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A entrevista clínica
Marcelo Tavares
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A entrevista clínica não é uma técnica úni-
ca. Existem várias formas de abordá-la,
conforme o objetivo específico da entrevista e
Por técnica entendemos uma série de pro-
cedimentos que possibilitam investigar os te-
mas em questão. A investigação possibilita al-
a orientação do entrevistador. Os objetivos de cançar os objetivos primordiais da entrevista,
cada tipo de entrevista determinam suas es- que são descrever e avaliar, o que pressupõe o
tratégias, seus alcances e seus limites. Neste levantamento de informações, a partir das
capítulo, vamos definir a entrevista clínica, exa- quais se torna possível relacionar eventos e
minar seus elementos e diferenciar os tipos em experiências, fazer inferências, estabelecer con-
que podem ser classificadas. Em seguida, dis- clusões e tomar decisões. Essa investigação se
cutiremos alguns aspectos das competências dá dentro de domínios específicos da psicolo-
essenciais do entrevistador para a condução gia clínica e leva em consideração conceitos e
de uma entrevista clínica. Concluímos com conhecimentos amplos e profundos nessas
uma reflexão sobre a ética dos temas discu- áreas. Esses domínios incluem, por exemplo, a
tidos. psicologia do desenvolvimento, a psicopatolo-
gia, a psicodinâmica, as teorias sistêmicas. As-
pectos específicos em cada uma dessas áreas
DEFININDO A ENTREVISTA CLÍNICA podem ser priorizados como, por exemplo, o
desenvolvimento psicossexual, sinais e sinto-
Em psicologia, a entrevista clínica é um con- mas psicopatológicos, conflitos de identidade,
junto de técnicas de investigação, de tempo relação conjugal, etc.
delimitado, dirigido por um entrevistador trei- Afirmamos ainda que a entrevista é parte
nado, que utiliza conhecimentos psicológicos, de um processo. Este deve ser concebido, ba-
em uma relação profissional, com o objetivo sicamente, como um processo de avaliação,
de descrever e avaliar aspectos pessoais, rela- que pode ocorrer em apenas uma sessão e ser
cionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, dirigido a fazer um encaminhamento, ou a
rede social), em um processo que visa a fazer definir os objetivos de um processo psicotera-
recomendações, encaminhamentos ou propor pêutico. Muitas vezes, o aspecto avaliativo de
algum tipo de intervenção em benefício das uma entrevista inicial confunde-se com a psi-
pessoas entrevistadas. Convém agora exami- coterapia que se inicia, devido ao aspecto te-
nar os elementos dessa definição. rapêutico intrínseco a um processo de avalia-
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ção e ao aspecto avaliativo intrínseco à psico- emergência de novos conteúdos na mente do
terapia. Outras vezes, o processo de avaliação sujeito. O entrevistador deve estar atento aos
é complexo e exige um conjunto diferenciado processos no outro, e a sua intervenção deve
de técnicas de entrevistas e de instrumentos e orientar o sujeito a aprofundar o contato com
procedimentos de avaliação, como, por exem- sua própria experiência. Em síntese, concluí-
plo, além da entrevista, os instrumentos pro- mos que todos os tipos de entrevista têm al-
jetivos ou cognitivos, as técnicas de observa- guma forma de estruturação na medida em que
ção, etc. A importância de enfatizar a entrevis- a atividade do entrevistador direciona a entre-
ta como parte de um processo é de poder vis- vista no sentido de alcançar seus objetivos.
lumbrar o seu papel e o seu contexto ao lado Entrevistador e entrevistado têm, nesse pro-
de uma grande quantidade possível de proce- cesso, atribuições diferenciadas de papéis. A
dimentos em psicologia. A entrevista clínica é função específica do entrevistador coloca a
um procedimento poderoso e, pelas suas ca- entrevista clínica no domínio de uma relação
racterísticas, é o único capaz de adaptar-se à profissional. É dele a responsabilidade pela
diversidade de situações clínicas relevantes e condução do processo e pela aplicação de co-
de fazer explicitar particularidades que esca- nhecimentos psicológicos em benefício das
pam a outros procedimentos, principalmente pessoas envolvidas. É responsabilidade dele
aos padronizados. A entrevista é a única técni- dominar as especificidades da técnica e a com-
ca capaz de testar os limites de aparentes con- plexidade do conhecimento utilizado. Essa res-
tradições e de tornar explícitas características ponsabilidade delimita (estrutura) o processo
indicadas pelos instrumentos padronizados, em seus aspectos clínicos. Assumir essas res-
dando a eles validade clínica (Tavares, 1998), por ponsabilidades profissionais pelo outro tem
isso, a necessidade de dar destaque à entrevista aspectos éticos fundamentais; significa reco-
clínica no âmbito da avaliação psicológica. nhecer a desigualdade intrínseca na relação,
Definimos ainda a entrevista clínica como que dá uma posição privilegiada ao entrevis-
tendo a característica de ser dirigida. Afirmar tador. Essa posição lhe confere poder e, por-
que a entrevista é um procedimento dirigido tanto, a responsabilidade de zelar pelo inte-
pode suscitar alguns questionamentos. Mes- resse e bem-estar do outro. Também é do en-
mo nas chamadas entrevistas “livres”, é neces- trevistador a responsabilidade de reconhecer
sário o reconhecimento, pelo entrevistador, de a necessidade de treinamento especializado e
seus objetivos. Como afirmamos antes, os ob- atualizações constantes ou periódicas.
jetivos de cada tipo de entrevista definem as O papel principal da pessoa entrevistada é
estratégias utilizadas e seus limites. É no intui- o de prestar informações. A entrevista pressu-
to de alcançar os objetivos da entrevista que o põe pelo menos uma pessoa que esteja em
entrevistador estrutura sua intervenção. Isso condições de ser um participante colaborati-
nos parece verdadeiro, inclusive para os psicó- vo, e o sucesso da entrevista depende do seu
logos que consideram que é o sujeito entrevis- modo de participação. Essa dependência tor-
tado quem conduz o processo. O entrevista- na-se mais evidente nos casos de participantes
dor precisa estar preparado para lidar com o resistentes ou não voluntários. O entrevistador
direcionamento que o sujeito parece querer dar tem a necessidade de conhecer e compreen-
à entrevista, de forma a otimizar o encontro der algo de natureza psicológica, para poder
entre a demanda do sujeito e os objetivos da fazer alguma recomendação, encaminhamen-
tarefa. Assim, quando o entrevistador confron- to ou sugerir algum tipo de atenção ou trata-
ta uma defesa, empaticamente reconhece um mento (intervenção). Nos casos em que pare-
afeto ou pede um esclarecimento, ele está cer- ce haver dificuldades de levantar a informação,
tamente definindo direções. Até mesmo a ati- é bem provável que o entrevistador tenha de
vidade interpretativa na associação livre ou a centrar sua atenção na relação com a pessoa
resposta centrada no cliente do psicólogo dá entrevistada, para compreender os motivos de
uma direção, facilitando ou dificultando a sua atitude. Geralmente, essas dificuldades
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TIPOS E OBJETIVOS DA ENTREVISTA CLÍNICA demanda e espera um retorno que o auxilie. A
utilidade das entrevistas clínicas depende, por-
Classificar os tipos de entrevista não é uma tanto, do espaço que o procedimento deixa
tarefa fácil, pois exige a consideração de eixos para as manifestações individuais e requer ha-
classificatórios e o exame sistemático dos ti- bilidades e conhecimentos específicos que per-
pos principais de técnicas de entrevistas. Essa mitam ao entrevistador conduzir adequada-
tarefa se estende além dos objetivos deste ca- mente o processo. Essa especificidade clínica
pítulo, mas indicaremos aqui algumas direções. favorece os procedimentos semi-estruturados
Vamos levar em consideração dois eixos: se- e de livre estruturação.
gundo a forma (estrutura) e segundo o obje- É tradição se referir à entrevista de livre es-
tivo. truturação como entrevista livre ou não-estru-
turada. Temos argumentado que toda entre-
vista supõe, na verdade exige, alguma forma
CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO ASPECTO de estruturação. É necessário que se conheçam
FORMAL suas metas, o papel de quem a conduz e os
procedimentos pelos quais é possível atingir
Quanto ao aspecto formal, as entrevistas po- seus objetivos. Estes e outros elementos pró-
dem ser divididas em estruturadas, semi-estru- prios das entrevistas lhes conferem uma estru-
turadas e de livre estruturação. As entrevistas tura, mesmo que o entrevistador não a reco-
estruturadas são de pouca utilidade clínica. A nheça explicitamente. Por esse motivo, referi-
aplicação desse tipo de entrevista é mais fre- mo-nos a esse tipo de entrevista como entre-
qüente em pesquisas, principalmente nas si- vista de livre estruturação. A grande maioria
tuações em que a habilidade clínica não é ne- das técnicas de entrevista divulgadas em psi-
cessária ou possível. Sua utilização raramente cologia clínica, desde seus primórdios, enqua-
considera as necessidades ou demandas do dra-se nesse tipo de entrevista. As técnicas de
sujeito avaliado – usualmente, ela se destina entrevista vêm sendo gradativamente especi-
ao levantamento de informações definidas ficadas, de modo que sua estrutura pode ser
pelas necessidades de um projeto. Um exem- mais claramente definida, a partir do desen-
plo típico é a entrevista epidemiológica, que, volvimento das técnicas de avaliação e trata-
como um censo, requer que o entrevistador mento, particularmente com o surgimento de
cubra um grande número de questões em pou- manuais psicoterapêuticos (Luborsky, 1984,
co tempo. Nela, não se pode exigir do entre- 1993; Sifneos, 1993), manuais diagnósticos
vistador experiência ou conhecimento clínico, (APA, 1995; Spitzer, Gibbon, Skodol et alii,
pelos altos custos envolvidos no processo. Este 1994) e critérios de seleção de pacientes (Da-
é o caso da Diagnostic Interview Schedule (DIS); vanloo, 1980; Malan, 1980; Marmor, 1980; Si-
(Robins, Helzer, Croughan et alii, 1981). As en- fneos, 1980, 1993). Tomando-se os objetivos
trevistas estruturadas privilegiam a objetivida- de uma técnica de livre estruturação, é possí-
de – as perguntas são quase sempre fechadas vel desenvolver alguma forma semi-estrutura-
ou delimitadas por opções previamente deter- da de se obter o mesmo tipo de informação.
minadas e buscam respostas específicas a ques- Historicamente, é assim que têm surgido as en-
tões específicas. Quando respostas abertas são trevistas semi-estruturadas, como é o caso
possíveis, geralmente são associadas a esque- da Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-
mas classificatórios operacionalizados, que fa- IV (SCID) (Spitzer, Williams, Gibbon et alii, 1992;
cilitam a tradução da informação em catego- Tavares, 1997, 2000b). Esta avalia um conjun-
rias do tipo objetivo. to de 44 psicopatologias mais comuns, facili-
Nas entrevistas clínicas, desejamos conhe- tando o diagnóstico diferencial nos casos mais
cer o sujeito em profundidade, visando a com- difíceis. Um exemplo mais específico é a Positi-
preender a situação que o levou à entrevista. ve and Negative Symptoms for Schizophrenia
Nesse caso, o entrevistado é porta-voz de uma (PANSS) (Kay, Fiszbein & Opler, 1987), uma téc-
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drômicas ou dinâmicas), sistêmicas e de devo- aspectos importantes do desenvolvimento,
lução. Uma entrevista para a avaliação na clí- embora de maneira não tão extensiva como
nica psicológica pode ter por finalidade carac- faz a entrevista de anamnese.
terísticas vinculadas a um desses tipos, ou pode De um certo modo, toda entrevista clínica
ter por objetivo uma combinação de aspectos comporta elementos diagnósticos. Nessa pers-
relacionados a mais de um desses tipos de en- pectiva, empregamos o termo de maneira bem
trevistas. Profissionais de todas as abordagens ampla. Em outro sentido, empregamos o ter-
podem realizar entrevistas clínicas com esses mo diagnóstico de modo mais específico, defi-
objetivos. Examinaremos cada um desses tipos nindo-o como o exame e a análise explícitos
de entrevista. ou cuidadosos de uma condição na tentativa
A entrevista de triagem tem por objetivo de compreendê-la, explicá-la e possivelmente
principal avaliar a demanda do sujeito e fazer modificá-la. Implica descrever, avaliar, relacio-
um encaminhamento. Geralmente, é utilizada nar e inferir, tendo em vista a modificação da-
em serviços de saúde pública ou em clínicas quela condição. A entrevista diagnóstica pode
sociais, onde existe a procura contínua por uma priorizar aspectos sindrômicos ou psicodinâ-
diversidade de serviços psicológicos, e torna- micos. O primeiro visa à descrição de sinais
se necessário avaliar a adequação da deman- (baixa auto-estima, sentimentos de culpa) e
da em relação ao encaminhamento pretendi- sintomas (humor deprimido, ideação suicida)
do. Um dos equívocos mais comuns é o de para a classificação de um quadro ou síndro-
pessoas que procuram ajuda individual para me (Transtorno Depressivo Maior). O diagnós-
problemas relacionais. Outra situação impor- tico psicodinâmico visa à descrição e à com-
tante ocorre quando existe a opção de terapia preensão da experiência ou do modo particu-
individual e grupal, tornando-se necessário lar de funcionamento do sujeito, tendo em vista
avaliar a adequação dos membros conforme a uma abordagem teórica. Tanto o diagnóstico
composição e os objetivos dos grupos terapêu- sindrômico quanto o psicodinâmico visam à
ticos. A triagem é também fundamental para modificação de um quadro apresentado em
avaliar a gravidade da crise, pois, nesses casos, benefício do sujeito.
torna-se necessário ou imprescindível o enca- Algumas vezes, a característica classificató-
minhamento para um apoio medicamentoso. ria do diagnóstico sindrômico parece se con-
Embora não pareça tão óbvio, o clínico que trapor a uma compreensão dinâmica do mes-
trabalha sozinho também terá que triar seus mo; contudo, estas duas perspectivas devem
clientes e encaminhar aqueles que não julgar ser vistas como complementares, operando
adequado atender, conforme sua especialida- dentro de uma mesma estratégia de entrevis-
de e competência. ta. Tradicionalmente, os textos tendiam a en-
A entrevista em que é feita a anamnese (vide fatizar uma ou outra abordagem. Hoje em dia,
A história do examinando, nesta obra) tem por entretanto, vemos cada vez mais um esforço
objetivo primordial o levantamento detalhado de integração dessas duas abordagens (Jacob-
da história de desenvolvimento da pessoa, prin- son & Cooper, 1993; McWilliams, 1994; Oth-
cipalmente na infância. A anamnese é uma téc- mer & Othmer, 1994). Por exemplo, sabemos
nica de entrevista que pode ser facilmente es- que pessoas deprimidas (um sintoma ou sín-
truturada cronologicamente. Embora a utilida- drome) freqüentemente dirigem sua agressivi-
de da anamnese seja mais claramente vislum- dade contra si mesmas (um aspecto dinâmi-
brada na terapia infantil, muitas abordagens co), e que isso pode resultar em comportamen-
que integram ou valorizam o desenvolvimento tos autodestrutivos (sinais) ou, no extremo, em
precoce podem se beneficiar deste tipo de en- ideação suicida (um sintoma). Quando existem
trevista. Certamente, aprender a fazer uma sintomas clínicos claros, o diagnóstico sindrô-
entrevista de anamnese irá facilitar a aprecia- mico torna-se necessário por motivos que nos
ção de questões desenvolvimentais por parte parecem óbvios. Contudo, não se podem igno-
do clínico, pois muitas abordagens investigam rar os aspectos dinâmicos nesses casos. É co-
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toso) e de determinar uma estratégia psicote- 2) ajudar o paciente a se sentir à vontade e
rapêutica (para o apoio na crise). a desenvolver uma aliança de trabalho;
3) facilitar a expressão dos motivos que le-
varam a pessoa a ser encaminhada ou a bus-
COMPETÊNCIAS DO AVALIADOR E A car ajuda;
QUALIDADE DA RELAÇÃO 4) buscar esclarecimentos para colocações
vagas ou incompletas;
As diversas técnicas de entrevista têm em co- 5) gentilmente, confrontar esquivas e con-
mum o objetivo de avaliar para fazer algum tradições;
tipo de recomendação, seja diagnóstica ou te- 6) tolerar a ansiedade relacionada aos te-
rapêutica. A entrevista, como ponto de conta- mas evocados na entrevista;
to inicial, é crucial para o desenvolvimento de 7) reconhecer defesas e modos de estrutu-
uma relação de ajuda. A aceitação das reco- ração do paciente, especialmente quando elas
mendações ou a permanência no tratamento atuam diretamente na relação com o entrevis-
dependem de algumas características impor- tador (transferência);
tantes desse primeiro contato, que são influ- 8) compreender seus processos contratrans-
enciadas por um conjunto de competências do ferenciais;
entrevistador. A dificuldade de aceitação das 9) assumir a iniciativa em momentos de
recomendações ou a desistência de iniciar um impasse;
processo terapêutico, quando ocorre, se dá nos 10) dominar as técnicas que utiliza.
primeiros contatos. Comentaremos aqui al- Examinaremos, a seguir, cada uma dessas
gumas competências pessoais essenciais para capacidades.
a condução de uma entrevista, independen- Para estar presente e poder ouvir o pacien-
tes da orientação teórica do entrevistador ou te, o entrevistador deve ser capaz de isolar
dos objetivos específicos da entrevista. A outras preocupações e, momentaneamente,
atenção a esses aspectos e o desenvolvimen- focalizar sua atenção no paciente. Para fazer
to dessas competências são elementos fun- isso, é preciso que suas necessidades pessoais
damentais para o êxito na condução de en- estejam sendo suficientemente atendidas, e
trevistas. que ele possa reconhecer os momentos em que
Uma entrevista, na prática, antes de poder isso parece não estar ocorrendo. Isso implica
ser considerada uma técnica, deve ser vista que as ansiedades presentes não sejam tão
como um contato social entre duas ou mais fortes a ponto de interferir no processo. As
pessoas. O sucesso da entrevista dependerá, ansiedades inconscientes do entrevistador le-
portanto, de qualidades gerais de um bom vam à resistência e dificultam a escuta, princi-
contato social, sobre o qual se apóiam as téc- palmente de material latente na fala do entre-
nicas clínicas específicas. Desse modo, a exe- vistado. Cuidando de suas necessidades pes-
cução da técnica é influenciada pelas habilida- soais, o entrevistador poderá ouvir o outro de
des interpessoais do entrevistador. Essa inter- um modo diferenciado. Essa escuta diferencia-
dependência entre habilidades interpessoais e da, por si só, é considerada um dos elementos
o uso da técnica é tão grande que, muitas ve- terapêuticos (Cordioli, 1993).
zes, é impossível separá-las. O bom uso da téc- Por estar atento ao paciente, o entrevista-
nica deve ampliar o alcance das habilidades dor estará mais apto a ajudá-lo a sentir-se à
interpessoais do entrevistado e vice-versa. Para vontade e a desenvolver uma aliança de traba-
levar uma entrevista a termo de modo adequa- lho. A aliança para o trabalho, que mais tarde
do, o entrevistador deve ser capaz de: se desenvolverá em uma aliança terapêutica, é
1) estar presente, no sentido de estar intei- composta de dois fatores: a percepção de es-
ramente disponível para o outro naquele mo- tar recebendo apoio e o sentimento de esta-
mento, e poder ouvi-lo sem a interferência de rem trabalhando juntos (Horvath, Gaston &
questões pessoais; Luborsky, 1993; Luborsky, 1976). Desenvolver
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difíceis de serem resolvidos na relação. Tais te- vistador uma via inigualável de compreensão
mas podem vir a ser configurados como tabus da experiência do outro. A contratransferên-
na relação e podem não ser abordados ade- cia foi inicialmente conceituada, como proces-
quadamente. Por exemplo, uma senhora sol- so patológico residual do terapeuta, como “os
teira apresentou-se para terapia com uma his- próprios complexos e resistências internas”
tória de depressões recorrentes. Ficou claro que (Freud, 1910, p.130). Com o tempo e o desen-
tais episódios começaram após um envolvimen- volvimento do conceito de identificação proje-
to amoroso com um padre e a decisão unilate- tiva, percebeu-se a característica universal do
ral dele de abandonar o relacionamento. A processo contratransferencial e sua importân-
perspectiva de falar de experiências sexuais, cia na compreensão profunda da comunicação
neste contexto, com alguém da idade da mãe paciente-terapeuta. Os trabalhos clássicos de
do terapeuta trouxe para ele dificuldades que Heimann (1950), Racker (1981) e Pick (1985),
levaram a um impasse sério na entrevista ini- bem como a revisão detalhada de Hinshelwood
cial. (1991), descrevem e ilustram esses processos.
A capacidade de reconhecer as defesas e o Existem momentos em que a entrevista pas-
modo particular de estruturação do paciente é sa por situações de impasse importantes. Por
de especial interesse. Uma pessoa que adota exemplo, uma pessoa pode, a determinada al-
um estilo rígido de personalidade (p.ex., colo- tura, dizer: “Não sei se realmente deveria estar
ca-se de uma maneira predominantemente falando isso. Não sei se realmente quero fazer
dependente em suas relações) ou persistente- isso”. Ou, mais decididamente: “Essa é a ter-
mente projeta (p.ex., culpa os pais por suas ceira vez que procuro ajuda, e não adiantou
dificuldades), revela aspectos significativos de nada”. Assumir a iniciativa em momentos de
seu modo de ser (estrutura) e funcionar (dinâ- impasse significa poder mobilizar recursos pes-
mica). Reconhecendo esses aspectos, o entre- soais diante de situações difíceis e inespera-
vistador poderá antecipar essas situações de das. Significa poder usar a criatividade para dar
transferência e evitar respostas contratransfe- uma resposta eficaz no momento. Por exem-
renciais inadequadas. Ao reconhecer as dinâ- plo, pode ser crucial ajudar a explorar alterna-
micas e modos de interagir do sujeito, pode- tivas e buscar uma perspectiva em momentos
mos dirigir nosso modo de proceder de ma- de desesperança. Eis alguns exemplos de situa-
neira mais eficiente. O avaliador pode anteci- ções críticas que requerem do entrevistador
par as ansiedades da pessoa e adaptar-se de capacidade de agir: risco de vida (ideação sui-
modo correspondente. Se a pessoa apresenta cida), sintomas psicóticos, violência, impulsi-
uma postura dependente, obsessiva, auto-en- vidade, ou outras situações que podem levar a
grandecedora ou colaboradora, a observação um desfecho prejudicial para as pessoas en-
desta atitude ou comportamento já é informa- volvidas. Uma paciente disse, dez minutos an-
ção diagnóstica a ser integrada na interpreta- tes do final da primeira entrevista: “Não sei se
ção. A observação do comportamento, da co- estarei aqui na semana que vem”. A partir da
municação não-verbal e do material latente exploração cuidadosa dessa fala, tornou-se cla-
contribui de maneira especial. Restringir o ro que ela estava considerando o suicídio. A
âmbito do interpretável somente ao conteúdo terapeuta precisou lidar com isso de forma di-
explícito da comunicação pode acarretar per- reta e decisiva, de modo a evitar um desfecho
da de informação clínica significativa. autodestrutivo. Desenvolver recursos pessoais
Ser capaz de compreender seus processos para lidar com tais situações é fundamental
contratransferenciais é, possivelmente, um dos para que o entrevistador possa trabalhar com
recursos mais importantes do clínico. Reconhe- segurança.
cer como os processos mentais e afetivos são Finalmente, espera-se que o entrevistador
mobilizados em si mesmo e ser capaz de rela- tenha domínio das técnicas que utiliza. É pelo
cionar esse processo ao que se passa na rela- domínio da técnica que o entrevistador pode
ção imediata com o sujeito fornece ao entre- deixar de se preocupar com a sua execução e
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seja evitá-lo. O melhor contexto para desen- darem opiniões em situações difíceis. Um olhar
volver habilidades internas para lidar com es- diferente tem sempre o potencial de favorecer
sas situações é na supervisão clínica. Ela nos nossa compreensão sobre um caso. Em ambas
permite enxergar com os olhos do outro. A as situações descritas – de conflitos impostos
supervisão é uma atividade que oferece meios pela natureza da tarefa, ou pela experiência do
fundamentais para o profissional entrar em profissional na relação –, o antídoto é não se
contato com entraves pessoais no trabalho clí- isolar, buscar apoio em profissionais e colegas
nico, devendo ser utilizada sempre que possí- de confiança e desenvolver a capacidade pes-
vel, principalmente no início de carreira. Mes- soal de lidar com a complexidade dessas situa-
mo pessoas experientes buscam colegas para ções.