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Universidades Corporativas: uma estratégia de Educação Corporativa

na prática
Corporate Universities: a strategy for Corporate Education in practice

Cintia Nerina Wanderley Pimentel1


Rosali Andreia Alves Batista Mesquita2

Resumo
As universidades corporativas apresentam-se como uma moderna e importante
estratégia das organizações, na busca de potencializar o desenvolvimento de
seus empregados e assim contribuir para a criação ou manutenção de vantagem
competitiva, por meio de aprendizado permanente. Este artigo apresenta e analisa
os resultados de uma pesquisa de campo realizada na Universidade Corporativa de
uma empresa pública brasileira. Busca-se identificar os motivos para a sua criação,
suas formas de atuação e as dificuldades e desafios enfrentados na implantação e
na implementação desse modelo. Além disso, procura-se estabelecer as relações e
implicações advindas dessa nova configuração de desenvolvimento profissional na
gestão de recursos humanos, até então responsável por este papel.

Palavras-chave: Universidade Corporativa; Educação Corporativa; Estratégia;


Tecnologia; Gestão de Pessoas.

Abstract
Corporate universities present themselves as a modern and important strategy for
organizations seeking to leverage the development of their employees and thus
contribute to creating or maintaining competitive advantage through lifelong
learning. This article presents and analyzes the results of a field research conducted
in the Corporate University for a public company in Brazil. We tried to identify
the reasons for its creation, its forms of action and the difficulties and challenges
faced in deploying and implementing this model.  It also seeks to establish the
relationships and implications arising from this new configuration professional 1 Mestre em Administração
pela FEAD; Pós-Graduada em
development in human resource management, hitherto responsible for this role.
Psicologia Organizacional
pela PUC-SP e em Análise
Keywords: Corporate University;  Corporate Education;  Strategy.Technology;  People de Sistemas de Informações
Management. pela UNA; Psicóloga. cintia_
nerinaw@hotmail.com.

Introdução 2 Mestre em Administração


pela FEAD; Pós-Graduada em
O cenário mundial vem passando por profundas e constantes mudanças que
Gestão Estratégica pela UFMG;
colocam as organizações frente à necessidade de se adaptarem a um novo ambiente Psicóloga. rosalifp@hotmail.
bastante competitivo, veloz e permeado por incertezas. O desenvolvimento com.
| Recebido em: 27/10/2010 | Aceito em: 4/3/2011
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tecnológico, a evolução no tratamento da informação e o processo de globalização
estão revolucionando a sociedade atual, abrindo fronteiras e atuando como fontes
propulsoras de uma nova ordem geopolítica, tecnológica e organizacional, refletindo-
se em um mercado dinâmico, aberto e competitivo. Nesse contexto, o foco das
organizações passa a residir na manutenção do seu posicionamento e, sobretudo,
em sua vantagem competitiva nos mercados frente à concorrência, seja por meio
da inovação, da diversificação, da aprendizagem, seja pelo desenvolvimento de
capacidades dinâmicas (PRAHALAD; HAMEL, 1995).

Nessa nova ordem, o modo como os negócios funcionam e a forma de trabalho das
pessoas estão sendo modificados e, também, estão sendo reformulas as expectativas,
necessidades e oportunidades educacionais e de aprendizado (SALERNO, 1993;
HÄMÄLÄINEN; WHINSTON; VISHIK, 1996; URDAN; WEGGEN, 2000). Com isso, um novo
paradigma de competitividade está se evidenciando e trazendo consigo diferentes
desafios relacionados com o negócio, com as relações de trabalho e com as pessoas.

Em função desses desafios, emerge a necessidade de melhorar a efetividade do capital


humano das organizações, ou seja, proporcionar uma capacitação mais adequada e
promover o desenvolvimento contínuo de pessoal. O atual cenário está instigando
um aumento de demanda por novos conhecimentos e competências, uma vez que o
conhecimento cada vez mais se transforma em um produto de rápida obsolescência,
forçando a necessidade de um aprendizado constante (HÄMÄLÄINEN; WHINSTON;
VISHIK, 1996; LASTRES; ALBAGGI, 1999). Tapscott (1996) já salientava, em seu modelo
de mudança de paradigma, ocasionado pela evolução das tecnologias de informação,
a enorme importância do aprendizado e da capacitação contínua dos trabalhadores.
Drucker (1998) também já alertava para o fato de que o crescimento econômico
futuro só é viável a partir de um aumento sensível e contínuo da produtividade do
conhecimento.

A maior arma para a sobrevivência das empresas, portanto, passa a ser sua capacidade
de aprendizagem e, principalmente, de criar novos conhecimentos. No entanto, é preciso
que as organizações e seus empregados aprendam a aprender. Assim, as empresas
são levadas a realizar várias transformações estruturais e culturais para manterem
sua sustentabilidade em um mercado cada vez mais dinâmico. Entre essas mudanças
encontra-se o comprometimento direto com a educação e o desenvolvimento de seus
empregados (MEISTER, 1999).

É nesse contexto que a educação corporativa se situa: surge da necessidade de suprir


uma lacuna entre a educação formal dada pelas instituições tradicionais de ensino
e as novas exigências organizacionais. A ideia de adaptar o trabalhador, moldando-o
ao perfil requerido pela organização, não é nova. A diferença determinante entre a
moldagem clássica, própria do treinamento e do desenvolvimento, e a educação
corporativa é que, na última, a educação do empregado é considerada de maneira
integrada à gestão estratégica da organização. Além disso, um novo elemento filosófico
passa a permear esse mecanismo: o reconhecimento explícito do valor econômico do
conhecimento e que esse conhecimento se dá por meio de pessoas.

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A educação na organização deixa de ser apenas reprodução para passar a ser criação.
Deixa de ser somente o reconhecimento das estruturas existentes, passando a tornar
o trabalhador mais participativo no processo de construção desse conhecimento. A
educação corporativa representa, paradoxalmente, uma mudança de visão, tanto
filosófica quanto pragmática, da função da aprendizagem no âmbito das organizações.

Tomando-se como referência a literatura no assunto, neste artigo considera-se


educação corporativa os processos de desenvolvimento de pessoas ancorados na gestão
de competências e que tem como meta principal desenvolver e instalar competências
empresariais e humanas consideradas críticas para a viabilização das estratégias de
negócios da organização (FLEURY; FLEURY, 2001). Ressalte-se que as experiências
de educação corporativa apresentam variadas denominações na realidade das
organizações: universidades corporativas, escolas de negócio, academias corporativas
sem, no entanto, alcançar consenso sobre a abrangência e os limites de cada uma.

No desenvolvimento do artigo, a Educação Corporativa (EC) será focalizada em uma


modalidade que tem sido muito adotada atualmente – a Universidade Corporativa
(UC). O estudo procura investigar sua aplicação, quais as razões de seu surgimento
hoje, além de explorar sua continuidade em relação a gerações anteriores de iniciativas
de treinamento dentro das empresas. Assim, para a compreensão do estudo, discute-
se, em primeiro momento, as inovações no ambiente empresarial brasileiro e a EC;
em um segundo momento, são enfatizadas a evolução da área de recursos humanos
e a adoção do sistema educacional corporativo, abordando em seguida a expansão do
conceito de UC; por fim, são apresentados os procedimentos metodológicos adotados,
cuja estratégia foi o estudo de caso na área de educação corporativa em uma empresa
pública. Os resultados confirmam as contribuições que os programas contínuos de
educação corporativa trazem para indivíduos e organizações.

Inovações no ambiente empresarial brasileiro e a EC


No cenário empresarial brasileiro, as profundas transformações no contexto
mundial têm colocado enormes desafios para que as empresas atuem com sucesso
nesse ambiente. Novos indutores de competitividade emergem e as estratégias
organizacionais passam a depender, em grande parte, de uma revolução nos processos
de educação e de geração e difusão de conhecimento. A chave para a mudança está
então ancorada em ações voltadas para elevação da qualidade da educação básica e na
criação de condições para o desenvolvimento de um sistema de educação continuada
flexível e de qualidade (DAHLMAN; FRINSCHTAK, 2005). Nessa nova dinâmica, alguns
elementos assumem o papel de indutores críticos do crescimento e da competitividade,
sendo eles: a criatividade, uma adequada infraestrutura de comunicações, mão de obra
educada, flexível e treinada, que possa aprimorar continuamente suas habilidades e
inovação, e espírito empreendedor para enfrentar a revolução do conhecimento. Em
função dos aspectos mencionados, destacam-se como pontos críticos do sistema
brasileiro de inovação: o acesso ao conhecimento global; a criação e a adaptação de
conhecimento; disseminação e utilização do conhecimento (FERREIRA; ÁLVARES, 2005).

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Tudo isso demonstra a grande importância de as organizações reestruturarem
seu sistema de desenvolvimento de pessoas, buscando promover a renovação e o
crescimento constante do conhecimento (ALPERSTEDT, 2000). A constatação do capital
humano como fator de maior relevância no valor agregado aponta para um processo
de mudança no pensamento administrativo: do sucesso com base na eficiência e na
economia de escala para o sucesso cujo cerne está em trabalhadores com conhecimentos
culturalmente diversos (MEISTER, 1999). Trata-se de um novo paradigma assumido
pelas organizações, que leva à evolução do conceito de treinamento empresarial,
ocorrendo uma transposição da barreira do treinamento para a educação. No novo foco,
a ênfase está no atendimento das necessidades ampliadas do negócio em contribuir
para o alcance dos objetivos estratégicos, por meio da criação e da gestão dos processos
de aprendizagem da organização, promovendo a formação/requalificação profissional
de empregados, fornecedores, clientes e o atendimento de necessidades educacionais
de comunidades de interesse (GERBMAN, 2000; NAJJAR, 2001).

No Brasil, a introdução da EC como estratégia de gestão organizacional ocorreu


simultaneamente ao movimento de reordenamento da economia brasileira dos anos
1990. Nesse período, várias organizações brasileiras, principalmente as pertencentes
a setores mais internacionalizados da economia, passaram a adotar estratégias de
educação corporativa para a capacitação de sua força de trabalho, objetivando garantir
sua sobrevivência. Atualmente, observa-se que o crescimento de iniciativas de EC no
Brasil começa a ser percebido com maior evidência e interesse, tanto pelas organizações
que implantaram ou que estão implantando suas universidades corporativas, quanto
por todas as outras organizações que consideram o valor e a relevância dos processos
de aprendizagem para o seu sucesso.

Reflexões sobre a gestão de pessoas e as universidades


corporativas
A ênfase dada ao aprendizado como forma de empresas e pessoas manterem-se
atualizadas face às constantes e rápidas mudanças do mundo atual tem alçado o tema
Universidade Corporativa a uma posição central nas atenções da Administração. As
Universidades Corporativas podem ser vistas, nesse contexto, como uma das estratégias
que as organizações têm implementado para desenvolver suas competências e alargar
seu estoque de conhecimento (MARCONDES; PAIVA, 2001; VERGARA, 2000).

A intensa competição global no mundo dos negócios aliada às constantes e intensas


inovações tecnológicas tem provocado, como já abordado, forte impacto nas
organizações. Em função disso, nas últimas décadas, as empresas vivenciaram uma
grande explosão de tecnologias de gestão, como a qualidade total, a reengenharia, o
benchmarking, a gestão do conhecimento, todas visando a encontrar a solução para
a melhoria do desempenho organizacional. Como não poderia deixar de ser, esse
processo de transformação também ocorre na área de recursos humanos, a qual vem
vivenciando modificações significativas no nível da sua concepção e atuação, de modo
a agregar valor nesse desafio empresarial de competitividade. A área de recursos

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humanos vem sendo solicitada a atuar de forma holística e com visão sistêmica,
com o reconhecimento de interfaces permanentes com outras áreas, o que demanda
a construção de uma base comum a todos os segmentos da organização e exige o
reconhecimento de particularidades que indicam concepções e ações diferenciadas
de sua parte. Trata-se de uma solicitação que tem sido tão intensa que a área está
adotando, inclusive, novas denominações que possam expressar um novo enfoque,
como Gestão de Pessoas.

Instigadas por necessidades cada vez mais sofisticadas, as empresas reveem seu formato
de educação, desenvolvimento e treinamento, ampliando seu papel de desenvolverem
e formarem seus profissionais, seja diretamente, por meio de conteúdos elaborados
internamente, seja junto a parceiros educacionais. A Universidade Corporativa é
uma expressão contemporânea desse movimento (BRANDÃO, 2006). Por meio das
universidades as empresas tentam superar o modelo estático e reativo de treinamento
e desenvolvimento, adotando amplo sistema educacional corporativo.

A UC explicita certa proximidade com várias práticas da gestão de pessoas


implementadas pela administração de recursos humanos ao longo dos tempos. E,
nessa perspectiva, o conceito de UC faz parte do seu processo evolutivo. Ao mesmo
tempo, porém, em que permite projetar a gestão de pessoas no escopo da estratégia
organizacional, pela valorização do talento humano, alinhada aos resultados, pode-se
também levantar a hipótese de um provável esvaziamento progressivo dos tradicionais
processos de recursos humanos, alguns assimilados pela própria Universidade
Corporativa, e outros, por unidades internas ou mesmo terceirizadas, como já vem
ocorrendo nas últimas décadas (ALPERSTEDT, 2000).

Universidades corporativas: uma caracterização geral


Para Moore (1997), em comparação com as escolas tradicionais de negócios, as
Universidades Corporativas representam vantagem significativa, pois, além de terem
suas ações focadas nos objetivos estratégicos dos negócios, procuram substituir as
disciplinas funcionais por esforços em torno de uma aprendizagem multidisciplinar,
utilizando métodos integrados em programas que visam a soluções integrativas.
Num mercado de educação que se tornou extremamente generalista e massificado,
a UC vem resgatar a necessidade de foco e de especialização direcionados para as
necessidades organizacionais.

Além da vinculação aos objetivos organizacionais, Meister (1999) ressalta o caráter


intensivo e permanente como característica diferenciadora do sistema educacional
oferecido pelas organizações. Essas duas características mostram os objetivos
principais das Universidades Corporativas: ser agente de mudanças na organização e
ampliar as qualificações, os conhecimentos e as competências relacionadas ao cargo.

A UC tem como finalidade estimular o desenvolvimento e a instalação das competências


essenciais consideradas críticas para a viabilização das estratégias de negócios, de

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modo sistemático, estratégico e contínuo (EBOLI, 2004). Sua missão consiste em
formar e desenvolver os talentos humanos na gestão de negócios, promovendo a
gestão do conhecimento organizacional, por meio da aprendizagem contínua e ativa.
Para que a UC alcance seus objetivos, tem-se evidenciado a utilização de tecnologia
de ponta acoplada a uma nova metodologia de trabalho que possibilite a todos na
organização não só utilizarem as informações disponíveis, mas também atuarem
como fornecedores de novas informações, alimentando todo o sistema.

Antes mais presentes no setor industrial e de serviços, o conceito de Universidades


Corporativas está expandindo-se e tornando-se mais forte nos setores financeiro, de
saúde, de telecomunicações e de serviços públicos, áreas que estão se defrontando com
uma competitividade cada vez maior ou alcançaram a maturidade (ALPERSTEDT, 2001).

Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi do tipo qualitativo e descritivo, cuja estratégia foi o estudo de caso
único, na área de educação corporativa, em uma empresa pública. Tendo em vista os
objetivos do estudo, a metodologia qualitativa possibilita compreender e descrever o
fenômeno em sua complexidade, permitindo a análise da interação entre as variáveis
e os processos dinâmicos (RICHARDSON, 1999). A pesquisa foi realizada em uma
organização de grande porte, competitiva, que apresenta parcerias com instituições de
ensino e conta com uma unidade de Universidade Corporativa virtual e presencial. Foi
selecionada uma empresa que explicita pessoas em seus princípios ou valores e para
a qual o desenvolvimento de pessoas necessita ser um foco estratégico em função da
sua atuação em serviços.

O estudo utilizou três fontes de evidência – entrevista semiestruturada, observação


direta e pesquisa documental, combinação esta conhecida por triangulação (YIN,
2005) e compartilhada por vários autores, em se tratando de estudos de caso (GIL,
1991; LAKATOS; MARCONI, 1991; ROESCH, 1999; VERGARA, 2004).

Com base nos dados levantados, nos critérios estabelecidos, na definição pela
amostragem intencional de estudo de caso único, definiu-se pela realização da
pesquisa nesta empresa pública de prestação de serviços de informática. A escolha foi
intencional porque a amostragem foi do tipo não-probabilística (VERGARA, 2004). A
amostragem da pesquisa foi composta pelas principais lideranças da empresa, no total
de nove sujeitos envolvidos. Neste estudo, entende-se por liderança aquele profissional
que participa de maneira ativa no sistema de educação corporativa, considerando-se
desde a criação da UC, sua estruturação e implementação, nos seus diversos níveis de
atuação (estratégico, gerencial e técnico-funcional); os indivíduos considerados chaves
na questão da implantação, manutenção e operacionalização da UC.

As entrevistas tiveram caráter destacado em função do objetivo e da estratégia de


pesquisa. O roteiro de entrevista foi elaborado para descrever como ocorreu o processo
de criação e implantação da universidade corporativa na empresa pesquisada,

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identificando os desafios e as dificuldades enfrentadas. Os pontos-chave investigados
foram: motivos para criação e implantação da UC; forma de estruturação da UC,
identificando os princípios e práticas utilizados; direcionamentos estratégicos da
UC; processo de implementação da UC, seus desafios e dificuldades; financiamento
da Universidade Corporativa e os resultados já alcançados pela UC. As variáveis
investigadas na coleta de dados foram estabelecidas com base nos objetivos do
levantamento de dados, por meio do desdobramento em tópicos de cada um deles.

Análise dos resultados


Precedendo a análise do caso proposto, ressalta-se que se trata de uma empresa pública
ligada diretamente ao poder executivo federal, o que significa, em última instância,
que o modo como a administração pública é gerida depende dos seus representantes
maiores. Dessa forma, a gestão pública é profundamente afetada pelo pensamento
ideológico que predomina.

Como ponto de partida, no que compete aos motivos para a criação e a implementação
da UC, como razão principal está a crença de que programas contínuos de educação
corporativa podem conduzir a melhores desempenhos de indivíduos e organizações. A
empresa percebe a UC como um importante elemento de transmissão de seus valores
éticos e culturais e da visão, o que pode contribuir significativamente para melhorar
sua competitividade.

Outro aspecto identificado como motivo que contribuiu para a criação da UC foi a
mudança na empresa que gerou um movimento de reestruturação estratégica dela
como um todo. Esse movimento acarretou a necessidade de modificação dos processos
de treinamento e desenvolvimento, de modo a trabalhar a formação e a capacitação
de forma integrada, com enfoque sistêmico e vinculada ao planejamento estratégico.
Há, também, maior aproximação do setor educativo com a alta direção da empresa,
o que favorece uma política de valorização das pessoas que compõem a organização
(FLEURY; FLEURY, 2001).

A UC teve início em 2003, inicialmente como um Departamento ligado à


Superintendência de Gestão de Pessoas. Há de se destacar que a criação da UC é
resultante da evolução dos trabalhos de treinamento e desenvolvimento na empresa,
o que foi um facilitador do processo, pois muitos dos componentes necessários à
configuração de UC, postos pela teoria, já estavam sendo praticados de alguma forma,
nas ações de treinamento e desenvolvimento na empresa, como, por exemplo, a
educação a distância, que teve o início de suas atividades em 1999 e já se encontrava
consolidada quando do surgimento da UC.

Nota-se que, com a implantação da UC, a necessidade de sistematizar e integrar as


ações educativas com os programas e sistemas existentes com as áreas de negócios
da empresa vem ocorrendo paulatinamente, e o processo de capacitação já demonstra
estar mais integrado e inserido numa lógica estratégica dos negócios. Entretanto,

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a integração e o alinhamento estratégico das ações educacionais como um todo
se constituem num processo ainda em construção, posto que o treinamento e o
desenvolvimento das pessoas continuam ocorrendo de forma fragmentada, sendo
realizados tanto pela universidade quanto por outras unidades, e a própria UC
encontra-se em processo de estruturação.

Um dos pontos que diferencia a UC pesquisada da grande maioria das Universidades


Corporativas no Brasil está no papel exercido pela educação a distância. A EaD foi
um dos alicerces da universidade na sua criação e no seu desenvolvimento, trazendo
credibilidade e transformando-se em um dos seus principais componentes de sucesso.
A EaD é considerada como uma prioridade nos programas de educação corporativa,
sendo que o projeto de EaD da empresa já é considerado no mercado uma referência
em educação a distância.

Os objetivos e as formas de atuação da UC contemplam programas que são oferecidos,


hoje, a toda a estrutura de cargos da empresa, a clientes e alguns poucos fornecedores.
No entanto, desde a sua concepção, a UC tem como objetivo atender a cadeia de valor
da empresa como um todo. Assim, uma de suas propostas é ampliar os trabalhos de
forma a, em um futuro próximo, vir a estender suas atividades aos demais stakeholders.
A UC traz uma implicação fundamental que se refere exatamente à ampliação das
ações educativas, o que pode agregar valor para todos os interessados no negócio,
viabilizando novos relacionamentos junto à cadeia de relacionamentos da empresa.

A alocação de recursos por parte da empresa é a principal fonte de financiamento das


atividades da UC. Apesar de oferecer seus programas (EaD) aos parceiros de negócio
exclusivamente, nada cobra por eles diretamente, fazendo parte do orçamento global
do serviço prestado ao cliente. Ela não representa, portanto, uma fonte de recursos
financeiros, como aponta a literatura.

O corpo docente é constituído pelos empregados – diretores, gestores, analistas –


quando se trata de cursos ligados à educação não-formal. Isso favorece a transmissão da
expertise e maior proximidade com a realidade do trabalho, fornecendo efetivamente
um sentido à Universidade Corporativa. Quanto ao conteúdo instrucional, embora haja
uma valorização do conhecimento interno na elaboração e na execução dos programas,
são feitas associações com consultores e universidades para temas em que não há
expertise nos quadros da empresa. A carteira de parceiros compõe-se de instituições
qualificadas, havendo uma tendência a associar-se às universidades federais, aspecto
este visto como um facilitador do trabalho por serem órgãos públicos. As parcerias são
produtivas para todos os lados envolvidos porque agregam conhecimento explícito e
tácito.

As principais inovações trazidas pela configuração da Universidade Corporativa


para a empresa foram: a sistematização da formação, a profissionalização do EaD, o
incremento de metodologias e a ampliação do conceito e da prática de atendimento
à cadeia de valor, o que significa aumento das possibilidades de relacionamento com
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o mercado, conquistando um novo patamar de atendimento e de expertise negocial.
Paralelamente a isso, para os empregados significa maior democratização de acesso
aos cursos.

O processo de implantação da UC teve como facilitadores, em primeiro lugar, o apoio


irrestrito da alta cúpula da organização e da própria Superintendência de Gestão de
Pessoas. Contou ainda com a credibilidade do EaD e com a determinação e liderança de
um verdadeiro diretor de aprendizagem, o qual, segundo Meister (1999), desempenha
quatro papéis fundamentais para o sucesso geral da Universidade Corporativa, sendo eles:
parceiro de negócios, pensador do sistema, diretor de educação e formador de alianças.

As dificuldades encontradas no processo de implantação e desenvolvimento da


universidade, de modo geral, residem na necessidade de reconstrução da área de
capacitação da empresa, desarticulada nos governos anteriores, a falta de pessoal e
de pessoas com qualificação necessária, déficit orçamentário, ausência de uma área
de controladoria sistematizada na UC e a necessidade de uma mudança cultural e de
visão com relação ao conceito de treinamento empresarial.

Quanto às avaliações dos resultados obtidos pela universidade que contribuem para
a realização da estratégia organizacional, não existe, até o momento, um processo
sistematizado para a mensuração das intervenções da universidade. Ao que tudo
indica, a configuração da UC parece lidar com as mesmas dificuldades que o T&D
tradicional apresenta em relação à mensuração quantitativa de informações sobre os
resultados das ações de desenvolvimento, não avançando nesse sentido.

Finalmente, conclui-se que a avaliação do desempenho da UC, embora pouco


formalizada, é positiva. Apesar de bem-avaliada, entende-se como imprescindível
a reflexão interna sobre como vem se constituindo, até então, a UC da empresa e
qual o caminho a seguir. A questão sobre a quem, de fato, a UC deve agregar valor
parece essencial para proporcionar maiores clareza e direcionamento quanto ao papel
da educação corporativa da empresa. Sabe-se que, do ponto de vista conceitual, a
Universidade Corporativa abrange tanto a dimensão interna da organização quanto
externa. Entretanto, isso não prescinde da definição quanto a qual peso dar às
dimensões contempladas. Para alcançar os objetivos estabelecidos de atendimento
das necessidades de formação profissional da organização, buscando estruturar,
sistematizar e dar maior visibilidade interna à formação profissional disponibilizada,
tornando-a acessível a todos os empregados e à cadeia de valor, a UC pesquisada precisa
se reestruturar, de forma a agir efetivamente na solução de dificuldades existentes há
muito tempo, relativas aos processos de treinamento e desenvolvimento.

Considerações finais
Para conseguir um desempenho sustentado, as organizações precisam se abrir para as
forças do aprendizado contínuo. Isso significa que os gestores devem pensar em suas
empresas não apenas como um portfólio de negócios e, em suas pessoas, não como

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meros recursos para a produção. A organização deve ser olhada como uma instituição
voltada para o aprendizado, e a capacidade que as pessoas têm de aprimorar
constantemente seus conhecimentos, suas capacidades e seus talentos devem ser
reconhecidos como a fonte de vantagem competitiva.

No processo de educação continuada, o mais difícil é reestruturar uma organização


para ser voltada ao aprendizado, reorganizar seus métodos de trabalho, fluxo
de informações e processos administrativos para que as pessoas desfrutem da
oportunidade de autodesenvolvimento contínuo. Assim, na busca da vantagem
competitiva por meio das pessoas que compõem a organização, ganha destaque o
modelo das UCs. O fomento à educação e à aprendizagem, entretanto, encontra-se
imerso num referencial mais amplo: o da aprendizagem organizacional.

Dessa forma, este trabalho procurou analisar a UC de uma grande empresa pública
brasileira, verificando os desafios, as possibilidades e as dificuldades enfrentadas na
implementação desse modelo de desenvolvimento de pessoas. A empresa pesquisada
criou sua Universidade Corporativa acreditando nas possibilidades desse modelo,
que deixa para trás o treinamento e o desenvolvimento, concebidos como um evento
isolado e com pouco foco nos objetivos estratégicos, e implementou um processo
de aprendizagem contínua e permanente relacionado às necessidades do negócio.
Basicamente, a UC pesquisada tem como papéis: o desenvolvimento profissional
interno em consonância com as estratégias organizacionais e o alinhamento com
o ambiente com o qual se relaciona, cadeia de valor e comunidade, via oferta de
desenvolvimento profissional.

Na maioria das organizações, a UC é um complemento estratégico do gerenciamento


do aprendizado e desenvolvimento dos empregados. Cabe, porém, destacar que
a implantação de uma UC é bastante complexa. Sua operação exige uma profunda
mudança na cultura da organização, sobretudo na gerencial. Seus processos precisam
ser elaborados de forma que possam fluir com agilidade por toda a empresa e com
envolvimento espontâneo dos vários agentes que a compõem. Fica patente, também,
a necessidade de amadurecimento das pessoas envolvidas no modelo, o que gera a
necessidade de despender um tempo para que esse processo ocorra.

A UC pesquisada é ainda nova e encontra-se em processo de estruturação. Por pertencer


a uma empresa pública, está sujeita aos impactos decorrentes dos componentes
políticos internos e externos e, além disso, algumas fases do processo de implantação
acabaram sendo comprometidas em função das prioridades organizacionais que
se apresentaram no decorrer da sua implementação. Assim, necessita efetuar uma
revisão dos seus procedimentos e estabelecer critérios para as dimensões e práticas
com as quais pretende atuar em sua proposta de educação.

No aspecto conceitual, a investigação realizada proporcionou, ainda, a compreensão


de que as UCs são iniciativas de desenvolvimento organizacional que buscam avanços
em relação às práticas tradicionais. Isso, porém, só se concretiza na medida em que
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conseguem manter o alinhamento com as estratégias organizacionais, com ênfase no
valor agregado aos resultados do negócio. É necessário, igualmente, objetivar mais a
aplicabilidade do conhecimento com base na prática da aprendizagem no trabalho
e contar com sistemas de mensuração de desempenho - com processos de avaliação
dos resultados obtidos pela UC que contribuam para a realização da estratégia
organizacional - que permitam a contabilização dos investimentos em educação, com
vistas a tornar-se uma fonte de receitas.

Em relação à UC pesquisada, observa-se que o posicionamento proativo de previsão de


necessidades ocorre predominantemente em relação ao seu papel de desenvolvimento
da cadeia de valor e comunidade, sendo ainda pouco proativo em relação aos
empregados. Nesse sentido, deve-se destacar a utilização de soluções inovadoras de
aprendizagem, com o incremento da educação a distância, sendo este o método de
ensino dominante e prioritário.

Enfim, é essencial que as empresas repensem seus sistemas de educação corporativa


procurando caminhos que permitam o aperfeiçoamento da UC como um diferencial
competitivo, mas, ao mesmo tempo, resguardando espaço para a reflexão e a crítica,
buscando formar pessoas capazes de conciliar os aspectos econômico e social.

Referências
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