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Wikileaks: Bolsa Família é “quase direito

sacrossanto” no Brasil, diz telegrama


Posted on 09/03/2011 by Natalia Viana|
Do Futepoca
O programa Bolsa Família virou parte da infraestrutura da política brasileira, “quase um
direito sacrossanto” no debate eleitoral, segundo a análise da embaixada dos Estados
Unidos no Brasil. Em telegrama assinado por Lisa Kubiske, ministra conselheira da
embaixada, o programa Bolsa Família é analisado, para discutir sua eficiência e seus
impactos políticos, econômicos e sociais.
O documento é apenas um do quinto lote de telegramas vazados do Wikileaks para
blogues, cujo recorte é Eleição 2010. São 23 mensagens, de 2009, ocupando 51 páginas.
Da articulação de alianças à crise no Senado, quando José Sarney (PMDB-AP) foi
bombardeado por denúncias envolvendo a fundação que leva seu nome e os atos secretos
na Casa, tem história a rodo.
“Independentemente da habilidade ou do desejo do Brasil de enfrentar as condições
degradantes que atingem a população pobre do país, o Bolsa Família é politicamente
popular e, como resultado, nenhum candidato na eleição presidencial do próximo ano
(2010) vai se dispor a mudá-lo”, previa a funcionária em 2009. “O programa parece ter se
tornado uma parte permanente da infraestrutura política do Brasil – quase um direito
sacrossanto – assegurando que está aqui para ficar”, completa.
O conjunto exposto é embasado em dados do Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (Ipea) – aquele aparelhado ideologicamente pela esquerda, sabe? – e do Banco
Mundial, além de quatro conversas-entrevistas. Neste último grupo, os interlocutores
citados foram o economista da Fundação Getúlio Vargas, Andre Portela Souza, a
coordenadora da Fundação Tide Setubal Paula Galeano, Alexandre Marinis, colunista da
Bloomberg no Brasil sobre política econômica, e um assistente social não nominado.
Bem mais embasado do que a média dos telegramas (que faz relatórios do que sai na
mídia) e até do que muita reportagem que se lê por aí.
Datado de 1º de setembro de 2009, o texto cita avanços do país na redução da
desigualdade, com a melhoria do coeficiente de Gini, mas também alguns desafios. Além
de questões operacionais, como garantir que as crianças das famílias atendidas estejam,
de fato, matriculadas em escolas, há a qualidade do ensino. A evidência para trazer o
tópico no telegrama é um estudo do Ipea, com base em dados do escritório no Brasil do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que conclui que a
pobreza teria sido diminuída em apenas três pontos percentuais (de 25% para 22%) se o
programa tivesse sido implantado há 30 anos.
A necessidade de uma “reforma educacional” é apresentada como um imperativo para o
Brasil. Os detalhes ou direções dessas mudanças não são desenhadas pelos diplomatas –
nem, tampouco, nenhum “interesse americano” aparece citado no caso (ufa!). Mudanças
promovidas pelo Ministério da Educação estariam buscando a melhoria da qualidade,
diante da inclusão de crianças antes marginalizadas.
Apesar de citar estudos que apontam pouca evidência de que o programa estivesse
ajudando a reduzir o trabalho infantil, o telegrama dá crédito a empregadores do setor de
cana-de-açúcar de Pernambuco e Alagoas (usineiros) que dizem estar difícil contratar
boias-frias, que prefeririam ganhar o Bolsa Família a trabalhar. Quer dizer, corrobora a
ideia (em grande medida preconceituosa) de que o programa cria grupos avessos ao
trabalho, devido a seu caráter assistencialista ou algo assim. Isso se choca com o teor da
própria exposição de todo o telegrama, que não toma a política pública como tal. Mas
está lá.
O resumo da análise:
“O Bolsa Família melhorou as condições de vida cotidiana para os brasileiros mais
pobres. A transferência de renda, no entanto, não vai resolver os significativos problemas
estruturais – principalmente o fraco sistema público de educação – que continua a
prejudicar objetivos de mobilidade e oportunidade sociais e econômicos de longo prazo.
O PBF também sofre de desafios operacionais que podem ser mais facilmente resolvidos,
incluindo: construir um registro mais completo, criar um sistema de gerenciamento
moderno e mais adequado, e eventualmente propor uma estratégia de saída para os
beneficiários. No entanto, para avançar nas metas chave do PBF em longo prazo de
ascensão social, uma reforma educacional aparece como uma necessidade crítica.”

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