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CENA 4: “Psicodiagnóstico” (PSICOLOGA).

PSICOLOGA (Cumprimenta com aperto de mãos).

– Oi! Tudo bem! Você deve ser o Johnny? Meu nome é Ana Paula Cintra e sou
Psicóloga.

JOHNNY

– Bem doutora! Já vou logo avisando que eu não acredito na psicologia como
uma ciência e que uma mulher possa compreender os sentimentos de um
homem, embora eu reconheça que neste momento da minha existência
miserável você seja a única pessoa que pode me ajudar.

PSICOLOGA

– Posso ajudar sim Johnny, se você me permitir. Minha função e objetivo é


prestar assistência e te ajudar neste processo delicado. Você trouxe uma cópia
do processo?

JOHNNY

– Sim aqui está! Em relação ao processo, estou preocupado e muito confuso,


não sei o que vai acontecer. Acho que tudo deu errado na minha vida. Você
tem que acreditar em mim eu não tive culpa de nada! Desde sempre eu andava
perdido tentando encontrar uma direção, um caminho que me tirasse do
buraco, mas quanto mais eu lutava mais eu afundava.

PSICOLOGA

– Tudo bem Johnny tente ficar calmo. A juíza solicitou uma avaliação, eu vou
fazer algumas perguntas e você vai poder dizer tudo o que aconteceu.

JOHNNY

– E você vai me explicar como funciona?

PSICOLOGA

– O que?
JOHNNY

– A avaliação psicológica.

PSICOLOGA

– É um processo muito amplo para explicar de forma resumida.

JOHNNY

– Então faça uma analogia.

PSICOLOGA

– Certo, vou tentar fazer. Bem... Freud dizia que a análise é como uma partida
de xadrez, somente a abertura e o final podem ser sistematizados, o meio-jogo,
porém, não é possível prever o que vai acontecer. Vamos começar? Você já foi
diagnosticado com alguma doença mental alguma vez?

JOHNNY – Meus familiares sempre me diziam que eu era retardado, mas a


opinião deles não conta, não é mesmo?!

PSICOLOGA

– Já fez terapia alguma vez?

JOHNNY

– Massoterapia serve?

PSICOLOGA

– Não.

JOHNNY

– Mas é quase a mesma coisa, sozinho com uma mulher estranha que cobra
uma hora e só dá cinquenta minutos!

PSICOLOGA

– Porque não voltamos para sua história?


JOHNNY

– Toquei em um ponto fraco não é?

PSICOLOGA

– Você toma algum tipo de medicamento controlado, possui algum vício ou


compulsão?

JOHNNY

– Não me considero viciado em nada, a não ser em sexo. Mas gostava


também de cocaína e calmantes e sair à noite, beber com os amigos!

PSICOLOGA

– Qual o seu estado civil?

JOHNNY

– Sou casado.

PSICOLOGA – Possui filhos?

JOHNNY

– Sou padrasto de uma jovem adolescente, mas me considero o pai, pois


sempre procurei cuidar bem dela.

PSICOLOGA

– Você disse que era viciado em sexo?

JOHNNY

– Sim, embora eu amasse minha mulher, ela não era o suficiente para mim,
por isso eu tinha que ter muitas mulheres, tantas quantas fossem possíveis,
porém, depois que eu fico uma ou duas vezes com uma mulher eu enjoo dela e
me afasto.

PSICOLOGA – Tudo bem, agora fale um pouco da sua infância, preciso saber
como seus pais te tratavam e como foi seu desenvolvimento.
JOHNNY

– Não gosto de falar sobre isso, mas parece que não tenho muita escolha,
certo?

PSICOLOGA

– Eu estou aqui para te ajudar Johnny e para isso eu preciso fazer essas
perguntas.

JOHNNY

– Minha história familiar não foi nada boa, quando nasci minha mãe sofreu de
depressão pós-parto e com isso me amamentou apenas uma ou duas vezes e
depois me rejeitou.

– Meus familiares (avôs e tios) insistiram para que ela cuidasse de mim e me
amamentasse, mas ela dizia ”Quero que essa praga morra!”.

– Mas o pior ainda estava por vir. Quando eu tinha cinco anos e alguns meses
minha mãe me abandonou, ela deixou meu pai e foi embora com outro homem.

PSICOLOGA

– E o que aconteceu depois?

JOHNNY

– Aí ficamos apenas eu e meu pai. Mas meu pai me tirou da escola me


colocou para trabalhar na oficina elétrica. Ele me ensinou a aplicar golpes nos
clientes da oficina. Quando os clientes chegavam, apenas com um fio solto na
parte elétrica do carro ele me ensinou a dissimular e enganar os donos dos
veículos dizendo que o carro tinha muitas peças quebradas.

– Meu pai também fazia muitas festas aos finais de semana na oficina e levava
os amigos e muitas mulheres, com nove anos eu já comecei a beber junto com
ele.

PSICOLOGA – Quer dizer que seu pai te ensinou a aplicar golpes e depois
com o dinheiro vocês faziam festas regadas a bebida e mulheres?
JOHNNY – Exatamente.

PSICOLOGA – E foi seu pai que te ensinou a cheirar cocaína também?

JOHNNY – Não, não, a cocaína foi por conta própria.

PSICOLOGA – E como foi isso?

JOHNNY

– Quando eu fiz dezoito anos meu pai morreu e eu assumi a oficina com ajuda
de alguns amigos, foi a partir daí que eu comecei a usar cocaína e sedativos. É
um para acordar e o outro pra dormir entendeu?

PSICOLOGA

– O que significa para você uma relação de intimidade com uma mulher?

JOHNNY

– Eu sei lá acho que transar sem usar preservativo.

PSICOLOGA (Estupefata – Atônita. Olha para os lados).

JOHNNY – O que foi?

PSICOLOGA

– Nada, vamos continuar. Agora eu vou te mostrar umas pranchas (TAT) e a


partir dos desenhos você vai desenvolver e contar histórias.

JOHNNY

– Que tipo de histórias?

PSICOLOGA – Não precisa pensar muito, é só dizer o que vem a cabeça.


Neste desenho (prancha 3ª do TAT) vemos um rapaz encostado a um sofá, ele
está agachado com a cabeça reclinada sobre o seu braço direito. Conte-me
uma história sobre essa cena.

JOHNNY

– O rapaz está triste porque foi abandonado pela mulher que ele tanto ama.
PSICOLOGA – E o que acontece depois?

JOHNNY

– Ele promete a si mesmo que nunca mais permitirá que alguém o faça sofrer.
E que deste dia em diante se vingará de todos que lhe trouxeram sofrimento.

PSICOLOGA

– E ele consegue satisfazer sua sede de vingança?

JOHNNY

– Não, porque toda vez que ele faz as pessoas sofrerem ele também sofre e
acaba por sentir-se muito sozinho e culpado.

PSICOLOGA

– Me conte uma história para este desenho (prancha 13ª).

JOHNNY

– Eles transaram, ele esperou que ela dormisse e foi embora.

PSICOLOGA – E depois?

JOHNNY

– Ela liga pra ele, mas ele não atende ao telefone, já que para ele a relação
não teve nenhum significado.

PSICOLOGA

– Agora conte uma história para essa prancha (prancha 17ª).

JOHNNY – É um jovem forte, bonito e muito habilidoso. Ele faz diversos


exercícios e malabarismos sob o olhar atento de uma plateia com muitas
mulheres que o desejam e o admiram por sua beleza e força.

PSICOLOGA

– E o que acontece depois?


JOHNNY

– Todas as mulheres da plateia o procuram depois, mas ele só pode oferecer


um pouco de atenção para cada uma delas, já que ele fez a promessa a si
mesmo que jamais entregaria o coração para nenhuma delas, porque sabe que
se o fizer sofrerá consequências ruins depois.

PSICOLOGA – Muito bem Johnny.

JOHNNY – Já acabou?

PSICOLOGA – Sim!

JOHNNY – Que pena eu estava gostando tanto, eu acertei quantas?

PSICOLOGA

– Não é este tipo de teste Johnny.

JOHNNY – E quanto ao processo, você acredita que serei absolvido?

PSICOLOGA

– Não sei Johnny, não depende de mim.

JOHNNY

– Espero que algum dia, quando isso tudo acabar eu possa ir morar nalgum
lugar legal e um dia você possa me visitar. Certamente você seria muito bem
recebida. E você não ia precisar ser tão séria. Você me faz lembrar alguém do
passado com o qual tenho sonhos recorrentes.

PSICOLOGA – Como é esse sonho?

JOHNNY – Sonho que estou indo para uma balada no centro e no caminho
encontro Márcia, uma garota com quem tive um caso amoroso alguns anos
atrás. Márcia parece atormentada e maltrapilha, e demonstrava desejo de
reatar comigo. Sinto-me confuso, com sentimento de culpa, e tentado a ficar
com ela; E sinto-me atraído sexualmente como geralmente me sinto em
relação às mulheres que julgo serem infelizes ou sem nenhum atrativo.
PSICOLOGA – E como você a conheceu?

JOHNNY

– Ela trabalhava em um mercadinho ao lado da oficina elétrica o qual sou o


dono. Inclusive me relacionei com dezenas de moças que trabalharam neste
mercadinho, mas, em relação á Márcia me sinto particularmente culpado, já
que a tratei de modo muito pior do que a maioria das moças com quem me
relacionei. Dormi com ela apenas uma ou duas vezes e depois a descartei.

PSICOLOGA

– Você disse que sente especial atração por mulheres que julga serem
infelizes e pouco atraentes, porque você acha que isso acontece?

JOHNNY – Acho que é por causa da minha primeira namorada, uma prima
baixinha de seios grandes com quem tive algumas brincadeiras sexuais na
infância.

PSICOLOGA

– E essa sua prima era pouco atraente na sua visão?

JOHNNY

– Sim! Pouco atraente e infeliz como todas as outras com o qual me relacionei.
Da mesma maneira como você também me parece pouco atraente e pouco
confiável, como eu lhe disse não acredito na psicologia como ciência e tão
pouco acredito que uma mulher possa compreender os sentimentos de um
homem.

PSICOLOGA

– Johnny você se lembra de algum evento na sua infância que possa ter
contribuído para este seu sentimento de que as mulheres não são confiáveis?

JOHNNY (fica em silêncio por um tempo pensando a respeito).

– Como assim, não entendi?


PSICOLOGA – Talvez você sinta a necessidade de desconfiar da minha
lealdade e compromisso, porque evoco em você a lembrança de sua mãe.

JOHNNY

– Não sei responder a isso, provavelmente sim, toda minha vida foi permeada
de decepções que se repetem uma pós-outra.

PSICOLOGA

– Mas você precisa entender que não é porque uma mulher (e neste caso sua
própria mãe) te decepcionou uma vez que todas as outras mulheres vão fazer
a mesma coisa.

– Pelo que você me contou sua mulher é leal a você e sua filha também, e eu
estou aqui com o proposito de te ajudar, não precisa generalizar e tratar mal a
todo mundo porque você teve uma experiência ruim no passado, ninguém é
igual a ninguém.

(Johnny abaixa a cabeça, regride e começa a chorar).

JOHNNY

– Me desculpe, acho que tem razão, é que eu me sinto muito vazio e


confuso... (chora).

PSICOLOGA (oferece um lenço de papel).

– Tudo bem Johnny, tente ficar calmo.

JOHNNY

– Eu estou muito medo, você acha que serei condenado?

PSICOLOGA

– Não sei dizer Johnny, você vai precisar um pouco de paciência e confiar na
justiça...
FINAL: “O Julgamento” (Parte II).
Entra em cena, a juíza, o promotor de justiça, a advogada de defesa, os
jurados e o oficial de justiça, cada qual se assenta em local determinado.

OFICIAL DE JUSTIÇA

– Atenção, todos de pé.

JUIZA

– Boa noite, senhoras e senhores! Eu declaro reaberta a sessão do Tribunal


Do Júri. Pode trazer o réu.

O réu é trazido por um guarda, e ao se assentar as algemas são retiradas.

JUIZA (Questionando o Oficial de Justiça).

– Senhora oficial a respeito da avaliação psicológica solicitada por parte da


defesa, o laudo pericial foi emitido?

OFICIAL DE JUSTIÇA

– Sim meritíssima! (Entrega em mãos).

JUIZA

– Pode convidar a Psicóloga Forense que adentre a tribuna.

OFICIAL DE JUSTIÇA

– A corte convida neste instante a psicóloga judiciária doutora Ana Paula


Cintra.

(A psicóloga adentra e se assenta no banco das testemunhas).

JUIZA

– Diante da petição da defesa foi solicitado laudo de insanidade mental do


acusado. De acordo com o código penal, para que haja o delito, é necessário
que, antes de tudo, a conduta do réu se amolde aos tipos descritos na lei
penal. Isto é, a tipicidade e, em segundo lugar que o indivíduo tenha plena
consciência dos seus atos.
– Segundo o artigo 26 do código penal:

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental


incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento” (CODIGO PENAL, artigo 26).

– A seguir os representantes de acusação e defesa podem fazer suas


perguntas à psicóloga, o representante do ministério público primeiro, senhor
promotor fique a vontade.

MEFISTÓTELES

– É evidente que esta petição foi feita pela defesa com o único objetivo de
postergar a eminente condenação do réu e eu espero que o júri se atente a
isto.

– Doutora, me responda de forma sucinta, sim ou não. De acordo com o


psicodiagnóstico realizado, o réu pode ser considerado um doente mental?

PSICOLOGA

– Não, o réu não possui nenhum tipo de comprometimento mais grave de seus
atributos psíquicos.

MEFISTÓTELES

– Então ele não é louco do modo como a defesa falsamente tentou imputa-lo?

PSICOLOGA – Eu receio que não.

MEFISTÓTELES

– Sendo assim já que tudo ficou esclarecido eu preciso fazer uma recepção no
inferno, então me entrega o que é meu que eu já vou indo embora...

JUIZA (Dá umas batidas com o martelo na mesa).

– Senhor promotor, por favor, o senhor já foi avisado. O senhor sabe muito
bem que esta casa trabalha com ordem e existe todo um procedimento a ser
aplicado nestes casos. Mas fique tranquilo que o senhor não vai voltar para o
inferno de mãos vazias.

MEFISTÓTELES – Eu assim espero!

JUIZA – A defesa está com a palavra.

ADVOGADA

– Doutora Ana Paula a senhora disse que o acusado não possui nenhum tipo
de comprometimento mais grave das funções psicológicas, poderia esclarecer
melhor para nós o que isso significa?

PSICOLOGA

– De acordo com os manuais de Psicologia Jurídica considera-se “louco” o


indivíduo que não atingiu uma integração do ego que o capacite a reconhecer
os objetos como inteiros e/ou aqueles indivíduos que possuem alguma
degeneração orgânica.

– Em outras palavras, são considerados “loucos” os indivíduos diagnosticados


com quadros de demência ou esquizofrenia.

ADVOGADA

– E o acusado é portador de algum distúrbio mental menos grave que estes


mencionados?

PSICOLOGA – Sim.

ADVOGADA – E qual é transtorno psiquiátrico que o acusado apresenta?

PSICOLOGA

– Em concordância com meu colega psiquiatra que também o analisou


concluiu-se que o analisando apresenta dentro de um quadro neurótico
comportamentos antissociais. O psiquiatra acrescenta ainda que o sujeito
possui desequilíbrios metabólicos e hormonais, disritmia, distúrbio de
receptação de serotonina e aumento da intensidade de sinal da amígdala.

ADVOGADA – Poderia ser mais específica?


PSICOLOGA – Na classificação internacional de doenças, CID 10, o quadro
apresentado é denominado como um Transtorno de Personalidade Antissocial
(TPA) Código: F 60.2.

ADVOGADA

– Então ele é um psicopata?

PSICOLOGA

– Negativo. A psicopatia refere-se a questões emocionais e de personalidade


e o antissocial a critérios comportamentais, portanto, o problema dele é menos
grave.

ADVOGADA

– Quais são as causas do transtorno?

PSICOLOGA

– É bem provável que as condições genéticas estejam envolvidas, mas há


indícios de que o fator ambiental também esteja relacionado ao surgimento
desse transtorno, especialmente durante a infância. Sabe-se, por exemplo, que
crianças que cresceram em ambientes familiares caóticos ou foram
negligenciadas pelos pais são mais propensas a desenvolver o distúrbio.

ADVOGADA

– Você está dizendo que se um indivíduo perde a sustentação do ambiente


familiar durante seu desenvolvimento se torna propenso a desenvolver o
transtorno?

PSICOLOGA

– Exatamente.

ADVOGADA

– E no caso do réu especificamente, quais os episódios ocorridos durante o


seu desenvolvimento poderiam ter influenciado sua conduta atual?
MEFISTÓFELES – Protesto meritíssimo, a defesa está tentando fazer alarde
com especulações infundadas sobre o caso! Deseja com isso criar o caos para
que o julgamento seja anulado!

JUIZA

– Protesto negado, pode responder a pergunta.

PSICOLOGA

– Em relação à tendência antissocial, sabemos que é o resultado da perda


abrupta do ambiente sustentador.

– A mãe do acusado sofreu depressão pós-parto e por isso ela o amamentou


apenas uma ou duas vezes e depois não mais. Alguns anos depois, por volta
dos cinco anos e meio ela o abandonou. Um pouco mais tarde seu pai o tirou
da escola e o colocou para trabalhar numa oficina elétrica, não dando a ele
oportunidade de estudar. Ele também o ensinou a aplicar golpes nos clientes
da oficina para ganhar dinheiro fácil. Essas ocorrências certamente o
influenciaram para que desenvolvesse o comportamento antissocial.

ADVOGADA

– Você pode nos explicar como uma criança pode vir a desenvolver o
transtorno?

PSICOLOGA

– Ao nascer o ego do bebê não tem força o bastante. É intolerável para o bebê
quando percebe que perdeu o objeto bom internalizado, o seio do qual
depende.

– Quando a mãe é suficientemente boa o bebê lida com as ansiedades


depressivas mobilizando os desejos reparadores, porém, quando a mãe o
negligencia o sofrimento muitas vezes só pode ser superado através de
defesas maníacas, os quais protegem o ego do bebê do desespero total.
– E quando essas defesas maníacas são excessivamente fortes, se
estabelecem círculos viciosos e formam-se pontos de fixação que interferem no
desenvolvimento futuro.

– As defesas maníacas na posição depressiva incluem mecanismos que já


estavam presentes na posição esquizo-paranoide, a negação, idealização e
identificação projetiva.

– O bebê descobre que é dependente da mãe e juntamente dessa


dependência descobre sua ambivalência. Sua inveja e ódio projetados ao seio,
o qual ele fantasia destruir com fezes e urina.

– Ao mesmo tempo experimenta intensos sentimentos de perda, luto e culpa


em relação ao objeto, interno e externo.

– O sujeito nega antes de tudo sua realidade psíquica e sua dependência do


objeto, e tenta controlar onipotentemente.

– A relação maníaca com os objetos é caracterizada pelo controle, triunfo e


desprezo, os quais o acusado reproduz em seu discurso e nas relações
interpessoais.

ADVOGADA

– E como foi que você chegou a essa inferência?

PSICOLOGA

– O analisando tinha medo que o laudo emitido ao tribunal resultasse em um


veredito desfavorável a ele. Por isso sentia que de alguma forma dependia de
mim. Em suas associações, sempre mencionava sua história de alimentação
insuficiente e ao fato de que sua mãe o ter amamentado ao seio por apenas
um ou dois dias.

– Se defendia da ansiedade por meio de defesas maníacas. Bem sucedido


nos negócios tinha fantasias de ir morar nalgum lugar paradisíaco, onde eu o
visitaria e seria bem recebida.
– Após relatar essa fantasia mencionou o sonho no qual ele se dirige para uma
balada e encontra a Srta. M, com quem tivera um caso amoroso há alguns
anos. No sonho a Srta. M parecia atormentada e mal vestida e demonstrava
desejo de reatar com ele.

– Sentia-se confuso, com sentimento de culpa, e tentando a ficar com ela;


Também se sentia atraído sexualmente, como geralmente se sentia em relação
às mulheres que julgava serem infelizes ou sem nenhum atrativo.

– Sua associação o levou ao seu local de trabalho o qual se encontra


localizado ao lado de um mercado onde tivera alguns relacionamentos com as
moças que trabalhavam no local. A Srta. M era uma das operadoras de caixa
do mercado. Sentia um especial sentimento de triunfo quando conseguia leva-
las para a cama.

– Lembrava-se de tudo com grande ansiedade e pesar. Em relação a Srta. M


sentia particularmente culpado, já que a tratara de maneira muito pior do que à
maioria das outras moças. Ficou com ela apenas uma ou duas vezes e depois
a descartou.

– Interpretei que as moças que trabalhavam no mercado representavam a mãe


que o amamentara apenas uma ou duas vezes; e interpretei seu
relacionamento com a Srta. M como uma represália em relação a sua mãe.

– Como a balada era no centro da cidade, Interpretei que a Srta. M, na


transferência, também era eu mesma, e estabeleci uma correlação entre o
sonho e a fantasia do analisando de me encontrar nalgum lugar paradisíaco
quando o processo chegasse ao fim.

– Por trás de sua intenção de me receber bem havia a intenção tanto de


inverter a situação de dependência – eu me tornar pobre e desamparada –
quanto de obter vingança.

– O analisando riu e disse que acreditava que a Srta. M representava uma


prima sua baixinha e de seios grandes, muitos anos mais nova do que ele, com
o qual tivera brincadeiras sexuais na infância.
– Interpretei que, em sua fantasia, ele relacionava o seio de sua mãe à
menina, de maneira a se proteger contra uma experiência de dependência,
com a ameaça de perda que esta acarretava.

– Se atribuísse os seios á menina, poderia possuir controlar, punir e triunfar


sobre eles, e poderia usa-los sem sentir-se dependente deles.

ADVOGADA

– interessante!

PSICOLOGA

– Pode-se observar neste material a maneira como as defesas maníacas do


analisando o protegem contra a depressão. Ele se opõe á ameaça de
separação, no qual experimenta sentimentos de dependência, ambivalência e
perda.

– Lida com isso fantasiando que, na figura de sua prima – o protótipo de todos
os seus objetos sexuais posteriores –, ele possui o seio.

– Ele nega totalmente o amor, a dependência e a culpa, com os quais se


relaciona por meio da desvalorização, divisão e deslocamento.

– A prima é dividida em várias namoradas sem importância, as quais ele


poderia possuir e descartar à vontade.

– Ele necessitava de algum objeto externo que o mantivesse gratificado; dessa


maneira, ele podia fantasiar que ele mesmo era a fonte de alimento, e o objeto
externo podia ser totalmente negado ou depreciado.

ADVOGADA – Com todas as suas explicações doutora, podemos concluir que


as alterações bioquímicas, o histórico de negligência e a falta de educação
adequada influenciaram diretamente a conduta do acusado?

PSICOLOGA – Certamente que sim.

ADVOGADA – Sem mais perguntas meritíssimo.

(A Psicóloga sai de cena).


EPÍLOGO

A Psicóloga no consultório organiza seu material de trabalho (o Teste de


Rorschach e alguns livros) quando se depara com o diabo à sua frente.

PSICÓLOGA (Se assusta).

– Ai meu Deus! Você não sabe bater na porta?

MEFISTÓFELES

– Para quê bater na porta se eu posso atravessar a parede?

PSICÓLOGA

– Você atravessa paredes?

MEFISTÓFELES

– Não é nada demais, é apenas um “dom” que meu “Pai” me deu!

PSICÓLOGA

– E a que devo o desprazer da sua visita? Vai dizer que ainda está chateado
por que o rapaz foi absolvido?

MEFISTÓFELES

– Chateado não, vocês devem estar ficando loucos em inocentar um cara


daquele, mas, eu vou recorrer da sentença...

PSICÓLOGA

– Se não é por causa do disso, você veio aqui por quê?

MEFISTÓFELES

– Vim tratar de um assunto do seu interesse!

PSICÓLOGA

– E sobre qual assunto seria?


MEFISTÓFELES

– Eu já te digo tão logo você me responda o que são essas pinturas?

PSICÓLOGA

– Se chama Teste de Rorschach.

MEFISTÓFELES

– É mesmo? É para quê serve?

PSICÓLOGA

– É um teste projetivo. O que você vê nesta prancha?

MEFISTÓFELES

– Vejo um casal de anjos fazendo sexo na estratosfera!

PSICÓLOGA (toma-o de suas mãos rispidamente).

– Eu ainda não entendi o que você veio fazer aqui, você não deveria estar
preocupado com os líderes religiosos?

MEFISTÓFELES

– Humf! A grande maioria entre os líderes religiosos estão todos corrompidos,


preocupados apenas em explorar e lucrar em cima da fé alheia. Ajudar
realmente quem precisa, eles não ajudam não. Para quem se encontra perdido
pela vida é mais recomendável procurar por um profissional de psicologia.

– Hoje em dia quem está ajudando as pessoas são os psicólogos. E olhe lá,
porque dentro da sua classe também tem aqueles que trabalham em favor da
perpetuação do status quo e o sistema dominante, Esses daí estão todos aqui
na minha mão!

– É por isso que eu vim aqui, vir propor um pacto e eu quero que você pense
muito bem a respeito disso Senhorita Ana Paula, eu quero que você saiba que
eu posso te dar tudo o que você quiser. Eu posso realizar todos os seus
sonhos, até mesmo os seus desejos mais secretos...
PSICÓLOGA

– É? E o que eu vou ter que fazer em troca?

MEFISTÓFELES

– É simples! Quando você for fazer psicodiagnóstico e elaborar laudos, preste


muita atenção, não me interprete errado, eu não estou pedindo para você
mentir, não é nada disso, mas, também não precisa dizer a verdade, é só omitir
alguns dados de maneira que o resultado do laudo favoreça o sistema e não os
pobres e necessitados! Entendeu? Distorce o laudo e favoreça o sistema
doutora! E então temos um acordo? (Estende as mãos).

PSICÓLOGA

– Hum... Eu não sei!

MEFISTÓFELES

– Como não sabe? Não é assim que funciona o sistema do mundo? Vocês
usam uns aos outros como mercadorias em benefício próprio, não é assim que
vocês fazem? E eu fico muito feliz com isso!

– Vamos fazer o seguinte, vou deixar meu cartão com você e você pensa a
respeito e eu volto numa outra hora para nós discutimos os detalhes do acordo,
Poder ser assim? (Entrega um cartão).

PSICÓLOGA

– Então tudo bem!

MEFISTÓFELES

– Então nos vemos em breve!

(O diabo sai de cena enquanto a psicóloga permanece assentada e olhando


para o cartão. Tão logo o diabo sai de cena ela guarda o cartão em sua bolsa e
também sai de cena).

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