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Resumo Abstract
A ventilação não invasiva (VNI) consiste na aplicação Non-invasive ventilation (NIV) is a technique that
de um suporte ventilatório sem recorrer a métodos delivers mechanical ventilation avoiding side effects
invasivos, evitando desta forma as complicações asso- and complications associated with endotracheal intu-
ciadas à entubação orotraqueal e ventilação mecânica bation and invasive mechanical ventilation. This te-
invasiva. Esta técnica já demonstrou ser eficaz em di- chnique has proved to be effective in different types
versos tipos de insuficiência respiratória aguda ou of respiratory failure. In this article, the authors revise
crónica agudizada. Neste artigo, os autores fazem the advantages and limitations of NIV, interfaces
uma revisão dos benefícios, vantagens e limitações da used and indications in acute and acute-on-chronic
VNI, interfaces utilizadas e principais indicações des- respiratory failure.
ta técnica na insuficiência respiratória aguda (IRA) e
na insuficiência respiratória crónica agudizada. Rev Port Pneumol 2009; XV (4): 655-667
Rev Port Pneumol 2009; XV (4): 655-667 Key-words: Noninvasive ventilation, respiratory fai-
lure, pulmonary edema, obstructive lung diseases,
Palavras-chave: Ventilação não invasiva, insuficiên- asthma, bronchiectasis, cystic fibrosis, endotracheal
cia respiratória, edema agudo do pulmão, doenças intubation.
pulmonares obstrutivas, asma, bronquiectasias, fibro-
se quística, entubação orotraqueal.
Correspondência:
Susana Alves Ferreira
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho EPE
Avenida dos Descobrimentos, n.º 371, Bloco A, Habitação 121
4400-103 Vila Nova de Gaia, Portugal
E-mail: s.a.ferreira@iol.pt
Telefone: 00351912767155
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Quadro II – Contraindicações para o uso de VNI1 Nas zonas de maior pressão pode ser aplica-
1 – Paragem cardiorrespiratória
do hidrocolóide e, de seguida, colocada a
2 – Encefalopatia grave máscara seleccionada, verificando se existem
3 – Hemorragia gastrintestinal grave fugas. Habitualmente, programa-se o venti-
4 – Instabilidade hemodinâmica lador com uma pressão mínima expiratória
5 – Cirurgia facial ou trauma (EPAP) de 4 cm H2O e uma pressão míni-
6 – Obstrução da via aérea superior ma inspiratória (IPAP) de 10-12 cm H2O,
7 – Incapacidade de drenagem de secreções traqueo-
que será ajustada de acordo com a evolução
brônquicas
8 – Incapacidade de protecção da via aérea com risco
clínica e gasimétrica, podendo atingir valo-
de aspiração res até 30 cmH2O (IPAP). Deve administrar-
-se oxigénio suplementar, de modo a manter
saturações periféricas de O2 (sO2) ≥ 90%.
enfermarias com vigilância adequada e pos- A monitorização de gases do sangue arterial
sibilidade de transferência rápida. deve ser efectuada após 30-60 minutos.
Mais importante do que o local onde se rea- Os factores mais importantes para o sucesso
liza a VNI é a experiência e a disponibilida- deste tipo de ventilação são a selecção crite-
de dos técnicos que a aplicam. riosa dos doentes, o início atempado, o tipo
Um estudo em doentes com exacerbações de abordagem do doente, o equipamento e
agudas de DPOC e realizado em enferma- o local apropriados, interfaces adequadas e
rias gerais demonstrou melhores resultados confortáveis e, principalmente, pessoal trei-
em doentes com pH> 7,30, sugerindo que nado com esta técnica.
os doentes mais graves devem ser referencia- Alguns dos factores preditivos de sucesso da
dos para unidades mais diferenciadas². VNI relacionados com a apresentação inicial
Pode ainda ser iniciada no serviço de urgência do doente são enumerados no Quadro IV.
(SU), desde que o pessoal esteja treinado com
a técnica e o doente monitorizado e vigiado,
para que em caso de falência da VNI possa ser Aplicação da VNI na insuficiência
rapidamente transferido³. Não deve nunca ser respiratória aguda (IRA)
adiada a EOT e ventilação mecânica (VM) se
o doente apresentar indicação para tal em Edema agudo do pulmão cardiogénico
qualquer momento (Quadro III). A VNI (modo BiPAP ou CPAP) é actual-
mente aceite como uma das componentes
no tratamento do edema agudo do pulmão
Como aplicar (EAP), com resultados comprovados na re-
Ao iniciar a técnica, deve ser explicado o proce- dução da necessidade de EOT e taxa de
dimento ao doente. Este deve estar confortavel- mortalidade.
mente sentado e monitorizado com oximetria Os efeitos fisiológicos do CPAP incluem o
de pulso, frequência respiratória, monitorização aumento da capacidade residual funcional, a
cardíaca electrocardiográfica, tensão arterial e redução do trabalho respiratório, a diminui-
alarmes de fugas de ar. Deve ser realizada perio- ção da pressão transmural do ventrículo es-
dicamente gasometria arterial. querdo e da pós-carga e a melhoria do débito
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1 – Intolerância à interface
2 – Assincronismo doente / ventilador
3 – Ausência de melhoria das trocas gasosas e/ou dispneia
4 – Instabilidade hemodinâmica, isquemia do miocárdio ou disritmia ventricular
5 – Necessidade urgente de EOT (secreções abundantes, protecção da via aérea)
6 – Incapacidade de melhorar o estado de consciência após 30 minutos de VNI em doentes hipoxémicos e agitados
cardíaco. A associação de EPAP torna mais dos com BiPAP apresentavam níveis de cre-
eficaz o descanso dos músculos respiratórios. atinina quinase mais elevados antes do início
Três estudos demonstraram a eficácia do do tratamento.
CPAP no EAP cardiogénico5,6,7. Os estudos Uma metaanálise recente11, incluindo 23 es-
de Rusterholtz et al 8 e de Hoffman et al 9 tudos, comparou a utilização de CPAP, BiPAP
demonstraram a eficácia do BiPAP nestes e terapêutica médica convencional nestes do-
doentes, com diminuição da necessidade de entes. O CPAP e o BiPAP reduziram a neces-
EOT. Estes estudos8,9 revelaram um risco de sidade de EOT, o CPAP comparativamente à
enfarte agudo de miocárdio (EAM) acresci- terapêutica convencional reduziu a mortali-
do com a utilização de BiPAP em doentes dade, tendência também observada com o
com EAP cardiogénico. Um estudo poste- BiPAP (apesar de não estatisticamente signifi-
rior10 (n= 27), comparando a utilização de cativo). Observou-se fraca evidência de au-
CPAP e BiPAP, concluiu que doentes trata- mento da incidência de EAM com BiPAP
dos com BiPAP apresentavam uma redução relativamente ao CPAP.
mais rápida da pCO2; no entanto, este estu- As recomendações actuais são de que a utili-
do foi interrompido precocemente devido a zação de CPAP (10-15 cm2 H2O) deve ser
uma elevada taxa de EAM neste grupo (71% considerada para os doentes com EAP e in-
no grupo tratado com BiPAP vs 31% no suficiência respiratória hipoxémica que não
grupo tratado com CPAP). Contudo, a aná- responde à terapêutica habitual. A ventila-
lise dos dados revelou que os doentes trata- ção não invasiva binível (BiPAP) deve ser
1 – Ausência de pneumonia
2 – Gravidade inicial mais baixa
3 – Secreções escassas
4 – Menor idade
5 – Capacidade de cooperação; sincronismo doente/ventilador
6 – Melhor score neurológico
7 – Boa adaptação à interface (sem fugas)
8 – 92 mmHg < paCO2 > 45 mmHg
9 – 7,35 < pH sangue arterial > 7,10
10 – Melhoria clínica e das trocas gasosas nas primeiras duas horas de VNI
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considerada apenas nos doentes com hiper- simétricos, quer o estado clínico. A tole-
capnia ou insuficiência respiratória persis- rância ao ventilador foi muito boa e apenas
tente após a utilização de CPAP, devendo ser 2 dos 17 doentes tiveram evolução desfa-
evitada a sua utilização no EAP após EAM. vorável com necessidade EOT. O segundo
estudo17, retrospectivo, em doentes com
mal asmático e hipercapnia, apresentou
Doentes imunodeprimidos também resultados favoráveis com institui-
Nos doentes imunodeprimidos, são várias ção da VNI.
as evidências que suportam o uso da VNI São estudos com amostras de reduzida di-
como modalidade ventilatória de primeira mensão, não controlados e não randomiza-
linha, com redução da mortalidade e da ne- dos. Em comum os doentes apresentavam
cessidade de EOT e das complicações infec- cansaço muscular, reflectido pela hipercap-
ciosas, quando comparada com a ventilação nia, parecendo este ser um factor preditivo
invasiva. de sucesso para VNI. Outros estudos são
A diminuição da mortalidade parece ser necessários para criar suporte científico evi-
uma consequência da diminuição da neces- dente e clarificar o papel da hipercapnia
sidade de EOT, com menor número de como condicionante de sucesso.
complicações, como a pneumonia associada
ao ventilador, infecções nosocomiais e cho-
que séptico. Pneumonia adquirida na comunidade (PAC)
Tais evidências são fundamentadas por dife- A utilização da VNI em doentes com pneu-
rentes estudos12,13,14,15, que usaram como monia deve ser muito cautelosa, uma vez
base populações de imunodeprimidos de que as taxas de insucesso nestes doentes,
causas diversas, como sejam os transplanta- principalmente nas situações de pneumo-
dos de órgãos sólidos, de medula óssea e os nias graves, são muito elevadas (insucesso
doentes com síndroma de imunodeficiência em cerca de 1/3 dos doentes).
adquirida (SIDA). Um estudo18 randomizado e controlado, em
doentes com PAC, demonstrou que o uso
de VNI diminui a taxa de EOT (21% versus
Asma 50%) e o tempo de internamento em UCI
A utilização da VNI na asma está ainda (1,8 ± 0,7 dias vs 6 ± 1,8 dias). No subgrupo
numa fase muito precoce, sendo a evidência dos doentes com DPOC e pneumonia, a
científica pouco clara, com base em estudos taxa de sobrevida aos 2 meses também me-
inconclusivos e alguns contraditórios. lhorou (88,9% vs 37,5%).
Dois estudos que reforçam a utilização da Um outro estudo19, em doentes com PAC e
VNI nesta patologia são o realizado por insuficiência respiratória hipoxémica, com-
Meduri et al 16 e o de Fernandez MM17. O parou a utilização de VNI com oxigenotera-
primeiro 16 incluía 17 doentes com pH mé- pia, demonstrando uma diminuição na ne-
dio à admissão de 7,25 e pCO2 média de cessidade de EOT, número de dias na UCI
65 mmHg, que após aplicação de VNI me- e melhoria da sobrevida aos 3 meses com a
lhoraram rapidamente, quer os valores ga- utilização de VNI.
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a VNI foi instituída precocemente, antes da Uma chamada de atenção para a broncor-
instalação de acidose severa. Portanto, se ins- reia excessiva que, nestes doentes, pode li-
tituída nas exacerbações mais graves, apenas mitar a aplicação desta técnica.
após ausência de resposta à terapêutica médi- Nos doentes com fibrose quística em fases
ca, a VNI pode condicionar um tempo de avançadas da doença e a aguardar transplante
internamento e mortalidade a curto prazo se- pulmonar, realizaram-se alguns estudos46,47,48,49
melhantes às da VMI. aplicando a VNI como “ponte” para o trans-
Mesmo doentes com idades mais avançadas e plante, com bons resultados. Actualmente, a
EADPOC com acidose respiratória podem VNI deve ser considerada nestes casos.
beneficiar desta técnica, com boa tolerância43.
A presença de depressão marcada do estado de
consciência era considerada até há alguns anos Doenças restritivas (deformidades da
uma contraindicação absoluta ao uso de VNI. parede torácica/doenças neuromusculares)
Estudos recentes44,45 demonstraram bons resul- Actualmente está estabelecida a utilidade da
tados na aplicação de VNI em doentes com VNI domiciliária nos doentes restritivos esta-
EADPOC e depressão ligeira a moderada do bilizados, com melhoria da qualidade de vida
estado de consciência, com redução do número e redução do número de internamentos. No
de infecções nosocomiais e do número de dias entanto, existem poucos estudos controlados
de internamento. Em doentes com depressão neste grupo de doentes em situações agudas.
severa do estado de consciência, os resultados Relativamente às deformidades da parede
são mais desfavoráveis e a VNI deve ser aplicada torácica, existem apenas alguns relatos de
com maior cautela, sempre sob monitorização casos isolados, com taxas de sucesso entre
apertada. Actualmente, propõe-se a VNI como 33 e 66%. Um estudo50 comparando a efi-
estratégia ventilatória de primeira linha nas cácia da VNI nas exacerbações de doenças
EADPOC com acidose respiratória, em dife- restritivas com as exacerbações de DPOC
rentes locais e em diferentes tempos, de acordo demonstrou uma taxa de sucesso inferior
com a gravidade da falência respiratória. Não nos doentes restritivos (35% vs 67%).
existe evidência de que uma tentativa falhada de Nos doentes neuromusculares, a VNI pode
VNI seja prejudicial, desde que não se atrase o ser tão eficaz como a ventilação invasiva,
momento correcto para EOT e VMI e não exis- desde que não exista atingimento bulbar se-
tam contraindicações à sua instituição. vero. Estes doentes habitualmente não são
capazes de eliminar as secreções traqueo-
brônquicas, sendo que a associação da tosse
Bronquiectasias e fibrose quística assistida pode aumentar a eficácia da VNI.
Neste grupo de doentes, não existem estu-
dos controlados e randomizados relativa-
mente à utilização de VNI na insuficiência Conclusões
respiratória aguda ou crónica agudizada Nos últimos anos assistiu-se a um crescente
(exacerbações). É sugerido, com base na entusiasmo e uso da VNI. Actualmente, é
prática clínica, um potencial benefício nas uma estratégia terapêutica bem aceite e que
exacerbações com acidose respiratória. pode ser utilizada com sucesso na insufi-
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ciência respiratória de diferentes etiologias. 6. Lin M, Yang YF, Chiang HT, Chang MS, Chiang
No entanto, a consciência dos insucessos BN, Cheitlin MD. Reappraisal of continuous positive
airway pressure therapy in acute cardiogenic pulmonary
deve estar sempre presente, uma vez que a
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É uma técnica que exige grande disponibili- 8. Rusterholtz T, Kempf J, Berton C, et al. Noninvasive
dade e dedicação do técnico, obrigando a pressure support ventilation (NIPSV) with face mask in
patients with acute cardiogenic pulmonary edema
reavaliações frequentes, principalmente na
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fase inicial (primeiras 4 a 8 horas), pois só 9. Hoffmann B, Welte T. The use of non-invasive pres-
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so da EOT e VMI em tempo útil. Advoga-se, 10. Mehta S, Jay GD, Woolard RH, et al. Randomized
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Vol XV N.º 4 Julho/Agosto 2009