Você está na página 1de 14

O TRABALHO INFANTIL NA INFORMALIDADE; UMA

PERSPECTIVA DE ANÁLISE.

Autora: Liliane Capilé Charbel Novais

Professora Assistente do Departamento de Serviço Social da Universidade


Federal de Mato Grosso.

Mestre em Serviço Social - área de concentração em Política Social na


Universidade Federal da Paraíba.

Doutoranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Serviço Social da


Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Endereço: Rua 39, 682 Bairro Boa Esperança - Cuiabá MT - CEP 78068 400
Fax (065) 627 6212

E-mail : ludo@nutecnet.com.br

 
 

ABSTRACT

Analyze the infantile work, developed in the "informalidade", using as


parameter the theoretical reflection of the informalidade. In the perspective of
the visibility of the infantile work in the "informalidade", its forms in the
urban space, its heterogeneity, its economic viability, the qualification
proposals, as well as the precariedade and the safety of these activities. This
analysis possibility has as objective to raise the discussion about the
occupations developed by the children in the space of the street, as well as its
present implications and future cuts to its citizenship.

  

RESUMO

Analise do trabalho infantil, desenvolvido na informalidade, utilizando como


parâmetro a reflexão teórica da informalidade. Na perspectiva da visibilidade
do trabalho infantil na informalidade, suas formas no espaço urbano, sua
heterogeneidade, sua viabilidade econômica, as propostas de qualificação,
como também a precariedade e a segurança destas atividades. Esta
possibilidade de análise tem como objetivo suscitar a discussão sobre as
ocupações desenvolvidas pelas crianças no espaço da rua, assim como suas
implicações presentes e futuras postas à sua cidadania.

SUMÁRIO

O trabalho infantil na informalidade; uma perspectiva de análise

1 - A visibilidade do trabalho infantil

2 - As formas do trabalho infantil

3 - O trabalho infantil na informalidade


1. - A heterogeneidade

2. - A viabilidade econômica das atividades informais

3. - Qualificação para a informalidade

4. - Precariedade e Segurança nas atividades informais urbanas

4 - Considerações finais

Referências Bibliográficas

O TRABALHO INFANTIL NA INFORMALIDADE; UMA


PERSPECTIVA DE ANÁLISE.

1 A VISIBILIDADE DO TRABALHO INFANTIL.

O crescimento acelerado dos "meninos de rua", visíveis nas ruas das cidades
de grande e médio porte constitui uma questão importante com que a
comunidade internacional se depara no limiar do século XXI. Embora este
problema esteja presente nos países mais desenvolvidos do mundo
industrializado, é particularmente mais preocupante nas Américas Central e do
Sul. Segundo estimativas do UNICEF há entre 25 e 40 milhões de crianças
"de rua" somente na América Latina.

Este fenômeno dos "meninos de rua", pode também ser entendido como um
dos elementos de um padrão social mais abrangente, da luta por parte dos
integrantes dos setores populares para terem acesso às suas necessidades
básicas. Vários estudos com crianças "de rua" na América Latina, ao longo
das últimas décadas, demonstram que elas vão para as ruas para trabalhar ou
ganhar dinheiro, porque não é suficiente a renda doméstica, ou porque não
têm outra alternativa. Estes estudos apontam para o fato de que parece faltar
uma compreensão clara de quem, de fato, são essas crianças. Nitidamente, o
conceito popular que tende a associá-las a violência, crime, drogas e a
ilegalidade em geral, vem se tornando mais forte. Contudo, pesquisadores
(Lusk, 1989 ; Rizzini et al 1986 ; Cheniaux, 1988) tem deixado claro que a
prática de atividades ilegais por parte dos meninos de rua não é uma
característica predominante. Na verdade as crianças envolvidas com
delinquência, como tática de sobrevivência são uma minoria (furtos, assaltos,
venda de drogas), embora seja a imagem deste subgrupo que se sobreponha ao
trabalho diário e às táticas de sobrevivência da maioria.

A mídia reforça a imagem deste subgrupo enfocando somente as atividades


desenvolvidas em grandes cidades, nos locais onde existe a possibilidade
concreta de se inserirem na criminalidade. São absolutamente anônimos os
trabalhadores que desenvolvem algum tipo de trabalho, em que não estão
inseridos nos casos em que se configura a figura do patrão. Carvoeiros, bóias-
frias, trabalhadores de indústria de fogos de artifício e outros, são crianças que
seguem a ocupação de adultos do seu entorno, e igualmente materializam o
seu trabalho nas piores condições possíveis.

O trabalho infantil na informalidade acontece dentro do crescente contingente


de trabalhadores para os quais o trabalho é instrumento de sobrevivência e não
de ascensão social. A criança que na rua desenvolve seu trabalho, elenca sua
ocupação de acordo com as condições que o meio fornece, no espaço urbano.
Assim como para o adulto, o espaço urbano oferece mais opções.

Nos anos 70 e mesmo no início da década de 80, no Brasil, não era tão obvio
quanto parece hoje, que o problema do "menor abandonado" fosse uma
conseqüência direta da política nacional de priorização do crescimento
econômico em detrimento do bem estar da população. Os anos 80 marcaram o
reconhecimento por parte da sociedade, de que a presença em massa de
crianças na rua refletia os resultados de uma política social excludente. E,
incluídos na pobreza absoluta, as crianças em situação de rua se situam "numa
concepção que consagra e justifica ações emergenciais ou de pronto
atendimento, em oposição a noção de pobreza relativa ou de desigualdade
social, que requer ações planejadas, sistemáticas e
continuadas."(Pereira,1993 , r. 2)

Procura-se explicar essa presença pela necessidade que as crianças teriam de


gerar renda no orçamento familiar, fato com freqüência associado ao processo
de empobrecimento do país. De maneira geral o trabalho aparece na fala das
crianças como compulsório a infância pobre, enquanto mecanismo
disciplinador e como forma de inserção no mundo socialmente aceito.
(RIZZINI, RIZZINI, 1989; NOVAIS,1996).

Na significação social do Trabalho existe uma grande diferença entre


Trabalho Adulto e Trabalho Infantil, condicionada pelos valores sociais; uma
mesma atividade pode ser considerada "trabalho" para o adulto e "ajuda" por
crianças. Baixa qualificação e baixa remuneração caracterizam o Trabalho
Infantil, que é desenvolvido geralmente na informalidade.

 2 As formas do trabalho infantil.

Hoje em dia, se reconhece como direito natural a escola para a criança e


quando necessário o trabalho enquanto aprendizado, ( Arts. 7o, XXXII, e 227,
inciso 3o da Constituição Brasileira de 1988). Na condição de aprendiz é
facultado o trabalho ao adolescente, dentro de um processo educacional em
que se utilizam métodos que levam ao conhecimento teórico prático de um
ofício cujo exercício proficiente exige pré-qualificação. Dentro destes
propósitos estão também a Convenção 138 e a Recomendação 146 da OIT e
estudos da OIT sobre abolição do trabalho antes da idade mínima de 14 anos.

Mas concretamente a inserção da criança no mercado de trabalho é


determinada pelas necessidades de subsistência da família, e começa
geralmente dentro de casa nos afazeres domésticos. Com as necessidades
crescentes da família este trabalho tende a se estender para a vizinhança,
chegando até as praças e ao centro das cidades. A partir das necessidades do
grupo, ela poderá lançar-se ao biscate no espaço do bairro, e aí distinguem-se
os meninos das meninas, na medida em que aqueles poderão distanciar-se da
casa mais precocemente que as meninas, a discriminação leva em conta o sexo
e a idade. Nos trabalhos domésticos, as meninas estarão sempre mais oneradas
que os meninos e quando adolescentes, a exigência de participar no orçamento
familiar será sempre maior em relação aos meninos.

Assim, a inserção da criança no mercado de trabalho na maioria das vezes se


faz de modo informal, comercializando produtos produzidos pelas próprias
mães, irmãs ou vizinhos; como doces, salgados, trabalhos manuais,
cafezinhos, amendoins, algodão-doce, cocadas etc. Além de carregar sacolas
nos supermercados, vigiar carros nos logradouros públicos, engraxar sapatos
dentre outras ocupações.

A ocupação informal tem concentrado parcela considerável da população


adulta e inclusive os meninos e meninas das famílias pauperizadas, que fazem
do espaço público seu espaço de trabalho, um espaço de comércio ambulante,
onde exercem as mais diversificadas atividades. E assim como o adulto, a
criança também sofre a pressão para sair dos locais. Sua presença se configura
uma ameaça em todos os níveis.

Até mesmo os pequenos proprietários de comércios diversos como


lanchonetes, restaurantes, lojas e outros que se localizam no final do processo
de produção capitalista. Enquanto parte do mercado formal e possuindo
personalidade jurídica, se orientam em consonância com a legislação fiscal
vigente, entram em confronto com as crianças vendedoras ambulantes
inseridas no mercado informal, tornando-se algozes das crianças em situação
de rua. Esse confronto se faz via repressão, pressionando as autoridades
competentes a retirar as crianças das imediações, ou implicitamente via
veículos de comunicação de massa (televisão) repassando uma visão
distorcida da realidade que os trata como pivetes, marginais, vagabundos, com
um discurso de defesa do patrimônio público e de interesse da coletividade.
Dessa forma os interesses gerais de uma classe ficam diluídos, dissimulando o
conflito entre o comércio estabelecido e o mercado informal.
Estas e outras questões estão postas pela realidade, entretanto, na falta de
dados empíricos específicos sobre a criança na informalidade, e na ausência
também destes na historiografia latino americana, bem como, das atividades
em geral desenvolvidas na informalidade, tentar-se-á uma nova forma de
análise com o objetivo de dar visibilidade ao trabalho infantil na
informalidade e suscitar o debate.

3 O trabalho infantil na informalidade.

O debate teórico contemporâneo sobre a informalidade é um terreno arenoso,


diferentes posições balizam o entendimento da informalidade, enquanto forma
de desenvolvimento do trabalho adulto. Entretanto, o trabalho infantil na
informalidade não faz parte deste debate. Pelo menos não na sua
especificidade dentro da heterogeneidade deste segmento.

Com o devido cuidado procurar-se-á não vestir roupas de adulto em criança, o


que ao final das contas traria um resultado ridículo, porque continuariam a ser
crianças, porém, fantasiados de adultos. Mas, tendo em vista esta metáfora, e
na falta de outro parâmetro, a discussão da informalidade infantil será
desenvolvida tendo a informalidade adulta como paralelo.

Não é o caso de analisar o fenômeno sob o ponto de vista do desemprego


estrutural ou da tendência de desassalariamento da economia mundial. São
crianças e, portanto, não deveriam estar no mercado de trabalho, sequer na
equivocada oposição conceitual de mercado formal e informal. E também não
é o caso de se discutir se deve-se ou não formalizar, em estatuto jurídico, estas
ocupações informais.

O conceito abstrato "CRIANÇA" toma significação concreta em referencias


como estas, em que a situação real da criança é da classe social a que pertence
e, desenvolve uma personalidade social e a cultura desta mesma classe. Este
entendimento perpassa, necessariamente, a história contemporânea da criança
nas relações sociais de produção desde a sua gênese até a sua condição de
excluído na era moderna, vivenciada também neste final de século. A criança
burguesa "infante", a criança proletária "infância negada". Nesta linha de
raciocínio surge nos anos 80 "a teoria da infância traída" (VOGEL, MELLO,
1991) data em que se constata que a hora de trabalhar vem aparecendo mais
cedo do que mais tarde, como deveria ser. Assim, embora o imaginário
popular tenha idealizado certos valores como a casa e a escola para o cultivo
da infância protegida e isenta de preocupações e responsabilidades, a
realidade da infância pobre é outra.
Existir como criança, para extensas camadas da sociedade, implica abdicar da
fruição desse seu papel em favor de uma antecipação drástica do ingresso no
mundo do trabalho e, por intermédio dele, na esfera pública, assumindo todos
os riscos inerentes às exposições prematuras. No caso das crianças, entretanto,
não se trata apenas de trocar a fome pelo trabalho, troca-se também o tempo
livre, a formação escolar . E na maioria das vezes troca-se o recesso de casa
pelo espaço aberto das ruas, onde se encontra o universo do trabalho.

A teorização sobre a informalidade nos anos 70 incitava a um atrelamento


quase automático entre informalidade e marginalidade. No início dos anos 80,
ocorrem reformulações teóricas que vão refutar a idéia de setor informal
apenas como setor marginal autônomo, de fácil entrada e de exclusividade das
atividades desenvolvidas no âmbito da pobreza. Apesar de ser a grande
maioria a viver nestas condições, vislumbrou-se uma outra face deste
fenômeno, que não se localiza às margens do processo produtivo, nem como
sendo somente uma opção para o exército industrial de reserva.

A literatura atual tem trazido a baila a figura do empreendedor, o trabalhador


da informalidade deveria ter como característica esta capacidade, até então
estudada e estimulada em outras esferas. Com a diferença que este
empreendedor tem que garantir a sua própria demanda e se localiza dentro do
processo produtivo, podendo inclusive, obter maior rendimento do que no
mercado formal.

Situações concretas confirmam que nem nesta vertente - da figura do


empreendedor - estão reconhecidas as crianças trabalhadoras na
informalidade. É emblemático o fato do SEBRAE manter cursos permanentes
para "futuros empreendedores", tendo como público alvo crianças e
adolescentes das camadas médias da sociedade. Ou seja, não reconhece no
trabalhador infantil da informalidade as qualidades que incentiva em seus
aprendizes.

3.1 A heterogeneidade.

Uma das grandes questões postas pela informalidade é a heterogeneidade - na


falta de outra terminologia - deste setor. A heterogeneidade também é uma
característica do trabalho infantil na informalidade. As variações derivam de
aspectos diferenciadores tais como o sexo, raça e etnia, a localização espacial
e a capacidade empreendedora de cada um. No caso dos (literalmente)
pequenos empreendedores, e na possibilidade desta comparação, a ausência de
investimento financeiro não é o principal fator que coloca suas atividades
como inviáveis futuramente. A noção de transitoriedade é um dado específico
deste segmento, e universal na compreensão deles e de suas famílias. O fato
de serem crianças coloca esta variável como inerente à sua condição.

Assim, a identidade da criança trabalhadora se constrói no interior de uma


peculiar noção de transitoriedade associada a sua condição de idade e que se
objetiva inclusive no plano jurídico, na sua figura tutelada. A idéia do trabalho
como etapa de aprendizagem parece aí ser fundamental nas formas como são
absorvidas pelo mercado de trabalho, como mão-de-obra desqualificada e mal
remunerada. O trabalho precoce na informalidade não lhes garante condições
melhores na maioridade, ao contrário é um fator que pode dificultar a entrada
no emprego formal, ou a oferta de emprego, já que esta experiência na
"menoridade" raramente se configura em uma especialização.

Na visão de Arruda (1983),esse mundo das crianças trabalhadoras é regido


pela ilegalidade e ilegitimidade de suas formas de estruturação, as fronteiras
entre o "comportamento infrator" e o "trabalho decente" são diluídas. Se a
intervenção reiterada da polícia os declara publicamente como delinqüentes
potenciais, a ação assistencial do Estado os transforma na figura tutelada do
"menor carente" através da qual a sua condição de pobreza é culpabilizada
enquanto fonte inevitável do crime.

O subemprego destas crianças que não é característica exclusiva do setor


informal, abrange também a prática comum do emprego sem registro em
carteira e fora das leis que regulamentam o trabalho infantil. Outra vez a
justificativa da aprendizagem serve para justificar uma situação de emprego
irregular. Segundo ainda a afirmação de Telles ;"é pouco provável que o
trabalho das crianças e adolescentes chegue a alterar substancialmente as
condições de sobrevivência familiar, (...) o que pesa menos é a "lógica da
sobrevivência" , e mais um conjunto de valores e representações sociais pelos
quais a importância do trabalho infantil é elaborada"(1992, p. 85).

Apesar desta afirmação se colocar como discutível, a possibilidade da


"ociosidade" aliada a provável convivência com más companhias que habitam
a rua, surge para as famílias como temor da marginalidade e delinqüência.
Assim, desde cedo se ensina às crianças a disciplina do trabalho, mesmo que
este trabalho se desenvolva na informalidade. E, considerando que a
heterogeneidade não se dá exclusivamente no plano econômico, que há uma
heterogeneidade do ponto de vista das pessoas que estão na informalidade
num espectro que pode ir desde o ex-empregado da indústria até o traficante.

Partindo deste entendimento o caminho que se delineia para apreensão das


estratégias de sobrevivência das crianças em situação de rua perpassa,
necessariamente, o desvelamento das relações sociais de produção em que se
insere a família trabalhadora empobrecida, que não existe seguindo um
modelo padrão de organização. Neste caso é imperativo evitar os paradigmas
de família regular x família irregular, sob pena de reproduzir o papel
inoperante das Políticas Sociais destinadas aos trabalhadores de forma
fragmentada e truculenta. "Pensar as famílias de forma plural pode significar
uma construção democrática baseada na tolerância com as diferenças, com o
Outro." (Neder, 1994 , p. 28)

A não fragmentação pressupõe enxergar a criança trabalhadora no contexto de


sua exclusão social, da sua condição de desnecessários economicamente.
Desta forma a priorização de programas de geração de emprego e renda,
visando a complementação da renda familiar vai de encontro ao fato de que;
segundo a conclusão de Minayo: (...)"a maioria das crianças está na rua por
razões pura e simplesmente econômicas, (...) algumas vezes também
combinadas com conflitos familiares".(1993, p. 99). Sem fazer uma apologia à
vertente teórica dos anos 70, a criança trabalhadora não faz parte de uma
heterogeneidade financeira, e sim de formas de ocupação que invariavelmente
se localizam em ocupações de baixo rendimento.

2. A viabilidade econômica das atividades informais.

Para além das discussões teóricas sobre formalidade/informalidade, setor


produtivo/setor de serviços, trabalho abstrato/trabalho concreto, valor de
troca/valor de uso, relações de trabalho capitalistas/relações não capitalistas,
partindo do ponto de vista da lógica do sistema capitalista, e considerando as
atividades na informalidade enquanto empreendimentos, a discussão sobre a
viabilidade destes empreendimentos tem se colocado na pauta atual das
discussões.

A previsibilidade é um dos fatores que os grandes empreendedores trabalham


com mais segurança. Os pequenos empreendedores (informais), ficam numa
situação em que sempre estão mais ameaçados, sofrem ameaças permanentes
de vários fatores sobre os quais eles não têm nenhum controle. Sendo assim,
se coloca como natural que o empresário só invista em atividades produtivas
novas ou na expansão de seu negócio, quando ele tem uma expectativa com
relação ao futuro. "Será que é esta a racionalidade de um garoto que lustra
sapato nas ruas? De uma mulher que produz doces para seus filhos venderem
nas ruas? Certamente não. Mas creio que seja a racionalidade de uma
cooperativa de trabalho, quando se organiza, por exemplo, para produzir
roupas. Elas têm alguma expectativa em relação ao futuro porque foi feito
algum investimento, contraiu-se dívidas para viabilizar o negócio."
(BARRETO, 1998, p. 68)
Transportar a questão da viabilidade das atividades adultas na informalidade
para análise das atividades desenvolvidas pelas crianças implica numa
mudança de eixo. Começando pela questão da "transitoriedade", já trabalhada
anteriormente, mas que neste caso também se coloca como um dos fatores
determinantes; qual seria a importância da viabilidade futura de uma ocupação
que é temporária? Nenhuma criança que está na rua trabalhando tem a
pretensão de continuar fazendo a mesma coisa quando adulto, esta condição
de transitoriedade também faz parte da expectativa de melhora de suas
condições de trabalho na vida adulta. (NOVAIS, 1996)

Uma das condições postas para a inviabilidade econômica na informalidade é


a inexistência ou mesmo a saturação do mercado consumidor, considerando
que para cada atividade ou produto oferecido se apresentam, normalmente
uma quantidade imensa de ofertantes. Em função disto no caso dos
"guardadores de carro", território é coisa séria, conquistado e mantido a duras
penas.

A possibilidade do associativismo colocada para os adultos, é uma prática


colocada já há algum tempo pelas instituições assistenciais voltadas à criança
e ao adolescente pobres. A existência destas associações tais como dos
engraxates, cadastradas pelos governos locais, e incentivadas por profissionais
desta área, cumprem mais a função de valorizar sua ocupação do que
propriamente aumentar e/ou proporcionar sua viabilidade econômica. Dá-se
um perverso acordo tácito em que as duas partes sabem da inviabilidade
econômica, mas na falta de outra opção, melhoram o aspecto subjetivo desta.

Apesar da propaganda oficial, reforçada pela mídia, fazer alarde em torno dos
pequenos negócios como sendo capazes de resolver todos os problemas
relacionados ao desemprego crescente, não esclarece os riscos inerentes aos
pequenos e médios empreendimentos. Escamoteiam a verdade, pois nem os
trabalhadores adultos da informalidade estão por opção nestas atividades. É
uma falácia esta felicidade geral dos "patrões de si mesmos"; se pudessem
escolher tanto as crianças como os adultos prefeririam empregos estáveis, e se
possível bem remunerados.

3. Qualificação para a informalidade.

Desde o início da década de 90 que não se coloca mais o problema da


informalidade como residual, expressão da pobreza urbana decorrente de
períodos de recessão. Não se vislumbra mais o horizonte do pleno emprego
que vai absorver desempregados e inimpregáveis por falta de qualificação.
Sendo assim, o Estado, as ONGs, as Empresas etc..., têm procurado formas de
qualificar e preparar os pequenos empreendedores, seja para sua entrada na
aposentadoria, seja para proporcionar maior eficiência aos que já estão.

BARRETO (1998, p. 76) tem, inclusive, a preocupação de que "é tratar do


acesso às fontes geradoras de novas tecnologias e de novos produtos. Os
pequenos empreendedores estão praticamente excluídos deste circuito,
também subsidiados e na maioria das vezes financiados pelo governo. Os
resultados do desenvolvimento científico tecnológico quase nunca chegam aos
pequenos empreendedores, eles são em sua grande maioria direcionados para
o grande capital. Creio que uma política de ciência e tecnologia que
contemplasse também os pequenos empreendimentos seria um elemento
valioso para viabilizá-los".

Em similitude com esta proposta, apesar de considerá-la um sonho diante do


que a realidade apresenta, o trabalhador infantil da informalidade também
carece de uma política de ciência e tecnologia que dê conta da sua
especifidade. Considerando sua condição de pessoa em desenvolvimento, a
primeira parte seria a escolarização formal e depois a qualificação e não ao
contrário como ocorre. A qualificação de prestador de serviços, fadado a baixa
remuneração não é exatamente qualificação para o mercado de trabalho
formal ou informal.

É o trabalho infantil na informalidade uma demonstração da inventividade e


capacidade de sobreviver na adversidade, calcada na crença de que o povo
brasileiro apresenta estas qualidades como sendo "inatas", podendo inclusive,
serem demostradas desde a tenra infância? Ou é uma atividade infantil que se
realiza com objetivos concretos de garantir a sua sobrevivência individual ou
combinada com estratégias familiares face a inexistência de outras
possibilidades de formação básica e profissional previstas em lei para sua
faixa etária?

4. Precariedade e segurança nas atividades informais urbanas.

Não se cogita mais atrelar precariedade exclusivamente ao setor informal,


sabe-se hoje que este "setor" não pode ser considerado apenas como precário,
marginal, autônomo e de fácil entrada, como na visão da literatura dos anos
70. "As primeiras análises dos anos 80 que vão tentar teorizar o trabalho
informal, vão recusar, desde logo, a definição deste como prática exclusiva
dos pobres e marginalizados. Apesar de ser ainda atualmente, o local onde
está uma grande parcela das pessoas com rendimentos baixos, mas não é só
isso. Esta é a tese da Cristina Cacciamali e de uma série de autores que a partir
de trabalhos empíricos colocam, já desde o início dos anos 80, uma outra
vertente do informal que não mais se identificava com aqueles de marginais,
precários etc... Talvez seja esta uma das grandes questões colocadas, já de
evidência empírica, com relação ao que vinha acontecendo nos anos 70".
(PIRES, 1998, p. 39,40)

Este avanço de não considerar mais a informalidade como ambiente exclusivo


de condições precárias de trabalho, contudo, merece algumas ressalvas. Não é
exclusivo, mas é recorrente no subgrupo da informalidade que desenvolve
suas atividades no espaço da rua. E precariedade está intrinsecamente ligada
as questões de segurança de modo geral. E quando se trata de segurança para
o subgrupo das crianças; trata-se de segurança específica da sua condição de
"pessoa em desenvolvimento". Sem se apegar a chavões, esta explicação serve
para qualquer aspecto da segurança que se queira analisar.

A precariedade é uma constante do trabalho infantil na informalidade. Não é


só a relação com o informal que proporciona as condições de precariedade,
são as condições precisas destas ocupações inventadas no espaço urbano que
fornecem as condições de perene precariedade. Também não é o caso de
precarização, as atividades já começam precárias, com péssimas condições
inclusive de segurança, como por exemplo a convivência com a ilegalidade,
tanto para meninos, quanto para meninas.

4 Considerações finais.

O trabalho infantil na informalidade carrega em si duplamente o estatuto da


ilegalidade. Porém se materializa na complacência da compensação; "é
melhor cuidar de carros no logradouro público do que roubar". O objeto do
trabalho - a intimidação - é soterrado pela compensação. As pessoas se
despem dos seus direitos, se submetem à ameaça embutida nesta prestação de
serviços. E a medida que soterram sua cidadania, inviabilizam perenemente a
do flanelinha.

Esta cidadania poderia também se colocar para as crianças, em termos da


empregabilidade, traduzida em empregados de si mesmos, ou de
empreendimentos familiares de bens e serviços. Remonta-se assim, para um
paradigma antropológico do indivíduo-máquina para o indivíduo-empresa,
onde apenas os mais capazes mereceriam sobreviver. Na realidade, este
paradigma literalmente se confirma na vivência cotidiana destas crianças, e a
sua cidadania só tem se confirmado por esta via, a do trabalho infantil; esta
tem sido a cidadania possível para este extrato social.

Sendo assim, trata-se de que cidadania? A cidadania universal dentro da


especificidade da cidadania na infância? Ou uma cidadania mais específica da
infância dos setores populares?

Em diferentes pólos do sistema existe a concordância de que as atividades


inventadas para serem desenvolvidas no âmbito da rua pelas crianças, não são
ideais para a sua condição de pessoa em desenvolvimento. Entretanto, não se
pretende discutir as condições atuais se contrapondo às condições ideais para
o desenvolvimento do trabalho infantil na informalidade. Não existem formas
de contemporizar sobre esta questão ignorando o verdadeiro enfoque de que
não existem condições ideais para o trabalho infantil. Mas, como ele existe, o
parâmetro da informalidade pode ser uma forma de apreendê-lo em algumas
das suas múltiplas dimensões.

Referências Bibliográficas

ARRUDA, Rinaldo Sérgio Vieira. Pequenos bandidos, São Paulo :


Global,1983.

BARRETO, Osvaldo. Informalidade : riscos e viabilidade. In :


CORREIA, Claudia et al. (Org) Economia informal e viabilidade
econômica. Recife : Liber, 1998.

CHENIAUX, Sônia. Trapaceados e trapaceiros : o menor de rua e o


Serviço Social. São Paulo : Cortez, 1988.

CÓDIGO DE MENORES Lei n. 1.794 de 12 de outubro de 1927.

Código de Menores. Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979.

Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, adotada pela


Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989
(gr.).

ECA -Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei no.069 de julho de


1990.

FALEIROS, Vicente. A fabricação do menor. Humanidades n. 12,


HELLER, Agnes. Teoría de las necessidades en marx. Tradución de
J. F. Yvars. 2. ed., Barcelona : Ediciones Península, 1986.
LUSK, Mark W., MASON, Derek T. Meninos e Meninas "de rua" no
Rio de Janeiro : um estudo sobre sua tipologia. In : RIZZINI,
Irene (Org.) A criança no Brasil de hoje. desafio para o terceiro
milênio. Rio de Janeiro : Gd. Universitária Santa Úrsula, 1993.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.) O limite da exclusão social :


meninos e meninas de rua no brasil. São Paulo : Hucitec ; Rio de
Janeiro : Abrasco, 1993.

NEDER, Gizlene. Ajustando o foco das lentes : um novo olhar sobre a


organização das famílias no Brasil. In: KALOUSTIAN, Silvio Manoug.
(Org.) Família brasileira, a base de tudo. São Paulo : Cortez ;
Brasília, DF : UNICEF, 1994.

NOVAIS, Liliane Capilé Charbel. Crianças em situação de


rua : trabalho e estratégias de sobrevivência, 1996. Dissertação
(Mestrado) - Universidade Federal da Paraíba, 1996.

PEREIRA, Potyara A. A assistência social no brasil


contemporâneo : dilemas e perspectivas de uma política social
relutante. Brasília, DF, Mimeogr. 1993 .

PIRES, Elson. Dinâmica e regulação sócio-econômica na atividade


informal. In: CORREIA, Claudia et al. (Org) economia informal e
viabilidade econômica. Recife : Liber, 1998.

RIZZINI, Irene. (Org.) A criança no Brasil de hoje. desafio para o


terceiro milênio. Rio de Janeiro : Ed. Universitária Santa Úrsula, 1993.

TELLES, Vera da Silva. A experiência da insegurança: trabalho e


família nas classes trabalhadoras urbanas em São Paulo. Tempo Social ,
São Paulo, v. 4, 1994.

Você também pode gostar