade. Portanto, a maioria chegou a condenação.
Ao final, a rigor, o voto que acabei acompanhando inicialmente foi o
voto do Ministro Marco Aurélio. Após o voto-vista, o eminente Ministro
Luís Roberto Barroso aderia as razões de Sua Excelência e, a conclusão,
foi que a Turma, por maioria, julgou procedente a acusação no tocante ao
crime do art. 89 da Lei 8666. E, no tocante ao 312 do Código Penal, nada
obstante tenha julgado procedente o pedido, tal como formulado pela
acusação, concluiu que havia se verificado a prescrição pela pena em
concreto. Por isso, acabei restando Redator para o acórdão, eis que se
entendeu que pela dissonância, ainda que pontual, entre o voto do
eminente Ministro Marco Aurélio e o voto que proferi, à luz do voto vista
do eminente Ministro Luís Roberto Barroso, o voto de Sua Excelência
aproximava-se dos votos que concluíam pela absolvição.

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Faço essa introdução para dizer, inclusive em homenagem as


escorreitas sustentações orais que aqui tivemos, que não me parece haver
controvérsias sobre os fatos. Não há distinção no elenco fático, quer da
condenação, quer da absolvição. O que há diferença é no juízo de
valoração desse conjunto de condutas, como restou explicitado pelo voto
do eminente Ministro Ricardo Lewandowski e que também restou sendo
o fio condutor, o leitmotiv, do voto do eminente Ministro Alexandre de
Moraes, que o acompanhou.
Senhora Presidente, eu vou juntar a declaração de voto. E do exame
que fiz e do voto que recebi de Sua Excelência, o Ministro Ricardo
Lewandowski, não depreendi razões para alterar o ponto de vista que
inicialmente adotei perante a Primeira Turma.
Entendo que há prova da materialidade delitiva, na avaliação que
faço dos fatos trazidos à colação, quais sejam: Há provas testemunhais,
em face das quais se pode depreender a materialidade dessas condutas,
que são imputadas como delitiva; há prova pericial, nada obstante a
impugnação que se possa fazer à consistência dessa prova, mas o perito
restou também ouvido em juízo; e há prova documental, inclusive um
pronunciamento do Tribunal de Contas da União, nada obstante, mais
tarde, a Corte de Contas tenha alterado o ponto de vista que
originariamente havia manifestado; há também manifestação da
Controladoria-Geral da União, que foi carreada aos autos, fls. 557; a
questão da alta incidência de aditamento dos contratos, sempre no limite
de vinte e cinco por cento, o que levou num contexto de
aproximadamente três milhões - aliás, sobre esse montante, dialogamos, à
época, no julgamento da Turma, com o Ministro Luiz Fux, eis que surgiu
uma dúvida quanto ao valor específico do faturamento e o valor global
das contratações.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me
permite?
No voto que proferi, apontei sobrepreço de R$ 790.349,30, ante esses
aditamentos.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Perfeitamente.

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Agora localizei aqui, e é o que aponta Vossa Excelência, num valor


total de contratações que chega perto dos quatro milhões, mais o
sobrepreço está em torno, o sobrepreço apontado e, que em meu modo de
ver, restou demonstrado.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(RELATOR) - Vossa Excelência me permite? Apenas uma observação,
sem querer contestá-lo e louvar o voto de Vossa Excelência, que, mais
uma vez, lança um olhar abalizado sobre a questão que estamos
discutindo.
Como eu destaquei, e o Ministro Alexandre de Moraes também,
revendo o meu voto e os autos, constatou, na verdade, que, das sete
licitações, apenas uma foi assinada ou autorizada pela ora embargante.
Este sobrepreço - Vossa Excelência chama de sobrepreço e também o
eminente Ministro Marco Aurélio chamam de sobrepreço -, na verdade,
ao que parece, decorre desses aditamentos que Vossa Excelência mesmo
disse que se encontra no limite legal de 25%. Quer dizer, o aditamento -
que está dentro do limite legal, a primeira vista, salvo prova em contrário
- não pode ser considerado um sobrepreço.
Mas apenas uma, se me permite, porque estou apenas esclarecendo -
não li o voto todo - esta era uma questão também que estava implícita no
meu voto.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Eu também não estou
a ler a declaração, e até em homenagem à celeridade, eu penso, ao
contrário, Vossa Excelência distribuiu o voto - eu também irei juntar
declaração de voto onde examina as circunstâncias.
Em resumo, o que houve foi uma contratação direta, nada obstante a
ilustrada defesa tenha razão, em alguma certa licença terminológica que
se houve, em algum momento, no curso do julgamento, mas o que se
coloca para além de qualquer dúvida é que houve uma contratação direta
dispensando-se ou, para ser mais preciso, pela não exigência na
inexigibilidade do procedimento licitatório, e os aditivos dentro desse
limite, mas em todos os contratos.
Portanto, a questão está em saber: Esse é um procedimento regular

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ou não? O Tribunal de Contas assentou que não; a Controladoria-Geral da


União assentou que não; laudo da Polícia Federal assentou também que
não e há prova nesse sentido. Agora, o que se pode impugnar: a Corte de
Contas restou revendo o pronunciamento mais tarde. Há diversas
demandas judiciais que restaram julgadas improcedentes, ou seja, o que
eu estou a dizer é que há fatos também que indicam numa outra direção -
estou reconhecendo olhar diverso o que se faz sobre essa matéria -, o
laudo da Polícia Federal tem a sua consistência técnica aqui impugnada,
nada obstante, estou a dizer que o perito foi chamado em juízo para
prestar esclarecimentos, e o fez.
Enfim, de modo que, demonstrada essas circunstâncias, restariam
ainda, como aqui da tribuna foi mencionado, o tema específico do dolo, e,
nesse aspecto, acolhi o voto, o seguimento que está no voto vista do
eminente Ministro Luís Roberto Barroso, em que Sua Excelência
reconhece que nesse tipo de delito se exige um conhecimento que esteja
revestido dessa característica, portanto, dolosa, tanto que o Ministro
Ricardo Lewandowski suscita que, mesmo que existisse, o que haveria, na
verdade, seria uma conduta culposa, portanto, não dolosa.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas, Ministro, ela não
foi condenada considerado o tipo do artigo 90 – fraude à licitação. Ante o
teor do preceito, tem-se o elemento subjetivo dolo. Foi condenada
observado o artigo 89, a revelar crime formal, configurado na dispensa da
licitação fora dos casos previstos no artigo 25 da Lei nº 8.666/1993.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Precisamente. Está na
conclusão da decisão que julgou procedente acusação no tocante ao crime
do art. 89 da Lei nº 8.666.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Dispensa o elemento
subjetivo dolo. Basta ler e fazer a interpretação sistemática, considerados
os artigos 89 e 90. No 90, tem-se a referência ao intuito de beneficiar; já no
89, não há essa alusão.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - E ainda que se chegue
a esse ponto, o que assentou o Ministro Luís Roberto Barroso - e eu
reproduzo em maior extensão na declaração de voto - é que, nesta

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hipótese, em que se imputa a conduta delituosa se exige que o agente


tenha conhecimento das hipóteses legais de inexigência e aja de maneira
livre e consciente no sentido de inexigir o procedimento licitatório. E Sua
Excelência elenca o conjunto de condutas, que recebeu uma avaliação
diversa, mas que, em meu modo de ver, não infirma a conclusão
majoritária que, à luz do voto originário do eminente Ministro Marco
Aurélio, resultou na condenação.
Também explicito, nessa declaração de voto, as diversas fases da
fixação da dosimetria. Entendo que o critério acerca do cálculo da pena,
com toda vênia da compreensão diversa, observou criteriosamente o que
resta fixado tanto no Código Penal quanto no delito específico da Lei das
Licitações. E, nesses termos, Senhora Presidente, peço vênia ao eminente
Ministro Ricardo Lewandowski e ao Ministro Alexandre de Moraes, que
o acompanhou, para manter o voto tal como proferi perante a Primeira
Turma, dissentindo da conclusão de Sua Excelência.
É como voto.

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30/08/2018 PLENÁRIO

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VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhora Presidente, peço


vênia ao eminente Relator para divergir de Sua Excelência mantendo
minha compreensão quando do julgamento do mérito da presente ação
penal perante a colenda Primeira Turma desta Corte.
Registro, inicialmente, que não conheço do presente recurso quanto
à alegação de nulidade e inépcia da denúncia, em razão do precedente
firmado por este Pleno por ocasião do julgamento do Agravo Regimental
nos Embargos Infringentes na AP 863, quando se assentou que a
admissibilidade dos embargos infringentes exige que o acusado
condenado tenha em seu favor 2 (dois) votos absolutórios em sentido
próprio, circunscrevendo-se, portanto, sob minha ótica a admissibilidade
apenas quanto ao mérito da condenação.
Feita essa consideração inicial, quando do julgamento do mérito da
presente Ação Penal, compus a corrente majoritária que assentou a
condenação da recorrente e, a despeito dos argumentos ora manejados
pela competente defesa, mantenho minha compreensão inicial.
Naquela oportunidade, constou do acórdão:

“Os fatos estão bem postos e tudo ocorreu no âmbito da


Secretaria de Educação e Cultura e não na Secretaria da
Fazenda. No bojo do inquérito policial instaurado pela
Superintendência Regional de Polícia Federal no Tocantins,
para apurar irregularidades na aplicação das verbas destinadas
à execução de convênios firmados pela Secretaria da Educação
e Cultura do Estado do Tocantins, da qual era titular a ré, com o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE,
observado relatório da Controladoria-Geral da União, surgiu a
notícia da contratação direta das empresas Educar Livros
Comércio e Representações, Gurupi Editoriais e Papéis Ltda.,

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Editora Edjovem Ltda. e Editora Rideel Ltda. A justificativa


utilizada foi a inexigibilidade da licitação ante a inviabilidade
de competição, apontando-se as declarações de exclusividade
apresentadas por duas empresas, mediante as quais ter-se-ia
base para a dispensa do certame, consoante o artigo 25, inciso I,
da Lei nº 8.666/1993.
A norma versa a inexigibilidade da licitação quando a
competição seja inviável, tendo em vista a aquisição de
materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser
fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial
exclusivo, desde que atestada a exclusividade por entidade do
ramo de atividade correspondente. Vê-se que, objetivando dar
respaldo aos procedimentos administrativos, foram
consideradas válidas declarações de exclusividade circunscritas
às regiões Norte e Nordeste do País (processos nº
2004.2700.001748, 2003.2700.003765 e 2003.2700.003814), ou à
cidade de Palmas/TO (processo nº 2003.2700.003812), bem como
emitidas por entidade não prevista em lei (processo nº
2004.2700.001748) ou ainda atestados não constantes do
procedimento (processo nº 2003.2700.003811).
As cartas de exclusividade não permitiam inferir a
inexistência, à época, de outros fornecedores das mercadorias
pretendidas, conforme pronunciou-se o Tribunal de Contas da
União, ressaltando que nada impedia a Secretaria de Educação
do Tocantins de efetuar pesquisa de preço em outras praças ou,
até mesmo, em outros órgãos públicos, já que os livros
adquiridos no âmbito do mencionado programa educacional
têm distribuição em todo o território nacional, caindo por terra
a alegação de que a exclusividade do fornecedor constituiria
obstáculo à realização de tais pesquisas.
O perito criminal federal Fabrício Fonseca Theodoro,
responsável pela elaboração do Laudo nº 091/2011/SE-
TEC/SR/TO, fez ver que não houve comprovação de terem sido
os preços praticados compatíveis com o mercado ou mais
vantajosos. Observou, mediante consulta a sítios especializados,
uma vez impossibilitado o acesso aos catálogos das editoras,

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que os valores de mercado eram de 36% a 52% menores do que


os pagos pela Secretaria, passados oito anos da contratação. O
perito criminal federal revisor, Willy Hauffe Neto, esclareceu
ser a metodologia empregada na perícia comum nos casos em
que não é possível utilizar os meios oficiais.
O Tribunal de Contas da União destacou, apesar de
aprovadas as contas, a inexistência de pesquisas de mercado a
demonstrarem a compatibilidade dos preços contratados (folha
462).
Relativamente ao superfaturamento dos contratos,
constata-se, dos elementos coligidos, a autorização da acusada
para majorar os acordos em 25%, totalizando sobrepreço de R$
790.349,30, independentemente de análise que respaldasse a
celebração dos termos aditivos. A Controladoria-Geral da União
manifestou-se sobre a alta incidência de aditamento dos
contratos, sempre em 25% do valor original, limite máximo
permitido pela lei, sem que fosse apontado dado concreto a
revelar a necessidade do programa de Educação de Jovens e
Adultos – EJA.
Sob o ângulo da atuação da Polícia Federal, verificou-se o
sobrepreço das aquisições de livros didáticos fornecidos pela
Educar Livros Comerciais e Representações e Editora Edjovem.
Apurou-se que a Secretaria não negociou os preços
apresentados, afirmando encontrarem-se dentro dos praticados
no mercado, sem comprovação.
Em síntese, sem licitação, alegada e não demonstrada a
inviabilidade da competição ante a exclusividade de
fornecedores, ocorreu o desvio de dinheiro público, de que
tinha posse a denunciada, ainda que mediante mera
disponibilidade jurídica, em benefício das empresas Educar
Livros Comércio e Representações, Gurupi Editoriais e Papéis
Ltda, Editora Edjovem Ltda. e Editora Rideel Ltda.,
considerado o aditamento injustificado dos contratos
veiculados nos processos de inexigibilidade de licitação nº
2004.2700.001748, 2003.2700.003765, 2003.2700.003811,
2003.2700.003812, 2003.2700.003813, 2003.2700.003814 e

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2002.2700.003452, no percentual de 25%, mostrando-se


sintomática a falta de pesquisa de preços no mercado de livros.
É pertinente o preceito do artigo 89 da Lei nº 8.666/1993,
diploma voltado a alijar o apadrinhamento, como também a
observar-se o tratamento igualitário relativamente àqueles que
se disponham a contratar com a Administração Pública –
gênero. Nunca é demasia frisar que a licitação mostra-se
princípio norteador da Administração Pública, consoante prevê
o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e


indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:
[…]

XXI – ressalvados os casos especificados na


legislação, as obras, serviços, compras e alienações
serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos
os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam
obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação
técnica e econômica indispensáveis à garantia do
cumprimento das obrigações.

[…]

Concluo pela adequação do disposto na Lei nº 8.666/1993 e


no Código Penal”.

No tocante à dosimetria da pena, eis o que consignado, o que


novamente, nesta sede, subscrevo:

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“Passo à dosimetria da pena do delito descrito no artigo 89


da Lei de Licitações, em razão do piso de 3, o teto de 5 anos e a
multa. A culpabilidade mostra-se maior, porque configurada
postura de poder da Secretária de Educação e Cultura do
Estado de Tocantins, a ponto de praticar atos não autorizados
em lei. Antecedentes não há, surgindo positivas a conduta
pessoal e a personalidade. As circunstâncias e as consequências
do delito são graves, implicando significativo prejuízo aos
cofres públicos.
Fixo a pena-base em 4 anos e a multa em 100 dias, à razão
de R$ 300,00. Não havendo atenuante ou agravante, nem causa
de diminuição de pena, cabe aplicar a causa de aumento
versada no artigo 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993 – quando o autor
do crime ocupa função de confiança em órgão da
Administração direta –, no percentual de 1/3, chegando-se a 5
anos e 4 meses. Torno a pena definitiva nesse patamar. Não
preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, fica
afastada a substituição pela restritiva de direitos”.

Em síntese, restou demonstrada a existência do dolo do crime


previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993 com base no robusto acervo
probatório dos autos que também confirmou a configuração da
materialidade e da autoria delitivas.
Ainda sob a perspectiva da materialidade delitiva, a condenação foi
inequívoca a sinalar a reunião de provas suficientes de que o certame
deixou de atender aos requisitos descritos no art. 25, I, da Lei de
Licitações, sem os quais a inexigibilidade do procedimento não se
revestiu de licitude. Nessa direção, há fartas justificativas alusivas à
invalidade das certidões de exclusividade apresentadas, a exemplo do
pronunciamento do Tribunal de Contas da União.
Ao lado disso, a ausência de certidão de justificação em um dos
procedimentos administrativos, sem a qual foi possível atestar o
preenchimento dos requisitos para a inexigibilidade da licitação, refletiu a
realidade processual frente aos documentos acostados aos autos.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 78 1193


AP 946 ED-EI / DF

Para além de evidenciar a inoperância das certidões apresentadas, o


decreto condenatório, conforme excertos reproduzidos, invocou o suporte
fático probatório dos autos para afirmar a ocorrência de sobrepreço na
aquisição de livros didáticos. Dito de outro modo, o superfaturamento
dos preços dos certames, além de considerar “o aditamento injustificado dos
contratos veiculados nos processos de inexigibilidade de licitação” (fl. 557),
adveio da (i) manifestação da Controladoria-Geral da União relativa à
“alta incidência de aditamento dos contratos, sempre em 25% do valor original,
limite máximo permitido pela lei, sem que fosse apontado dado concreto a revelar
a necessidade” da revisão contratual (fl. 557); e da (ii) apuração da Polícia
Federal de que as “aquisições de livros didáticos fornecidos pela Educar Livros
Comerciais e Representações e Editora Edjovem” ocorreram sem que a
Secretaria negociasse “os preços apresentados, afirmando encontrarem-se
dentro dos praticados no mercado, sem comprovação” (fl. 557).
Em suma, a assertiva da defesa de que o preço pago foi inferior ao
praticado à época não teve condições de se sobrepor às provas dos autos,
produzidas sob o crivo do contraditório e analisadas exaustivamente pelo
colegiado.
Pretende a embargante convencer que a aquisição de livros escolares
mediante inexigibilidade de licitação observara os requisitos legais,
contraditando, ainda, as premissas lançadas no voto vista da lavra do
eminente Ministro Luís Roberto Barroso, nos seguintes termos:

“(...) O dolo, nesse delito, exige que o agente tenha


conhecimento das hipóteses legais de inexigência de licitação e
aja de maneira livre e consciente no sentido de inexigir o
procedimento licitatório.
No caso dos autos, a alegação de que a atitude da ré
estaria embasada em parecer do Procurador-Geral do Estado
não procede, uma vez que, conforme fls. 92/93 do apenso 9, não
houve emissão de parecer conclusivo favorável à
inexigibilidade do procedimento licitatório, tanto é que a ré
enviou diretamente ao Secretário de Fazenda a justificativa para
dispensa de licitação em razão da relutância da Procuradoria do

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 78 1194


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Estado em emitir o parecer favorável.


Diante disso, o próprio Secretário da Fazenda enviou
ofício à ré para que ela ‘[justificasse] a existência de interesse
público, como também aferir a oportunidade e a conveniência
da aquisição direta dos referidos bens’ (fls. 93 do apenso 9). Em
resposta, a ré afirmou que os preços praticados eram
compatíveis com os valores de mercado em nível nacional,
havendo, inclusive pressa na aquisição dos livros, pois os
preços estariam garantidos pelas respectivas Editoras somente
até 31.12.2002 (fls. 94/95 do apenso 9). Diante disso, o Secretário
de Fazenda determinou a inexigência de licitação (fls. 96 do
apenso 9).
O dolo da denunciada em inexigir o procedimento
licitatório fora das hipóteses legais, restou consubstanciado (i)
no envio de ofício ao Secretário de Fazenda do Estado diante da
ausência de emissão de parecer conclusivo pela Procuradoria-
Geral do Estado; (ii) na pressa em proceder à contratação direta
das empresas, conforme dito acima e com base em seu
depoimento em juízo, no qual afirma, para minha perplexidade,
que ‘Ou comprava livros ou teria que devolver o dinheiro ao
Governo Federal, porque não tinha cumprido o objeto’ (fls. 449
do volume 3).

Convém afirmar que as razões adjacentes ao voto vista somam-se, de


modo coerente e harmônico, aos elucidativos fundamentos já esposado
no voto do eminente Relator originário, Ministro Marco Aurélio, não
sendo possível acatar as irregularidades suscitadas pela embargante.
Ainda quanto à materialidade delitiva, as sentenças absolutórias
prolatadas pela Justiça Federal em nada alteram os fundamentos
trilhados pela maioria que se formou na Primeira Turma desta Suprema
Corte.
Na dosimetria, o acórdão embargado individualizou a pena com
base na valoração das circunstâncias judiciais do caso e manteve a pena-
base acima do mínimo para o crime de dispensa irregular de licitação,
ante o alto grau de culpabilidade, as circunstâncias e consequências do

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 54 de 78 1195


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delito. No mais, verifica-se que o acórdão aplicou sanção proporcional e


suficiente à reprovação da infração. O cálculo da pena observou
criteriosamente o determinado no Código Penal e na Lei de Licitações.
Ante o exposto, peço vênia ao eminente Relator para manter meu
entendimento inicial, não conhecendo dos embargos infringentes quanto
às questões processuais suscitadas e, no mérito, julgando-os
improcedentes.
É como voto.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 55 de 78 1196

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


cumprimento também o Ministro Ricardo Lewandowski. Li o voto do
Relator, que tem o apuro técnico dos trabalhos de Sua Excelência, mas eu
vou pedir vênia para manter a mesma posição que defendi na Turma, a
despeito da proficiência com que estiveram na Tribuna os dois
advogados, que sustentaram com maestria, o Doutor Cezar Roberto
Bitencourt e o Doutor José Eduardo Cardozo.
Presidente, as razões pelas quais eu havia acompanhado o Ministro
Marco Aurélio - vou vê-los brevemente - foram as seguintes:

"13. Os relatórios elaborados pela CGU (...), bem como o laudo da


perícia criminal (...) indicam que, no processo licitatório, foram
desclassificadas empresas licitantes com base em critérios não constantes
no edital.

14. Ademais, os documentos apresentados pelas empresas


contratadas nos procedimentos analisados, ou não se prestavam a
comprovar sua exclusividade na venda dos livros didáticos requeridos
pela Secretaria de Educação, ou não preenchiam os requisitos legais. No
processo 2003.2700.003811 sequer constava a mera declaração de
exclusividade em favor da empresa Educar Livros Comércio e
Representações Ltda que justificasse a contratação direta.

15. Mais: o relatório da CGU constatou que não havia


justificativa plausível na escolha dos livros a serem adquiridos, pois a
Secretaria de Educação do Estado do Tocantins não foi capaz de
demonstrar a metodologia utilizada pela Coordenação do Programa
Educação de Jovens e Adultos para 'determinação de quais livros seriam
adquiridos, em que quantidade e quais escolas teriam suas necessidades

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 56 de 78 1197


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supridas'."

Além disso, o relatório demonstrou uma aparente desnecessidade e


ociosidade na compra, ao dizer, às folhas 88, o seguinte:

"(...) a Coordenação de Educação de Jovens e Adultos


solicitou a liberação de recursos no valor de R$ 195.300,00 para
a aquisição do livro 'Anatomia do Corpo Humano', ao
argumento de que a compra desta obra era 'indispensável para
guiar o aluno'. Neste processo de nº 2004.2007.001749 verifica-se
um Termo de Aditamento de 25%, no valor de R$ 48.825,00.
Ocorre que durante a inspeção física realizada em 28.09.2005, a
CGU/TO constatou que todo o material adquirido, inclusive
com o acréscimo de 25% por aditamento, encontrava-se
estocado no almoxarifado."

Isso me chamou muito a atenção.


"Não só: nas Escolas Estaduais do Município de Palmas, que
também atendem ao Programa de Educação de Jovens e Adultos, foram
encontradas, em suas bibliotecas, a obra 'Atlas Visuais do Corpo
Humano', que, segundo as próprias bibliotecárias, era bastante procurada
por alunos, atendendo tanto em qualidade como em quantidade
disponível."

Acrescenta-se ainda: Os autos demonstram que a Secretaria de


Educação não fez pesquisa de mercado para verificar se os preços
apresentados pelas empresas que foram contratadas para fornecerem os
livros didáticos eram adequados. Apesar disso, o coordenador
administrativo e o diretor administrativo enviaram um ofício à ré,
afirmando que os preços seriam os mesmos praticados em nível nacional,
sem, todavia, nada que documentasse que o preço pago de fato
correspondesse ao preço nacional.
Essas evidências, Presidente, levaram-me à conclusão da
materialidade do crime. A Lei nº 8.666/93 prevê, em seu art. 25, três

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 57 de 78 1198


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situações em que a licitação é inexigível, a saber: exclusividade de


fornecedor; serviços técnicos, cujos profissionais necessitem apresentar
notória especialização; e contratação de profissionais do setor artístico,
desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Entendo que a situação dos autos não se amoldou a nenhuma dessas
situações.
O ilustre advogado, a quem recebi, destacou que a decisão estaria
embasada em um parecer da Procuradoria-Geral do Estado.
Aqui, Presidente, penso que há uma divergência de interpretação,
porque não houve emissão de parecer conclusivo favorável à
inexigibilidade do procedimento licitatório. Tanto o é que a ré enviou
diretamente ao Secretário de Fazenda a justificativa para a dispensa de
licitação em razão da relutância da Procuradoria do Estado em emitir
parecer favorável. Diante disso, o próprio Secretário de Fazenda enviou
ofício à ré para que ela justificasse a existência de interesse público, como
também aferir a oportunidade e a conveniência da aquisição direta dos
referidos bens. Em resposta, a ré afirmou que os preços praticados eram
compatíveis com os valores de mercado em nível nacional, apesar de não
haver nenhuma prova disso, havendo inclusive pressa na aquisição dos
livros, pois os preços estariam garantidos pelas respectivas editoras
somente até 31 de dezembro - houve pressa para adquirir os livros, que,
depois, permaneceram estocados no almoxarifado. Diante disso, o
Secretário de Fazenda, então, determinou a inexigência de licitação. O
dolo da denunciada em inexigir o procedimento licitatório fora das
hipóteses legais, a meu ver, restou comprovado: 1. No envio de ofício ao
Secretário de Fazenda do Estado, diante da ausência de emissão de
parecer conclusivo pela Procuradoria-Geral do Estado; 2. Na pressa em
proceder à contratação direta das empresas, conforme dito acima e com
base em seu depoimento em juízo, no qual afirma - para uma certa
perplexidade que me causa - que "ou comprava livros ou teria que
devolver o dinheiro ao governo federal, porque não tinha cumprido o
objeto".
Portanto, essas são as razões que, nos autos, levaram-me a

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 58 de 78 1199


AP 946 ED-EI / DF

acompanhar o Ministro Marco Aurélio pela condenação. E, embora não


tenha sido decisivo, porque decisivo foram os elementos dos autos,
também pude verificar que a ré já havia sido condenada, em outro
processo, por improbidade administrativa e que já tivera as suas contas
rejeitadas, em outra situação, pelo Tribunal de Contas do Estado. Tudo
isso me levou a formar um juízo inequívoco de culpabilidade, pedindo
todas as vênias a quem entendeu diferente. Eu estou mantendo e,
portanto, rejeitando os embargos infringentes.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 59 de 78 1200

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhora Presidente,


cumprimento os eminentes procuradores que ocuparam a tribuna, o
eminente Relator, cujos fundamentos, no voto que hoje expôs, reafirmam
a convicção que externei na Primeira Turma, ao julgamento da ação
penal, no sentido de não vislumbrar elementos suficientes que me
levassem a um juízo condenatório.
Por isso, pedindo vênia às compreensões contrárias, eu acolho os
embargos infringentes para efeito de absolver a embargante da
condenação imposta.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 60 de 78 1201

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhora Presidente, Egrégia


Corte, ilustres Representantes do Ministério Público, Senhores
Advogados, Estudantes.
Senhora Presidente, no Superior Tribunal de Justiça, eu tive várias
oportunidades de verificar a inépcia dos administradores de comarcas, de
municípios. E, ali no Superior Tribunal de Justiça, lavrou-se uma
jurisprudência muito sólida de que essas criminalizações, essas sanções,
devem ser aplicadas aos administradores desonestos e não aos
administradores ineptos, porque, na verdade, muito embora haja um
outro enfoque, que eu respeito, os entendimentos em contrário, todo
crime se pune a título de dolo. Ele só se pune a título de culpa, se houver.
Há essa exceção legal, não existe um crime sem elemento subjetivo do
tipo, ou é o dolo ou é a culpa, não há responsabilidade objetiva penal da
pessoa física.
Então, na verdade, o valor, às vezes, dessas licitações não nos deve
impressionar. Aliás, se nos impressionar, nós que trabalhamos no TSE
ficamos extremamente perplexos e estarrecidos, porque os valores de lá
são valores estratosféricos, o que importa é o desvalor da conduta.
Aqui no caso, nós temos um Tribunal de Contas que não deixou
inequívoca a responsabilidade subjetiva da ré e nós temos uma consulta à
Procuradoria. Eu sempre afirmo que quem consulta não quer cometer
crime, porque, se quer cometer o crime, não consulta, e aí fica ausente o
elemento subjetivo do tipo.
Eu verifico também que foram apresentados documentos
justificadores da aquisição dessas obras. Então, lá na seara penal, em que
a última ratio é o enquadramento de uma conduta como crime, eu não
verifiquei que ela teria agido com o intuito de cometer esse delito contra o
patrimônio público.
Em todos os procedimentos, a Procuradoria opinou favoravelmente.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 61 de 78 1202


AP 946 ED-EI / DF

E o Ministro Alexandre de Moraes tocou num ponto sensível. Claro, às


vezes, é indiferente o fato de o Procurador-Geral do Estado ter opinado,
mas é preciso mostrar o consilium fraudis entre a parte ré e a Procuradoria,
quer dizer, eles combinaram para que o parecer fosse favorável. Não foi
isso que se provou nos autos.
Volto à minha afirmação: Quem consulta não age com dolo, quem
consulta age com prudência no intuito de não cometer nenhum equívoco.
E nós conhecemos a realidade das comarcas, dos municípios brasileiros,
nós conhecemos, infelizmente, a falta de preparo necessário de inúmeros
agentes políticos.
Dessa sorte, sempre entendi que, para uma condenação, a prova há
de ser tão clara, como dizia Carrara, tão límpida quanto a luz do sol. E
aqui não há prova acima da dúvida razoável. Evidentemente que não há.
Se ela prevaleceu no início, é porque, no momento do recebimento da
denúncia, há de prevalecer o in dubio pro societate, mas, no momento da
condenação, a prevalência é do in dubio pro reo.
Eu efetivamente não enxerguei elementos capazes de conduzir a essa
condenação e, pedindo vênia às opiniões em contrário, mantenho o meu
voto na Turma e acompanho o voto do Relator.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 62 de 78 1203

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -

Presidente, este é um caso que demonstra a importância dos embargos

infringentes, porque acho que estamos diante de um caso crasso de error

in judicando.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 78 1204

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se de
embargos infringentes interpostos por Maria Auxiliadora Seabra Rezende
em face de condenação proferida pela Primeira Turma.
Conhecimento do recurso. De acordo com o art. 609, parágrafo
único, do CPP, os embargos infringentes são cabíveis contra decisão não
unânime proferida em segunda instância, quando desfavorável ao réu.
Segundo Gustavo Badaró, “os embargos são infringentes quando têm por
objeto uma questão de direito material, visando à modificação do julgado (por
exemplo, transformar uma condenação em absolvição)”. Ainda segundo o
autor, “a razão de ser dos embargos infringentes é o voto divergente” (Processo
Penal. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 863).
No âmbito específico do STF, o art. 333, I, do Regimento Interno do
STF (RISTF) prevê a admissibilidade do recurso em relação às decisões
não unânimes do Plenário ou da Turma que julgarem procedentes as
ações penais.
No julgamento da Ação Penal n° 470/MG, o Pleno do STF
estabeleceu, por seis votos a cinco, a validade desse artigo do Regimento
Interno. Mais recentemente, no julgamento do Ag. Reg. nos Emb. Infr. Na
Ação Penal n° 863, o Pleno do STF estabeleceu a admissibilidade dos
embargos infringentes contra decisões condenatórias não unânimes
proferidas pelas Turmas, desde que existentes o mínimo de dois votos
pela absolvição do acusado.
Na ocasião, manifestei-me pela admissão dos embargos a partir da
simples condenação não unânime em julgado proferido por uma das
Turmas, tendo em vista a ausência de previsão de número mínimo de
votos divergentes no art. 333 do RISTF, e em homenagem ao direito ao
recurso das pessoas condenadas criminalmente, tal como preconizado
pelo Pacto de San José da Costa Rica (art. 8, 2, “h”) e Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, §5º).
De todo modo, considerando que foram proferidos dois votos pela

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 64 de 78 1205


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absolvição própria da embargante na condenação proferida pela Primeira


Turma, e tendo em vista a observância aos demais requisitos de
admissibilidade, como a tempestividade, legitimidade, interesse recursal
e regularidade procedimental, conheço o recurso.
Litispendência e violação à competência desta Corte. Quanto à
alegação de litispendência e violação à competência desta Corte, entendo
que não merece prosperar a irresignação recursal, uma vez que se observa
da decisão proferido no Inquérito n° 3.588, que embasa esta Ação Penal, a
autorização para desmembramento dos autos e remessa de cópias à
primeira instância em relação a este caso e outros correlatos.
Além disso, conforme se observa da decisão que recebeu a denúncia,
os fatos em questão são similares aos julgados em primeira instância,
porém relativos a procedimentos de inexigibilidade diversos, razão pela
qual não merece prosperar esse argumento.
Inépcia da denúncia. No que toca à alegação de inépcia, a denúncia
narra que no período de dezembro a 2002 a janeiro de 2004, a acusada
teria praticado diversos atos que caracterizariam os crimes do art. 89 da
Lei n° 8.666/93 e art. 312 do Código Penal, como a participação nos
procedimentos de inexigibilidade de licitação, a liberação de dotações
orçamentárias, validação de declarações de inviabilidade de competição e
o encaminhamento de procedimentos à Secretaria da Fazenda, razão pela
qual possibilita-se à defesa a plena compreensão dos fatos imputados,
não devendo prosperar a tese da inépcia da denúncia.
Mérito da acusação. Em relação ao mérito da acusação,
propriamente dito, entendo que assiste razão à defesa.
No que se refere à inexigência de licitação, entendo que as cartas de
exclusividade emitidas pela Câmara Brasileira do Livro, que garantiram
exclusividade na distribuição nas regiões Norte e Nordeste, e não em
todo território nacional, é suficiente para fins de se demonstrar
inviabilidade da aquisição de materiais por outros representantes
comerciais, configurando, portanto, a situação descrita no art. 25, I, da Lei
n° 8.666/93.
Neste sentido, o inciso I do art. 25 entende ser inexigível a licitação

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 65 de 78 1206


AP 946 ED-EI / DF

para a aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam


ser fornecidos por “representante comercial exclusivo”, devendo a
exclusividade ser demonstrada através de “atestado fornecido pelo órgão de
registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou serviço,
pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades
equivalentes” (grifos e destaques acrescidos).
Interpretando a referida cláusula, filio-me ao voto do Ministro Luiz
Fux proferido durante o julgamento desta ação na Primeira Turma, no
qual Sua Excelência, com base na doutrina de Marçal Justen Filho,
assentou a legalidade da expedição de atestado por instituições dotadas
de credibilidade e autonomia em relação ao mercado privado (as
denominadas “entidades equivalentes”), em especial quando as declarações
do Registro Público de Empresas Mercantis e sindicatos são inadequadas
para os fins legais.
No caso, a Câmara Brasileira do Livro é entidade de âmbito nacional
fundada em 20 de setembro de 1946, tratando-se de instituição de
renome, associação civil de duração indeterminada e sem fins lucrativos,
que tem como objetivo defender e difundir a leitura, sendo, portanto,
entidade adequada para atestar a exclusividade do fornecimento das
obras adquiridas.
Também entendo que a inviabilidade de competição em decorrência
da exclusividade do representante comercial abrange tanto a
exclusividade relativa, existente quando há a proibição para
comercialização por parte de outras empresas em determinada
localidade, território ou região, como a exclusividade absoluta, quando a
proibição se aplica a todo o território nacional.
Ora, em ambos os casos, há a vedação jurídica para a aquisição do
produto ou objeto do contrato na localidade da contratação por parte de
outros fornecedores ou representantes comerciais, o que torna inviável e
inexigível o certame licitatório, nos termos estabelecidos pela Lei n°
8.666/93.
Outra não foi a conclusão do Tribunal de Contas da União (TCU),
que reconheceu a legalidade das cartas de exclusividade constante dos

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autos e a inexigibilidade com base na exclusividade relativa, inclusive a


partir de outros precedentes e tendo em vista as peculiaridades do
mercado regionalizado de venda de livros no país, no qual, pelos acordos
comerciais pactuados entre editoras e distribuidoras, um distribuidor se
abstém de invadir a área do outro (Apenso 1, fls. 127/149).
O TCU também constatou que os procedimentos de inexigibilidade
de licitação estão acompanhados de pareceres emitidos por equipe
técnica de servidores da Coordenadoria de Educação de Jovens Adultos e
da Procuradoria Administrativa, com anuência da Procuradoria-Geral do
Estado do Tocantins, que se manifestou favoravelmente à inexigibilidade
de licitação, bem como por portarias que ratificaram a inexigibilidade
expedidas pelo ex-Secretário da Fazenda, João Carlos da Costa, pelo
Subsecretário da Fazenda, Marcelo Olímpio Carneiro, e pela ex-Secretária
de Educação e Cultura, a acusada Maria Auxiliadora Seabra (Apenso 1,
fls. 127/149).
Neste ponto, entendo que houve error in judicando no acórdão
recorrido quando estabelece, como prova da ocorrência do crime, a
ausência de parecer da Procuradoria-Geral do Estado de Tocantins ou
uma certa relutância desse órgão em aprovas a inexigibilidade das
contratações.
De fato, consta dos autos a cópia de todos esses pareceres (fls. 63/66
do apenso 3; fls. 65/68 do apenso 4; fls. 99/102 do apenso 5; fls. 43/46 do
apenso 6; fls. 36/39 do apenso 7; fls. 101/104 do apenso 8 e fls. 91/92 do
apenso 9).
Além disso, o então Procurador-Geral do Estado, ao ser ouvido na
qualidade de testemunha nos autos desta ação, afastou qualquer hipótese
de relutância da Procuradoria na autorização para as compras diretas,
tendo asseverado jamais ter sofrido pressão por parte da ré para
direcionar qualquer parecer em favor da compra de livros (cf. transcrição
da mídia anexada à fl. 372).
Registre-se, ainda, que dos 07 (sete) procedimentos licitatórios
destacados à inicial, 06 (seis) tiveram a declaração de inexigibilidade
assinada pelo então Secretário da Fazenda de Tocantins ou seu substituto,

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sendo tal circunstância importante elemento negativo de autoria que


favorece a parte ré.
Portanto, o quadro fático delineado aponta para a assinatura de
decisão de inexigibilidade de licitação por parte da ré em apenas um
procedimento, e pela declaração de inexigibilidade em outros seis
processos durante à época em que a acusada ocupou o cargo de Secretária
de Educação, todos fundados em parecer técnico e jurídico, não existindo
qualquer indicativo de influência ou conluio da ré com outros agentes
públicos ou privados.
Em casos como este, a jurisprudência do STF possui posicionamento
firme sobre a não comprovação do necessário dolo específico em virtude
da ausência de demonstração da intenção de causar prejuízo ao erário ou
promover favorecimento indevido (Cf.: Inq 3.731, Segunda Turma, de
minha Relatoria, j. 02.02.2006; AP n° 683, Segunda Turma, de minha
Relatoria, j. 09.08.2016; Inq 2.616, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j.
29.05.2014; AP nº 580, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, J.
13.12.2016; AP 559, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 26.08.2014;
Inq 3753, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, J. 18.04.2017).
O objetivo deste entendimento é separar os casos de irregularidades
administrativas daqueles em que há o cometimento de um crime,
deixando de aplicar a legislação penal ao gestor que eventualmente
cometer equívocos ou erros e criminalizando apenas as ações conduzidas
com finalidade de causar prejuízo ao erário ou favorecer terceiros, última
ratio do crime licitatório previsto no art. 89 da Lei n° 8.666/93.
Ressalte-se que grande parte da doutrina do direito penal defende
posicionamento semelhante, no sentido de descriminalizar meras
irregularidades administrativas e relegar ao Direito Penal apenas as
condutas finalisticamente direcionadas ao cometimento de lesões a bens
jurídicos de natureza constitucional (Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal:
Parte General. Tomo I. Madrid: Civitas, 1997. p. 53-54 e p. 199-201).
Portanto, entendo que os embargos infringentes devem ser providos
para absolver a embargante da acusação da prática do crime do art. 89 da
Lei n° 8.666/93.

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Ante o exposto, conheço e dou provimento aos embargos


infringentes para absolver a embargante da acusação da prática do crime
do art. 89 da Lei n° 8.666/93.
É como voto.

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30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, em


primeiro lugar, ressalto que a condenação da recorrente não decorreu de
ato individual, mas, sim, de Colegiado que personifica o Supremo, a
Primeira Turma. Houve maioria de votos na Primeira Turma.
Em segundo lugar, verificou-se o deslocamento da redação do
acórdão, uma vez que fiquei vencido, no âmbito da Turma, na apenação,
relativamente ao crime de peculato-desvio. A Turma, ante a pena
imposta, concluiu pela prescrição da pretensão punitiva quanto a esse
crime.
Em terceiro lugar, defrontamo-nos com elementos probatórios – não
potencializamos, simplesmente, a denúncia apresentada pelo Estado-
acusador – e julgamos a partir de convencimento, na Turma, sobre a
matéria, assentando a culpabilidade da recorrente. Pessoa, imagino, de
escolaridade maior – porque foi Secretaria de Governo do próprio Estado,
não de Município perdido nesse imenso Brasil, em área muito sensível,
da Educação e Cultura.
Presidente, distingo os tipos dos artigos 89 e 90 da Lei regedora das
licitações, a de nº 8.666/1993. E o faço presente o elemento subjetivo. A
regra é a culpa, a exceção é o dolo, quanto aos tipos penais.
Distingo porque procedo a interpretação sistemática das normas
legais. No artigo 89, tem-se como a configurar tipo penal: dispensar ou
inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei ou deixar de observar
as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. Não se exige,
para a configuração desse tipo, o dolo.
Basta que haja a prática a caracterizar o crime: a dispensa ou a
inexigibilidade de licitação. Não cabe perquirir se houve, ou não,
benefício próprio. Também não cabe saber se ocorreu prejuízo, ou não,
para a Administração Pública. A glosa legal é única e parte, repito, da
dispensa ou da inexigência de licitação, fora dos casos autorizados pela
própria Lei nº 8.666/1993.
Já no artigo 90, tem-se o elemento subjetivo, o dolo. Consta do

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 70 de 78 1211


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preceito legal a referência à vontade, ao intuito de obter para si, ou para


outrem, vantagem decorrente de adjudicação do objeto da licitação, isso
quanto à frustração ou à fraude, mediante ajuste, combinação ou
qualquer outro expediente, relativamente a algo que visa evitar, acima de
tudo, nesse imenso Brasil, o apadrinhamento.
A licitação é competição entre aqueles que se mostrem interessados
em prestar serviço ou fornecer coisa ao setor público.
O que houve na espécie foi o desvio de verba, a envolver o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação. E tudo começou no âmbito
da Controladoria-Geral da União, que teve a notícia de contratação direta
de empresas. O término do exercício fiscal, a possibilidade de devolução
dos recursos federais à União, não justifica o afastamento das normas
imperativas da Lei nº 8.666/1993. Ocorreu a contratação direta das
empresas Educar Livros Comércio e Representações, Gurupi Editoriais e
Papéis Ltda., Editora Edjovem Ltda. e Editora Rideel Ltda. Considerou a
Primeira Turma não haver sido demonstrada a autorização legal para
dispensar-se a licitação, como previsto no inciso I do artigo 25.
Por quê? Porque se tentou proceder dessa forma simplesmente
mediante declarações, de exclusividade, das próprias empresas que
acabaram sendo contratadas sem licitação. Declarações de exclusividade
que não poderiam ser consideradas, mesmo porque envolvida
mercadoria, os livros, negociada em todo o Brasil – e não me consta que
essas limitadas estejam sediadas nos diversos Estados da Federação.
Mas, Presidente, as cartas de exclusividade não permitiram inferir a
possibilidade de dispensa da licitação. Isso foi proclamado pelo Tribunal
de Contas da União, como consta do voto que, na condição de Relator,
redigi, após exame dos elementos – repito – probatórios, coligidos
durante a instrução.
Houve mais. Houve laudo da Polícia Federal. O perito criminal, o
qual nomino responsável pela elaboração do laudo, que também
individualizo, fez ver que não se comprovou terem sido os preços
praticados compatíveis com o mercado ou mais vantajosos; que, a rigor,
os preços estavam acima daqueles realmente praticados. Ou seja, no

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 71 de 78 1212


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mercado, seria possível encontrar os mesmos livros por preço inferior ao


pago, em cerca de 36% a 52%. E esse laudo passou por revisão de outro
perito criminal. É dito que o Tribunal de Contas da União aprovou as
contas. Aprovou, mas revelou que não houve pesquisa de mercado para
demonstrar a compatibilidade, ou não, dos preços contratados.
Mas não parou aí a recorrente – hoje Deputada Federal e, repito,
Secretária de um setor muito sensível no Brasil, que é da Educação –
nesse procedimento. Houve aditivos, todos alcançando a percentagem
limite, prevista na lei, de 25%, com superfaturamento dos contratos.
Houve majoração do que pactuado em cerca de 25%, chegando-se ao
sobrepreço a que me referi, de R$ 790.349,30.
Prossegui, Presidente, no voto, apontando então que não se
comprovou, quanto aos diversos processos de compra dos livros – não foi
apenas um, e os processos também estão no voto que, como Relator,
proferi no âmbito da Primeira Turma –, a inexigibilidade da licitação.
Disse que ante o disposto no artigo 89, não cabia cogitar do elemento
subjetivo dolo, ao contrário do que ocorre considerado o artigo 90 da Lei
nº 8.666/1993. Ressaltei que o objetivo da norma é inibir o
apadrinhamento quanto à contratação no setor público. E mencionei a
regra maior do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, a exigir a
licitação.
E passei então para a dosimetria da pena, que não mereceria,
principalmente da parte de um técnico em Direito, como mereceu da
tribuna, qualquer crítica, porque não houve sobreposição. Um denodo
com que os advogados defendem os interesses do constituinte não pode
levar a essas críticas extremas, como se o Supremo fosse composto de
neófito em Penal e Processo Penal.
Presidente, não houve sobreposição.
Explicitei que, diante de preceito a encerrar piso de 3 e 5 anos, diante
das circunstâncias judiciais referidas no voto, adequada seria a fixação, no
critério trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal, da pena-base em 4
anos e a multa em 100 dias.
E observei as três fases previstas no artigo 68 do Código Penal: de

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 72 de 78 1213


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fixação da pena-base, de consideração das atenuantes, nessa ordem, e


agravantes e causas de aumento e diminuição da pena.
Mais uma vez, observando que a atuação do juiz, não
necessariamente do advogado, é vinculada ao Direito posto, tive presente
a causa de aumento, na terceira fase, do artigo 84, § 2º, da Lei nº
8.666/1993. Observada apenas a condição de servidora pública – gênero –
da acusada, da ré, ora recorrente? Não, Presidente. Reconheço que o tipo
do artigo 89 é de mão própria, porque, sim, ela capitaneou todo esse
processo de contratação, várias contratações sem licitação, de
aditamentos aos contratos, considerada a percentagem máxima, a função
de confiança, e confiança maior, pelo menos do Governador, que a
escolheu, na Administração Pública, como secretária na área da educação
e da cultura.
Presidente, o pronunciamento condenatório da Primeira Turma não
está a merecer censura, muito menos as que discrepam da ordem jurídica,
exacerbadas em termos de apreciação do caso concreto. Reporto-me ao
voto que consta do processo relativo ao julgamento originário da ação
penal e desprovejo os embargos.

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Voto - MIN. CELSO DE MELLO

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30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia, Senhora


Presidente, para acompanhar o douto voto do eminente Relator.

É o meu voto.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 74 de 78 1215

30/08/2018 PLENÁRIO

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946 DISTRITO FEDERAL

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -


Estudei este caso com uma certa melancolia, porque, num País em que o
de que mais se precisa é livros e professores com livros, ter de julgar
penalmente um caso, por conta de livros, realmente causa, para dizer o
mínimo, uma certa melancolia, porque deveríamos passar por isso sem
ter uma dúvida sobre nada.
Do exame que fiz, o caso parece ter uma ênfase, primeiro, em que as
imputações feitas na denúncia, no sentido de que a embargante teria
deixado as observar as formalidades pertinentes à inexigibilidade de
licitação e contratado diretamente as empresas tais, por meio dos
processos; as empresas contratadas foram beneficiadas por meio de
superfaturamento, por causa dos aditivos, e outras irregularidades, teria
de, para se amoldar, especificamente, ao previsto no art. 89 da Lei n.
8.666, ficar expresso, comprovado e definitivo. O que fica mais claro do
exame dos autos é que teria havido não a questão principal que aqui foi
enfatizada em vários documentos, inclusive da tribuna, de poder ou não
ser inexigível a licitação, uma vez que, como agora enfatiza o Ministro
Celso de Mello, e já tinha sido enfatizado também pelo Ministro Fux e
pelo Ministro Ricardo Lewandowski nestes embargos, ligados
diretamente aos artigos 24 e 25.
Mas o que me parece mais sério é a parte final do dispositivo -
dispensar ou inexigir licitação ou deixar de observar as formalidades
pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. Neste caso, tudo que se
informou nestes autos foi que teria havido a inobservância dessas
formalidades. Para que isso se configure, no entanto, o tipo penal
previsto, teria de haver prova de que, neste caso, teria havido um dolo
para aquisição desses livros e que o comportamento se amoldasse
rigorosamente ao que previsto na legislação, o que, com as vênias dos
Ministros que votaram no sentido da condenação, portanto, dos

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 75 de 78 1216


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embargos, não me parece ter ocorrido suficiente.


Não parece ter dúvida de que houve, sim, como disse agora o
Ministro Celso de Mello, algum descuido, às vezes exagerado, porque o
homem público tem que tomar um cuidado muito maior, porque é gestor
da coisa de todo mundo, da res publica; porém, daí até criminalizar a
conduta e chegar a uma condenação da natureza que foi imposta, parece-
me que é preciso que haja uma prova séria, contundente e incontornável,
no sentido do que foi previsto pela lei como tipo penal e a sanção
correspondente.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Vossa Excelência me
permite só uma consideração? Eu tenho a impressão de que há uma
sanha punitivista, inclusive nestes casos gerais, que envolvem, muitas
vezes, até despreparo dessas entidades para fazer um dado modelo
licitatório. Aqui se viu que este modelo foi repetido Brasil afora, pode
estar certo ou errado, talvez até haja outra forma de fazer.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - É
preciso que isso seja corrigido, porque vai acontecer com muita
frequência. Não se pode confundir o que é doloso e que pode levar a um
superfaturamento, repetição de comportamentos criminosos, com aquilo
que é um descuido.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É preciso que se
caminhe para aquilo que os espanhóis chamam de uma concertación. A
ideia é realmente de um funcionamento mais preventivo, talvez mais
cooperativo. Veja que aqui há um bate cabeça: a CGU diz uma coisa, o
TCU diz outra coisa, o Ministério Público diz outra coisa, com base em
laudo que também é muito duvidoso.
É importante, talvez, que esse trabalho se fizesse de forma menos
repressiva e mais efetiva. Quer dizer, que de fato não é ideal que se tenha
um modelo de compra de livros com tal perfil, com exclusividade na
região norte ou seja lá o que for, que se faça um outro modelo. Agora, que
não se criminalizem as condutas, porque de fato o Brasil está realmente se
revelando um país surreal, todos os agentes públicos, que ocupam
funções públicas, têm uma ação de improbidade ou uma ação penal.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 76 de 78 1217


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O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(RELATOR) - Vossa Excelência me permite? Eu creio que é da experiência
de muitos de nós. Hoje, os administradores públicos têm muita
dificuldade em nomear gestores de contratos e ordenadores de despesa,
porque é difícil encontrar um servidor que aceite essas funções,
justamente por que existe esse perigo concreto de serem, ao término do
exercício de suas funções, acusados de improbidade ou até do
cometimento de um delito.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É muito curioso, até
num tom meio jocoso dessas coisas, há pouco tempo, nós decidimos aqui
que os promotores públicos, membros do Ministério Público, admitidos
após 88 - como está no texto constitucional -, não poderiam exercer outras
funções públicas. Então, o meu amigo, o Governador de Mato Grosso,
Pedro Taques, disse: "Com essa decisão de vocês, vocês acabaram com
meu governo". Mas a fama é de que os membros do Ministério Público
estavam acabando com o governo dele, porque paralisavam tudo. Eu
disse: "Eu acho que o Supremo ajudou o seu governo a não terminar". É
irônico, quer dizer, ele chamou seis membros do Ministério Público para
o seu governo, e o comentário geral é de que eles paralisavam tudo,
porque investigavam tudo. E, talvez, seja até uma vacina, sejam modos de
operar, mas é preciso, talvez, pensar num outro modo, num modo
cooperativo de se fazer isso. Talvez, participando inclusive da construção
de políticas públicas, um esforço que se faz na solução desses casos, quer
dizer, compra de livros Brasil afora para distribuição a todas as escolas.
Agora, depois de tudo isso, isso é discutido e freneticamente, muitas
vezes, brandido com intenções eleitorais. É preciso realmente talvez
repensar todo esse modelo conflitivo que se desenhou longo desses anos.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - O
que tenho no meu voto, e eu fico adstrita ao caso, é que, na verdade, em
um país em que se tenha tanta corrupção, acaba acontecendo isso.
E, Ministro, nós que trabalhamos nessa área temos conhecimento -
até por ter sido Advogado-Geral da União - de nos depararmos com
casos, às vezes, com descuido mesmo, mas não poucas vezes, em que

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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pessoas adquirem livros - e não são só livros, quem dera fossem - e coisas
muito mais graves com superfaturamento. E tantas foram as estrepulias
penais praticadas, que essa Lei n. 8.666 veio, Vossa Excelência se lembra
em 93, exatamente para fazer frente a um desmando generalizado.
Ora, tempos depois, é preciso repensar a lei e os modelos, mas,
principalmente, é preciso repensar a conduta ética de todo mundo. E por
isso estamos de acordo que nós não podemos nem criminalizar aquilo
que é um descuido nem de deixar de prestar atenção aquilo que é crime.
Nas duas coisas, estamos de acordo.
E chamando atenção para a circunstância de que o Direito Penal não
passa a régua em nada e, cada caso é um caso, como bem disse a Ministra
Rosa Weber, sempre muito ciosa nos seus julgamentos e com muita
acuidade, neste caso, afirma-se - pelo menos é o que parece - que para não
ter de devolver os recursos no final do ano, correu-se para tentar fazer a
aquisição, isso porque, no Brasil, até quando se economiza ou não se
gasta a tempo - devido a um processo extremamente dificultoso,
burocrático, quer para se construir uma penitenciária, quer para se
comprar um livro -, é considerado mau administrador. Tudo indica que
pode ter sido uma dessas coisas.
De toda sorte, considero que não houve a comprovação suficiente, e
não convencida de todos os elementos necessários para se ter como
configurado o crime, também, neste caso, peço vênia aos que divergiram
de forma estudiosa, de forma percuciente em sua avaliação e em sua
valoração, para acompanhar o Ministro-Relator, nesses embargos,
acolhendo-os.

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Extrato de Ata - 30/08/2018

Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 78 1219

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

EMB.INFR. NOS EMB.DECL. NA AÇÃO PENAL 946


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMBTE.(S) : MARIA AUXILIADORA SEABRA REZENDE
ADV.(A/S) : CEZAR ROBERTO BITENCOURT (20151/DF, 151795/MG, 218023/
RJ, 11483/RS) E OUTRO(A/S)
EMBDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Decisão: Inicialmente, o Tribunal, por maioria e nos termos do


voto do Relator, rejeitou as preliminares suscitadas, vencido o
Ministro Marco Aurélio, que, quanto a elas, não conhecia dos
embargos infringentes. Acompanharam o Ministro Relator com
ressalva de entendimento os Ministros Edson Fachin e Celso de
Mello. No mérito, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do
Relator, acolheu os embargos infringentes para absolver a
embargante, vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e
Marco Aurélio. Falaram: pela embargante, o Dr. José Eduardo
Martins Cardozo e o Dr. Cezar Roberto Bitencourt, e, pelo
embargado, a Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge, Procuradora-Geral
da República. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia.
Plenário, 30.8.2018.

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber,
Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira


Dodge.

p/ Doralúcia das Neves Santos


Assessora-Chefe do Plenário

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