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Considerado uma lenda em Wall Street, Peter Lynch é a

grande referência entre os gestores de fundos de


investimentos nos Estados Unidos. Habituado a ganhar
dinheiro de forma recorrente para seus clientes, Lynch
também trilhou uma carreira de sucesso no mercado
editorial, em parceria com o jornalista John Rothchild.
Juntos, eles alcançaram um grande público interessado em
gerir as próprias carteiras de ativos financeiros.

Um dos modos mais econômicos e seguros de começar a aprender sobre


investimentos é comprar livros que são referências clássicas sobre o tema.
Afinal, livros são produtos de difícil elaboração, dado que precisam de
autores que entendam do assunto a ser abordado – e que, além disso,
saibam se comunicar com os leitores.

Os livros são revisados, editados, impressos e publicados por terceiros, de


modo que, se não são bem avaliados pela crítica e pelo público, logo caem
no esquecimento. Então, se um livro continua em voga depois de tantos
anos, significa que tem algo relevante para transmitir.

Este é o caso de O jeito Peter Lynch de investir (https://amzn.to/3khhgyP),


escrito pelo próprio Peter Lynch em parceria com John Rothchild. Essa
dobradinha deu certo, pois Lynch é reconhecidamente um dos maiores
gestores de fundos de investimentos de todos os tempos, ao passo que
Rothchild, jornalista, cobre o segmento das finanças, tendo colaborado
com grandes veículos de comunicação, como Time e Fortune.

Embora tenha sido o responsável pela redação final do livro, Rothchild


atuou com grande discrição, deixando que Lynch pudesse falar com o
investidor individual em primeira pessoa. E apesar de ter feito uma carreira
brilhante no Fidelity Magellan Fund entre 1977 e 1990, período em que
nunca perdeu para o mercado, Lynch se dirige especificamente ao
pequeno investidor, alegando que este pode ter vantagens em relação aos
investidores profissionais. Afinal, o pequeno investidor não está preso em
procedimentos impositivos que guiam as decisões de compra e venda de
ações em grandes instituições.

O livro foi lançado em 1989 com o título One up on Wall Street, que numa
tradução livre seria algo como “Um olhar sobre Wall Street” – referente à
rua onde fica a Bolsa de Nova York, a principal do mundo. O título no Brasil
(O jeito Peter Lynch de investir) cria uma relação artificial com O jeito
Warren Buffett de investir (The Warren Buffett way,
https://amzn.to/3oepJoE), que não foi escrito pelo acionista majoritário da
Berkshire Hathaway, mas por um de seus incontáveis admiradores: Robert
Hagstrom. Idiossincrasias do mercado editorial brasileiro.
A edição brasileira do livro de Lynch e Rothchild já traz um texto de
apresentação – escrito pelos autores em 2000 – que por si só vale como
lição e registro histórico. Nele, Lynch expressa sua preocupação com a
relação entre preços e lucros por ações (P/L) das empresas do segmento
pontocom. Ao se referir ao investidor havia pago 500 vezes os lucros pelas
ações da Electronic Data Systems, Lynch lembra que ele “teria levado cinco
séculos para retornar seu investimento, caso os lucros da EDS se
mantivessem constantes”. Se um P/L de 50 vezes já assustava um
investidor precavido, o que dizer de um P/L dez vezes maior?

Resultado: havia uma bolha no segmento das empresas pontocom, que


estouraria naquele mesmo ano, dragando as economias de milhares de
aplicadores norte-americanos. Ainda na conclusão original do livro, outra
bolha foi diagnosticada com pelo menos dois anos de antecedência: a
bolha financeira e imobiliária do Japão, que explodiu em 1991 e ainda deixa
sequelas no país, mesmo depois de três décadas:

“O valor total de todas as ações japonesas na realidade


ultrapassou o das ações americanas em abril de 1987, e o
hiato tem aumentado desde então. Os japoneses têm a sua
própria forma de pensar sobre as ações, a qual ainda não
compreendi. Sempre que vou ao Japão para estudar a
situação, concluo que as ações estão absurdamente
sobrevalorizadas, mas elas continuam a subir.”

O livro de Lynch não versa especificamente sobre as bolhas. Portanto, caso


o leitor deseje saber mais a respeito delas, recomendamos um estudo
publicado por Tiago Reis: As dez maiores bolhas de todos os tempos
(https://amzn.to/31mwFpR), lançado como e-book em 2020.

Ao invés de assustar os pequenos investidores, dando ênfase ao que deu


errado, Lynch defende o mercado como um todo, dividindo seu livro em
três partes distintas. No início, ele constrói um cenário onde apresenta os
preparativos para que as pessoas possam investir. No miolo, dispõe a parte
mais técnica, com os principais aspectos que devem ser levados em conta
para escolher as ações que podem ser campeãs. O encerramento da obra é
dedicado à visão de longo prazo que os investidores devem cultivar.

Apesar de se encaixar no perfil de investidor de value investing


(investimento em valor), Lynch não é exatamente um adepto do buy and
hold (comprar e abraçar): em sua carreira como gestor de um fundo de
investimentos multibilionário, ele comprava e vendia ações diariamente.
Seu foco não era previdenciário, no sentido de obter renda passiva por
meio dos dividendos das empresas em que investia. Sua obsessão era por
ações com potencial de crescimento, as chamadas multibaggers (ações que
multiplicam seu valor de mercado em várias vezes), que podem ser
classificadas progressivamente como fivebaggers (que multiplicam o capital
por cinco vezes), tenbaggers (dez vezes), fiftybaggers (50 vezes) e assim
por diante.

Aqui resulta um dos desafios com relação à leitura do livro por parte de
quem vive a realidade brasileira, muito distinta daquela do mercado
financeiro dos Estados Unidos. No Brasil, temos apenas uma bolsa de
valores com um número reduzido de empresas de capital aberto. Disso
resulta que não temos exemplos frequentes de companhias cujas ações se
multiplicam várias vezes e rapidamente, em questão de poucos anos.

Esse aspecto também se reflete no fato de que o brasileiro, na condição de


pequeno investidor individual, raramente pode investir em uma empresa
que lhe causou uma ótima impressão, prestando-lhe um serviço mais do
que decente, pela simples razão de essa empresa provavelmente não ter
capital aberto na bolsa de São Paulo, onde poucas centenas de ações
constam na prateleira.

Nos Estados Unidos, onde até companhias especializadas em serviços


funerários têm ações negociadas em bolsa, a estratégia apregoada por
Lynch faz mais sentido: observar atentamente, no cotidiano, o
desempenho da venda de produtos e da prestação de serviços oferecidos a
uma sociedade bem mais desenvolvida, de padrões de consumo mais
elaborados.

O investidor amador que fizer isso, segundo Lynch, poderá ter vantagens
para descobrir futuros casos de sucesso de empresas promissoras que
estão fora do radar, ao passo que analistas profissionais têm mais
dificuldades nesse sentido. Afinal, eles estão engessados por uma rotina
em escritório distante da realidade das ruas, com suas regras e fórmulas
para interpretar os fundamentos das ações que a maioria de sua classe já
está cobrindo.

Por essa razão, Lynch recomenda que os pretensos investidores não


superestimem a capacidade dos profissionais do mercado financeiro para
encontrar ações de grande potencial, uma vez que o conhecimento prático
sobre o que as empresas ofertam na economia pode ser um diferencial.
Compreender como as empresas ganham dinheiro é fundamental para
adotar a postura de investidor sócio delas – o que é muito diferente de
especular no mercado de ações, acreditando que alguns ativos vão subir e
outros não. A especulação, a propósito, é responsável pela flutuação das
cotações dos ativos no curto prazo. Ela deve ser ignorada pelo investidor,
uma vez que tentar prever os rumos da economia é difícil, senão
impossível.

De acordo com Lynch, “os retornos de longo prazo em ações são tanto
relativamente previsíveis quanto muito superiores aos retornos de longo
prazo dos títulos públicos”.
Essa afirmação faz mais sentido para o leitor brasileiro da segunda década
do século 21 do que para aquele que teve acesso ao livro até o fim dos
anos 1990, quando o Brasil ainda era o paraíso da renda fixa. Felizmente, a
economia brasileira vem se desenvolvendo – mesmo que lentamente – no
sentido de premiar os adeptos da renda variável, com reflexos positivos no
mercado como um todo.

De mercado, Peter Lynch entende. Ao longo do livro, há vários relatos


sobre suas tomadas de decisão bem-sucedidas e sobre outras que não
deram certo – o que importa é que ele entregou resultados consistentes
aos cotistas de seu fundo, independentemente da conjuntura
macroeconômica.

Para auxiliar o leitor na busca por empresas vencedoras, Lynch identifica


seis principais categorias:
1. Empresas de crescimento lento, que geralmente pagam bons
dividendos. O investidor deve prestar atenção no payout dessas
companhias, que representa a porcentagem do lucro líquido
convertida em proventos para os acionistas. Quanto mais baixo o
payout, mantendo uma boa relação de pagamento de dividendos
pelo preção da ação (dividend yield), maior a margem de segurança.
2. Empresas confiáveis, de grande porte, com previsão para continuar
em operação por tempo indeterminado. Nesse caso, é importante
verificar se o P/L está relativamente baixo em relação ao seu
histórico e aos pares do segmento. Lynch não vê com bons olhos o
que ele define como “piorização”, ou seja, quando a companhia
resolve diversificar seus campos de atividade.
3. Empresas cíclicas, sujeitas aos altos e baixos das demandas
econômicas, especialmente no setor automobilístico e de construção
civil. Aqui, manter a vigilância sobre a entrada de novos
concorrentes é essencial, assim como antecipar quedas no P/L, antes
do processo de retomada dos negócios, que tendem a elevar os
lucros das companhias em questão.
4. Empresas de crescimento rápido, que muitas vezes são small caps e
apresentam produtos com potencial de alavancar os negócios. Ao
investidor, cabe analisar se esses produtos são importantes como
fontes de receita. Lynch gosta de verificar as taxas de crescimentos
dos lucros anuais dessas companhias, dando preferência ao intervalo
entre 20% e 25%.
5. Empresas em recuperação, que geralmente estão endividadas,
tentando evitar processos de falências. Embora arriscadas, essas
companhias podem se revelar bons investimentos, caso
demonstrem com clareza como podem cortar custos e proteger-se
contra credores agressivos. Tudo isso deve estar em consonância
com a retomada das vendas.
6. Empresas com ativos ocultos, cujos balanços financeiros não
refletem seu real valor de mercado. Por exemplo, companhias que
detêm propriedades imobiliárias antigas, cujos preços não foram
reajustados com o passar dos anos. Elas são mais difíceis de analisar,
especialmente nos casos em que ocorre endividamento crescente,
diluindo o peso dos ativos ocultos no patrimônio líquido.

Em linhas gerais, Lynch também verifica se existem grandes instituições


financeiras comprando as ações das empresas em tela: para ele, quanto
menor a participação dessas entidades no quadro dos acionistas, melhor.
Sua atenção ao P/L é constante, pouco importando a categoria da
companhia.

Lynch também aprecia empresas com dívidas controladas e vê com bons


olhos quando membros da companhia estão comprando ações dela mesma
– ou, ainda, se a companhia está recomprando ações na bolsa de valores.
Além disso, suas preferências recaem sobre empresas de caixa reforçado,
com histórico consistente de crescimento dos lucros a cada ano.

Entre os vários conselhos valiosos de Peter Lynch sobre a análise de


empresas, destacamos os seguintes:
▪ “Compreenda a natureza das empresas que tem e as razões
específicas para manter a ação.”
▪ “Procure pequenas empresas que já são lucrativas e que
demonstraram que seu conceito pode ser duplicado.”
▪ “Desconfie de empresas com taxas de crescimento de 50% a 100%
por ano.”
▪ “Evite empresas de setores destacados.”
▪ “Apostas duvidosas quase nunca compensam.”
▪ “É melhor perder o primeiro movimento da ação e esperar para ver
se os planos da empresa estão funcionando.”
▪ “Invista em empresas simples que pareçam enfadonhas, ordinárias,
desprezadas e sem atrativos para Wall Street” (ou para a Faria Lima,
no caso dos brasileiros).
▪ “Empresas sem dívidas não podem falir.”
▪ “Caso tudo esteja em condições normais, prefira empresas nas quais
a administração tenha um significativo investimento pessoal àquelas
administradas por pessoas que apenas recebem seus salários.”
▪ “Quando estiver em dúvida, espere mais um pouco.”

Para o investidor, saber identificar uma empresa vencedora não basta se


ele não tiver o comportamento adequado, que lhe permita atravessar as
diversas fases do mercado. Lynch alerta que, cedo ou tarde, o mercado cai
drasticamente – mas que justamente nessas ocasiões se abrem as janelas
de oportunidade para comprar ações de ótimas empresas com preços
descontados.
Às vezes, o investidor tem seu temperamento testado quando compra
ações de uma companhia com ótimos fundamentos, com preços atrativos,
sem ver qualquer reação nas cotações em curto prazo. Isso não significa
que a decisão foi errada, pois, no longo prazo, o preço da ação tende a
refletir as qualidades do negócio.

Do mesmo modo, eventuais subidas de preço nas ações de empresas


desajustadas não significam que seus acionistas recentes fizeram uma boa
escolha. Afinal, no longo prazo, as correções do mercado se impõem sobre
essas companhias. Desse modo, aportar recursos em uma empresa com
perspectivas pouco animadoras em função do preço barato de suas ações
não é uma estratégia inteligente.

Para Lynch, um investidor não deve se apegar às ações de empresas – por


melhores que elas sejam –, uma vez que acompanhar sua evolução e sua
história deve ser primordial. Se alguma companhia sai da rota dos bons
fundamentos, é válido vender suas ações e partir para negócios mais
promissores.

Construir um portfólio vencedor implica fazer uma boa diversificação de


papéis, distribuídos por várias categorias de empresas atuantes em setores
distintos. Embora a carteira do fundo gerido por Lynch fosse pulverizada,
ele não crava um número ideal de empresas para o pequeno investidor,
mas adverte que este “não melhorará seus resultados ao retirar as flores e
regar as ervas daninhas”.
Portanto, Lynch faz uma alusão ao fato de que muitos investidores
seguram empresas ruins em suas carteiras enquanto esperam que elas lhe
devolvam ao menos o valor investido. Ao mesmo tempo, vendem
prematuramente empresas que ainda tinham bom potencial de
crescimento.

O penúltimo capítulo do livro trata de opções, contratos futuros e vendas a


descoberto. O recado de Lynch ao pequeno investidor individual poderia
ser resumido na seguinte afirmação:

— Fique fora disso.

A gente concorda.

Peter Lynch se desligou da carreira de gestor de investimentos apenas um


ano após publicar seu primeiro livro, em 1989, com apenas 45 anos de
idade. Ele repetiu a parceria com John Rothchild em duas ocasiões: Beating
the street (algo como “Batendo o mercado”, https://amzn.to/3dM2mhi) e
Learn to earn: a beginner's guide to the basics of investing and business
(“Aprenda a ganhar: um guia para iniciantes com noções básicas de
investimento e negócios”, https://amzn.to/2TbQ6NR). Esses livros, porém,
ainda não foram lançados no Brasil.
Mesmo aposentado, Lynch continua investindo em ações individualmente,
além de prestar consultorias pela Fidelity Management & Research Co. Ele
também desenvolveu um importante trabalho como filantropo, aspecto
ainda pouco difundido entre os investidores brasileiros bem-sucedidos.

Apesar de manejar milhões e milhões de dólares durante seu longo período


como membro do Fidelity Investments, onde ingressou em 1966, com
apenas 22 anos, Lynch nunca foi afeito a ostentações. Quando escreveu
seu primeiro livro, ele revelou que seu carro já tinha mais de dez anos de
uso.

Aos 38 anos de idade, embora já com uma carreira bem consolidada, Lynch
estava preocupado com a conjuntura do mercado de 1982, ano em que
daria entrada na aquisição da casa própria – o que ele defende claramente
como condição básica para alguém investir na bolsa, como constituição de
uma reserva de patrimônio. Sem ela, não seria recomendável alocar todo o
capital disponível em ações.

Em seu livro de estreia, Lynch conta sobre seus primeiros anos de vida,
sobre os lugares onde estudou e sobre a boa formação que teve nas áreas
de História, Psicologia e Filosofia. Contrariando a frieza típica que
associamos aos grandes investidores de Wall Street, Lynch não esconde a
sua fé católica, chegando a reservar linhas de agradecimento ao padre que
o aconselhou nos anos de Boston College – e que posteriormente batizou
seus três filhos.
Sem ter vivido uma infância abonada – seu pai faleceu quando ele ainda
tinha apenas dez anos de idade –, Lynch teve contato com os
investimentos em renda variável ainda na adolescência, valendo-se de seus
ouvidos atentos às conversas que jogadores de golfe (e acionistas
experientes) tinham enquanto ele carregava tacos em um clube de sua
cidade.

Boa parte da capacidade de Lynch para se comunicar de forma simples


com um público leigo em investimentos, aliada ao trabalho de revisão de
Rothchild, vem de sua origem típica da classe média norte-americana, que
floresceu após a Segunda Guerra Mundial. Talvez esse seja um fator
complementar que explique a durabilidade das vendas de O jeito Peter
Lynch de investir, superiores a um milhão de exemplares em todo o mundo.

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