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ABSTRACT
This paper analyzes the concept of hierarchy from a political perspective.
It shows the source of the hierarchy, since its origin in Thearchia, through
the angelic and ecclesiastical ranks. It also seeks to highlight the
developments in the organization of the Church and society. The
REVISTA LABIRINTO
fundamental thesis is: the Thearchia, absolutely transcendent, ineffable,
ISSN 1519-6674 unknowable, through hierarchies, perform an organizing principle of
ANO XIX functioning in the immanent order of the world.
VOLUME 30
(JAN-JUN) Keywords: Dionysius the Areopagite, hierarchy, Thearchia, Ministry,
2019 Mystery.
P. 39-55.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE HIERARQUIA DE DIONÍSIO, O AREOPAGITA,
ALEX GONÇALVES PIN
Introdução
O conceito de hierarquia é anterior a
O Corpus Dionysiacum, obra atribuída a Dionísio. Platão estabelecera a hierarquia do
Dionísio, o Areopagita, que supostamente fora o mundo inteligível e do mundo sensível e
discípulo convertido por S. Paulo no Areópago escalonara ontologicamente o próprio mundo das
de Atenas (At 17,34), é composta dos tratados ideias (PLATÃO, Parmênides, 2003). Dionísio
Hierarquia Celeste, Hierarquia Eclesiástica, prossegue essa visão hierárquica, agora,
Nomes Divinos, Teologia Mística e uma dezena fundamentando-a com conteúdo cristológico. A
de Cartasii. Provavelmente, foi escrito na Síria, concepção dionisiana, entretanto, não pressupõe
entre os séculos V e VI, por um monge que somente a subordinação hierárquica dos seres; o
frequentou a Escola neoplatônica de Atenas ordenamento seria formado por meio da
tendo sido discípulo de Proclo (? 485) e de participação dos diversos graus. A ordem celeste
Damáscio, último dirigente da mesma Escola até continua na ordem eclesiástica; o ‘hierarca’ é
o seu fechamento, no ano de 529, por ordem do propriamente o homem santo e, de certo modo,
imperador Justiniano. deificado.
Nessa obra, o discurso teológico e o Dionísio chama de hierarquia “uma
ordem, um saber e um ato tão próximos quanto
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simbolismo filosófico não se limitam a meros
instrumentos e/ou produtos naturais da possível da forma divina, elevados à imitação de
inteligência; estão integrados em economia Deus na medida das iluminações divinas” (CH
superior na qual encontram seu valor e sua 164d). O fundamento de toda hierarquia está em
eficácia. Fundamentalmente, trata-se de obra Deus e, a tudo o que existe, é “Ele quem confere
mistagógica, verdadeira paideia cristã. substância e ordem” (EH 429c). É fundamental
Não sem razão, na Idade Média, grandes ao pensamento dionisiano: as coisas não
pensadores chamaram Dionísio, o Areopagita, de possuem apenas essência. A essência confere-
Doctor Hierarchius, doutor hierárquico. Todo o lhes o devido lugar no cosmos e, a partir desse
universo dionisiano está organizado sob a égide lugar, estabelece-se o modo de proceder de cada
da ideia de hierarquia, isto é, graus, níveis ou uma.
âmbitos da realidade não apenas cosmológicos, Assim, o universo não está cindido em
mas, sobretudo, ontológicos. É atribuída, blocos distintos, e os seres que nele se encontram
inclusive, a Dionísio a introdução do termo não estão ontologicamente isolados uns dos
hierarquia ao vocabulário eclesiástico. outros. Há interconexão em toda a realidade.
Segundo a mística de Dionísio, a união
A ideia de hierarquia no Corpus Dionisyacum com Deus é o vértice, sistematicamente
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teleológico, das asserções teológicas que neste pensamento: a cisão entre ser e práxis,
aparecem desde o princípio até o fim de seus ontologia e moral, teologia e economia,
escritos. Nomes Divinos, Hierarquias, Cartas, dualismos que resultam da noção de um deus
tudo é teologia mística sem fratura na elaboração distante e estranho ao mundo.
arquitetônica da obra. O tratado Teologia Mística
não é apêndice para seletos. É o ápice visível do O traço central do pensamento gnóstico é o
dualismo radical que governa a relação entre
iceberg que surge no alto-mar da união com Deus e o mundo, e, analogamente, entre o
homem e o mundo. A divindade é
Deus (CARDEDAL, 1990, p.85). absolutamente transmundana, sua natureza
alheia à do universo, que ela nem criou, nem
“Todo bom dom e toda dádiva perfeita governa, e do qual, aliás, é a completa
vem de cima, descendo do Pai das luzes” (CH antítese: à esfera divina da luz, remota e
autocontida, opõe-se o cosmos como
120a e Tg 1, 17). Com essa frase do apóstolo São domínio da escuridão e da corrupção. O
mundo é obra de poderes inferiores que,
Tiago, Dionísio inicia a sua obra: uma embora mediadamente provindos d´Ele, não
conhecem o verdadeiro Deus e obstaculizam
mistagogia cristã progressiva que recorre à ao conhecimento d´Ele no cosmos que
governam (JONAS, 1992, p. 62).
tradição neoplatônica para elaborar seu percurso
sem, contudo, perder o propriamente cristão. Usa
O projeto dionisiano não se limita,
essa expressão mística como ponto de partida e
porém, à relação Deus-homem, mas alcança 41
aponta para o fim que é um retorno não idêntico
prolongamento em toda a sociedade por meio da
à condição original, “na plenitude dos tempos,
hierarquia eclesiástica. À medida em que cada
recapitular tudo em Cristo, tudo o que existe no
fiel é iniciado mistagogicamente surge a
céu e na terra” (Ef 1,10).
sociedade de iniciados no mistério. Hierarquia é,
Assim, Dionísio enfrenta a cisão
portanto, visão de mundo que tem no princípio
gnóstica, que desunia homens e Deus, ao
divino, Thearchia, origem e fim. Sobre a
introduzir no pensamento cristão a noção de
Thearchia, falar-se-á. Vejamos primeira a
hierarquia. Ele articula as esferas da
Mistagogia.
transcendência e imanência, na esteira do
pensamento neoplatônico, como grandes círculos
O Corpus Dionisyacum como mistagogia
concêntricos. Tudo procede do Uno,
transcendência absoluta, e se desdobra até o
Fundamentalmente, o Corpus
estado de matéria, imanência, para, finalmente,
Dionisyacum é obra mistagógica, isto é, trata da
retornar ao Uno.
união entre o iniciado e Deus. União para a qual
Embora não seja possível reunir as
o Corpus quer ser caminho, método. Daí a
doutrinas gnósticas em grupo único, é possível
importância de ser lido em sua totalidade e na
afirmar, com Hans Jonas, que há certa constante
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ordem que tradicionalmente foi apresentado criaturas, enquanto são qualidades que derivam
(CH, EH, DN, MT). de Deus.
Nessa ordem, o esquema neoplatônico Assim, Dionísio começa nomeando Deus
devidamente cristianizado é mantido. Jesus é como Bondade, que é o nome mais universal, ao
invocado como “chefe da hierarquia celeste e passo que todas as coisas, existentes ou
causa supra-essencial das essências que vivem possíveis, participam da bondade em algum grau
além do céu” (CH 181c). E ainda mais, na HE, hierárquico. Ao mesmo tempo, expressa a
Jesus é a fonte fecunda conhecimento das natureza de Deus: “nada é bom, senão Deus”
realidades divinas – ele próprio realidade divina (DN 637b, Mt 19,17, Mc 10,18). Deus, como
– conforme o beneplácito da Thearchia, difunde Bem, é a fonte da criação e o objeto final desta;
sobre as inteligências que atingiram a maior do “Bem procede a luz que é imagem da
conformidade com Deus (EH 480a). Bondade, de modo que Deus pode ser descrito
Arrematando, na Teologia Mística, Deus é o com o nome de Luz que ilumina todas as coisas,
termo do percurso: “Trindade supra-essencial e cria-as e dá vida, as aperfeiçoa. Dela todas as
mais que divina e mais que boa conduze-nos não coisas recebem medida, tempo, número e ordem.
só para além de toda luz, mas até para além do Seu poder abraça o universo inteiro, é causa e
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incognoscível, ao mais alto” (MT 997a). fim de tudo” (DN 697d).
Portanto, ao começar com a CH e Aparece aqui a influência neoplatônica de
terminar com a MT, temos mistagogia Dionísio, impossível de separar de sua fé e
progressiva, isto é, explicação do modo de doutrina cristã (fazê-lo seria prejuízo tanto para a
entrada no mistério uno e único, Cristo. parte cristã, quanto para a neoplatônica).
Dois são os mecanismos de aproximação Dionísio depende do neoplatonismo, sobretudo,
a Deus, segundo o Corpus. Um afirmativo, no uso da linguagem e não tanto na doutrina.
catafático – καταφατική –, e o outro negativo, Fica claro ao nomear Deus como Beleza, “beleza
apofático – ’αποφατική. No primeiro caminho, superessencial” (DN 701c), quando recorre ao
começa-se por reconhecer e nomear Deus com neoplatonismo, especialmente, de Proclo.
enunciados mais universais, até chegar-se a Assim a mistagogia dionisiana está
termos mais particulares (MT 1025b). Em Nomes diretamente relacionada ao neoplatonismo. E as
Divinos, Dionísio segue o método afirmativo; vias afirmativas e negativas desvelam essa
mostra como os nomes Bondade, Luz, Vida, relação.
Sabedoria, Poder são aplicáveis a Deus – O modo afirmativo consiste, pois, em
aplicáveis, embora não definam Deus. Mostra nomear Deus segundo qualidades que se
ainda como esses nomes aplicam-se também às encontram nas criaturas, isto é, com as
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prolongamentos. Saída e retorno para a Trindade. 512d). Ainda mais: o poder de perdoar os
Dionísio associa os termos τριάς, μονάς e ένας – pecados é concedido por Cristo, que o recebeu
respectivamente, trio, mônada e unidade (CH do Pai (EH 564c).
212c). A Trindade, assim, apresenta-se como Também se apresentam certas relações
unidade de princípio. A Trindade é Unidade e entre o Pai e as outras pessoas. Na CH, é o Pai
“nossa tradição teológica chama de unidades que acolhe a submissão de Jesus à encarnação, e
divinas estas realidades secretas e Jesus aprende do Pai tudo o que deve anunciar
incomunicáveis, mais profundas que todo aos homens (CH 181c-d). Jesus, para a salvação
fundamento, e que constituem esta Unicidade da dos homens, cumpriu o beneplácito do Pai e do
qual é muito pouco dizer que ela é inefável e Espírito Santo (EH 441c, DN 644c).
incognoscível” (DN 640d). A segunda pessoa é designada pelos
O propósito de Dionísio é encontrar e nomes Jesus –’Ιησους – e Cristo – Χριστός –, o
fazer encontrar a Santíssima Trindade em seu que se refere à encarnação e à obra da redenção
mistério mais profundo de unidade da com toda a problemática que comporta – e está
diferenciação eterna das três pessoas. Sugere que fora da investigação que aqui se propõe. Crê-se
como a “natureza boa e divina de Deus se diz ser suficiente destacar que o nome que mais
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una e trina, como se entende nela a Paternidade e diretamente enlaça a segunda pessoa ao mistério
a Filiação e o que quer significar, quando se fala trinitário é o de Lógos – Λόγος – que revela a
do Espírito” (MT 1033). filiação da segunda pessoa em relação à
No Corpus, a primeira e a terceira primeira. Ao Lógos se atribui o descer à
pessoas sempre são designadas de Pai e Espírito condição dos humanos, tornando-se carne (Cf. Jo
(Cf. EH 441c, 484a, 512c-d e DN 637a-c, 640c, 1, 1-8.), entrando na história e na economia da
645b-c, 980b). Ao Filho são também conferidos salvação, pois
os nomes Jesus (EH 441c, 484a, 512c-d), Lógos
(DN 637a e 644c) e Cristo (DN 592b, 652a, só o Verbo supra-essencial assumiu por nós
nossa própria substância de maneira inteira e
712a, 953a). verdadeira; por sua Ação como por sua
Paixão foi somente Ele que, própria e
O Pai é princípio original da luz (CH singularmente, assumiu a totalidade da
operação humano divina. Desta obra, nem o
120a), em conformidade com a carta de Tiago Pai nem o Espírito tomaram parte, a não ser,
(Tg 1,17). Ao Pai pertence ainda nossa poder-se-ia dizer, pela existência neles de
um Querer beneficente e de um Amor pela
conversão e congregação na unidade (CH 120b). humanidade (DN 644c)
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conhecer por meio das hierarquias, começando que opera em todos os níveis da realidade.
pela celeste e prolongando-se na eclesiástica. Segundo Giorgio Agamben o termo Οικονομια,
Vejamos cada uma delas. constante no vocabulário patrístico e medieval,
designa essa disposição sagrada e será modelo
A hierarquia celeste das organizações medievais (AGAMBEN, 2011).
Seguindo o modelo cosmológico da
Nas obras sobre as hierarquias, investiga- grande tradição de comentadores do Timeu de
se como a revelação de Deus é transmitida Platão, Dionísio postula a harmonia universal
através dos anjos e da Igreja a toda sociedade. sob o signo da vida e da razão do Ser
Com Dionísio, a doutrina cristã é justificada transcendente de que todos os seres participam.
cosmicamente, Hierarquia Celeste, e relacionada Tem-se, assim, o seguinte esquema
de modo profundo com a estrutura da Igreja, participativo na hierarquia celeste: Serafins,
Hierarquia Eclesiástica, cuja liturgia e Querubins e Tronos formam a primeira tríade
sacramentos mostram-se superiores às práticas (CH 201a-212d); Dominações, Potências e
pagãs. Poderes formam a segunda tríade (CH 212d-
Apresenta-se aqui modelo de participação 241c); Principados, Arcanjos e Anjos formam a
em que cada aspecto dos ritos possui
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terceira tríade (257b-261d).
correspondência espiritual com o objetivo de Sem intermediação, a primeira tríade
auxiliar na contemplação - processo de permanece ligada diretamente a Deus.
assimilação pelos símbolos do fundamento Contemplam e louvam a Deus. Seus nomes em
ininteligível que supera toda representação, mas hebraico são evocação de suas funções: Serafins
que, por um ato de bondade, manifesta-se – aqueles que ardem – são símbolos da efusão de
livremente aos que buscam contemplá-lo. sabedoria divina; Querubins possuem e
As Escrituras permitem, de maneira demonstram a atitude de contemplação de Deus
proporcional, ascensão paulatina aos mistérios – são símbolos da beleza thearquica; Tronos
espirituais, que implicam gradual passagem das altíssimos – símbolos das alturas e estabilidade
formas sensíveis à verdade secreta da elevada acima de toda baixeza.
inteligência que permanece obscura para os não À segunda tríade correspondem os
iniciados. seguintes significados: Dominações – elevação
A finalidade da hierarquia é, pois, livre de todo desejo tirânico; Potências –
identificação anagógica com Deus. Mais que indicação de força inerente a toda atividade
estrutura fixa, a hierarquia possui aspecto de divina-; Poderes – disposição ordenada que
disposição sagrada, expressão da beleza divina permite conexão entre as tríades.
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A última tríade é a que se encontra mais é, colocar cada membro da comunidade no lugar
próxima da esfera humana; são os Principados – que lhe cabe. Infeliz quem for contra esta
forças divinas de comandar e guiar; os Arcanjos ordenança hierárquica.
– mediadores; e os Anjos – que são mediações Hierarquia é a ordem instituída por Deus,
entre o mundo inteligível e o mundo sensível. e a ordem pública deve proceder dela, conforme
Como se pode notar, há um perfeito está nas Escrituras, em favor da organização do
ordenamento em que as primeiras tríades regem povo de Deus. Dionísio diz também da
as segundas, e estas, as terceiras. Ver-se-á “sabedoria dos santos juízes e reis, dos padres e
adiante que a terceira tríade rege a hierarquia bispos que vivem em Deus” (EH 429c). E
eclesiástica e, assim, o mundo todo. porque Deus é seu autor, a hierarquia eclesiástica
Ao insistir na lógica de que o inferior não sofre desordem alguma: cada membro deve
segue o superior, isto é, que é necessário permanecer no local que é o seu; se é dado a
ascender do nível baixo, pelo mediano, até o alguém ascender a grau mais elevado, esse
alto, Dionísio associa a hierarquia eclesiástica à movimento deve acontecer segundo regras muito
hierarquia celeste. Com isso, tem-se um elo entre precisas (Carta VIII, 1084a). Romper com a
o inteligível e o sensível capaz de explicar a ordem estabelecida significa violar também a
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participação na natureza divina e fundamentar a ordem interna do ser humano (ROQUES, 1958,
visão de comunidade marcada pela deificação da p. 82-84). A hierarquia eclesiástica reflete, por
vida, dos hábitos e das disposições (EH 372b). isso, certa perfeição na qual cada superior não
Fazer nascer Deus dentro de cada homem carece explicar-se a seus inferiores.
e de cada mulher, ou tornar-se divino, é realizar, A organização fortemente hierárquica
em vida, o projeto unificador – ontológico, manifesta-se por todos os detalhes da vida
cosmológico, moral – que perfaz todo o sistema eclesiástica. A comunhão, na qual as ordens
hierárquico. É deixar “que todas as coisas sejam sacras interagem entre si, é a hierárquica. Nessa
submetidas, então o próprio Filho se submeterá comunhão, até os mortos são incluídos,
àquele que tudo submeteu, para que Deus seja conforme Dionísio, o Areopagita, ensina nos
tudo em todos” (1Cor 15,28). ritos fúnebres:
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piedosas crianças submissas a seus pais, os Mais tarde, quando a ordenação sacerdotal por
consagrados recebem as propriedades e os
poderes do sacerdócio, ao mesmo tempo em grau se tornará regra, será de Dionísio que virá a
que são libertados das potências adversas.
Este rito lhes ensina também a realizar todas contribuição que fundamentará esta lei. Contudo,
as funções sacerdotais como se estivessem
sob as ordens de Deus e considerando-o em
é importante acentuar que a hierarquia não é para
todos os atos de sua vida como seu chefe Dionísio lei natural; é, antes de tudo, a vontade
(EH 512a).
de Deus.
Em seguida, Dionísio expõe um gesto A própria posição de certa ordem, bem
particular a cada ordenação como distintivo para determinada pela organização eclesial, já revela
cada ordem. Para o bispo, será a imposição das sua dignidade: tanto maior a proximidade a
Sagradas Escrituras; para o presbítero, a flexão Deus, tão maior a conformidade com Deus, Ele
dos dois joelhos; para o diácono, a flexão de mesmo. Aqueles que estão um pouco mais perto
apenas um joelho. Assim, as ordens superiores da luz recebem-na com maior claridade e são
possuem todos os ritos das ordens inferiores. A mais capazes de transparecê-la (Carta VIII,
especificação de cada rito corresponde à 1092b). Evidentemente, não se trata de
especificação de cada ordem. O paralelismo é proximidade física a Deus, mas espiritual. Por
perfeito e a hierarquização acontece em todos os isso, aquele que não ilumina, apesar de ter
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domínios. recebido luz para isso, fica excluído da ordem
sacerdotal e da força espiritual que lhe é própria.
Aspectos particulares da noção de ordem Longe de ser privilégio, o posto em determinada
fileira da hierarquia é também missão, isto é, o
A sistematização da ideia de hierarquia, lugar que lhe cabe determina o que fazer, como
levada ao extremo por Dionísio, remete à ideia deve viver (EH 512a).
de ordem – τάσις – ordenação por degraus. Se Portanto, não é preciso conhecer a teoria
cada grupo deve permanecer no seu lugar e se de Dionísio em minucias para se perceber que a
não há razão para desobedecer à ordem hierarquia – e aqui se faz referência à
apreciada ou desejada por Deus, se as potências eclesiástica, mas sem se limitar a ela – é a
superiores, em razão de seu próprio saber, subordinação necessária e ordenada em vista da
possuem a ciência de sagrar as fileiras inferiores promoção espiritual de todos: o fim comum a
e se este mecanismo hierárquico transparece até todas as fileiras das hierarquias consiste no amor
mesmo na gradação das cerimônias de contínuo de Deus e dos mistérios divinos que
ordenação, então, é lógico pensar que isso se dá produz, santamente, em todos, a presença
em todos os graus, um após o outro, começando unificante de Deus. A própria Thearchia
pelos mais baixos para ter acesso aos mais altos. concedeu a toda substância portadora de razão e
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inteligência o dom da hierarquia para assegurar comunidade como um todo. Assim como as
sua salvação e divinização (EH 376a-b). hierarquias angélicas vivem a liturgia da
Observou-se que Dionísio forja contemplação e louvor a Deus – primeira tríade
indiferentemente todas as funções eclesiásticas angélica – e a administração e a execução dos
por meio das ordens sacerdotais. Para ele, não há desígnios divinos – segunda e terceira tríades –,
fronteiras entre o que seria chamado, até do mesmo modo, a hierarquia eclesiástica
recentemente, de ordens menores e de ordens dispõe-se a exercer função contemplativa e ativa
maiores. Ao contrário, o diácono é bem mais por meio da liturgia.
estreitamente ligado aos ministros que aos Liturgia, hinologia, política
superiores (presbíteros e sumo sacerdote). O administrativa confundiram-se no pensamento
termo ministro representa o culminar de toda filosófico político medieval, sobretudo, por
uma evolução. A função de diácono, efeito da influência do Corpus Dionisyacum no
originalmente, consistia certamente na gestão pensamento de grandes mestres como Máximo, o
material da comunidade e no serviço litúrgico Confessor, João Damasceno, Duns Scotus,
“não está certo que nós abandonemos a pregação Boaventura, Alberto Magno, Tomás de Aquino.
da palavra de Deus para servirmos às mesas.
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Portanto, irmãos, escolhei entre vós sete homens Ordem, Oikonomia e Providência
de boa reputação, cheios do Espírito e de
sabedoria, para que lhes confiemos essa tarefa” No início de nossa pesquisa está a
(At 6,1-7). tentativa de fazer ver um paradigma que, embora
As comunidades locais cresceram e os raras vezes tenha sido tematizado como tal fora
diáconos não podiam mais prestar do âmbito estritamente teológico, exerceu
adequadamente seus serviços; eles tiveram que influência sobre o desenvolvimento e o
escolher o que era mais importante e delegar o ordenamento global da sociedade ocidental, e só
que não podiam fazer a ajudantes. Como, ao muito recentemente Erik Peterson, Eric Voegelin,
mesmo momento, a liturgia assumiu posto Giorgio Agamben fizeram notar. Uma das teses
predominante na vida das comunidades, é que esses autores demonstram é que da teologia
natural, portanto, que aos diáconos fosse cristã derivam dois paradigmas em sentido
reservado o papel litúrgico. amplo, antinômicos, porém funcionalmente
Em Dionísio, os membros da hierarquia conexos: a teologia política, que fundamenta no
eclesiástica voltam-se progressivamente para o único Deus a transcendência do poder soberano,
âmbito litúrgico, pois é a partir desse que se dará perspectiva da qual os filósofos supracitados se
o ordenamento da vida dos iniciados e da afastam, e a teologia econômica que substitui
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aquela pela ideia de uma oikonomia, concebida passagens em que se acrescenta a sentido de
como ordem imanente – doméstica e não política “edificante” à construção da comunidade (Ef
em sentido estrito – tanto da vida divina quanto 4,16; Rm 14,9; 1 Cor 14,3) (Cf. AGAMBEN,
da vida humana. 2011, p. 31-66).
Poder-se-ia dizer que da primeira surge a Um desenvolvimento do conceito de
filosofia política e a teoria moderna da oikonomia que trará consequências decisivas
soberania; da segunda, a biopolítica moderna até para a cultura medieval e moderna é o que o
o atual triunfo da economia e do governo sobre vincula ao tema da providência. Clemente de
qualquer outro aspecto da vida social. Alexandria precisou que a oikonomia não só tem
Sobremaneira, o conceito de hierarquia alicerça a ver com a administração da casa, mas com o
essa teoria. cuidado da própria alma. Nossa alma e o
Oikonomia significa administração da universo inteiro são regidos por uma economia
casa. É termo que remonta aos tratados superior. Há uma 'economia' que rege todas as
aristotélicos. Aristóteles distinguia a política da coisas: a providência (AGAMBEN, 2011, p. 61).
oikonomia do mesmo modo que a cidade (pólis) Pode-se sintetizar a temática assim: a
se distinta da casa (oikia). No tratado Política, o providência divina dispõe a realidade segundo
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rei e o político aparecem qualitativamente uma ordem. Essa ordem é própria da divindade,
contrapostos ao oikonomes e ao despotés Thearchia, e essa disposição constitui o que a
(ARISTOTÉLES, 1999, 1253b. tradição patrística chamou de oikonomia.
Paulo introduziu o termo oikonomia em Dionísio, o Areopagita, herdou da
suas cartas, conferindo-lhe significado teológico, tradição paulina e alexandrina (Clemente e
como aparece em 1Cor 9, 16-17 (o encargo Orígenes, e posteriormente os capadócios) o
recebido). Em 1 Tm 1, 3-4, fala-se da oikonomia arcabouço para instituir seu conceito de
de Deus. E abundam as citações. hierarquia e assim oferecer à posteridade um
Ao caracterizar a Igreja em termos paradigma organizacional.
domésticos, ao invés de políticos, Paulo só faz
continuar um processo que já havia começado. Mistério e Ministério
Contudo, ele imprime a esse processo uma nova
aceleração, que permeia todo o registro Dionísio reúne, mas não reduz, a
metafórico do léxico cristão. Exemplos hierarquia eclesiástica sob a designação de
significativos são encontrados em 1 Tm 3,15, em ministros – Ministros são os bispos, os
que a comunidade é definida como casa [não presbíteros e os diáconos. São os responsáveis
cidade] de Deus, e ainda, em diversas outras pela liturgia e pela iniciação dos fiéis. Ao
REVISTA LABIRINTO, PORTO VELHO (RO), ISSN 1519-6674, ANO XIX, VOL. 30 (JAN-JUN), N. 1, 2019, P. 39-55.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE HIERARQUIA DE DIONÍSIO, O AREOPAGITA,
ALEX GONÇALVES PIN
REVISTA LABIRINTO, PORTO VELHO (RO), ISSN 1519-6674, ANO XIX, VOL. 30 (JAN-JUN), N. 1, 2019, P. 39-55.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE HIERARQUIA DE DIONÍSIO, O AREOPAGITA,
ALEX GONÇALVES PIN
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CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE HIERARQUIA DE DIONÍSIO, O AREOPAGITA,
ALEX GONÇALVES PIN
NOTAS
PSEUDO-DIONISIO, O AREOPAGITA. Obras
Completas. Pseudo-Dionisio Areopagita. Trad.
i
Doutorando em Bioética no Programa de Pós-graduação 55
em Bioética da Universidade de Brasília. Mestrado em
de O. G. Cardedal. Coleção Bac, V. 511. Madrid: Metafísica (2017) pelo Programa de Pós-graduação em
Metafísica da Universidade de Brasília, graduação
BAC, 1990. Teologia (2014) e Filosofia (2008) pela Faculdade Jesuíta
de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte-MG. Pesquisa
biopolítica, bioética e cristianismo na sociedade
contemporâneas.
Bibliografia ii
Abreviações: Hierarquia Celeste = CH; Hierarquia
Eclesiástica = EH; Nomes Divinos = DN; Teologia Mística
= MT; Cartas = Ep.
AGAMBEN, G. O Reino e a Glória, uma
genealogia teológica da economia e do
governo. Trad. S. J. Assmann. São Paulo:
Boitempo, 2011.
ARISTOTÉLES, Política. 3ª ed. São Paulo: Recebido em: 28/04/2019.
Martins Fontes, 1999. Aprovado em: 21/08/2019.
FAIVRE, A. Naissance d'une hierarchie: les
Publicado em: 31/08/2019.
premieres etapes du cursus clerical. Paris:
Beauchesne, 1977.
GOLITZIN, I. A. “Dionysius Areopagita: A
Christian Mysticism?” Pro Ecclesia. Nº 12,
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