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editora da palavra
EP
2011
sumário
interruptor, 13
mecanophrenya
componente zero, 17
1/ uma lâmpada, 19
2/ duas válvulas, 21
2/ dois discos rígidos, 23
3/ três engrenagens, 25
4/ quatro motores, 27
5/ cinco cilindros, 39
11/ onze rebites, 49
1/ uma máquina datilográfica, 71
alameda da indústria
c4s4 d4s má9uin4s, 75
módulo inaugural, 85
neon: do fabrico ao uso, 89
mineração, 93
bitolas, 95
catálise pesada, 97
música de trabalho, 99
rouparia, 103
tipografia, 105
cosmogonia sonora da indústria, 107
dormitórios, 109
século XX, 113
Urbi et Orbitron
pedra fundamental, 121
outra pedra fundamental, 123
pedraria, 125
jardins, 127
cidade, 131
rotinas, 135
guerra civil, 147
Mariel Reis
Pink Floyd
interruptor
Nelson Ascher
engrenagem
gangrenagem
Haroldo de Campos
três engrenagens se desgastam no
trabalho de engatarem suas áreas: umas
às outras; como uma lepra entre elas,
1
quando o engate engasga, a escassez 2
de óleo as engasta no encaixe; três 3
engrenagens se desgastam no contato
entre seus engates: uns contra os outros.
Gregório de Matos
o tranco de quatro motores de
arranque entrando em trabalho de
marcha; o tanque da gasolina,
combustão sob as turbinas, os
1
tambores de rotação do eixo, e 2
mexendo a corrente rente ao eixo 3
seguinte ainda a outro avança, em
exigência sucessiva; os quatro
4
igualados em ciclo, ligados, sem
exceção a resistência das amarras;
uma só percinta os une ao único
sistema de potências, anelados sob
delgada argola que os contém e
amarrados os quatro, cada qual pelo
1
lado, à alta correria das correias; o 2
ronco gratuito dos reatores graúdos 3
declara a regulagem da descarga;
os quatro agrupados, e juntos,
4
disfarçando um a fraqueza do outro,
caso ocorra, rara, falha inexplicável;
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todos quatro instalados, sem que
haja um erro interno sequer que os
emperre ou quebre, tanto dentro
de um guindaste, quanto de um iate,
1
obedecem, fiéis, na força exata à 2
manutenção do empuxo reclamado; 3
do uso bruto ao luxo aristocrático, em
4
nada se politizaram, estes motores
são apenas os escravos, são meios pa-
ra um fim nas mãos do proprietário.
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outrora autônomos, os quatro agora
aglomeram-se em bloco um grau mais
complexo que quando operavam
solo; um truque atrelando os nomes,
1
gêmeos quádruplos, nenhum aloca 2
o controle mas todos integram um 3
encontro igualitário entre motores;
no enigma homocinético, se equi-
4
param, mas a cada hora dobra o calor
que os radiadores apenas adiam.
5/cinco cilindros
Mauro Gama
cinco mínimos cilindros, 1
inchados sob o perigo dum
líquido, desconhecido: água
2
trancada, óleo, um visgo, 3
o cloro fluido, inóspito, ou 4
qualquer produto químico. 5
cinco cilindros inflados, os 1
buchos revestidos de
chumbo, cheios de ar, de
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vácuo, dióxido de carbono, 3
hidrogênio como recheio, ou 4
qualquer outro gás tóxico. 5
cinco cilindros rombudos, 1
invólucros, tubos lúbricos
destilando algo solúvel, ve-
2
neno cáustico, até letal: me- 3
tanol, nitro, estriquinina ou 4
qualquer suco sulfúrico. 5
cinco cilindros incríveis, 1
tão capazes de reter a extrema 2
pressão interna, apesar da
força brutal impressa a 3
cada uma das cascas, ao aço 4
reforçado das couraças. 5
cinco cilindros resistindo, corro- 1
endo contra os conteúdos de
seus dentros, aguentam ao ponto
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crítico, até que rompam, em 3
pânico, úlceras do incêncio, sa- 4
botagem no parque industrial. 5
11/onze rebites
1
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quase um parafuso, mas sem 4
rosca, sem fenda, sem fuso, 5
pontiagudo, porque colo- 6
cado à pancada, tão áspera e
pesada, que quase o liquefaz;
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às vezes, pura, sua matéria é 4
minério; outras, de liga pobre, 5
na área derretida sobre o mol- 6
de; entretanto é reforçada a pe-
sada ferramenta que o amarra;
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esse desce, entranhado à cha-
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pa ou entrando ainda, cinzel 5
no alumínio, rebite que pe- 6
netra ereto, só serve, dizem, se
cresce até onde deve (inscreve);
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esse é livre, largado fora do
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ferro, rebite externo; cópia inócua 5
sobrando fora da pistola an- 6
tes de raptá-lo um aríete de en-
xertar a frio o metal injetável;
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este outro, dependendo de onde 4
entre, sempre remenda, anexando 5
adendos, primeiro dentro, depois 6
fora, na ordem, e com agilidade,
do interior à casca, na montagem;
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o inchaço, inerente ao eixo, o corpo
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mais grosso, largo, preenche o 5
vácuo perfurado de um bura- 6
co, orifício necessário à cada parte
na fixação de outros encaixes;
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sua massa se adensa, mais ou
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menos, dependendo da pressão 5
exercida desde a mão, até o elo do 6
martelo, ou a força calibrada do
ar comprimido em outra arma;
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estes onze rebites existem, 4
fixados a seco, enquanto agrega- 5
dos assim, tanto a superfí- 6
cies mais lisas, quanto àquelas
ásperas, trabalhadas à lixa;
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onze rebites, qual soldados enga- 4
jados numa única batalha, fazem 5
asas de aeronave, ou simples- 6
mente nivelados ao sítio planar
do piso, reformam a plataforma;
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listados onze rebites, utilizados 4
no trabalho deste texto, obedientes 5
ao projeto de uma trama retilínea, 6
lembra o árduo emaranhado geo-
métrico de uma teia de aranha,
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um aramado complicado, cujas
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inúmeras quadrículas gradativas 5
foram primeiro esquadrinha 6
das, do preciso teodolito à régua,
na mesa de desenho do engenheiro.
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1/ uma máquina datilográfica
Mário Chamie
Álvaro Mendes
c4s4 d4s má9uin4s
Mauro Gama
Gonçalo M. Tavares
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Mauro Gama
à minha mãe
I. sono profundo
ao meu pai
Gonçalo M. Tavares
Alberto Pucheu
pedra fundamental
Herberto Helder
(mendigo)
(2 flores)
Herberto Helder
(claustros)
(sala de estar)
(funcionário)
(rendição)
(cativo)
(motim)
(repartição)
(zona norte)
(zona sul)
(periferia)
(itinerário)
(revólver)
Gonçalo M. Tavares
(duelo)
este
halo:
escritor medirá
palavras
capitão mediria
chumbo
antes de cruzar
Álvaro Mendes
(cárceres)
Gonçalo M. Tavares
Francis Ponge
(Trad. Júlio Castañon Guimarães)
no corpo, no rosto, sempre:
uma caveira os frequenta,
interna, atrás da pele, sob a
epiderme; o que a superfície
serena aparenta mascara o
cancro e, por hóspedes, os
vermes; os tecidos exercendo
seu arcano, são meandro ca-
muflando o âmago; enquanto
o tórax resguarda o motor do
miocárdio; o encéfalo: no
crânio; no osso: tutano; no
esqueleto temporário, uma
centopéia de vértebras o
sustenta, as vísceras lacradas
ao ventre, mero aparato
maquiado sob camadas de
células, em série, a lânguida
flâmula no acúmulo dos
músculos, eis toda a verdade:
o que mostra esse monstro,
ogro, invólucro, é um evento
pregresso, esperado sem
mistério, ter corpo é habitar
o futuro cadáver de si
próprio, ignóbil, sólida
necrose avançando sobre o
óbvio, aviso prévio, carne e
ossada (nem sempre velhos)
desse espécime de cemitério.
ferro-velho
Ferreira Gullar
uma máquina nunca infecciona; uma máquina
de fábrica trabalha alheia à consciência da
extinção embora seja temporário seu exercício
restrito e obedeça sempre aos termos de uma
dupla obsolescência: edema, a retirada de
comércio; sequer a máquina humana é plena;
reclama ante a falência, inflama crônicos
arcos precários, do hematoma bobo, do tombo,
ao laborioso cancro sacrossanto; finda a
medicina, não há remendos, quiçá remédios,
ante a ineficiência da caixa de ferramentas;
talvez adoeça e cesse o módulo biológico, que
a rota do corpo é sem volta, único sintoma
rumo ao subterrâneo, ômega da mortalidade sem
retorno; é trágico o defeito de fabricação, do
morto; a ossada enterrada, peça por peça, o
conjunto dos parafusos, cada alavanca interna,
as partes submersas, até consumi-la inteira um
solo absoluto; um ruído perpétuo de martelos,
erosivo, o tambor agredindo os ouvidos (luto
com marcha fúnebre); sobre um terreno eterno,
cemitério de chassis desassistidos esse
ferro-velho: área ancestral de desmantelo.
daemon-endo-machina
ad astra et ultra!
a máquina estrelada
círios
vapor se entranha e cala
é hora dos morcegos entre o pó
e a rocha
Álvaro Mendes
I.
Ferreira Gullar
Ferreira Gullar