Você está na página 1de 10

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
DISCIPLINA: SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA GERAL
DOCENTE: GERALDO DE MARGELA FERNANDES

LUIZ VICTOR MONTEIRO SILVA

RESENHA CRÍTICA:
“Cultura: um conceito antropológico”

NATAL/RN
2014
LUIZ VICTOR MONTEIRO SILVA

RESENHA CRÍTICA:
“CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO”

Trabalho apresentado à disciplina de


Sociologia e Antropologia Geral,
ministrada pelo Prof.º Geraldo de Margela
Fernandes, do curso de graduação em
Direito da UFRN, como requisito de nota
para a Unidade II.

NATAL/RN
2014
RESENHA CRÍTICA

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 24. reimp. Rio de


Janeiro: Zahar, 2011. 120 p.

1 CREDENCIAIS DO AUTOR

Roque de Barros Laraia é professor emérito da UnB. Iniciou sua carreira, como
antropólogo, no Museu Nacional da UFRJ. Em 1969 transferiu-se para a UnB, onde
dirigiu o Instituto de Ciências Humanas, sendo promovido a professor titular em 1982.
Doutor pela USP, realizou pesquisas de campo entre os índios Suruí, Akuáwa-Asurini,
Kamayurá e Urubu-Kaapor.
Membro de associações científicas do país e do exterior, presidiu a Associação
Brasileira de Antropologia (1990-2) e foi eleito presidente da Associação Nacional de
Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) em 2000. Integrou a
primeira comissão coordenadora do Pronex e os comitês de assessores do CNPq e
da Capes. Atualmente é membro do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional e do Conselho Nacional de Imigração.
É autor de Índios e castanheiros (com Roberto da Matta, 1967), Tupi, índios do
Brasil atual (1987) e Los índios de Brasil (1993), organizador da coletânea
Organização social (1969) e tem inúmeros artigos publicados em revistas
especializadas.

2 RESUMO DA OBRA

2.1 PRIMEIRA PARTE

Na primeira parte do livro (“da natureza da cultura” ou “da natureza à cultura”),


Roque de Barros Laraia trata, em seis capítulos, a cultura de forma introdutória, como
que um embasamento teórico, apresentando aspectos históricos, algumas
problemáticas, suas respectivas respostas e abordando o seu desenvolvimento
conceitual.
Na introdução da primeira parte, o autor apresenta a questão da unidade
biológica humana contrastada pela diversidade de costumes dos mais diversos povos,
mostrando que muitos estudiosos (tais quais Heródoto, Marco Polo, José de Anchieta,
Montaigne e Ibn Khaldun), em diferentes épocas, também se preocupavam com o
assunto, expondo vários hábitos culturais e conflitando-os com as suas próprias
culturas, a exemplo das sociedades matrilineares, que diferem das patrilineares.
Coloca, também, um aspecto interessante de algumas observações antropológicas
antigas, que pendiam ao determinismo geográfico estabelecendo as variações
comportamentais como decorrentes dos ambientes físicos.
Em continuidade com os enfoques, é exemplificada a constatação ainda
hodierna de heterogeneidade cultural. Diante disso, o autor sustenta a insuficiência
do determinismo biológico e geográfico para a explicação da problemática do
monogenismo afrontado pelas distinções culturais, dando prosseguimento às
abordagens teóricas.
Assim, no primeiro capítulo, o autor levanta as velhas ideias e estereótipos que
atribuem capacidades e características específicas a determinados grupos humanos,
discordando dessas proposições de modelo comportamental e citando a declaração
das raças da Unesco, de 1950, a qual corrobora com sua visão. Defendendo o
convencimento da antropologia de que as diferenças genéticas e anatômicas
(dimorfismo sexual) não determinam diferenças culturais, fica claro a tese de que o
comportamento dos indivíduos dependem unicamente do processo chamado de
endoculturação.
Seguindo a mesma linha de refutação, no segundo capítulo, o determinismo
geográfico é colocado em xeque através de três exemplos: os lapões e os esquimós,
da calota polar norte, os índios Pueblo e Navajo, do sudoeste norte-americano, e os
xinguanos e os Kayabi, do Parque Nacional do Xingu. Povos que ocupam ambientes
geográficos muito semelhantes mas possuem respostas habitacionais e culturais
diferentes.
Já no terceiro capítulo, começa-se a falar do surgimento do conceito de cultura,
concebido como uma síntese, do termo germânico Kultur e da palavra francesa
Civilization, elaborada por Edward Tylor, na segunda metade do século XIX, definindo
o vocábulo inglês Culture, cujo sentido corresponde à atual utilização da expressão.
Isso era algo que já vinha ganhando terreno com vários estudos, podendo-se citar os
pensadores John Locke, Jacques Turgot e Jean-Jacques Rousseau.
Tal ideia de cultura, também com a contribuição de Kroeber, rompia com o
aspecto biológico, voltando-se mais para o comportamento aprendido e destacando o
homem como um animal distinto pela possibilidade de comunicação oral e capacidade
de fabricação de instrumentos. Entretanto, posteriormente a Tylor, a antropologia
depara-se com diversas definições de cultura, de forma que a ampliação do sentido
desconstrói o conceito, conferindo à antropologia moderna a tarefa de reconstruí-lo.
No quarto capítulo, há um aprofundamento referente ao desenvolvimento do
conceito de cultura e ao pensamento de Edward Tylor. Para este, a cultura pode ser
um objeto de estudo sistemático, por tratar-se de um fenômeno natural com suas
causas e regularidades. Acreditava que todas as sociedades passavam por um
processo cultural uniforme, podendo-se distingui-las das menos para as mais
desenvolvidas (“evolucionismo unilinear”), através de três estágios: selvageria,
barbarismo e civilização. Outros autores, no entanto, fazem uma ressalva à
perspectiva de Tylor, por desconsiderar o relativismo cultural, que está associado à
evolução multilinear. Ideia esta influenciada pelo método comparativo, iniciado com
Franz Boas, que também levava em conta a historicidade, as condições psicológicas
e o meio ambiente das formações culturais.
Discorrendo agora em relação a Alfred Kroeber, faz-se uma explanação envolta
em seu artigo “O superorgânico”, que mostra a importância e predominância da faceta
cultural humana na medida em que o homem superou as suas limitações físicas.
Enquanto as demais espécies modificavam-se gradualmente, em seu processo de
evolução biológica, para sobreviverem e dominarem novos espaços, a humanidade
dominou as terras, os mares e os ares, através do seu aparato cognitivo, de modo que
o desenvolvimento civilizatório mostra-se cumulativo, conservando-se o antigo e
adquirindo-se o novo. Criamos, portanto, o nosso próprio processo evolutivo e
sobrepujamos a natureza.
Adiante, o autor comenta o perigo na crença das qualidades como adquiridas
pela transmissão genética, citando, por exemplo, a teoria de Cesare Lombroso, que
correlacionava características físicas com o a tendência para comportamentos
criminosos. Laraia é categórico ao afirmar que o homem é um animal cultural, sendo,
portanto, fruto dos conhecimentos e experiências acumulados e transmitidos por seus
antepassados. Embora a natureza nos traga, vez ou outra, indivíduos intelectualmente
privilegiados, apenas com os meios necessários será possível a criação de inovações,
através da manipulação criativa dos conhecimentos herdados.
No final do presente capítulo, o autor ainda faz duas considerações. A primeira,
concernente ao instinto, explica a existência de alguns comportamentos natos
humanos, como é o caso do movimento de sucção do bebê ao buscar o seio materno;
mas, por certo, logo começará a seguir os padrões de atitude daqueles ao seu redor.
Além disso, elucida acerca de algumas expressões, a exemplo de “instinto materno”,
“instinto de conservação”, “instinto sexual” etc., ilustrando que se tratam, na verdade,
de padrões culturais. Quanto a segunda consideração, discorre sobre a cultura como
um processo acumulativo, depositando na comunicação humana o fator principal da
nossa superioridade intelectual, visto que sem ela não existiria cultura.
O quinto capítulo é articulado a respeito do surgimento da cultura na
humanidade. Para tanto, questiona-se quanto ao ponto de evolução do cérebro
humano para que se houvesse a produção intelectiva, e são citados vários autores.
Segundo Richard Leackey e Roger Lewin, nossas façanhas seriam consequência da
vida arborícola dos nossos antepassados e, com efeito, a eclosão de uma visão
estereoscópica, em conjunto da capacidade de utilização das mãos. David Pilbeam
protagoniza o bipedismo como resultado determinante à evolução. Kenneth P. Oakley
refere-se ao volume e complexidade do cérebro, estimulado pela posição ereta.
Conforme Claude Lévi-Strauss, a cultura teria surgido quando o homem criou a
primeira regra, que seria a proibição do incesto. Leslie White associa a passagem do
estado animal para o humano com a capacidade de gerar símbolos.
Tomando essas teorias, notamos a ideia chamada por Alfred Kroeber de ponto
crítico, ou seja, um salto na evolução humana que possibilitou o surgimento da cultura,
posição da qual a obra vai de encontro, uma vez que a ciência atual considera esse
evento um processo gradativo. Clifford Geertz evidencia essa formação progressiva,
em seu artigo “A transição para a humanidade”, que fala do Australopiteco e aponta
ser o surgimento da cultura concomitante ao desenvolvimento biológico.
No capítulo seis, último da primeira parte do livro, é feita uma abordagem das
tentativas modernas de definição do conceito de cultura, tomando-se como base o
artigo “Theories of Culture”, elaborado por Roger Keesing. Dentre as teorias citadas,
estão a cultura como um sistema adaptativo e as teorias idealistas de cultura, estas
últimas subdividindo-se em cultura como um sistema cognitivo, cultura como sistemas
estruturais e cultura como sistemas simbólicos. O autor não pretende esgotar o tema,
mas enfatiza a sua postura de considerar válida a abordagem de Marshall Sahlins, na
obra “Cultura e razão prática”.
2.2 SEGUNDA PARTE

A segunda parte do livro (“como opera a cultura”), composto por cinco capítulos,
expõe o âmbito cultural na sociedade e no homem, isto é, a influência da cultura, suas
formas e repercussões.
No primeiro capítulo, o autor fala de como a cultura condiciona a visão de
mundo do homem. Logo no início, exemplifica sobre diferentes perspectivas que
variam de cultura para cultura. Continua dando exemplos de como os padrões de uma
sociedade, provindas de uma herança cultural, influenciam categoricamente nos
valores e comportamentos das pessoas. A própria maneira de rir difere entre as
culturas, como observa Laraia entre os índios Kaapor.
Ainda no mesmo capítulo, toca-se no etnocentrismo, que ocorre quando o
homem centraliza a sua cultura como a mais natural e correta, situação da qual
decorrem muitos conflitos sociais. São analisados diferentes níveis de comportamento
etnocêntrico, presentes até dentro de uma mesma sociedade.
No segundo capítulo, vemos que a cultura pode interferir no plano biológico das
pessoas, e, inclusive, na vida e na morte. Muitos africanos, retirados de seus locais
de origem, suicidavam-se ou morriam pelo mal denominado de banzo (saudade),
decorrente da apatia (abandono de suas crenças e valores, causando perda de
motivação – situação oposta ao etnocentrismo). Muitas vezes, a crença em algo é
capaz de fazer uma pessoa ficar doente ou curar-se de um mal. Um caso drástico é a
morte por feitiçaria, constatada na etnografia africana. Por último, o capítulo é
finalizado com a descrição de uma cura realizada por um xamã de tribo indígena.
No terceiro capítulo, afirma-se que nenhum indivíduo participa completamente
de sua cultura, seja pela complexidade de diferentes padrões de uma mesma
sociedade, pela diferença de sexo ou de idade. Ninguém é perfeitamente socializado
e familiarizado com determinada sociedade, todavia, é necessário um conhecimento
e participação mínima para que haja consonância entre as ações dos indivíduos, o
que está relacionado com a previsibilidade das atitudes.
No quarto capítulo, o autor explica que o diálogo entre natureza e cultura
dependerá dos meios materiais e do período histórico de determinado grupo, de forma
que toda cultura tem a sua lógica própria. Por exemplo, as sociedades tribais, que
desconhecem o mundo microscópico e o funcionamento biológico somático,
apresentam diferentes respostas no que diz respeito aos graus de parentesco.
Enquanto algumas dessas tribos veem relação entre a cópula e a gestação, outras
não, variando de diversas maneiras. O fato é que todas as sociedades humanas
dispõem de um sistema de classificação para o mundo natural, porém, tais
classificações divergem a seu modo, não significando que uma seja mais lógica do
que a outra, o que se configuraria etnocêntrico, mas têm coerência dentro dos
sistemas aos quais pertencem.
No quinto e último capítulo, fala-se sobre a dinamicidade da cultura. O autor faz
uma comparação, que é basicamente a seguinte: se observarmos os hábitos das
formigas saúvas de quatro séculos atrás, veremos que nos dias de hoje continuam os
mesmos; o que, por certo, não ocorre com o comportamento dos indígenas, por
exemplo. Neste, veríamos que teriam ocorrido mudanças, pois os homens são
capazes de questionar suas próprias atitudes e modificá-las. Essas modificações
podem ser vistas em um ritmo mais ou menos acelerado em diferentes sociedades.
A mudança pode decorrer da dinâmica do próprio sistema cultural, sendo
geralmente lenta (mas podendo alterar-se drasticamente por eventos históricos, como
uma inovação tecnológica). Por outro lado, pode decorrer do contato entre diferentes
sistemas culturais, como foi o caso dos índios brasileiros, que passaram por um
processo radical e traumático, do qual recorre-se ao conceito de aculturação. É quase
impossível que ocorram apenas de uma forma, estando ambas relacionadas a um
mesmo fenômeno.
Podemos constatar facilmente o caráter dinâmico da cultura através das
vestimentas no decorrer do tempo, dos hábitos de nossos pais, avós, em suas épocas
de juventude, padrões de beleza, regras morais etc. Essas mudanças foram
progressivas e, por caracterizarem-se como rupturas, cultivadas através de conflitos
entre conservadores e inovadores.
Enfim, a cultura é dinâmica e entender esse dinamismo é importante para que
possamos enxergar mais abertamente os diferentes comportamentos, tanto os da
nossa própria cultura como os de outras.

3 CONCLUSÃO DO RESENHISTA

No decorrer de toda a obra, o autor utiliza-se de diversos autores como subsídio


para as suas conclusões teóricas.
A primeira tese a qual podemos identificar é o questionamento da diversidade
cultural humana, independentemente da unidade biológica da espécie. Isso é algo
evidente na humanidade, que possui diversas facetas e variantes.
Tal realidade não decorre dos ambientes e nem mesmo das condições
biológicas, tendo a antropologia já superado essa perspectiva, uma vez que as
análises históricas e os estudos dos mais variados grupos humanos têm mostrado
respostas habitacionais diferentes numa mesma região e funções sociais
caracterizadas tão somente por padrões consensuais, havendo trabalhos, por
exemplo, não exclusivos do homem ou da mulher. Assim, o ponto central encontra-se
no processo de endoculturação.
A cultura é intrínseca ao ser humano e essencial para o seu desenvolvimento.
O homem é feito e refeito pela cultura, diferenciando-se dos demais animais.
Quando nascemos, somos inteiramente dependentes, não podendo recorrer a
capacidades inatas que nos isente de cuidadosa supervisão, carecendo ainda da
experiência para que possamos tomar padrões comportamentais, aprender novos
hábitos e aproveitar os conhecimentos que nos são herdados. Conhecimentos estes
que, por ventura, poderão ser aperfeiçoados. Portanto, o homem é uma página em
branco, e se transformará de acordo com o contexto em que foi criado.
Ao julgarmos uma cultura diferente, mesmo que por uma visão negativa, é certo
que se tivéssemos nascido neste outro ambiente também teríamos adquirido seus
hábitos e crenças. Até porque, só podemos questionar sobre os próprios meios
materiais dos quais dispomos, por isso a mudança cultural pode ser tão forte quando
em contato de outras culturas. Quando os índios do Brasil tomaram conhecimento dos
instrumentos de ferro, dos objetos, das comidas, das vestimentas dos portugueses,
seria inevitável a influência que chegou ao ponto da aculturação indígena.
O homem é um ser dinâmico, assim, obviamente, como a sua cultura. É
importante tomarmos conhecimento das diferenças culturais existentes e
compreendermos suas razões, assumindo a postura do relativismo cultural.

4 CRÍTICA DO RESENHISTA

Não obstante deparemo-nos com uma obra pequena, apresenta um conteúdo


significativo que aborda os principais aspectos do tema em questão.
De linguagem fácil, possibilita um alcance amplo de leitores dos mais diversos
campos, contribuindo à elucidação de pontos fundamentais do comportamento
humano e permitindo a aclaração de novas perspectivas de mundo.
Estruturalmente objetiva, valida-se através de vários autores que discorrem
sobre o tema, revelando-se um assunto clássico ainda de extrema atualidade e
importância. A originalidade do autor expressa-se em seu estudo de campo com
diversas culturas indígenas, além de valioso arcabouço teórico.
É um livro introdutório que evidencia a posição do antropólogo de relativismo
cultural, em relação ao seu objeto de estudo, e instiga a futuras pesquisas mais
aprofundadas pelo leitor, que se depara com um discurso ao mesmo tempo
abrangente e sucinto, contribuindo para o amadurecimento intelectual e construção
de uma visão mais crítica da nossa realidade.

Você também pode gostar