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As Estruturas psíquicas: Neurose, Psicose e Perversão1

Do patológico ao estrutural.

Para Freud em O eu e o isso, o sistema Pc-Cs é objeto de um novo exame, ligado


à destruição da assimilação, ainda em vigor até esse momento, entre o eu e a consciência.
Essa identidade levava a que se concebesse a neurose como o produto de um conflito
entre o consciente e o inconsciente

Inicialmente elaborada no contexto da etiologia da histeria, a ideia de defesa


adquiriu para Freud um papel discriminador entre as diversas afecções neuróticas,
sobretudo no artigo de 1896 intitulado “Observações adicionais sobre as neuropsicoses
de defesa”. O mecanismo de defesa passou, desse modo, a assumir a forma de conversão
na neurose histérica, a de substituição na neurose obsessiva e, por fim, a de projeção na
paranoia. Sob esses diversos aspectos, ligados à especificidade da entidade patológica, a
defesa visa a um mesmo objetivo: separar, quando essa operação não mais pode efetuar-
se diretamente por meio da ab-reação, a representação perturbadora do afeto que lhe
esteve originalmente ligado.

Ao mesmo tempo, já não era possível definir a neurose como o resultado de um


conflito entre o consciente e o inconsciente. No decorrer dos anos, a psicanálise e seus
representantes passaram a rever o limite entre o patológico e o estrutural. A neurose, como
a histeria não seriam mais vistas como uma doença, senão como uma resposta de defesa
à castração (uma proibição simbólica) que constituiria o indivíduo psiquicamente.

Neurose

al. Neurose; esp. neurosis; fr. névrose; ing. neurosis

Termo proposto em 1769 pelo médico escocês William Cullen (1710-1790) para definir
as doenças nervosas que acarretavam distúrbios da personalidade. Foi popularizado
na França por Philippe Pinel (1745-1826) em 1785. Retomado como conceito por
Sigmund Freud a partir de 1893, o termo é empregado para designar uma doença
nervosa cujos sintomas simbolizam um conflito psíquico recalcado, de origem infantil.

Com o desenvolvimento da psicanálise, o conceito evoluiu, até finalmente encontrar


lugar no interior de uma estrutura tripartite, ao lado da psicose e da perversão.

Em consequência disso, do ponto de vista freudiano, classificam-se no registro da


neurose a histeria e a neurose obsessiva, às quais é preciso acrescentar a neurose atual,
que abrange a neurose de angústia e a neurastenia*, e a psiconeurose, que abarca a
neurose de transferência e a neurose narcísica.

1
Dicionário de psicanálise/Elisabeth Roudinesco, Michel Plon; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães;
supervisão da edição brasileira Marco Antonio Coutinho Jorge. — Rio de Janeiro: Zahar, 1998. Disponível
em:https://monoskop.org/images/c/c9/Roudinesco_Elisabeth_Plon_Michel_Dicionario_de_psicanalise_1
998.pdf
Após seu encontro com Charcot, Freud também começou a definir a histeria como
uma neurose, porém numa perspectiva inteiramente diversa da de Janet. Ele desvinculou
definitiva- mente a histeria da presunção uterina, associando-lhe uma etiologia sexual e
um enraizamento no inconsciente. A partir daí e após a publicação dos Estudos sobre a
histeria, em 1895, a histeria no sentido freudiano tornou-se o protótipo, para o discurso
psicanalítico, da neurose como tal. Esta passou desde então a ser definida como uma
doença nervosa na qual, antes de mais nada, um trauma intervinha. Daí a idéia, defendida
por Freud, de que os pacientes afetados pela neurose histérica, em geral mulheres, teriam
sofrido sevícias sexuais reais em sua infância. Mais tarde, depois do abandono dessa
chamada teoria da sedução, em 1897, a neurose tornou-se uma afecção ligada a um
conflito psíquico inconsciente, de origem infantil e dotado de uma causa sexual. Ela
resulta de um mecanismo de defesa contra a angústia e de uma formação de compromisso
entre essa defesa e a possível realização de um desejo.

Entre 1914 e 1924, Freud conservou a definição clássica que dera à neurose nos
primórdios de suas descobertas e de suas experiências clínicas. Todavia, após os grandes
debates com Carl Gustav Jung e Eugen Bleuler sobre a dissociação, o auto-erotismo e o
narcisismo, e depois, com a entrada em cena da segunda tópica, organizada em torno da
trilogia composta pelo eu, isso e supereu, Freud deu uma organização estrutural ao par
formado pela neurose e pela psicose, às quais acrescentou a perversão.

Partindo da distinção entre o narcisismo primário, no qual o sujeito investe a libido


por ela mesma, e o narcisismo secundário, onde há uma retirada da libido para as
fantasias, Freud passou a definir a oposição entre neurose e psicose como o resultado de
duas atitudes provenientes de uma clivagem do eu. Na neurose, há um conflito entre o eu
e o isso e a coabitação de uma atitude que contraria a exigência pulsional com outra que
leva em conta a realidade, ao passo que, na psicose, há uma perturbação entre o eu e o
mundo externo, que se traduz na produção de uma realidade delirante e alucinatória (a
loucura).

Na melancolia e na neurose obsessiva, o sentimento de culpa persiste e


corresponde ao que chamamos “consciência moral”. Em ambos os casos, o ideal do eu
investe contra o eu com rara ferocidade, mas as formas dessa severidade e as respostas
do eu são diferentes. Na neurose obsessiva, o paciente recusa sua culpa e pede ajuda.
Confrontado com uma aliança entre o supereu e o isso, desconhece as razões da repressão
de que é vítima. Na melancolia, o eu se reconhece culpado e podemos formular a hipótese
de que o objeto da culpa já está no eu, como produto da identificação.

Em outros casos, como na neurose histérica, por exemplo, o sentimento de culpa


é totalmente inconsciente. Posto em perigo por percepções dolorosas, provenientes do
supereu, o eu, contrariando seu senhor, serve-se então do recalque, quando de praxe
coloca esse recalque a serviço dele.

Freud completou esse edifício estrutural introduzindo nele um terceiro elemento:


a perversão. Após ter feito da neurose, em 1905, nos Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade, o “negativo da perversão”, ele caracterizou esta última como uma
manifestação bruta e não recalcada da sexualidade infantil (perversa polimorfa). Nessa
perspectiva, os três termos acabariam sendo reunidos: a neurose como resultado de um
conflito com recalque, a psicose como reconstrução de uma realidade alucinatória, e a
perversão como renegação da castração, com uma fixação na sexualidade infantil.
Psicose

al. Psychose; esp. psicosis; fr. psychose; ing. psy- chosis

Termo introduzido em 1845 pelo psiquiatra austríaco Ernst von Feuchtersleben (1806-
1849) para substituir o vocábulo loucura e definir os doentes da alma numa perspectiva
psiquiátrica. As psicoses opuseram-se, portanto, às neuroses, consideradas como
doenças mentais da alçada da medicina, da neurologia e, mais tarde, da psicoterapia.
Por extensão, o termo psicose designou inicialmente o conjunto das chamadas doenças
mentais, fossem elas orgânicas (como a paralisia geral) ou mais especificamente
mentais, restringindo-se depois às três grandes formas modernas da loucura:
esquizofrenia, paranóia e psicose maníaco- depressiva. A palavra surgiu na França em
1869. Retomado por Sigmund Freud como um conceito a partir de 1894, o termo foi
primeiramente empregado para designar a reconstrução inconsciente, por parte do
sujeito, de uma realidade delirante ou alucinatória. Em seguida, inscreveu- se no
interior de uma estrutura tripartite, na qual se diferencia da neurose, por um lado, e
da perversão, por outro.

Se o conceito de neurose é parte integrante do vocabulário da psicanálise, o da


psicose aparece, a princípio, como um anexo proveniente do saber psiquiátrico e
adequado a uma medicina manicomial, pautada numa concepção do sujeito que se
organiza em torno da idéia de alienação e perda da razão.

Freud soube desde cedo que sua doutrina do inconsciente conquistaria o que ele
chamava de “terra prometida da psiquiatria”, trazendo uma nova visão da loucura e da
organização das doenças mentais. É na correspondência de Freud com Jung que melhor
se apreende a maneira como foi elaborada a doutrina freudiana da psicose, entre 1909 e
1911. Opondo-se a Eugen Bleuler, Freud escolheu a terminologia de Kraepelin, adotando
a idéia de uma dissociação da consciência (à qual denominaria clivagem do eu), mas
privilegiando o conceito de paranóia, em oposição à noção de esquizofrenia. A partir daí,
ele fez da paranóia uma espécie de modelo estrutural da psicose em geral, assim como
fizera da histeria o protótipo da neurose no sentido psicanalítico. Em 1911, no momento
em que Bleuler publicava sua grande obra, Dementia praecox, Freud lançou suas “Notas
psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Dementia
paranoides)”. Pois bem, nesse estudo, ele enunciou uma teoria quase completa do
mecanismo do conhecimento paranóico, que lhe serviu para definir a psicose como um
distúrbio entre o eu e o mundo externo. Em seguida, no contexto de sua segunda tópica e
havendo elaborado uma nova teoria do narcisismo, Freud inscreveu a psicose numa
estrutura tripartite, opondo-a à neurose, de um lado, e à perversão, de outro. Ela foi então
definida como a reconstrução de uma realidade alucinatória na qual o sujeito fica
unicamente voltado para si mesmo, numa situação sexual auto-erótica: toma literalmente
o próprio corpo (ou parte deste) como objeto de amor (sem alteridade possível). Ao lado
da psicose, a neurose surge como o resultado de um conflito intrapsíquico, enquanto a
perversão se apresenta como uma renegação da castração.

Perversão

al. Perversion; esp. perversión; fr. perversion; ing. perversion

Termo derivado do latim pervertere (perverter), em- pregado em psiquiatria e pelos


fundadores da sexologia para designar, ora de maneira pejorati- va, ora valorizando-
as, as práticas sexuais consideradas como desvios em relação a uma norma social e
sexual.

Se o conceito de neurose pertence propriamente ao domínio de eleição da


psicanálise, e se o de psicose participa da origem da história da nosologia psiquiátrica, o
termo perversão abrange um campo muito mais amplo, na medida em que os
comportamentos, as práticas e até as fantasias que ele engloba só podem ser apreendidos
em relação a uma norma social que, por sua vez, induz a uma norma jurídica.

A classificação das perversões (no plural) pertence, tradicionalmente, ao campo


da psiquiatria e da sexologia, enquanto a psicanálise faz questão de dar uma definição
estrutural ao conceito de perversão (no singular). Em Freud, todavia, as coisas não são
tão simples. Como atesta sua obra inaugural de 1905, os Três en- saios sobre a teoria da
sexualidade, ele prefere empregar o termo no plural (as perversões sexuais) e fala com
mais freqüência de inversões do que de perversões. Sua terminologia sofreria,
posteriormente, numerosas inflexões, no sentido de uma interpretação mais estrutural
dessa idéia.

Foi sempre em referência a um processo de negatividade e numa relação dialética


com a neurose que Freud definiu a perversão. Com efeito, de início, numa carta a Wilhelm
Fliess de 24 de janeiro de 1897 e, em seguida, nos Três ensaios, ele fez da neurose “o
negativo da perversão”. Com isso sublinhou o caráter selvagem, bárbaro, polimorfo e
pulsional da sexualidade perversa: uma sexualidade infantil em estado bruto, cuja libido
se restringe à pulsão parcial. Ao contrário da sexualidade dos neuróticos, essa sexualidade
perversa não conhece nem a proibição do incesto, nem o recalque, nem a sublimação.

A implantação da psicanálise nos grandes países ocidentais teve como


conseqüência, efetivamente, desalienar os perversos e afastar a homossexualidade como
tal do campo das perversões sexuais. O aparecimento do termo parafilia no DSM III
restringiu o campo das anomalias e desvios a práticas sexuais coercitivas e fetichistas,
baseadas na ausência de qualquer parceiro humano livre e anuente. Assim, fez-se sentir a
necessidade de a própria psicanálise abandonar qualquer forma de terapia “normali-
zadora”, em prol de uma clínica do desejo capaz de compreender as orientações sexuais
de sujeitos cujas práticas libidinais já não eram todas punidas por lei, nem vividas como
um pecado, nem tampouco concebidas como um desvio em relação a uma norma.

Foi a Jacques Lacan e a seus discípulos franceses (Jean Clavreul, François Perrier,
Piera Aulagnier, Wladimir Granoff e Guy Ro- solato) que coube o mérito, único na
história de freudismo, de finalmente retirar a perversão do campo do desvio, para fazer
dela uma verdadeira estrutura. Amigo de Georges Bataille (1897- 1962), grande leitor de
Sade, de Henry Have- lock Ellis, da poesia erótica e da filosofia platônica, Lacan foi
muito mais sensível do que Freud, os freudianos e os kleinianos à questão do Eros, da
libertinagem e, acima de tudo, da natureza homossexual, bissexual, fetichista, narcísica e
polimorfa do amor. Ele mesmo um libertino, preferia pensar que somente os perversos
sabem falar da perversão. Daí o priviléio que conferiu desde o início a duas noções — o
desejo e o gozo —, para fazer da perversão um grande componente do funcionamento
psíquico do homem em geral, uma espécie de provocação ou desafio permanente à lei. A
fórmula disso foi fornecida em 1962 num artigo célebre, “Kant com Sade”, destinado a
servir de apresentação a dois livros de Sade, Justine ou os infortúnios da virtude e A
filosofia na alcova. Lacan fez do mal, no sentido sadiano, um equivalente do bem no
sentido kantiano, para mostrar que a estrutura perversa se caracteriza pela vontade do
sujeito de se transformar num objeto de gozo oferecido a Deus, tanto ridicularizando a lei
quanto por um desejo inconsciente de se anular no mal absoluto e na auto-aniquilação.

A questão da castração:

Assim podemos obter como base os conceitos de neurose, psicose e perversão e


deslocá-las de um campo da patologia para uma ordem estrutural. As esruturas psiquicas
são respostas, como desefas ao processo primevo da castração. O processo de castração
nos aparece como uma proíbição simbólica e como conseguinte introjeção de leis e
normas que constituem a psique humana e a realidade em relação ao desejo, gozo e as
barreiras que o interditam. Portanto, as estruturas são formas constitutivas e imutáveis de
se defrontar com o real de nossa castração e nosso desamparo.

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