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1ª Etapa

Arca da Esperança

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Monges da Trindade
INTRODUÇÃO

“Esta é a história de Noé. Noé era um homem justo e perfeito


no meio dos homens de sua geração. Ele andava com Deus”
(Gn 6, 9).

Esta é a história de cada homem, que nasce, cresce, amadure-


ce pelo amor e pela dor, vive alegrias e tristezas. Ele levanta a cada
dia, faz o que pensa que tem que fazer, se tem sonhos os busca, se
não os tem apenas vive mais um dia, muitas vezes sem se dar conta
de que cada dia a mais é também um dia a menos e que seu fim se
aproxima.
Em algum momento da vida, no entanto, Deus, através da
experiência da vida, faz cada homem parar para refletir sobre o que
ele fez e foi até ali. “Que homem se tornou?”, lhe pergunta, “Quais
caminhos seguiu? Onde chegou?”
Este homem, diante de um caos pessoal, começa a refletir:
“Eu tenho sonhos? Eu os realizei? Eu ainda posso realizar algum? E
a tal felicidade, existe mesmo? Eu a encontrei? Eu a perdi? Eu ainda
posso ser feliz? Eu estou no caminho certo? O que eu fiz da minha
vida?”
Este homem sou eu, somos nós. Olhamos ao nosso redor e
percebemos que, se não paramos para refletir sobre nossa vida, ela
se torna como um dilúvio que vai inundando os caminhos, cobrin-
do as possibilidades, arrastando e destruindo o que construímos,
derrubando e afundando esperanças.
Quando não olhamos, Deus o revela, nos faz perceber, por
seu Espírito, no íntimo de nosso espírito, que Ele nos ama, chama
a cada um e quer fazer a aliança rompida pelos nossos pecados.
Aliança que nasce, cresce, amadurece pelo amor e pela dor e vive na
alegria e na tristeza. Deus olha e chama você e sua família. Ele quer
todos, quer os próximos e os distantes. Quer colocar todos na arca
do encontro e do reencontro, a arca do descanso e da cura, do cui-

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Arca da Esperança
dado e da alegria. Quer guarda-los, protege-los, dar-lhes o tempo de
estar com Ele, estar com quem ama, estar consigo mesmo, como na
história, que conta: “De cada espécie que tem um sopro de vida um
casal entrou na arca de Noé. E o Senhor fechou a porta atrás dele. O
dilúvio caiu sobre a terra durante quarenta dias. As águas incharam e
levantaram a arca, que foi elevada acima da terra. As águas cobriram
a terra pelo espaço de cento e cinqüenta dias” (Gn 7, 15-16c.17; 24).
É o tempo de Deus, tempo se recolher, tempo de rezar, tempo
de pensar, tempo de mudar, tempo de recomeçar. Deus está sempre
pensando em nós, sabe do que precisamos e sabe o momento certo
de fazer cessar as tempestades, baixar as águas e nos dizer: “Sai da
arca. Faze-os sair contigo para que se espalhem sobre a terra e para
que cresçam e se multipliquem sobre a terra” (Gn 8, 16-17c).
E Noé levantou um altar ao Senhor. O Senhor respirou um
agradável odor, e disse em seu coração: “Doravante, não mais amal-
diçoarei a terra por causa do homem porque os pensamentos do seu
coração são maus desde a sua juventude, e não ferirei mais todos os
seres vivos, como o fiz. Enquanto durar a terra, não mais cessarão a
sementeira e a colheita, o frio e o calor, o verão e o inverno, o dia e a
noite” (Gn 8, 20ss). Essa é a bênção que Deus quer derramar sobre
nós. Ele quer nos ajudar a viver com alegria apesar das tristezas,
a ter prazeres apesar dos sofrimentos, em família e ao redor Dele.
Deus diz ainda: “Faço esta aliança convosco: nenhuma criatura será
destruída pelas águas do dilúvio, e não haverá mais dilúvio para de-
vastar a terra. Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal
da aliança entre mim e a terra" (Gn 9,11.13).
Em terra firme, o homem renasce. A vida não o atropela, ele
a ama, a abraça e a ela se doa através de seus talentos, sua perseve-
rança e sua presença. Vivendo de fato, troca experiências sem se
perder no outro, sem se perder de si mesmo. Dá e recebe enrique-
cendo o outro e se tornando mais maduro e equilibrado através do
entendimento que o tempo traz do que existe e que experimenta
com a liberdade de quem tem as rédeas da vida nas próprias mãos.

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Monges da Trindade
Vê o passado, escolhe o presente e constrói o próprio futuro. Para
atravessarmos esse dilúvio e conquistarmos a terra firme, tomemos
acento na Arca da Esperança!
A Arca da Esperança é uma experiência, pessoal comunitá-
ria, em grupo, de escuta de Deus e de sua Palavra, no seu Espíri-
to. Experiência de oração, reflexão e partilha, em comunhão com
Deus, no autoconhecimento e no discernimento da missão de cada
participante.
Para isso, cada participante deve ter um momento diário de
oração pessoal em seu lar ou lugar propício, e uma reunião semanal
com seu grupo de partilha, chamado arca, orientado por um monge.

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Arca da Esperança
1ª SEMANA NA ARCA DA ESPERANÇA

OBJETIVO: Refletir sobre o que nos leva a buscar a Deus no


mundo atual e tomar consciência da importância da vida de oração,
como caminho da vida cristã.

1° DIA NA ARCA – A BUSCA DE DEUS NO MUNDO ATUAL

Vivemos em uma época marcada pelo ritmo acelerado de


vida, em que as respostas para muitas das perguntas que fazemos
estão ao alcance das mãos. Nossa vida está em constante movimen-
to, na busca dos nossos desejos ou na fuga dos nossos medos, numa
luta frenética em suprir nossas necessidades por conta própria. Uma
“avalanche” de informações jamais vista, as redes sociais mudando
totalmente os hábitos das pessoas e influenciando a vida humana e,
apesar de tantas informações, compreendemos muito pouco a rea-
lidade humana.
Visando apenas a vontade própria, nos esquecemos dos nos-
sos limites e fragilidades. Pensamos que tudo ou quase tudo nos
é possível. Podemos até mesmo perder a esperança em Deus, ou
duvidar de sua existência, sendo-lhe insensível e indiferente. Torna-
mo-nos descrentes de Deus.
1) Quais os pensamentos e atitudes que você percebe em si mesmo
que o faz viver como se Deus não existisse? Como por exemplo, não
aceitar os limites da vida, a descrença em Deus diante dos sofrimentos
vividos, o medo que o faz querer resolver todas as coisas sozinho, etc...
2) Reflita sobre os motivos que o trouxeram para a Arca da Espe-
rança: diante da realidade em que vivemos, procure, no fundo de seu
coração, de seus desejos mais profundos de felicidade, de amor, paz,
descobrir o desejo, a sede de Alguém em quem você possa confiar-se
totalmente, como o Pai da parábola, que acolheu o filho pródigo.
O beato Charles de Foucauld, que por anos viveu sem crer
em coisa alguma, abriu-se para a experiência de Deus. Em uma de
suas cartas, ele narra uma pequena oração que nos leva a pensar
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Monges da Trindade
nesse drama da existência humana que é crer ou não crer em Deus.
“Enquanto eu estava em Paris [...], uma graça interior extre-
mamente forte me conduzia: passei a ir à Igreja, sem crer, só lá
me sentia bem e lá passava longas horas repetindo esta estra-
nha prece: ‘Meu Deus, se existis, fazei que eu vos conheça’” 1.
Esta estranha oração, como ele próprio narrou, fez com que
ele experimentasse a presença de Deus em sua vida, como mais tar-
de vai narrar:
“E que graças interiores! [...] Eu, que não acreditava em vós;
eu, com tal perturbação na alma, com tal angústia; eu, em bus-
ca da verdade, e esta prece: ‘Meu Deus, se existis, fazei que eu
vos conheça.’ Tudo isso era obra vossa, meu Deus, obra vossa,
só vossa...”2
Sabemos que crer em Deus é um ato de fé. Não comprovamos
a existência de Deus cientificamente. No entanto, muitas pessoas
pensam que ter fé significa acreditar de tal modo que não possa so-
brar dúvidas e questionamentos em nossos pensamentos. Porém, fé
não significa isso. Nossa humanidade não está isenta de fragilidades
e, por esse motivo, nossa fé não está isenta de dúvidas.
Na verdade, a fé verdadeira é aquela que consegue coexistir
com as dúvidas, com os questionamentos, enfim, é a fé que subsiste
às dúvidas e que está aberta ao diálogo.
Portanto, se você se dispôs em ceder parte do seu tempo para
dar início a este itinerário de vida de oração, ao menos questiona-
mentos sobre Deus você deve trazer em seu coração. E isso já é fé!
Deus realiza sua obra em nós com aquilo que lhe ofertamos!
Convido você agora a ir percebendo dúvidas que você talvez
possa ter em relação à sua fé em Deus e, assim como o beato Charles
de Foucauld, vá apresentando para Deus e dizendo: “Meus Deus, se
existis, fazei que eu vos conheça!”
Para encerrar seu momento de oração, reze na passagem do
1 CHATELARD, Antoine. Charles de Foucauld. O caminho rumo a Tamanrasset. Ed.
Paulinas, p. 37.
2 Op. Cit., p. 38.
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Arca da Esperança
Filho Pródigo (Lc 15,11-32), onde Deus se mostra como um Pai a
quem você pode confiar-se totalmente e que olha para os desejos
mais profundos do seu coração.

2° DIA NA ARCA - O QUE É A ORAÇÃO PESSOAL?

Quando iniciamos a vida de oração pessoal, uma pergunta


que pode vir à nossa mente é como devo rezar. Para responder a essa
pergunta, é necessário que antes compreendamos o que é a oração.
Hoje, por meio de Sua Palavra, Jesus quer nos ensinar sobre
a oração. Tome o texto bíblico Mc 10,13-16. Nessa passagem, Jesus
nos ensina que a Boa Nova que Ele veio trazer é para aqueles que
têm a alegria e a simplicidade das crianças. Reflita atentamente no
Evangelho. Seja como aquelas crianças que se aproximaram de Jesus
sem temor. Ao contrário dos discípulos, Ele não faz distinção de
pessoas. Ele quer acolher você por inteiro, como fez com aquelas
crianças. Perceba que Jesus deseja ardentemente estar na sua com-
panhia. Ele deseja saber da sua vida e quer ouvir tudo o que você
tem para lhe contar.
Na criança percebemos um abandono confiante, uma simpli-
cidade sem preconceitos, diferentemente do que constatamos nas
relações, muitas vezes marcadas pela autossuficiência e descrença.
Desse modo, a oração é um diálogo simples com Deus, um
anseio do coração em estar diante daquele que nos ama.
Com simplicidade, coloque-se em oração e reconheça a dig-
nidade de estar na presença de Deus. Ele está junto de você para te
escutar, quer saber o que você tem a dizer para Ele.
Escreva em seu diário espiritual uma oração em que você re-
conhece que Deus o/a ama e a alegria de viver na companhia de
Jesus, participando de seu ensinamento e de seu Espírito.
Nesse momento, Jesus quer lhe falar:
- “Meu filho, minha filha, cheguei. Estou tão feliz pelo seu con-
vite. Obrigado! Há muito tempo espero por isso, espero por um tempo
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Monges da Trindade
a sós com você. Eu estou sempre com você e à sua espera, mas agora
você está só comigo. Tenho muito a lhe contar de mim, a lhe ensinar
sobre esta vida, a lhe explicar sobre a sua vida. Mas primeiro, quero
ouvir você, quero lhe dar meus ombros para chorar, meu colo para
descansar e minhas mãos para lhe sustentar e levantar. Eu estou aqui,
pode contar comigo. Conte-me como você está!”
Converse com Jesus, abra seu coração e conte para Ele tudo
o que está se passando dentro de você. Ele veio te ver, Ele veio te
abraçar, Ele veio te ouvir.

3° DIA NA ARCA – A ORAÇÃO COMO “ENCONTRO”

Santo Inácio de Loyola se perguntava no início da oração


para onde ele estava indo, diante de quem ele estava indo. Antes de
mais nada, ele tinha a consciência de que a oração não era uma re-
flexão consigo mesmo, mas era estar na presença do próprio Deus.
Dom Bernardo Bonowitz, a respeito da oração pessoal, faz
uma analogia com a obra de Antoine de Saint-Exupéry, “O Pequeno
Príncipe”, que traz a grande amizade entre o príncipe e a raposa:
“Ela é a professora de amizade do garoto, ao qual explica que a
melhor maneira de estabelecer uma profunda relação com um
amigo (que a raposa chama de ‘cativar’) é aparecer para um
encontro todos os dias à mesma hora. Isto não é somente um
sinal de fidelidade, diz ela, mas também possibilita uma das
grandes alegrias de um encontro com um amigo: a da anteci-
pação. ‘Se eu sei que você está vindo às quatro horas da tarde,
às três horas eu começarei a ficar feliz’”3 .
E prossegue:
“[...] a raposa tem razão em dizer que um relacionamento de
intimidade se constrói em uma base de fidelidade diária. Se
realmente desejamos ser encontrados por Deus, precisamos es-
colher certo período em nossa rotina diária e reserva-lo perma-
3 BONOWITZ, Bernardo. Buscando Verdadeiramente a Deus. 1ª Ed. Editora Mensa-
geiro de Santo Antonio, p. 51.
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Arca da Esperança
nentemente para a oração”.
“A oração significa nos deixarmos ser encontrados por Deus, a
fim de que Ele possa nos falar – e, obviamente, a fim de que nós
possamos Lhe falar, cada um contando ao outro aquilo que lhe
é mais importante e cada um dizendo ao outro por meio de e
por trás de cada palavra: ‘Eu te amo’”.
Assim, bem diferente do que talvez possamos imaginar, a
oração é algo muito mais simples do que pensamos. Muitas vezes,
somos nós quem complicamos a oração e a tornamos um exercício
muito difícil.
Pense agora nessa “alegria do encontro” que o conto nos fala:
1) Quanto aos seus relacionamentos, você percebe a importância
das pessoas que fazem parte da sua vida? Você experimenta a alegria
do encontro em relação a elas?
2) Como você vive a expectativa de um encontro com Jesus? É
com alegria ou com indiferença que você O espera? Lembrando que o
motivo principal de você ter entrado na Arca da Esperança é porque
veio busca-Lo.
3) Você percebe que Jesus é Alguém que vem ao seu encontro? Ou
para você Ele é Alguém distante da sua realidade?
O Mestre vem a nós na oração, não para nos ensinar verda-
des ou exigir atitudes ou comportamentos, mas, como "professor de
amizade" (Pequeno Príncipe), para nos encontrar, um encontro de
amor. Jesus manso e humilde de coração, manifesta, na oração, "seus
segredos aos humildes" (Eclo 3,20).
Em um mundo tão marcado pela velocidade da tecnologia,
a vida de oração se apresenta com a água que goteja continuamen-
te sobre a rocha. Não percebemos sua ação, tampouco percebemos
sua força, mas sem que percebamos ela vai esculpindo a rocha ao
longo do tempo, alisando-a e polindo-a. Do mesmo modo, não per-
cebemos a ação da oração em nossas vidas. Entretanto, àqueles que
se dispõem em fazer essa experiência, certamente experimentarão,
depois de certo tempo, as mudanças em seu próprio interior e em

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Monges da Trindade
suas relações. Somente através de uma disposição interior em se
exercitar na vida de oração é que seremos capazes de perceber sua
necessidade e os seus benefícios, pois Deus “escondeu estas coisas
aos sábios e entendidos e as revelou aos pequeninos” (Mt 11,25).
Por fim, reflita no Evangelho de Mt 11,25-30 e continue sua
"aula de amizade" com Jesus.

4° DIA NA ARCA – "SENHOR, ENSINA-NOS A REZAR"

Coloque-se diante de Deus e reflita no texto bíblico Mt 6,


6-13.
Jesus, o Filho de Deus, nosso irmão como homem, rezava,
pois vivia sua intimidade com o Pai. Somos chamados a participar
da oração de Jesus, como Ele nos ensinou.
Essa experiência de amizade e intimidade vivenciada por Je-
sus com o Pai na oração, Ele deseja que também seja uma experiên-
cia vivenciada por todas as pessoas. Nas palavras do Papa Francisco:
"Jesus orava como todos os homens do mundo. E, no entanto,
no seu modo de rezar, havia também um mistério, algo que
certamente não escapava aos olhos dos seus discípulos, se nos
Evangelhos encontramos aquela súplica tão simples e imediata:
‘Senhor, ensina-nos a rezar’ (Lc 11,1). Eles viam Jesus rezar e ti-
nham vontade de aprender a orar: ‘Senhor, ensina-nos a rezar’.
E Jesus não recusou, não era ciumento da sua intimidade com
o Pai, pois veio precisamente para nos introduzir nesta relação
com o Pai. E assim torna-se mestre de oração dos seus discípu-
los, como certamente quer sê-lo para todos nós. Também nós
devemos dizer: ‘Senhor, ensina-me a rezar. Ensina-me’"4.
Essa relação, que se dá na oração, visa acima de tudo con-
duzir-nos a um caminho de alegria. Este é o verdadeiro desejo de
Jesus: que entremos em comunhão com o Pai e, desse modo, alcan-
cemos a alegria que Ele tem para nos dar.
É Jesus quem deseja encontrar-se conosco. Antes de você
4 Papa Francisco. Audiência geral; quarta-feira, 05 de dezembro de 2018.
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Arca da Esperança
querer buscar Jesus através da oração, ou através de qualquer cami-
nho que seja, Ele tomou a iniciativa primeiro. Jesus está sedento da
sua presença, Ele quer o seu amor, a sua entrega. Ele suplica para
que você encontre Nele a fonte da verdadeira alegria. Ele tem sede
de cada um de nós. Jesus quer estar mais próximo de você, Ele quer
se dar a conhecer; Jesus quer a sua alegria e você começa a perceber
que isso é possível quando se é tão amado e querido por Ele.
Como Jesus, coloque toda sua vida diante de Deus. Suplique
ao Pai que te conduza a uma verdadeira relação de intimidade com
Ele, e que essa relação lhe dê acesso a uma profunda experiência
de alegria, transbordante para todas as pessoas com as quais você
convive!

5° DIA NA ARCA – JESUS TEM SEDE DE NÓS

Reze hoje no Evangelho de São João 4,1-42: Jesus e a mulher


samaritana.
Do ponto de vista da mulher samaritana, aconteceu um en-
contro inesperado, onde Jesus, cansado e com sede, diz àquela mu-
lher:
- “Por favor, me dê um pouco de água”.
A samaritana tinha a ideia formada de que judeus não se
misturavam com samaritanos. Desde sua conquista, deportação em
massa e nova colonização por obra da Assíria, a Samaria era vista
com hostilidade e desprezo pelos judeus. E ela reagiu a partir de
um pensamento pré-estabelecido. Havia uma cultura de divisão, de
limite aos relacionamentos, de uma impossibilidade para o “encon-
tro”.
No entanto, Jesus sempre vai muito além do que imagina-
mos, ou do que temos por segurança e apoio. Mesmo sendo judeu,
Jesus se coloca diante dela com humildade e sensibilidade, pois Ele
já conhecia o mais profundo do coração daquela mulher desencon-
trada na vida. Jesus "se curva" diante da samaritana e lhe pede de

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Monges da Trindade
beber. Jesus tem sede, Jesus tem sede do amor da samaritana. A mu-
lher samaritana representa cada pessoa. Jesus tem sede do seu amor!
1) Reflita sobre todas as vezes que Jesus se curva diante de você
e lhe pede de beber. Pense que Ele tem sede da sua presença e sente a
"alegria da antecipação" em esperar por cada encontro com você.
2) Você é capaz de se aproximar das “samaritanas" com as quais
você convive, isto é, pessoas que fazem parte da sua vida e que preci-
sam da sua compreensão e atenção para experimentarem a alegria do
encontro?
3) Escreva no seu diário uma oração; diga a Jesus sobre as angús-
tias e preocupações que você traz em seu coração; fale sobre a alegria
que é poder esperar por encontra-Lo, momento em que você pode par-
tilhar sua vida, sabendo que Ele deseja ouvir tudo o que você tem para
lhe falar.
A ternura de Jesus se mostra em seu encontro com as pesso-
as. Ele deseja permanecer com cada pessoa, Ele deseja permanecer
com você, em contato com seu coração, com suas fragilidades e
fraquezas. Corresponda a este desejo de Jesus: convide-O para per-
manecer com você ao longo da sua rotina e da sua vida, a fim de que
Ele a ilumine: "Porque em vós está a fonte da vida, e é na vossa luz
que vemos a luz"5.

6° DIA NA ARCA – TENHO SEDE DE ÁGUA VIVA

Continuando nossa reflexão sobre o Evangelho de João 4,1-


42, a samaritana tem “sede” da “fonte de água viva”, mas ela não
consegue enxergar. Ela é o retrato de nossas descrenças: do perma-
necer engessado nas concepções sobre si mesmo ou nas concepções
que talvez os outros lhe atribuem; do acostumar-se a desesperança,
desilusão e tristeza; da falta de amor por si próprio.
O fato de Jesus pedir água àquela mulher serve de pretexto
para uma aproximação. Ele já conhecia a sua vida, entendia sua so-
lidão, suas desilusões, pois perscrutava o seu coração (Jr 17,10). Ele
5 Sl 35(36),10.
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Arca da Esperança
é sensível e compreende suas fragilidades.
Através do diálogo, Jesus a fará perceber sua sede de “vida
verdadeira” e a fará reconhecer que é amada e que “vale a pena”
apostar numa relação de amizade verdadeira.
Jesus quer estabelecer uma relação de amor, anunciar a sua
Palavra libertadora e oferecer sua água viva (Misericordia et misera–
Papa Francisco).
Reflita sobre esse encontro:
1) “Sendo samaritana, como dará de beber a um judeu?” A sa-
maritana impõe limites ao amor. Ela está desencontrada, vivendo no
“automático”, é uma mulher que não acredita. Olhe agora para você
e perceba quais são os limites que você coloca ao amor? Talvez seja o
medo de confiar nas pessoas, a desilusão diante de um relacionamen-
to frustrado, o ressentimento que faz com que você não se abra ao
perdão...
2) Você acredita que Jesus o acolhe verdadeiramente, assim como
Ele fez com a samaritana?
3) Pense nos desejos que você traz consigo. Você percebe um de-
sejo profundo de intimidade, a sede de Alguém que sacie um vazio
experimentado no mais íntimo do seu coração?
Jesus desperta no íntimo de seu coração o desejo de vir ao
poço de Jacó, às Escrituras, para saciar sua sede, e lhe dar da água
viva de seu Espírito.
Assim como a samaritana, coloque-se diante de Jesus. Fale
com Ele sobre as desesperanças que talvez você tenha enxergado em
seu coração. Neste momento em que você se dispôs em fazer parte
da Arca, peça que Ele renove em você o dom da esperança!

7° DIA NA ARCA – A ORAÇÃO COMO FONTE DA


VIDA CRISTÃ

Hoje vamos começar a nossa oração a partir do texto em Jo


15,12-17. Nesse Evangelho Jesus aponta um novo mandamento: o
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Monges da Trindade
amor.
"Eu vos escolhi como amigos para que vos ameis uns aos ou-
tros como eu vos amo!" Oração e amor de uns aos outros são dons
inseparáveis do Espírito de Jesus.
A relação de intimidade com Jesus que brota na oração pes-
soal tem sua expressão na comunhão fraterna.
Aproxime-se agora do texto evangélico:
1) "Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu
vos amo." O mandamento de amor deixado por Jesus deve ser posto
em prática, primeiramente, consigo mesmo. Os sentimentos que você
nutre em relação a si mesmo são de acolhida ou de rejeição?
2) "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida
por seus amigos." Madre Teresa de Calcutá gostava de dizer: "Talvez
não fale a língua deles, mas posso sorrir"6. Em nosso dia-a-dia, "dar a
vida" muitas vezes pode significar acolher o outro com boa disposição,
mesmo quando estamos tristes ou desanimados. Você tem dado a vida
pelas pessoas do seu convívio, levando-lhes alegria?
Reze agora nessa oração escrita pelo beato John Henry
Newman e que Madre Teresa de Calcutá rezava diariamente após a
comunhão:
"Jesus, ajuda-me a difundir a tua fragrância aonde quer que eu
vá. Inunda a minha alma com o teu Espírito e com a tua Vida. Pene-
tra em mim, apodera-te do meu ser de modo tão completo que toda
a minha vida seja uma irradiação da tua. Ilumina através de mim
cada alma e toma posse de mim de tal modo, que cada alma de que
eu me aproxime possa sentir a tua presença na minha alma. Faz com
que, ao me verem, não me vejam, mas a Ti. Fica comigo! A minha luz
virá toda de ti, Senhor e nem sequer um raiozinho será meu. Serás tu
a iluminar os outros por meio de mim. Sugere-me o louvor que mais
te agrada, iluminando outros à minha volta. Que não te pregue com
palavras, mas com o meu exemplo, com a influência de minhas ações,
com o fulgor visível do amor que o meu coração recebe de ti. Amém."
6 Santa Missa e Canonização da Beata Madre Teresa de Calcutá. Homilia do Papa
Francisco em 04 de setembro de 2016.
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Arca da Esperança

2ª SEMANA NA ARCA DA ESPERANÇA

OBJETIVO: Nossa relação com Deus, que nos chama à vida


no Espírito, não tem sentido senão em Jesus. É Ele quem nos conduz
ao Pai, comunicando-nos o Espírito, que anima toda nossa vida.
Desse modo, vamos por meio do Evangelho aprofundar no
encontro pessoal com Jesus, perceber como Ele age, suas palavras,
seus gestos de amor, sua acolhida para com todos.

8° DIA NA ARCA – JESUS QUE CHAMA O PECADOR

Hoje rezaremos no Evangelho de Mateus (Mt 9,9-13). Tome


o texto bíblico e medite nas palavras de Jesus.
Nesse Evangelho, Jesus chama um pecador público. Seu cha-
mado não está baseado em uma condição. Para que Ele permaneça
comigo, não tenho que ser perfeito. É sempre dele a iniciativa de ir
à procura do pecador, daquele que se encontra distante. Quando
pecamos, não é Jesus que se afasta de nós; somos nós que nos afas-
tamos dele! Ele sabe quem somos e chama cada um por amor.
Veja o testemunho de uma missionária da caridade a respeito
da compreensão que Madre Teresa de Calcutá tinha sobre o amor
que Deus tem por cada um, mesmo em meio ao pecado:
"Se ela falava com uma pessoa em pecado profundo, ela nunca
dizia: 'Você é um pecador'... Ela tentava fazer essa pessoa en-
tender o que Deus a chamava a ser. Ela não julgava. Ela lem-
brava a todos de quão especial eles eram para Deus. E isso foi
o que costumava mover as pessoas. Não era 'mude a si mesmo
para que Deus o aceite e o ame', mas sim que 'Deus o aceita e
o ama como você é, mesmo com seus pecados; mas Ele o ama
muito para deixá-lo como está'. Ela sabia que Jesus queria fa-
zer as pessoas se sentirem amadas e as desafiava a responder
com amor."7
7 KOLODIEJCKUK, Brian. Mother Teresa. A Call to Mercy. Hearts to Love, Hands to
Serve. Kobo Editions, 2016.
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Monges da Trindade
Olhe agora para sua vida e reflita:
1) Você acredita que Jesus tem um projeto de felicidade para reali-
zar na sua vida? Ou já desistiu de si mesmo e pensa que não mudará?
2) Os fariseus seguiam um deus discriminador, que os levava a
também separar as pessoas entre boas e más, justas e injustas. Jesus
apresenta um Deus de misericórdia, que acolhe os perdidos oferecen-
do-lhes uma possibilidade nova de refazer-se8. Você é capaz de rela-
cionar-se com pessoas que têm opiniões e comportamentos contrários
ao seu? Ou na sua vida você divide as pessoas entre boas e más, pes-
soas com quem você pode se relacionar e pessoas a quem você prefere
manter-se distante?
Para encerrar este momento de oração, coloque-se diante de
Jesus e escute Ele te chamando, assim como fez com Mateus. Co-
loque-se por inteiro diante Dele, na certeza de que Ele te acolhe
integralmente. Se desejar escreva em seu diário os pensamentos e
sentimentos que vieram em seu coração.

9° DIA NA ARCA – JESUS QUE ACOLHE O PECADOR

No Evangelho de João 8,1-11, Jesus nos traz uma mensagem


que transforma nosso coração. Nesta passagem vemos que Jesus
não condena o pecador, mas o acolhe verdadeiramente. Com seu
olhar de misericórdia e perdão, Ele reergue o pecador arrependido
e restaura a sua dignidade.
Em relação à mulher que o Evangelho nos fala, seus segredos
foram revelados para Aquele que não julga e nem condena. Jesus
restaura naquela mulher a capacidade de acreditar em si mesma.
Sua misericórdia lhe devolve a esperança em relação à vida. “Al-
guém” confiou nela novamente, “Alguém” a protegeu, “Alguém” não
a condenou e ainda lhe trouxe a paz. Antes do apedrejamento pú-
blico, aquela mulher já havia apedrejado a própria alma. E esse "Al-
guém", lhe restaurou novamente a vida.

8 FABRIS, Rinaldo. Os Evangelhos I. Ed. Loyola.


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Arca da Esperança
1) Quando cometemos erros, podemos ser tomados por uma mul-
tidão de vozes que gritam dentro de nós, ordenando nosso "apedreja-
mento". Pare e pense nas situações em que você mesmo se "apedreja"
pela culpa e pelo remorso.
2) Pense nos critérios de exigência que talvez você tenha. Pode-
mos viver impondo critérios de perfeição altos demais, que faz com
que condenemos a nós e as outras pessoas. Olhe para Jesus e perceba
como Ele não nos oprime diante dos erros, mas nos acolhe e nos ama.
Reflita na história narrada pelo Papa Francisco, a qual de-
monstra sua atitude de acolhida irrestrita sem se ater aos pecados
alheios, um agir segundo o Espírito de Jesus:
"Lembro-me de uma mãe que tinha filhos pequenos e que fora
abandonada pelo marido. Não tinha um trabalho fixo, ape-
nas conseguia encontrar bons trabalhos alguns meses por ano.
Quando não encontrava trabalho para dar de comer aos fi-
lhos trabalhava como prostituta. Era humilde, frequentava a
paróquia, tentávamos ajudá-la por meio da Cáritas. ...ela veio
com os filhos ao colégio e perguntou por mim. ... 'Recebeu os
alimentos?', perguntei. E ela: 'Sim, sim, agradeço também por
isso. Mas vim aqui agradecer-lhe porque nunca deixou de me
chamar de 'senhora''. Há situações com as quais aprendemos
o quanto é importante acolher com delicadeza quem temos à
nossa frente, não ferir a sua dignidade. Para ela, o fato de o pá-
roco, mesmo tendo conhecimento da vida que levava nos meses
em que não encontrava trabalho, continuar chamando-a de
'senhora' era tão ou mais importante que aquela ajuda concre-
ta que lhe dávamos"9.
Peça a Jesus que o conduza a uma profunda experiência de
Sua misericórdia e que essa experiência se transforme em atos con-
cretos de misericordia a serem ofertados às pessoas com as quais
você convive!

9 Papa Francisco. O nome de Deus é Misericórdia. Ed. Planeta, p. 94.


18
Monges da Trindade
10 DIAS NA ARCA – JESUS QUE BUSCA A OVELHA PERDIDA

Hoje vamos rezar no Evangelho de Lucas (Lc 15,1-7). Não


era lucrativo para o pastor deixar as 99 ovelhas no deserto correndo
riscos e sair à procura de apenas uma ovelha. No entanto, o nosso
Pastor não enxerga a partir da lógica humana. A sua lógica está no
amor e na misericórdia.
Jesus permanece comigo independentemente do que eu faça.
Cada ovelha tem um valor único aos Seus olhos. Nenhuma ovelha
está perdida, justamente porque elas têm um “dono” que jamais dei-
xa de buscá-las. Nas palavras do Papa Francisco: “aos olhos de Jesus,
não há ovelhas definitivamente perdidas, mas apenas ovelhas que de-
vem ser reencontradas”.
No curso de nossas vidas, podemos nos perder de nós mes-
mos, deixando de ser quem somos em função de coisas ou pessoas.
Jesus é o Pastor que vai à procura das partes do nosso "eu" que fo-
ram abandonadas ou esquecidas no passado. Ele as reune no redil
do nosso ser para que sejamos mais felizes:
"Como bom pastor, Jesus vai à procura da ovelha perdida. O
animal perdido e exausto, ele o coloca sobre os ombros. Nós,
homens, somos como ovelhas que se perderam nas brenhas da
vida. Jesus nos procura porque nos quer bem. E, quando nos
encontra, celebra uma festa de alegria. As cem ovelhas são uma
imagem de nossa integridade. Perdemos nosso centro, nossa in-
tegridade, perdemos a nós mesmos. Jesus, como bom pastor, vai
à procura de tudo o que esquecemos, reprimimos e perdemos.
Encontra tudo quanto se espalhou e celebra conosco a festa de
nossa integração e auto-realização."10
1) Você tem consciência de que Jesus o busca independentemente
do que você faça? Ou pensa que Ele vem à sua procura somente se
você fizer coisas boas, se você agrada-Lo?
2) Pense nas situações da sua vida que o faz perder-se de si mes-
mo, como por exemplo, o deixar-se levar por um relacionamento do-
10 GRÜN, Anselm. Jesus e suas dimensões. Ed. Verus, p. 87.
19
Arca da Esperança
entio, a repressão de partes de você que você rejeita... Peça a Jesus que
o ajude a reencontrar cada parte do seu ser que foi abandonada e que
Ele lhe restaure a integridade.
Coloque-se no lugar desta ovelha que Jesus cuida. Aplique à
sua vida tudo isso que Jesus disse, e descanse de suas dores, preocu-
pações, aflições e atribulações, na companhia do bom Pastor.

11 DIAS NA ARCA - JESUS QUE TEM COMPAIXÃO

Hoje vamos começar a nossa oração tomando como referên-


cia o texto bíblico de Lucas (Lc 7,11-17).
As pessoas mais pobres na época eram as víuvas, os órfãos
e os estrangeiros. Jesus, que tem a capacidade de "olhar o detalhe",
porque "olha com o coração", tem compaixão. Nas palavras do Papa
Francisco:
“A compaixão é um sentimento envolvente, é um sentimento
do coração, das vísceras, envolve tudo. Não é o mesmo que a
'pena' ou... 'que dó, pobre gente!' Não, não é a mesma coisa.
A compaixão envolve. É 'padecer com'. Isso é a compaixão. O
Senhor se envolve com uma viúva e com um órfão... Mas diga,
há uma multidão aqui, por que não fala para a multidão? Dei-
xe... a vida é assim... são tragédias que acontecem, acontecem...
Não. Para Ele, era mais importante aquela viúva e aquele ór-
fão morto do que a multidão para a qual Ele estava falando e
que o seguia. Por que? Porque o seu coração, as suas vísceras se
envolveram. O Senhor, com a sua compaixão, se envolveu neste
caso. Teve compaixão”11.
Jesus não permanece distante da nossa realidade. Ele se com-
padece dos nossos sofrimentos e vem ao nosso encontro para nos
restituir a vida.
Coloque-se diante de Jesus; olhe para as áreas da sua vida que
estão mortas. Peça a Jesus que lhe tenha compaixão nessas situações

11 Papa Francisco. Missa Matutina na Casa Santa Marta, em 19 set. 2017.


20
Monges da Trindade
e que Ele lhe restitua a vida.
Olhe agora para o seu coração. A respeito da compaixão, o
papa nos exorta a, como cristãos, questionarmos nossas atitudes:
“Muitas vezes vemos os jornais ou a primeira página dos jor-
nais, as tragédias... mas olhe, as crianças naquele país não têm
o que comer; naquele país, as crianças são soldados; naquele
país as mulheres são escravizadas; naquele país... oh, que cala-
midade! Pobre gente... Viro a página e passo ao romance, para
a telenovela que vem depois. E isso não é cristão. E a pergunta
que eu faria agora, olhando para todos, também para mim: 'Eu
sou capaz de ter compaixão? De rezar? Quando eu vejo essas
coisas, que me trazem em casa, através da mídia... as vísceras
se movem? O coração sofre com essas pessoas, ou sinto pena,
digo 'pobre gente', e assim...' E se você não pode ter compaixão,
peça a graça: ‘Senhor, dá-me a graça da compaixão’”!
Suplique agora a Jesus um olhar que lhe faça perceber Sua
ação compassiva na sua vida. Peça também a graça de sentir com-
paixão diante de tanta gente que sofre e, desse modo, poder se apro-
ximar e levar essas pessoas "pela mão" até a "dignidade que Deus
concedeu a elas".

12 DIAS NA ARCA – JESUS QUE CHORA COM OS QUE CHORAM

No Evangelho de João (Jo 11,1-7;17-44), Maria se levanta de-


pressa e vai em direção a Jesus, seu grande amigo. Ela sabia que
podia encontrar consolo para sua dor na acolhida do Mestre. Jesus
se compadece e chora a morte de Lázaro. Vamos nos aproximar do
Evangelho:
1) "Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morri-
do!" Não estamos isentos de momentos difíceis, ocasiões em que temos
a impressão de que tudo morreu dentro ou fora de nós. Nessas horas,
podemos pensar que Jesus nos abandonou, que ele é instável no cui-
dado de nossas vidas ou até mesmo que Ele brinca conosco. Perdemos
facilmente a esperança. No entanto, o Evangelho mostra que mesmo
21
Arca da Esperança
em meio às tribulações, Ele segura o leme da nossa vida e a conduz
sempre para águas mais tranquilas, ainda que não percebamos. Exa-
mine seus pensamentos: você acredita que Jesus está junto de você em
seus sofrimentos? Ou pensa que o motivo pelo qual o sofrimento lhe
sobrevém é justamente o fato dele ter te abandonado?
2) "'Onde o pusestes?' Responderam-lhe: 'Senhor, vinde ver'. Je-
sus pôs-se a chorar. Observaram por isso os judeus: 'Vede como Ele
o amava!'" Muitas vezes, por nos considerarmos em desacordo com
o que julgamos ser o correto, nos colocamos num sepulcro de solidão
e isolamento. Jesus é este Amigo que se compadece e chora diante das
escolhas erradas que fazemos. Como no Evangelho, veja Jesus que te
olha com compaixão e ouça a voz que diz: Vede como Ele o/a ama!
3) "'O Mestre está aí e te chama'. Apenas ela o ouviu, levantou-se
imediatamente e foi ao encontro Dele". Nos momentos de dificulda-
de, podemos nos fixar na busca de milagres e nos esquecemos que na
verdade é de Jesus que necessitamos. Ele é o nosso sustento e a nossa
força! Ele vai em direção a todo aquele que chora; Ele está sempre
presente em nossas dores e nos consola. Permaneça diante de Jesus e
suplique que nos momentos de tribulação, você tenha a certeza de que
Ele governa sua vida!
Diante da morte, Maria e Marta poderiam ter caído na an-
gústia e no desespero. Contudo, elas tinham uma amizade cultivada
há tempos com “Aquele” que podia restituir-lhes a vida.
Nesse momento, Jesus te anima a aceitar as lágrimas ainda
não choradas, para que, através delas, você entre em contato com
seu coração, onde estão presentes o amor e a dor, a tristeza e a ale-
gria, pois Ele chora contigo!

13 DIAS NA ARCA – JESUS MANSO E HUMILDE DE CORAÇÃO

Vamos iniciar nossa oração com o Evangelho de Mateus


11,28-30. Nesse Evangelho, Jesus faz três chamados:
1) "Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu
vos aliviarei." Jesus dirige um chamado a todos aqueles que se sen-
22
Monges da Trindade
tem oprimidos, impossibilitados de viver na alegria. Quais situações
ou sentimentos têm afligido sua vida? Às vezes, passamos por con-
flitos que pesam nossa vida. Ou então crescemos em ambientes tão
opressores, que nos viciamos em nos massacrar. Podemos até mesmo
nos sentir impossibilitados de expressar o que sentimos ou queremos.
Aproxime sua vida de Jesus. Ele não o/a oprime e quer aliviar as an-
gústias do seu coração. Coloque diante Dele o fardo que você carrega.
Ouça Jesus que te fala: Eu o/a aliviarei!
2) "Tomai meu jugo sobre vós... Porque meu jugo é suave e meu
peso é leve." Ele quer tornar sua vida mais suave, propondo o essen-
cial: o amor que liberta as pessoas e desperta no coração humano o
desejo de fazer o bem. O jugo que Jesus oferece, aceito com amor e
levado com Sua ajuda, é suave. Mas não é um jugo de ócio, ou de
alienação em relação à vida. Quais situações você reconhece que pre-
cisa do ânimo e da alegria de Jesus para, de fato, viver e não apenas
“sobreviver”?
3) "Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração." Jesus
não complica a vida, torna-a mais clara, simples e humilde. Não so-
brecarrega ninguém. Pelo contrário, liberta o que de melhor existe em
nós e nos ensina a viver de maneira mais digna e humana. O que você
percebe que precisa aprender com Jesus? Quais ensinamentos você
deixou para trás? Quais são os empecilhos para novamente voltar a
confiar na ação de Deus e ter esperança?
Esta é a promessa de Jesus: se vem a mim..., se carrega meu
jugo..., se aprender de mim a viver de maneira diferente, "encontra-
reis descanso para vossas vidas". Jesus libera as cargas, não as colo-
ca; faz crescer a liberdade, não as servidões; atrai para o amor, não
para as leis; desperta a alegria, nunca a tristeza.
Ouça cada palavra saída dos lábios de Jesus sendo pronuncia-
da para você. Ao mesmo tempo contemple Jesus abrindo Seu cora-
ção misericordioso diante dos seus cansaços, desânimos e aflições.
Para encerrar, agradeça a Jesus, por Ele estar sempre de coração
aberto para lhe ouvir. Se preferir, faça isso em seu diário espiritual.

23
Arca da Esperança

14 DIAS NA ARCA – JESUS QUE DESEJA ESTAR NA SUA VIDA

O texto de hoje para nossa oração está em Mateus 11,2-6.


Vamos nos aproximar do Evangelho:
1) "Tendo João, em sua prisão, ouvido falar das obras de Cris-
to, mandou-lhe dizer pelos seus discípulos: 'Sois vós aquele que deve
vir, ou devemos esperar por outro?'" Os Evangelhos fazem alusão a
banquetes festivos de que Jesus participa. Ele aceita o convite para
uma refeição tanto de cobradores de impostos quanto de pecadores,
tanto de fariseus quanto de amigos. Jogado na prisão, João Batista
estranha o fato de Jesus ter um estilo de vida diferente do seu. Ele não
compreende que Jesus não anuncia o juízo de Deus, e sim a presença
do Deus misericordioso e bondoso; Ele que prega uma imagem tão
suave de Deus, realiza coisas admiráveis. O comportamento de Jesus
denota Sua liberdade interior. Muitas vezes estamos tão presos inte-
riormente que não percebemos a ação salvadora de Deus em nossas
vidas. Quais são as suas prisões interiores? A autossuficiência que
nos faz desejar que tudo ocorra como queremos? O medo e a des-
confiança que nos faz desacreditar que Deus cuida de nós? A amar-
gura que nos impede de vermos o que há de bom em nossas vidas?...
2) "Respondeu-lhes Jesus: 'Ide e contai a João o que ouvistes e o
que vistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os
surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos
pobres...'" Jesus responde sobre sua pessoa e sua missão apontando
para suas obras que são de amor e de misericórdia; de participação
na vida de cada pessoa que sofre. Ele deseja estar presente na vida
de cada pessoa. Ele deseja estar presente na sua vida! Na sua rotina,
você confia na presença de Jesus Salvador que lhe ampara e sustenta?
Diante das redes sociais que costumam nos apresentar as pessoas so-
mente em momentos de descontração e alegria, você se alegra com o
dom da sua vida assim como Jesus se alegra e deseja participar dela?
Ou você vive momentos fantasiando uma outra vida diferente da sua?
Coloque-se diante de Jesus e peça a Ele que permaneça contigo.
24
Monges da Trindade
Ele verdadeiramente deseja fazer parte da sua vida, quer estar próxi-
mo das sua necessidades. Se preferir, faça isso em seu diário espiritual.
Por fim, encerrando esta segunda semana na Arca da
Esperança, reze essa oração do beato Columba Marmion:
"Ó Cristo Jesus, creio que sois verdadeiro Deus e verdadei-
ro Homem, caminho divino de eficácia infinita, para fazer-
-me transpor o abismo que me separa de Deus. Creio que
vossa santa humanidade é tão perfeita e poderosa que, ape-
sar de minhas misérias, lacunas e fraquezas, pode lançar-
-me lá onde estais, no seio do Pai. Fazei que eu ouça vossas
palavras, siga vossos exemplos, e jamais me separe de vós!"

25
Arca da Esperança

3ª SEMANA NA ARCA DA ESPERANÇA

OBJETIVO: Jesus anunciou ao mundo a Boa Nova: que o


Reino de Deus está entre nós.
Por meio do Evangelho, vamos aprofundar na mensagem
anunciada por Jesus, para compreendermos a chegada do Reino de
Deus em nossas vidas.

15 DIAS NA ARCA –
O REINO DE DEUS É UM REINO DE AMOR

Leia com atenção a passagem bíblica contida em Marcos


12,28-34. Pare nas frases que mais tocarem seu coração, ouça o que
Jesus tem a lhe falar.
O escriba não apresenta a Jesus uma pergunta a mais. Aquele
homem quer saber o que é o mais importante para Deus, o que é o
essencial para fazer Sua vontade. A resposta dada por Jesus mostra
que o mandamento do amor não está no mesmo plano dos demais
preceitos. O amor é o princípio que anima e orienta todo o resto.
Para Jesus, a instauração do Reino de Deus acontece a partir
da vivência dos dois mandamentos, de amar a Deus e ao próximo.
Atitudes e convicções esvaziadas de amor ficam vazias de sentido:
não servem para construir a vida (o Reino) como Deus anseia.
1) O Reino de Deus está dentro e fora de nós. Sua acolhida co-
meça em nosso interior e se realiza em nossa vida à medida em que
nos abrimos ao Espírito de Jesus. No entanto, por diversos motivos
podemos nos fechar ao convite de Jesus. Quais obstáculos interiores
limitam sua capacidade de amar? Egoísmo, indiferença em relação ao
outro, preconceito, falta de perdão, amargura...
2) Amar o próximo como a ti mesmo significa simplesmente amá-
-lo como desejamos que o outro nos ame. O amor não está encerrado
em fórmulas precisas; ele pede criatividade. Pense nas atitudes que
você pode tomar para transbordar esse amor para as pessoas com as
26
Monges da Trindade
quais você convive.
Para terminar sua oração, peça a Jesus a graça de crescer cada
vez mais no amor. Peça a graça de amá-lo cada vez mais, se amar e
amar aqueles que convivem com você. Suplique que Ele lhe ensine
a distribuir o dom do amor. Se preferir faça essa oração escrita em
seu diário.

16 DIAS NA ARCA – O REINO DE DEUS ESTÁ ENTRE NÓS

Leia e reflita no Evangelho de Lucas 17, 20-21.


Jesus surpreende a todos com a declaração: "O Reino de Deus
está no meio de vós." O Reino já chegou. Está aqui em nosso meio.
Ele, que fala constantemente do Reino de Deus, não chama a
Deus de rei, mas de Pai. Jesus apresenta o Reino de Deus como algo
muito simples, que está ao nosso alcance. É Deus que se interessa
realmente por nossa vida; Ele se faz nosso "vizinho", está próximo
de nós, entra em nossa história por meio de Jesus, nos ama e nos
convida a amar. Como consequência, o Reino de Deus corresponde
às nossas aspirações mais profundas.
Jesus nos aponta que o Reino de Deus acontece quando nos
damos conta desse amor que é derramado sobre nós e o colocamos
em prática com as pessoas do nosso convívio. O amor é um dom
recebido de Deus e somente dá frutos quando eu permito que ele
transborde para a minha vida inteira.
"O amor é um presente. Ora, um presente não se devolve, mas
reparte-se com os outros. É amando os irmãos que mostramos
nossa gratidão pelo amor do Pai que se manifesta a nós em
Jesus. E assim levamos esse amor ao seu destino. Tornamo-nos
'aliados' de Deus e de Jesus, na expansão de seu amor"12.
Um testemunho sobre o compartilhar desse amor que rece-
bemos de Deus é contado por Madre Teresa de Calcutá:
"Um jovem casal hindu veio à nossa casa e eles me deram mui-
to dinheiro e eu perguntei: 'onde vocês conseguiram tanto di-
12 KONINGS, Johan. Evangelho segundo João. Ed. Loyola, p. 288.
27
Arca da Esperança
nheiro?' E eles disseram, 'dois dias atrás nós nos casamos, mas
antes de nos casarmos nós decidimos que não iríamos comprar
roupas para o casamento, não iríamos ter festa de casamento,
nós iríamos dar o dinheiro a você.' Eu os olhei e disse: 'mas
como – em nossas famílias hindus isso não é feito, por que vocês
fizeram isso?' E a resposta que eles me deram, eu nunca poderei
esquecer: 'Madre, nós amamos tanto um ao outro que nós que-
remos compartilhar a alegria de amar com as pessoas que você
serve.' ... Então você pode imaginar o sacrifício que aquelas
pessoas fizeram para compartilhar a alegria do amor"13.
Apesar das diferenças, temos esperança e capacidade para o
amor simplesmente porque o Espírito de Jesus está em cada um de
nós e nos impulsiona em direção à Deus e ao próximo.
O caminho para acolher e promover o Reino de Deus é rom-
permos com nossos medos e inseguranças para caminharmos em
direção ao outro. O amor nos faz enxergar o outro com compreen-
são e cuidado. Quando colocamos nosso amor a serviço, rompemos
com nosso egoísmo e nos tornamos de fato mais felizes.
Convido você a meditar no Salmo 106(107),1-8. É uma bela
oração onde o salmista eleva a Deus o seu louvor, a sua gratidão, o
seu canto de ação de graças pois reconhece toda ação amorosa de
Deus na sua vida. Faça dele as suas palavras. Agradeça por você
não estar mais sozinho, por ter pessoas que te amam ao seu lado e
por ter Alguém que se interessa pela sua vida e quer tornar sua vida
mais feliz. Se quiser, continue essa oração de louvor em seu diário.

17 DIAS NA ARCA – O REINO DE DEUS CRESCE NO


SILÊNCIO DA VIDA COTIDIANA

Vamos dar início à nossa oração com o Evangelho de Lucas


13,18-21.
Por meio dessa parábola, Jesus indica que o Reino de Deus se
materializa em nossas vidas, quando vivemos o amor na simplici-
13 KOLODIEJCHUK, Brian. Where There is Love, There is God. Image.
28
Monges da Trindade
dade da vida cotidiana, através do cuidado para com todos aqueles
que nos cercam.
Segundo o Papa Francisco:
"O Reino de Deus não chama a atenção, ele cresce no silêncio
da vida dos crentes" ... "quando se pensa na perseverança de
tantos cristãos – homens e mulheres – que levam adiante a fa-
mília, que cuidam dos filhos, que cuidam dos avós, que chegam
ao fim do mês com meio euro no bolso, mas rezam, ali está o
Reino de Deus; escondido na santidade da vida cotidiana, na
santidade de todos os dias, porque o Reino de Deus não está
longe de nós, está perto! Esta é uma das suas características:
proximidade, todos os dias”14.
Desse modo, o Reino de Deus cresce de maneira imperceptí-
vel, como a semente que cresce debaixo da terra, a partir da prática
do bem.
No entanto, a realização do Reino de Deus não impede as
cruzes e dores em nossas vidas:
“...o sofrimento, a cruz, a cruz quotidiana da vida – a cruz
do trabalho, da família, de fazer bem as coisas – esta pequena
cruz quotidiana é parte do Reino de Deus”.
Diante do que estamos refletindo, examine-se:
1) Você consegue manter o bom humor e a percepção de que o
Reino de Deus acontece na sua vida diante das situações que lhe cau-
sam aborrecimento?
2) Você tem consciência de que o amor na sua vida frutifica pelo
exercício diário dos seus afazeres na família, no trabalho, nos estudos,
na vida social? Você os realiza com zelo? Ou todas essas coisas lhe
geram preguiça e desânimo?
Para encerrar este momento de oração, entregue toda sua
vida a Deus. Entregue as situações cotidianas que você vive e peça
que cada ação praticada no silêncio da sua rotina se torne um "ti-
jolo" a ser usado para a construção do Reino, que é de amor e paz!

14 Papa Francisco. Homilia da missa na Capela da Casa Santa Marta. 13 nov. 2014.
29
Arca da Esperança
18 DIAS NA ARCA –
O REINO DE DEUS É CONTRÁRIO AO ISOLAMENTO

Inicie sua oração meditando no Evangelho de Lucas 10,25-


37. Utilize dessa rica passagem para falar com Jesus e ouvir o que
Ele tem a lhe dizer.
Se olharmos para o mais profundo do nosso coração, vamos
perceber que todos temos um grande desejo de relação, de intimi-
dade, de comunicarmos, de expressarmos nossos sentimentos mais
profundos, desejos e sonhos. Queremos revelar a alguém o que há
de mais íntimo em nosso ser.
Porém, talvez devido à nossa história, aos problemas enfren-
tados em nosso passado, em nossa infância, ou até mesmo proble-
mas atuais como separações inesperadas, mortes, casamentos des-
feitos, sonhos quebrados por alguém que amamos, somos tentados
a nos fechar, como se essa atitude fosse a solução para nossos pro-
blemas.
No mundo atual, um dos nossos maiores pontos de queda é a
busca pelo isolamento, uma busca por ficarmos sozinhos. Podemos
ter muitos pensamentos obstinados: é melhor ficar sozinho(a)! Não
vale a pena me envolver! Não serei mais abandonado(a)! Há um lu-
gar dentro de mim que ninguém nunca mais vai entrar... e assim por
diante. A partir dos sentimentos e emoções suscitados por tais pen-
samentos, adotamos um posicionamento, um modo de vida contrá-
rio ao desejo de relação, de intimidade que trazemos dentro de nós.
Não percebemos que esses pensamentos são amarras a que
nos condicionamos. Prendemo-nos em “jaulas” onde ficamos en-
carcerados. Permanecemos no dilúvio fora da Arca, e esquecemos
que Jesus nos chama para entrar com Ele.
1) No Evangelho que lemos, o sacerdote e o escriba continuam
seu caminho ocupados, sem se preocuparem com os que sofrem à bei-
ra do caminho. Você tem disposição interior para encontrar-se com as
pessoas do seu convívio? Ou prefere muitas vezes evita-las para não
30
Monges da Trindade
ter que deixar sua "zona de conforto"?
2) Quais são as “jaulas” em que você se coloca e que te impe-
dem de encontrar esse tesouro que é a amizade com Jesus, com o pró-
ximo e consigo mesmo? Em quais cavernas se esconde?
Hoje, de uma forma bem especial, Jesus nos convida a ven-
cermos esse desejo de isolamento em que nos enfiamos, rompermos
com essa tendência ao fechamento; ou se preferirmos, Ele nos cha-
ma para sair das "jaulas" onde nos encontramos.
Peça a Jesus a graça de, em cada dia na Arca, conhecê-lo ain-
da mais, para que o amor fraterno, fruto de uma verdadeira relação
com Jesus, transborde de você e chegue cada vez mais às pessoas
com as quais convive.

19 DIAS NA ARCA –
O REINO DE DEUS SUPERA A SOLIDÃO

Tome o Evangelho de João 16,31-33 e reze nesse texto bíblico.


Fazemos parte de um mundo em que o avanço tecnológico
torna as pessoas cada vez mais interligadas umas às outras. Todavia,
à medida que os meios de comunicação encurtam as distâncias, o
homem vai se afastando sempre mais de si mesmo, afundando toda
sua vida na solidão.
Em meio a uma enormidade de distrações, adotamos uma
postura de fechamento e solidão em nosso cotidiano. Fechamos as
portas da nossa vida, do nosso coração, dos nossos afetos e nos co-
locamos sozinhos.
Caímos no isolamento, terreno fértil para medos e descon-
fianças, que nos conduz a falta de esperança e à tristeza.
Jesus, que sempre viveu em comunhão com o Pai, gozava de
uma absoluta liberdade interior, que o impelia a ir em direção de
todos. Uma liberdade tamanha que Jesus não impunha resistências
em amar o próximo. Ele amava a todos incondicionalmente; os ho-
mens não lhe podiam fazer mal, pois estava firmemente apoiado em
31
Arca da Esperança
Deus.
Justamente essa comunhão com o Pai tornava a vida de Jesus
plena. A solidão não encontrou morada em Seu Coração. Ele não
estava só; o Pai estava com Ele!
Diante disso reflita:
1) Os meios de comunicação e as redes sociais lhe propor-
cionam o estabelecimento de relações nas quais você pode confiar
verdadeiramente e encontrar apoio nos momentos de dificuldade?
2) Santo Agostinho escreve: "Fizeste-nos para Ti e inquieto
está nosso coração, enquanto não repousa em Ti." Olhe para o seu
coração e perceba suas inquietações. Ele encontrou o repouso que
buscava? As distrações oferecidas pelos mais variados meios são
capazes de apaziguar essa inquietação? Ou são apenas meios para
distanciar-se de si mesmo, aumentando ainda mais a angústia e a
solidão?
Coloque-se diante de Jesus e apresente todas as situações em
que você se sente sozinho. Peça que assim como o Pai permanece
com Ele, que Ele também permaneça ao seu lado. Se preferir, faça
isso em seu diário.
Reze agora no Salmo 22(23). Faça das palavras do salmista a
sua oração, confiando que Jesus está ao seu lado. Ainda que pror-
rompam as tempestades, você nunca está sozinho.

20 DIAS NA ARCA –
O REINO DE DEUS SE CONSTRÓI NA AMIZADE

Vimos que a Boa Notícia consiste na presença de Deus em


nosso meio. O Reino de Deus está entre nós e se manifesta por Seu
amor derramado em nossas vidas.
Para conhecermos Seu amor, precisamos reconhecer que Ele
vem ao nosso encontro e nos ama. Para tanto, reflita no Evangelho
de João 15,9-17.
Jesus se apresenta como nosso amigo, numa amizade onde
32
Monges da Trindade
partilhamos as nossas confidências. Ele nos ouve e nos respeita.
Quando olhamos para Jesus, percebemos que a medida do
amor para Ele é a entrega total de sua vida por cada um de nós. Ele
nos traz a medida do amor com a qual devemos amar o próximo e a
nós mesmos. E essa medida é amar como Ele amou.
A respeito da medida com que devemos amar, a fundadora
do movimento focolares, Chiara Lubich, faz a seguinte reflexão:
"Precisamos dilatar o coração segundo a medida do Coração
de Jesus. Quanta labuta! Mas é a única necessária. Isso feito,
tudo feito. Trata-se de amar a cada um que de nós se achega,
como Deus o ama." ... "Nossa obra mais importante é manter
a castidade de Deus, ou seja, manter no coração o amor, amar
como Jesus ama. Portanto, para ser puro não é preciso tolher o
coração e nele reprimir o amor. É preciso dilata-lo segundo a
medida do Coração de Jesus e amar a todos. Como basta uma
hóstia santa entre os bilhões de hóstias na Terra para nos ali-
mentarmos de Deus, basta um irmão - aquele que a vontade de
Deus nos põe ao lado - para comungarmos com a humanidade,
que é Jesus místico. E comungar com o irmão é o segundo man-
damento, aquele que vem imediatamente após o amor a Deus
e como expressão dele"15.
1) Olhe para o seu coração: dentro dele você pode se colocar por
inteiro ou há partes do seu "eu" que não encontram espaço nele?
2) Quais são as situações em que o seu coração precisa ser dilata-
do para amar como o Coração de Jesus?
Só fazemos uma experiência autêntica do amor de Jesus, se
partilhamos com Ele nossas confidências. Uma relação onde fala-
mos o que há em nosso coração e ouvimos o que Ele tem a nos dizer.
Uma relação de intimidade, em que podemos encontrar
repouso: “Sem dúvida alguma, a amizade é um dom de Deus! Um
amigo fiel é refúgio seguro, quem o encontrou, encontrou um tesouro.
Amigo fiel não tem preço, nem é possível pagar seu valor” (Eclo 6,14-
15).
15 LUBICH, Chiara. Meditações. Ed. Cidade Nova.
33
Arca da Esperança
Coloque-se agora como o discípulo predileto (Jo 13,23) que
reclina sua cabeça no peito do Mestre para escutar Seu coração. Fale
de suas dificuldades em amar como Ele ama; fale também de sua
alegria em perceber que aos poucos você já tem dado passos no
amor por Ele, no amor por si mesmo e no amor pelo próximo. Peça
que Ele lhe ensine a amar como Ele ama.

21 DIAS NA ARCA –
O REINO DE DEUS SE ESTABELECE NA FIDELIDADE

Reflita no Evangelho de Lucas 22,24-30.


No relato bíblico, Jesus confia o Reino àqueles que permane-
ceram com Ele em suas provações.
Vivendo junto a Jesus, os discípulos fizeram a experiência de
uma nova vida a partir da prática do amor. Um amor que foi cons-
truído com a caminhada que fizeram junto do Mestre. O amor entre
eles não aconteceu de forma mágica, mas foi sendo construído a
partir da convivência.
O Reino de Deus se concretiza em nossas vidas a partir da fi-
delidade às pequenas coisas, dos pequenos gestos de amor que reali-
zamos dia após dia. A fim de ilustrar nossa reflexão, cabe mencionar
uma história contada por Madre Teresa de Calcutá:
"Nunca me esquecerei da primeira vez que fui a Bourke visitar
as Irmãs. Fomos à periferia de Bourke. Havia uma grande re-
serva onde todos os aborígenes viviam, em pequenas cabanas
construídas com folhas de latão, de papelão velho etc. Então
entrei em um desses pequenos cômodos... Disse ao homem que
ali vivia: 'Por favor, deixe-me arrumar sua cama, lavar a rou-
pa, limpar a casa.' E ele ficava dizendo: 'Eu estou bem, eu estou
bem.' Então eu lhe disse: 'Mas ficará ainda melhor se me deixar
fazer isso.' Por fim, me deixou... Descobri em um canto uma
grande lamparina toda suja e disse: 'Você não acende esta lam-
parina, tão bonita, não a acende?' Ele replicou: 'Para quem?

34
Monges da Trindade
Passam-se meses e meses e meses sem que ninguém venha aqui.
Para quem vou acendê-la?' E eu disse: 'Não a acenderia se as
Irmãs viessem aqui?' E ele disse: 'Sim'. Então as Irmãs come-
çaram a visita-lo, apenas 5 ou 10 minutos por dia, mas co-
meçaram a acender aquela lamparina... Costumavam passar
de manhã e vê-lo... Então, dois anos depois, ele mandou dizer:
'Digam a Madre, minha amiga, que a luz que ela acendeu na
minha vida continua brilhando.'"16
O Reino de Deus acontece com a nossa fidelidade às obras
humildes de amor e compaixão, que podem parecer insignificantes,
mas que na verdade são meios de irradiar o amor de Deus, ser "Sua
luz" a todas as pessoas que passam por nossas vidas.
Peça a Jesus que o/a sustente em sua vida, que o/a ajude a ser
fiel na vocação à qual Ele o/a destinou. Coloque diante Dele tudo
aquilo que lhe impede de ver frutificar na sua vida o Reino de Deus.
Peça que Jesus o auxilie a viver conforme o projeto de felicidade que
Ele tem para lhe dar.
Reze nesta oração do beato Charles de Foucauld:
"Ó Jesus, vós vos retirais em Nazaré, onde passais a infância, a ju-
ventude, até aos trinta anos. Por nós, por nosso amor, viveis ali... ali
permaneceis para nosso ensinamento! Durante esses trinta anos não
vos cansais de instruir-nos, não com palavras, mas com vosso silên-
cio, com vossos exemplos... Ensinais-nos sobretudo que podemos fa-
zer o bem aos homens, bem infinito, bem divino, sem palavras, sem
conversas, sem barulho, no silêncio, com o bom exemplo... exemplo
de piedade, dos deveres para com Deus, cumpridos amorosamente;
de bondade para com os homens, de ternura para com o próximo,
dos deveres familiares santamente desempenhados, em pobreza, tra-
balho, humilhações, recolhimento, retiro; exemplo de vida escondida
em Deus, vida de oração, de penitência, de retiro, abandonada e
imersa em Deus. Também nos ensinais a viver com o trabalho de
nossas mãos, para não sermos pesados a ninguém e podermos dar
alguma coisa aos pobres. A este gênero de vida conferis uma beleza
incomparável... a de vossa imitação!"
16 KOLODIEJCHUK, Brian. Venha, seja a Minha luz. Petra, p. 341.
35
Arca da Esperança
4ª SEMANA NA ARCA DA ESPERANÇA

OBJETIVO: A partir do chamado que Jesus nos faz para par-


ticiparmos do Reino de Deus que é de amor, vamos refletir na nossa
adesão ao Reino na vida cotidiana em meio aos desafios que ela nos
apresenta.

22 DIAS NA ARCA –
ADERIR AO REINO IMPLICA EM VIVER NA VERDADE

Hoje nosso momento de oração terá como norte o Evangelho


de João 18, 28-38.
"Disse-lhe, então, Pilatos: 'Portanto, tu és rei?' Jesus respondeu:
'Tu o dizes: eu sou rei! Para isto nasci e para isto vim ao mun-
do: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da ver-
dade ouve a minha voz.'"
Jesus nos mostra que a adesão ao Reino, isto é, à vida que Ele
quer nos dar, pode representar o enfrentamento de falsas ideias que
trazemos e que não representam a realidade.
Muitas vezes nossas convicções nos levam à confusão de
ideias, pensamentos e emoções, o que pode gerar tristeza e isola-
mento. Já a verdade nos coloca na realidade, apazigua o coração e
gera a alegria verdadeira. Todavia, podemos enfrentar certas resis-
tências interiores que nos impedem de abandonar essas falsas ideias
pela verdade.
Quando compreendemos Jesus, passamos a enxegar com
mais clareza, a ver em profundidade. Reconhecemos a realidade tal
como ela é diante de Deus. Mas também podemos evitar permane-
cer diante de Jesus - mesmo sabendo que Ele nos trás paz e vida -,
para não nos depararmos com a Verdade.
“Todo o ser humano deve buscar a verdade e optar por ela
quando a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sa-
crifícios”17.
17 Papa Bento XVI. Homilia na viagem apostólica ao México e à República de Cuba.
36
Monges da Trindade
Jesus não se fixa na própria vontade; Ele é fiel aos planos de
Deus, por isso abraça a verdade e a põe em prática.
"Disse-lhe Pilatos: 'Que é a verdade?'"
Para o papa Bento XVI, a verdade "é um anseio do ser huma-
no, e procura-la supõe sempre um exercício de liberdade autêntica.
Muitos, todavia, preferem os atalhos e procuram evitar essa tarefa"18.
Jesus faz Pilatos questionar a verdade. Ele, quando nos mos-
tra a realidade do amor, nos apresenta uma verdade que implica
em vários confrontos interiores, necessários para que haja mudança
em nossa vida. Através do diálogo entre Jesus e Pilatos, podemos
perceber que Pilatos resiste a essa mudança com a qual se depara.
Ele reconhece que não há culpa em Jesus, o que mostra que ele se
deparou com a verdade. No entanto, ele não adere a ela, ao “risco”
que ela trazia. Ele prefere a verdade pessoal que é seu egoísmo, as
"vantagens do mundo”, representadas pela busca de seus próprios
interesses, ambições e prestígio. Pilatos fica na comodidade da lei
deste mundo, que evita o esforço da caridade.
1) Jesus nos leva à verdade. Quando meditamos sobre as palavras
de Jesus, elas também retiram o véu com que encobrimos nossa reali-
dade pessoal porque não nos era agradável. Quais são os véus que en-
cobrem suas fragilidades? Por exemplo, a irritação constante nas di-
versas situações que podem encobrir o sentimento de tristeza, a crítica
e o julgamento, as atitudes que visam os elogios e o reconhecimento...?
2) Às vezes, escolhemos certos “atalhos” ou "comodidades” que
evitam o empenho do amor. Quando evitamos esse esforço, deixamos
de viver a verdadeira felicidade. Coloque-se no lugar de Pilatos e per-
ceba os momentos de sua vida em que Jesus lhe apresenta a verdade
do amor. Você realmente prefere essa verdade ou, como Pilatos, prefe-
re a busca pelos próprios interesses e ambições?
Quando eu me decido pela verdade, mesmo com minhas fra-
quezas e quedas, eu permaneço no Espírito de Jesus. Abraçar os pla-
Havana, 28 mar. 2012.
18 Papa Bento XVI. Homilia na viagem apostólica ao México e à República de Cuba.
Havana, 28 mar. 2012.
37
Arca da Esperança
nos de Deus para a nossa vida nos traz felicidade. Se desejar, escreva
em seu diário os propósitos que Deus tem inspirado em seu coração
e que fazem parte das decisões rumo ao amor por si mesmo e pelo
próximo e por Ele.

23 DIAS NA ARCA –
A ADESÃO AO REINO REQUER HUMILDADE

Nossa oração será inspirada pelo Evangelho de João 13, 1-16.


Lavar os pés dos hóspedes que chegavam de viagem pelas es-
tradas poeirentas fazia parte da hospitalidade. Essa tarefa normal-
mente era confiada a um escravo. O gesto tinha uma conotação de
humilhação tão forte que certos rabinos proibiam que escravos ju-
deus fossem obrigados a prestar esse serviço a seus patrões.
Ao lavar os pés dos discípulos, Jesus se coloca na condição de
servo. Ele, sendo Deus, assume uma postura humilde, mostrando
que se inclina até nós. Ele se põe ao lado dos discípulos pela amiza-
de e pelo convívio fraterno. Dessa atitude de se por ao lado do outro,
brota a intimidade.
Mas o que é intimidade? O conceito de intimidade pode va-
riar, a depender da ótica do sujeito. Mas intimidade nos remete a
relação muito próxima, familiaridade, amizade íntima, ambiente
onde se tem privacidade, tranquilidade, aconchego.
No lava pés, o gesto de Jesus nos dá o exemplo a ser seguido,
um gesto contrário à lógica do mundo. A lógica de Jesus é o amor. E
o amor é a base de toda relação de intimidade.
Isso está expresso no diálogo de Jesus com Pedro. Num pri-
meiro momento, Pedro não aceitou que o Senhor lhe lavasse os pés.
Esta inversão da ordem, isto é, que o mestre Jesus lavasse seus pés,
que o Senhor assumisse as funções do servo, contrastava totalmente
com o seu temor reverencial para com Jesus, para com o seu concei-
to de relação entre mestre e discípulo. "Nunca me lavarás os pés", diz
a Jesus com a sua habitual veemência (Jo 13, 8).
38
Monges da Trindade
O seu conceito de Messias incluía uma imagem de majestade,
de grandeza divina. Tinha que aprender sempre de novo que a gran-
deza de Deus é diferente da nossa ideia de grandeza; que ela consiste
precisamente em “descer”, na humildade do serviço, na radicalidade
do amor. Ele veio nos apresentar o que é o verdadeiro amor19.
1) Ao longo da vida, adotamos padrões de comportamento que
limitam nossa capacidade de relacionar. Jesus vai ao encontro de cada
um; Ele não tem medo de "sujar as mãos". Pense em tudo aquilo que
te afasta das outras pessoas e que te impede de "lavar-lhes os pés"
como, por exemplo, a seletividade que me faz escolher as pessoas com
quem eu quero me relacionar, a inveja que me impede de enxergar o
outro como verdadeiramente ele é...
2) Você consegue perceber essa nova dinâmica do amor que Jesus
traz para sua vida cotidiana? Por exemplo, um amor que é capaz de
te levar a se colocar aos pés do próximo e dizer “eu te amo” apesar das
diferenças. Um amor que diz "eu te amo" para si mesmo apesar dos
seus erros e “defeitos”. Peça a Jesus a coragem de se posicionar como
aquele que lava os pés do próximo, de si mesmo e de Jesus.
Muitas vezes, duvidamos do amor. Jesus se rebaixa aos nos-
sos pés para que percebamos que Ele está conosco, nos ama e nos
quer mostrar a verdade. Quando Jesus lava os pés, Ele quer nos lavar
das “sujeiras”, do “pó” que cobre os nossos pés, os nossos olhos e o
nosso coração. Essas sujeiras nos impedem de ver a verdadeira rea-
lidade: Jesus me ama apaixonadamente. Converse com Jesus sobre
essas “sujeiras” que te impede de enxergar a boa nova que Jesus veio
trazer: o amor e a vivência da verdadeira alegria.

24 DIAS NA ARCA:
ADERIR AO REINO IMPLICA EM SUPERAR AS DECEPÇÕES

Vamos refletir no Evangelho de João 13,21-30.36-38.


Em algum momento de nossas vidas, experimentamos a de-
cepção diante de uma situação em que nos sentimos enganados. As-
19 Papa Bento XVI. Santa Missa "in Coena Domini", 2007.
39
Arca da Esperança
sim como também nos aconteceu de termos magoado alguém.
Judas, por ganância, trai Jesus. A traição se dá por uma que-
bra, um rompimento inesperado, não anunciado, onde me vejo
abandonado por alguém que “prometeu” estar ao meu lado, per-
manecer comigo. Isso gera consequências para quem engana e para
quem é enganado; envolve sofrimento e tem como resultado um
estado de desconfiança permanente naquele que foi ferido.
Jesus nos convida a percebermos que todas essas decepções
nos levam a afastarmos Dele, das pessoas e de nós mesmos.
1) Quais são suas infidelidades? Você se considera fiel a si mes-
mo? Ou o medo de desagradar o leva a abandonar seus valores e o
respeito por si mesmo?
2) O abandono, a traição, a decepção, as dores pelas quais passa-
mos podem fazer com que nos fechemos por medo do fracasso. Quais
esperanças você cultivava e que foram abandonadas diante das desi-
lusões experimentadas?
Converse com Jesus sobre sua vida, fale sobre o que há em
seu coração. Ele acolhe um coração traído e sabe acolher um co-
ração que se sente culpado por trair. Fale com Ele sobre seus sofri-
mentos, decepções e afastamentos. Fale também sobre suas infideli-
dades, suas culpas, seus pecados e fraquezas, coisas que talvez você
nunca tenha dito a ninguém! Reflita sobre o olhar de Jesus para com
Judas. Como Jesus olha para Judas? Mesmo diante da dor, Jesus per-
manece amando Judas.
Permanecer no amor diante de uma decepção pode se tornar
algo muito difícil. O que nos capacita, nos fortalece, nos torna aptos
para vivermos essa meta é o olhar amoroso de Jesus sobre nós. Ele
nos olha e nos ama mesmo em nossas infidelidades. Ele permanece
conosco diante dos nossos pecados. E a Sua fidelidade no amor nos
dá a garantia de que conseguimos superar nossas quedas para con-
tinuarmos a amar.
Sendo assim, perceba-se olhado por Jesus, perceba como Ele
olha para você com amor, carinho e acolhida. Ele acolhe você agora,

40
Monges da Trindade
não se importando com mais nada. Ele te olha com imenso amor
e recebe suas feridas, causadas pelo sofrimento da decepção ou da
culpa.
Por fim, suplique a graça de continuar amando mesmo na
dor, mesmo diante das decepções sofridas. Peça que Jesus lhe ensine
a amar como Ele amou, peça que Ele lhe conceda a graça de crescer
na prática, na vivência do amor.

25 DIAS NA ARCA – ADERIR AO REINO IMPLICA EM


LEVANTAR-SE DIANTE DAS QUEDAS

Reze no Evangelho de João 18,14-17.25-27.


Meditamos sobre a traição de Judas. Hoje vamos refletir na
negação de Pedro.
Para Judas, sua traição acarretou em morte. Ele reconhece
seu erro, mas se isola, se fecha, não vê esperança e cai na tristeza; ele
só enxerga para si o fim, a morte (Mt 27,5).
Pedro nega Jesus no momento mais crucial. Mas, para Pedro,
o erro produz um fruto diferente. Em Pedro o erro gera arrependi-
mento, coragem, recomeço.
Essa é a lição que devemos aprender de Pedro: crescer com
nossos erros, suportar pacientemente nossas falhas, amadurecer
com nossos fracassos.
Judas cai na vergonha que esmaga aquele que erra. A vergo-
nha não tem a função de levantar o pecador caído, antes alimenta o
remorso, que pesa ainda mais a vida e não é capaz de devolver a paz.
Remorso e vergonha estão ligados em Judas e não foram capazes de
fazer surgir nele o arrependimento que vemos em Pedro. Arrepen-
dimento que poderia tê-lo salvo do desespero, da culpa, da ausência
de esperança que o levou ao suicídio.
Pedro cai no arrependimento que lhe dá a coragem para vol-
tar, a força para recomeçar de onde havia parado, a humildade para
poder levantar-se de onde estava caído.
41
Arca da Esperança
“E voltando-se, o Senhor olhou fixamente para Pedro, e Pedro
relembrou a palavra do Senhor, que lhe tinha dito: Antes de um
galo cantar hoje, tu me negarás três vezes. E saindo dali come-
çou a chorar amargamente” (Lc 22,61-62).
"Pedro saiu e chorou amargamente”. Como Judas, ele saiu de
cena e ficou só. Pedro teve a força e a humildade necessárias para
se arrepender e não cair no desespero. Essa força provinha do olhar
de Jesus. O Senhor olhou para Ele com amor, da mesma forma que
olha para nós em nossas faltas, e lhe deu nova esperança.
Enquanto Judas fixou o olhar sobre si, Pedro fixou os olhos
no Mestre.
1) “O Senhor voltou-se e olhou para Pedro”; o Senhor voltou-se e
olhou para mim... Sinta-se agora olhado por Jesus, conte a Ele tudo o
que se passa em seu coração. Volte-se para Jesus e permita que o olhar
Dele gere em você todas as graças que você reconhece que necessita a
partir da oração de hoje.
2) Diante de seus erros, suas traições, suas quedas, como você se
comporta? Você é capaz de humildemente voltar para o Senhor; ou
se isola, se fecha, com vergonha de olhar para Deus, para os outros e
para si?
Termine sua oração agradecendo a Jesus por tudo o que Ele
lhe disse, lhe mostrou, e peça que Ele lhe dê a força para colocar em
prática tudo o que foi meditado neste momento de oração.

26 DIAS NA ARCA – A ADESÃO AO REINO IMPLICA


EM SOLIDARIEDADE

Vamos rezar no Evangelho de Lc 23,26.


Simão de Cirene cruza com aquele triste cortejo, ocasião em
que os soldados colocam a cruz às costas dele. Que aborrecimen-
to não deverá ter sentido ao ver-se inesperadamente envolvido no
destino daquele Condenado! Do encontro involuntário, brotou a fé.
Acompanhando Jesus e compartilhando o peso da cruz, o Cirineu
42
Monges da Trindade
compreendeu que era uma graça poder caminhar juntamente com
este Crucificado e ajuda-Lo. O mistério de Jesus que sofre calado
tocou-lhe o coração. Jesus, cujo amor divino era o único que podia,
e pode, redimir a humanidade inteira, quer que compartilhemos a
sua cruz para completar o que ainda falta aos seus sofrimentos (Col
1,24).
Reflita agora na meditação feita pelo Papa Francisco:
"Confiemos em Jesus, abandonemo-nos totalmente a Ele! Só
em Cristo morto e ressuscitado encontramos salvação e reden-
ção. Com Ele, o mal, o sofrimento e a morte não têm a última
palavra, porque Ele nos dá a esperança e a vida: transformou a
cruz, de instrumento de ódio, de derrota, de morte, em sinal de
amor, de vitória e de vida.
O primeiro nome dado ao Brasil foi justamente o de “Terra de
Santa Cruz”. A cruz de Cristo foi plantada não só na praia, há
mais de cinco séculos, mas também na história, no coração e
na vida do povo brasileiro e não só: o cristo sofredor, sentimo-
-lo próximo, como um de nós que compartilha o nosso caminho
até o final. Não há cruz, pequena ou grande, da nossa vida que
o Senhor não venha compartilhar conosco.
Tantos rostos acompanharam Jesus no seu caminho até a Cruz:
Pilatos, o Cirineu, Maria, as mulheres… Também nós diante
dos demais podemos ser como Pilatos que não teve a coragem
de ir contra a "corrente" para salvar a vida de Jesus, lavando-se
as mãos. Queridos amigos, a cruz de Cristo nos ensina a ser
como o Cirineu, que ajuda Jesus levar aquele madeiro pesado,
como Maria e as outras mulheres, que não tiveram medo de
acompanhar Jesus até o final, com amor, com ternura. E você
como é? Como Pilatos, como o Cirineu, como Maria?"20
Sempre que, bondosamente, vamos ao encontro de alguém
que sofre, partilhando o seu sofrimento, ajudamos a levar a própria
cruz de Jesus. E assim obtemos salvação, e nós mesmos podemos
contribuir para a salvação do mundo.
20 Papa Francisco. Via Sacra rezada na Praia de Copacabana. 26 jul. 2013.
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Arca da Esperança
27 DIAS NA ARCA –
O REINO DE DEUS PREVALECE AO SOFRIMENTO
Vamos rezar no Evangelho de João 20, 1-18.
Maria Madalena conheceu o “Reino de Deus” porque ela fez
a experiência do amor de Jesus. Ela conviveu com Ele, recebeu Dele
o perdão, o acolhimento, o convívio, o abraço amigo. Madalena foi
seguidora de Jesus e estava aos pés da Cruz juntamente com Maria,
mãe de Jesus, Maria de Cléofas e o discípulo João. Percebemos que
ela o amava e por Ele permaneceu aos pés da Cruz, indo até as últi-
mas consequências.
Madalena espera durante todo o sábado para ir em direção
ao Amado. Ela sofre a perda e está inconformada por não ter mais
a presença do seu Mestre. Ela se levanta na madrugada e vai ao en-
contro Dele. Ela expressa o anseio contido no Salmo 63(62),2-5.
Ansiosa por querer ainda permanecer com Jesus, a não aceitação da
perda, as muitas lembranças Daquele que a amou, a angústia, tudo
isso foram impulsos para ir até o sepulcro de Jesus.
Através do Evangelho, percebemos que Madalena se deixa
“cegar” pela dor, pelo sofrimento. Ela não percebe a presença de
anjos e nem do próprio Jesus, ela está inconformada pela perda de
quem tanto amava.
Quando olhamos para Jesus, vemos que Ele foi experimen-
tado no sofrimento. Não procurou se esquivar ao sofrimento dos
homens, mas expôs-se a suas enfermidades e misérias. Não se es-
quivou ao seu próprio sofrimento, mas também não o procurou.
Ele nos mostra que o verdadeiro caminho consiste em atravessar o
sofrimento. Nas palavras de Carl Gustav Jung: "O sofrimento preci-
sa ser superado, e só é superado aquilo que é suportado."21
1) Como Madalena, muitas vezes não enxergamos a presença de
Jesus nas situações de sofrimentos e caímos no desespero. Deixamo-
-nos envolver pela inquietação e não ouvimos Sua voz. Não percebe-
mos os sinais de Jesus que quer nos mostrar que não estamos sozinhos.
Reflita nas situações de sua vida em que você se deixa envolver pelos
21 JUNG, Carl Gustav. Cartas. Vozes, Petrópolis, 2001, v. 1.
44
Monges da Trindade
sofrimentos e se esquece da presença de Jesus que sabe de tudo e cuida
de você.
2) É possível experimentar a verdadeira alegria na simplicidade
do nosso dia a dia? Em certas fases da vida ficamos como que “em-
briagados” por uma constante tristeza e podemos nos acostumar em
sermos tristes. Como você pode promover a morte da tristeza para que
nasça a alegria verdadeira que tanto deseja? Como tem enfrentado os
sofrimentos da vida? Tem exagerado em relação a alguns sofrimentos
e sendo indiferente a outros? Reflita sobre essas questões na presença
amorosa de Jesus.
Para encerrar sua oração, medite nas palavras do Salmo
63(62).

28 DIAS NA ARCA –
A ADESÃO AO REINO FAZ BROTAR A ESPERANÇA

Hoje continuaremos nossa reflexão em torno do Evangelho


de João 20, 1-18.
Segundo o Papa Francisco:
“O fluxo do mundo muitas vezes nos leva a tolerar uma per-
manência da tristeza na nossa alma, a permanecer nessa tris-
teza e deixa-la camuflada”.
Jesus não se adapta a esse fluxo, Ele nada contra a correnteza,
Ele não tolera que vivamos na tristeza. Jesus não é indiferente, não
quer a morte do nosso desejo de viver, muito menos a nossa auto-
destruição. Ele quer a nossa transformação, Ele sonha com a trans-
formação do mundo. No Evangelho, notamos que Ele não só quer
a transformação, mas Ele a realiza na Ressurreição. Que belo! Um
Deus que se fez homem, vai até a cruz, morre sofrendo o martírio e
a humilhação, e depois ressuscita. E na ressurreição, Ele pronuncia
o nome de Maria, indicando a forma tão pessoal e íntima que se dá
o encontro entre Jesus e o ser humano.

45
Arca da Esperança
Maria Madalena é instigada a deixar a tristeza e abraçar a
verdadeira alegria. Ela reconhece seu Mestre, não vai ter mais a sua
presença física, pois Ele vai para o Pai e deixará seu Espírito. No en-
tanto, ela sabe que fez a experiência do amor, e isto ninguém pode
lhe tirar.
Madalena se decide pela alegria da presença de Jesus. É uma
alegria que não depende de sentimentos e emoções. É uma escolha,
é uma decisão. De agora em diante, ela não tem motivo para se de-
sesperar, pois sabe que Ele, por meio de seu Espírito, está perto e a
acompanha. Aí nasce a esperança mais profunda e causa de nossa
alegria.
1) Jesus não se entrega à tristeza porque Ele sabe que a esperança
é possível, mesmo que seja preciso passar pela morte. Ele quer nos dar
o exemplo e a certeza de que, nos momentos mais difíceis, de maior
sofrimento, Ele pronuncia o nosso nome (Is 43,1) e com a ternura de
sempre, nos acolhe e nos alegra. Converse com Jesus sobre as inúmeras
vezes que você se entrega à tristeza, simplesmente por não confiar na
presença Dele.
2) Nos versículos 17-18, Jesus apresenta a Madalena o sentido
maior de sua vida. Ele lhe apresenta Deus como Pai, e pede que ela
transmita essa mensagem aos outros. Você escuta Jesus falar no seu
íntimo qual o sentido e qual rumo deve tomar na sua vida?
Todos nós já enfrentamos pequenos e grandes desafios na
vida. E quando não desistimos, acreditando na força de Jesus que
está ao nosso lado, experimentamos uma alegria verdadeira, con-
seguimos nos superar. E como é bom partilhar essa alegria. Reflita
agora nos desafios que você já venceu na vida e que te deram tanta
alegria. Pode ser um filho que você cuidou tanto, um novo emprego,
um curso que tanto lutou para conquistar, um amigo ou um novo
relacionamento que foi difícil, mas que deu tão certo. Partilhe sobre
essas conquistas e vitórias para que você inspire esperança no cora-
ção de seus amigos na Arca.

46
Monges da Trindade
Concluindo esta semana, reflita nessa oração de Orígenes:

"Jesus, vinde, tenho os pés imundos. Fazei-vos servo meu. Der-


ramai água na bacia; vinde, lavai-me os pés. Bem o sei, teme-
rário é o que vos digo, mas temo a ameaça de vossas palavras:
'Se não te lavar os pés, não terás parte comigo.' Lavai-me, por-
tanto, os pés para que tenha parte convosco. Mas, que digo,
lavai-me os pés? Pôde dizê-lo Pedro que necessitava de lavar
só os pés, porque estava todo limpo. Eu, ao contrário, uma vez
lavado, preciso daquele batismo do qual vós, ó Senhor, dizeis:
'Quanto a mim, com outro batismo devo ser batizado.'"

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Arca da Esperança

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