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No âmago da Antropologia Religiosa a questão da «magia» surge como debate fundacional,

representando um problema de interpretação e delimitação dos conceitos. Quando Claude


Rivière, em Socio-anthropologie des religions, considera que a magia opera à margem da
religião, está a refletir a partir de um lugar particular de teorização que merece verdadeiro
questionamento. A herança judaica (que possuía uma memória social de hostilização mágica)
no pensamento ocidental está enraizada nas obras mais marcantes da disciplina antropológica,
onde discorre uma oposição entre «religião» e «magia», como de Fazer, Hubert e Mauss,
Durkheim, Rivers, Callois ou Lévy-Bruhl. Marcel Mauss, no entanto, reconhec

a interpenetração entre ambos os universos, razão pela qual propõe a divisão entre
“fenómenos religiosos stricto sensu” e “religião lato sensu”. Ao primeiro
corresponderiam os ritos oficiais, os grandes cultos e os cultos privados, ao passo que
ao segundo corresponderia a magia, a adivinhação e as superstições populares. No
entanto, em conjunto com Hubert, em Esboço de uma teoria geral da magia, Mauss
avaliam a distinção no plano da organização social: a magia tem uma dimensão
individual e secreta, enquanto a religião possui uma dimensão coletiva, pública e
oficial. Ocorre um balanço entre o legítimo e o ilegítimo nas suas dimensões públicas e

privadas. Callois, por seu turno, adianta que a atitude mágica pressupõe uma
intenção, uma natureza ativa que revela um desejo de poder sobre a ordem do
mundo, ao passo que a atitude religiosa é passiva, inscrita na ordem das coisas,
ordem essa de natureza divina.

No quadro do levantamento etnográfico |  No andamento das pesquisas


etnográficas mais recentes é possível compreender que a religião e a magia não
operam de forma tão antagónica quanto se supunha, evidenciando uma
dimensão teórica que foi hiperbolizada em face da realidade. Dorothy
Hammond, na década de 1970, considera que a magia é um comportamento
singular no quadro do ritual, razão pela qual deve ser considerada parte
integrante da religião. Como afirmava Evans-Pritchard, a partir do caso
Da perspectiva epistemológica, uma pesquisa interessada em anomalias é sem dúvida
intelectualmente mais rica que outra focalizada sobre regras; isso porque as anomalias
pressupõem de imediato as regras, mas estas são incapazes de prever aquelas; do contrário, as
anomalias não existiriam. As anomalias apresentam um caráter imponderável e, justamente
por isso, encerram um potencial de disrupção do sistema normativo ao qual se referem,
expondo assim seus impasses e contradições (Ginzburg, 2004). Antropólogas & Antropologia
produz tal efeito de duas maneiras no âmbito da história da antropologia. Primeiro, ele
demonstra a importância crucial da categoria gênero como uma forma de conhecimento dessa
história, uma vez que o acesso e o bloqueio à profissão antropológica eram constrangidos,
senão determinados, em certas situações por fatores de gênero; portanto, essa categoria não
é, ou não apenas, um produto ideológico do feminismo, mas um fator social objetivo que
provoca efeitos concretos. Segundo, o livro de Mariza Corrêa recusa completamente a história
habitual da antropologia, com sua procissão de autores canônicos, a maioria homens,
remontando à revolução de Bronislaw Malinowski e cuja presença aí justifica-se pela
contribuição teórica feita à disciplina; tudo o que se passou aquém desse período e além das
páginas de teoria permanece ignorado. Mais uma vez, não se trata de reabilitar antropólogas e
antropólogos pouco conhecidos, ou mesmo absolutamente obscuros, em detrimento de
outros que contribuíram inequivocamente com o desenvolvimento teórico da disciplina. O
raciocínio proposto consiste na verdade em um esforço de afastar-se do debate corrente, que
trata essa história segundo uma concepção teleológica, para interpelá-la em outros termos,
ainda que, evidentemente, não deixem de ser formulados no presente e de manter um vínculo
profundo com tal debate, mesmo que seja a contrapelo; dessa maneira, torna-se possível
redigir uma outra história da antropologia, mais complexa e interessante porque, ao contrário
da versão depurada, é capaz de apreender os impasses e contradições constituintes do
desenvolvimento da disciplina conforme ela se fazia.3

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