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Do patológico ao estrutural.
Neurose
Termo proposto em 1769 pelo médico escocês William Cullen (1710-1790) para definir
as doenças nervosas que acarretavam distúrbios da personalidade. Foi popularizado
na França por Philippe Pinel (1745-1826) em 1785. Retomado como conceito por
Sigmund Freud a partir de 1893, o termo é empregado para designar uma doença
nervosa cujos sintomas simbolizam um conflito psíquico recalcado, de origem infantil.
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Dicionário de psicanálise/Elisabeth Roudinesco, Michel Plon; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães;
supervisão da edição brasileira Marco Antonio Coutinho Jorge. — Rio de Janeiro: Zahar, 1998. Disponível
em:https://monoskop.org/images/c/c9/Roudinesco_Elisabeth_Plon_Michel_Dicionario_de_psicanalise_1
998.pdf
Após seu encontro com Charcot, Freud também começou a definir a histeria como
uma neurose, porém numa perspectiva inteiramente diversa da de Janet. Ele desvinculou
definitiva- mente a histeria da presunção uterina, associando-lhe uma etiologia sexual e
um enraizamento no inconsciente. A partir daí e após a publicação dos Estudos sobre a
histeria, em 1895, a histeria no sentido freudiano tornou-se o protótipo, para o discurso
psicanalítico, da neurose como tal. Esta passou desde então a ser definida como uma
doença nervosa na qual, antes de mais nada, um trauma intervinha. Daí a idéia, defendida
por Freud, de que os pacientes afetados pela neurose histérica, em geral mulheres, teriam
sofrido sevícias sexuais reais em sua infância. Mais tarde, depois do abandono dessa
chamada teoria da sedução, em 1897, a neurose tornou-se uma afecção ligada a um
conflito psíquico inconsciente, de origem infantil e dotado de uma causa sexual. Ela
resulta de um mecanismo de defesa contra a angústia e de uma formação de compromisso
entre essa defesa e a possível realização de um desejo.
Entre 1914 e 1924, Freud conservou a definição clássica que dera à neurose nos
primórdios de suas descobertas e de suas experiências clínicas. Todavia, após os grandes
debates com Carl Gustav Jung e Eugen Bleuler sobre a dissociação, o auto-erotismo e o
narcisismo, e depois, com a entrada em cena da segunda tópica, organizada em torno da
trilogia composta pelo eu, isso e supereu, Freud deu uma organização estrutural ao par
formado pela neurose e pela psicose, às quais acrescentou a perversão.
Termo introduzido em 1845 pelo psiquiatra austríaco Ernst von Feuchtersleben (1806-
1849) para substituir o vocábulo loucura e definir os doentes da alma numa perspectiva
psiquiátrica. As psicoses opuseram-se, portanto, às neuroses, consideradas como
doenças mentais da alçada da medicina, da neurologia e, mais tarde, da psicoterapia.
Por extensão, o termo psicose designou inicialmente o conjunto das chamadas doenças
mentais, fossem elas orgânicas (como a paralisia geral) ou mais especificamente
mentais, restringindo-se depois às três grandes formas modernas da loucura:
esquizofrenia, paranóia e psicose maníaco- depressiva. A palavra surgiu na França em
1869. Retomado por Sigmund Freud como um conceito a partir de 1894, o termo foi
primeiramente empregado para designar a reconstrução inconsciente, por parte do
sujeito, de uma realidade delirante ou alucinatória. Em seguida, inscreveu- se no
interior de uma estrutura tripartite, na qual se diferencia da neurose, por um lado, e
da perversão, por outro.
Freud soube desde cedo que sua doutrina do inconsciente conquistaria o que ele
chamava de “terra prometida da psiquiatria”, trazendo uma nova visão da loucura e da
organização das doenças mentais. É na correspondência de Freud com Jung que melhor
se apreende a maneira como foi elaborada a doutrina freudiana da psicose, entre 1909 e
1911. Opondo-se a Eugen Bleuler, Freud escolheu a terminologia de Kraepelin, adotando
a idéia de uma dissociação da consciência (à qual denominaria clivagem do eu), mas
privilegiando o conceito de paranóia, em oposição à noção de esquizofrenia. A partir daí,
ele fez da paranóia uma espécie de modelo estrutural da psicose em geral, assim como
fizera da histeria o protótipo da neurose no sentido psicanalítico. Em 1911, no momento
em que Bleuler publicava sua grande obra, Dementia praecox, Freud lançou suas “Notas
psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Dementia
paranoides)”. Pois bem, nesse estudo, ele enunciou uma teoria quase completa do
mecanismo do conhecimento paranóico, que lhe serviu para definir a psicose como um
distúrbio entre o eu e o mundo externo. Em seguida, no contexto de sua segunda tópica e
havendo elaborado uma nova teoria do narcisismo, Freud inscreveu a psicose numa
estrutura tripartite, opondo-a à neurose, de um lado, e à perversão, de outro. Ela foi então
definida como a reconstrução de uma realidade alucinatória na qual o sujeito fica
unicamente voltado para si mesmo, numa situação sexual auto-erótica: toma literalmente
o próprio corpo (ou parte deste) como objeto de amor (sem alteridade possível). Ao lado
da psicose, a neurose surge como o resultado de um conflito intrapsíquico, enquanto a
perversão se apresenta como uma renegação da castração.
Perversão
Foi a Jacques Lacan e a seus discípulos franceses (Jean Clavreul, François Perrier,
Piera Aulagnier, Wladimir Granoff e Guy Ro- solato) que coube o mérito, único na
história de freudismo, de finalmente retirar a perversão do campo do desvio, para fazer
dela uma verdadeira estrutura. Amigo de Georges Bataille (1897- 1962), grande leitor de
Sade, de Henry Have- lock Ellis, da poesia erótica e da filosofia platônica, Lacan foi
muito mais sensível do que Freud, os freudianos e os kleinianos à questão do Eros, da
libertinagem e, acima de tudo, da natureza homossexual, bissexual, fetichista, narcísica e
polimorfa do amor. Ele mesmo um libertino, preferia pensar que somente os perversos
sabem falar da perversão. Daí o priviléio que conferiu desde o início a duas noções — o
desejo e o gozo —, para fazer da perversão um grande componente do funcionamento
psíquico do homem em geral, uma espécie de provocação ou desafio permanente à lei. A
fórmula disso foi fornecida em 1962 num artigo célebre, “Kant com Sade”, destinado a
servir de apresentação a dois livros de Sade, Justine ou os infortúnios da virtude e A
filosofia na alcova. Lacan fez do mal, no sentido sadiano, um equivalente do bem no
sentido kantiano, para mostrar que a estrutura perversa se caracteriza pela vontade do
sujeito de se transformar num objeto de gozo oferecido a Deus, tanto ridicularizando a lei
quanto por um desejo inconsciente de se anular no mal absoluto e na auto-aniquilação.
A questão da castração: