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FILOSOFIA DO DIREITO

01. Filosofia do Direito

02. Filosofia, Ciência e Direito

03. A Teoria da Norma Jurídica

04. A Teoria do Ordenamento Jurídico

05. O Direito e o Tema da Justiça

06. Jusnaturalismo

07. Direito, Poder e Sociedade

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Filosofia do Direito

blema, porquanto a Filosofia do Direito é a Filosofia


01 FILOSOFIA DO DIREITO
mesma quando seu objeto é a experiência do Direito,
A Filosofia do Direito é matéria recorrente nos por sua validade universal, como se dá, também, com
concursos para as principais carreiras jurídicas e pas- a Filosofia da Arte, da Linguagem etc. (...) Os temas
sou a integrar o Edital da OAB|FGV para o Exame de ou assuntos fundamentais da Filosofia do Direito re-
Ordem. ferem-se ao conceito de Direito, à ideia de Justiça e à
respectiva integração no plano histórico”.
O estudo dos temas não é tarefa das mais fáceis.
Nos livros e apostilas direcionados para os concursos e Pode-se concluir que a Filosofia do Direito nada
exames não há ainda uma sistematização do estudo de mais é do que a própria Filosofia geral, com o foco vol-
acordo com o que é cobrado pelas bancas. Além disso, tado para o estudo das questões básicas e últimas do
as bancas não são claras na delimitação do conteúdo, direito.
como ocorre geralmente com as demais disciplinas.
Especificamente no edital da OAB, não há sequer uma AS DIFICULDADES DE CONCEITUAÇÃO DO
ementa para direcionar os estudos. DIREITO
No presente material utilizamos como base os edi- Etimologia: a palavra “direito” deriva da palavra
tais dos últimos concursos públicos que cobraram a “directum”, que teria aparecido na língua latina no
disciplina, especialmente os editais para as Defensorias século IV. Por sua vez, “directum” deriva da palavra
Públicas (instituições que a cada ano valorizam mais “diregere”, que é particípio do verbo “dirigir”. Essa
os conhecimentos sobre o tema). análise da etimologia da palavra leva a ideia de que o
Destaca-se também que, por ser uma disciplina direito é uma ordem que dirige a sociedade, que esta-
com vasto acervo bibliográfico, quase infinito, esmiu- belece regras para a sociedade se desenvolver.
çar cada assunto tornaria o material muito extenso e Não há como se chegar a um conceito único de di-
desproporcional às demais disciplinas. Optamos por reito, pois cada corrente realça um aspecto do direito
trazer as linhas gerais, suficientes para responder às em detrimento de outros. No entanto, pode-se encon-
perguntas cobradas na maioria dos concursos públicos trar no direito alguns elementos presentes nas mais
recentes. variadas correntes.
Ao final, alguns temas estão intimamente ligados Ordem necessária: o Direito é uma exigência da
ao estudo da Sociologia Jurídica. Explica-se a opção vida em comunidade. Onde existe sociedade necessa-
de discorrer sobre esses tópicos no fato das provas de riamente deve existir o Direito.
Filosofia do Direito, em regra, misturarem alguns con-
ceitos estudados na Sociologia. Regra de conduta: o direito é uma norma, que se
encontra num plano que é chamado de “plano do de-
ver ser”, “plano normativo”. A norma prescreve um
comportamento desejado, um comportamento ideal.
02 FILOSOFIA, CIÊNCIA & DIREITO Não há certeza de que aquilo que a norma prescreve
acontecerá daquele modo, ou seja, o plano do “dever
O SIGNIFICADO DA FILOSOFIA DO DIREITO ser” funciona de forma distinta do plano do “ser”.

Ao se analisar as obras de Filosofia do Direito,


PERSPECTIVA HISTÓRICA DO DIREITO
percebe-se que a conceituação do tema é das tarefas
mais difíceis. Alguns doutrinadores sequer buscam tal
A jurisprudência romana:
façanha.
O Direito Romano é a principal base do ordena-
Aqui, ficaremos com as impressões retiradas da mento jurídico da Europa continental e de muitos paí-
obra do saudoso professor Miguel Reale, para quem ses de colonização europeia, como o Brasil.
“o termo Filosofia do Direito pode ser empregado em
acepção lata, abrangente de todas as formas de indaga- Existiram 3 fases do Direito Romano: o Direito ar-
ção sobre o valor e a função das normas que governam caico, o Período clássico e o Direito tardio.
a vida social no sentido do justo, ou em acepção estri- Na fase arcaica as normas eram embasadas nos cos-
ta, para indicar o estudo metódico dos pressupostos tumes e as autoridades judiciais eram os “pontífices”.
ou condições da experiência jurídica considerada em No período clássico, por sua vez, os costumes, as leis e
sua unidade sistemática. (...) Concebida a Filosofia do as normas criadas pelos pretores eram a base do siste-
Direito como uma disciplina autônoma, que pode ter ma, que tinha os pretores, os juízes e os árbitros como
ou não como um de seus temas o do Direito Natural, autoridades judiciais. Foi nesse período que aparece-
dúvidas surgiram sobre sua situação no contexto da ram as primeiras noções de jurisprudência. Por fim, no
Filosofia Geral, falando-se, por exemplo, em Filosofia Direito tardio, as leis eram editadas pelos imperado-
particular, ou especial, chegando-se a negar a sua via- res, mas também havia a jurisprudência. Nessa épo-
bilidade, dada a natureza universal da problemática ca, os delegados do imperador e os juristas eram as
filosófica... Trata-se, a meu ver, de um pseudopro- autoridades.

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OAB FGV - 1a Fase

Os glosadores: Justiça não possui caráter científico. O direito como


ciência pura deve ignorar a justiça e deve se ater à apli-
A Escola dos Glosadores possui grande destaque
cação da norma (dever ser) no caso concreto (ser).
na história do Direito. Nesta o Direito assume uma
posição autônoma no conhecimento, pois se volta ao Para o Kelsen existe uma hierarquia normativa,
estudo específico. onde uma norma para ser válida deve estar de acordo
com uma norma superior, e assim sucessivamente, for-
Foi por influência dos glosadores que surgiram
mando um efeito cascata de normas, a chamada pirâ-
as primeiras universidades no Ocidente, como a
mide kelseniana. No topo do ordenamento existe uma
Universidade de Bolonha (a primeira – que serviu
norma fundamental, que não deve prescrever conteú-
como modelo de ensino para as demais instituições).
do normativo, mas sim autorizar a criação do direito
e servir como elemento de interpretação objetiva do
O jusnaturalismo moderno: sistema a ela subordinado.

Hugo Grócio é considerado o fundador do justatu- Kelsen X Platão: Kelsen critica o conceito de
ralismo moderno. Thomas Hobbes, Samuel Pufendorf Justiça de Platão, dizendo que é uma concep-
e Jonh Locke também foram nomes de destaque desse ção autoritária, antidemocrática, pois leva a um
período. Estado que visa regular tudo, sem respeitar à
vontade das pessoas.
Destaca-se desse modelo jusnaturalista, entre ou-
tras, a ideia de que poderia haver um direito reconhe- Kelsen X Aristóteles: em relação a concepção de
cido por todos os povos (Teoria de Grócio – funda- Justiça clássica de Aristóteles “dar a cada um
mento para o Direito Internacional). o que é seu”, Kelsen diz que é uma definição
vazia, sem conteúdo, pois não responde aquilo
que é essencial, aquilo que é devido a cada um.
A Escola histórica do Direito : Afirma que essa concepção é muito relativa, va-
ria de época para época, de povo para povo, o
Foi a escola que negou a existência de um Direito
que afasta a Justiça da ciência. Critica também o
Natural permanente e imutável, ou seja, que se preo-
conceito de “virtude” de Aristóteles, afirmando
cupou em negar o jusnaturalismo. Entendia que a base
que também é uma definição fraca, temporária,
do conhecimento jurídico seria alcançada através do
que só pressupõe vícios de virtude da época
estudo de como o Direito se formava nas sociedades, e
dele, não respondendo as questões através dos
não através da simples indagação do que seria ou não
tempos.
o Direito. Assim, o Direito era encarado como um pro-
duto histórico decorrente da consciência coletiva dos
povos (através dos costumes e da vivência diária), e √ “A maior crítica que se pode fazer ao normativismo
não do Direito Natural ou da razão. kelseniano talvez seja o fato de apregoar um ordena-
mento jurídico autossuficiente, em que a validade de
Savigny é o autor mais importante desta Escola. uma lei se dá pela observância de algum dispositivo
Diz que a fonte mais importante do direito é a cultura anterior, independente de contextualização histórica,
da comunidade, que ele chama de “espírito do povo”. determinações sociopolíticas ou de outra natureza que
O direito não é uma criação racional, mas sim uma não seja a norma como início e fim em si mesma Dog-
mática Jurídica. Obviamente que se uma norma é válida
criação da tradição, dos costumes, da cultura, da polí-
só porque está relacionada a outra anterior a ela, e não
tica, das práticas seculares (história). necessariamente à imediatamente anterior, então qual-
quer governo e o Estado, em qualquer situação de anor-
malidade constitucional e jurídica, pode elaborar leis
Positivismo jurídico: que lhe favoreçam o arbítrio e a truculência do poder,
bastando para isso que se escrevam normas a partir de
Hans Kelsen foi o primeiro filósofo moderno que
outras, desconsiderando os avanços legais, e se instaure
buscou transformar o Direito em uma ciência. Nasceu a Ilegitimidade sem ferir a legalidade – este foi o caso
assim o chamado positivismo jurídico, onde a norma dos Atos Institucionais instaurados pela ditadura militar
jurídica (lei) é o objeto único de pesquisa. recente no Brasil” (Sacadura Rocha).
As ideias do autor são embasadas nos conceitos
matemáticos, físicos, etc., que tomavam conta dos Personalismo Jurídico:
estudos da época. É o auge do positivismo. Ciência
tem ligação estrita com a “certeza”. Não há espaço “A noção moderna de personalismo, enquanto de-
para concepções metafísicas, ou seja, concepções que nominação de um movimento, teria surgido na França,
vão além da realidade natural, da realidade material. por volta de 1930, em torno de uma revista denomi-
Assim, ideias e valores estão fora do pensamento cien- nada “Esprit” coordenada por Emmanuel Mounier,
tífico. A Justiça, como um juízo de valor, uma ideia, tendo como base: o cristianismo, o existencialismo e o
deve ser recusada pela ciência do direito. socialismo. Não se firmou como um sistema, mas en-
quanto uma filosofia que parte da concepção de pes-
O filósofo afirmava que o conceito de justiça de- soa não como um objeto, mas sim, como um ser que
veria ser afastado da concepção científica do direito. está e que se afirma no mundo, comunicando, aderin-

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Filosofia do Direito

do e apreendendo ideias, enfim um ser que conhece OS CRITÉRIOS DE VALORAÇÃO DAS NORMAS
a si mesmo em um constante processo de autocriação JURÍDICAS: JUSTIÇA, VALIDADE E EFICÁCIA
realizado em sociedade. (...) Para Mounier, a história
da noção pessoa é contígua a do personalismo, poden- “Frente a qualquer norma jurídica podemos colo-
do-se identificar aspectos personalistas em diversos car uma tríplice ordem de problemas: 1) se é justa ou
estágios históricos da civilização ocidental. Daí pode- injusta; 2) se é válida ou inválida; 3) se é eficaz ou ine-
-se dizer que embrião da ideia de pessoa como centro ficaz. Trata se dos três problemas distintos: da justiça,
das preocupações do Direito pode ser verificada desde da validade e da eficácia de uma norma jurídica”.
tempos imemoriais” (Oliveira-2002).
“O problema da justiça é o problema da correspon-
Grave-se que o movimento em estudo está intima- dência ou não da norma aos valores últimos ou finais
mente ligado com a noção de “dignidade da pessoa que inspiram um determinado ordenamento jurídi-
humana”. co. Não tocamos aqui na questão se existe um ideal
de bem comum idêntico para todos os tempos e para
todos os lugares. Para nós, basta constatar que todo
Tridimensionalismo Jurídico: ordenamento jurídico persegue certos fins, e convir
sobre o fato de que estes fins representam os valores a
A Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel cuja realização o legislador, mais ou menos conscien-
Reale, enuncia que a Ciência Jurídica é uma realidade temente, mais ou menos adequadamente, dirige sua
cultural. A partir dessa realidade ocorre uma relação própria obra. No caso de se considerar que existam va-
entre fato, valor e norma, ou seja, um elemento fático, lores supremos, objetivamente evidentes, a pergunta
um elemento axiológico e um elemento normativo. se uma norma é justa ou injusta equivale a perguntar
se é apta ou não a realizar esses valores. Mas, tam-
Nas palavras do próprio Reale “o que denomina- bém no caso de não se acreditar em valores absolutos,
mos tridimensionalismo específico assinala um mo- o problema da justiça ou não de uma norma tem um
mento ulterior no desenvolvimento dos estudos, pelo sentido: equivale a perguntar se essa norma é apta ou
superamento das análises em separado do fato, do não a realizar os valores históricos que inspiram certo
valor e da norma, como se se tratasse de gomos ou fa- ordenamento jurídico concreto e historicamente de-
tias de uma realidade decomponível; pelo reconheci- terminado. O problema se uma norma é justa ou não
mento, em suma, de que é logicamente inadmissível é um aspecto do contraste entre mundo ideal e mun-
qualquer pesquisa sobre o Direito que não implique a do real, entre o que deve ser e o que é: norma justa é
consideração concomitante daqueles três fatores”. aquela que deve ser; norma injusta é aquela que não
deveria ser. Pensar sobre o problema da justiça ou não
de uma norma equivale a pensar sobre o problema da
Teoria Egológica do Direito:
correspondência entre o que é real e o que é ideal. Por
Idealizada pelo argentino Carlos Cossio – discípulo isso, o problema da justiça se denomina comumente
de Kelsen -, a Teoria Egológica do Direito preconiza de problema deontológico do direito”.
que a Lei não é o principal elemento da ciência jurídi-
“O problema da validade é o problema da existên-
ca, mas sim seu principal meio de conhecimento. Para
cia da regra enquanto tal, independentemente do juízo
o teórico, a conduta do indivíduo e a interação do seu
de valor se ela é justa ou não. Enquanto o problema
ego com o sociedade é mais importante do que a Lei.
da justiça se resolve com um juízo de valor, o proble-
Deste fato advém o nome da teoria.
ma da validade se resolve com um juízo de fato, isto
No ensinamento de Cossio, mais importante que a é, trata-se de constatar se uma regra jurídica existe ou
própria norma é a conduta humana e a interação do não, ou melhor, se tal regra assim determinada é uma
ego em sociedade, sendo que uma de suas projeções é regra jurídica”.
o ‘dever-ser’. Assim, a norma é a via pela qual o juris-
“Validade jurídica de uma norma equivale à exis-
ta toma conhecimento da conduta humana, esta sim o
tência desta norma como regra jurídica. Enquanto para
verdadeiro substrato no qual se erige o Direito.
julgar a justiça de uma norma, é preciso compará-la a
um valor ideal.”

“O problema da eficácia de uma norma é o proble-


03 A TEORIA DA NORMA JURÍDICA ma de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é di-
rigida (os chamados destinatários da norma jurídica)
Os pontos elencados são tópicos da obra de e, no caso de violação, ser imposta através de meios
Norberto Bobbio, sempre presente nas provas dos con- coercitivos pela autoridade que a evocou. (...) A inves-
cursos públicos, o que provavelmente se repetirá no tigação para averiguar a eficácia ou a ineficácia de uma
Exame da Ordem. norma é de caráter histórico sociológico, se volta para
o estudo do comportamento dos membros de um de-
Por tais razões, neste ponto serão reproduzidas na terminado grupo social e se diferencia, seja da inves-
íntegra as principais ideias do autor sobre os temas tigação tipicamente filosófica em torno da justiça, seja
mais importantes. da tipicamente jurídica em torno da validade. Aqui

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OAB FGV - 1a Fase

também, para usar a terminologia douta, se bem que desejou distinguir a moral do direito. Segundo Kant,
em sentido diverso do habitual, pode se dizer que o a moral se resolve sempre em imperativos autônomos
problema da eficácia das regras jurídicas é o problema e o direito em imperativos heterônomos, visto que o
fenomenológico do direito”. legislador moral é interno e o jurídico é externo. Em
outras palavras, esta distinção pretende sugerir que
quando nos comportamos moralmente, não obede-
A NORMA COMO PROPOSIÇÃO cemos a ninguém além de a nós mesmos; quando, ao
“Do ponto de vista formal, que aqui elegemos, contrário, agimos juridicamente, obedecemos a leis
uma norma é uma proposição. Um Código, uma que nos são impostas por outros”.
Constituição, são um conjunto de proposições. Trata
se de saber qual é o status dessas proposições que
IMPERATIVOS CATEGÓRICOS E IMPERATIVOS
compõem um Código, uma Constituição. (...) Por pro-
HIPÓTETICOS
posição entendemos um conjunto de palavras que
possuem um significado em sua unidade. (...) Quando “Outra distinção que remonta a Kant, e que tam-
defino uma proposição como um conjunto de palavras bém foi utilizada, como veremos em seguida, para
que possuem um significado em sua unidade, entendo distinguir a moral do direito, é aquela entre imperati-
excluir do uso deste termo conjuntos de palavras sem vos categóricos e imperativos hipotéticos. Esta distin-
significado. (...) Seja como for, para que uma proposi- ção repousa na forma em que o comando é expresso,
ção possa ser verificada ou falsificada é necessário que ou seja, se é expresso por um juízo categórico ou por
tenha um significado. um juízo hipotético. (...) Imperativos categóricos são
aqueles que prescrevem uma ação boa em si mesma,
“Quando dizemos que uma norma jurídica é uma
isto é, uma ação boa em sentido absoluto, que deve
proposição, queremos dizer que é um conjunto de pa-
ser cumprida incondicionalmente, ou com nenhum
lavras que têm um significado. Com base no que dis-
outro fim a não ser o seu cumprimento enquanto ação
semos acima, a mesma proposição normativa pode ser
devida. (...) Imperativos hipotéticos são aqueles que
formulada com enunciados diversos. O que interessa
prescrevem uma ação boa para atingir um fim, isto é,
ao jurista, quando interpreta uma lei, é o seu significa-
uma ação que não é boa em sentido absoluto, mas boa
do. Como uma proposição em geral pode ter um signi-
somente quando se deseja, ou se deve, atingir um fim
ficado, mas ser falsa, também uma proposição norma-
determinado e, assim, é cumprida condicionalmente
tiva pode ter um significado e ser não digamos falsa,
para a obtenção do fim”.
mas, inválida ou injusta”.

IMPERATIVOS AUTÔNOMOS E IMPERATIVOS A NORMA COMO COMANDO


HETERÔNOMOS
“Os imperativos (ou comandos) são aquelas pres-
crições que têm maior força vinculante. Esta maior for-
“Com respeito à relação entre sujeito ativo e passi-
ça vinculante se exprime dizendo que o comportamen-
vo, distinguem se os imperativos autônomos dos hete-
to previsto pelo imperativo é obrigatório, ou, em ou-
rônomos. Diz se autônomos aqueles imperativos nos
tras palavras, o imperativo gera uma obrigação à pes-
quais uma mesma pessoa é quem formula e quem exe-
soa a quem se dirige. Imperativo e obrigação são dois
cuta a norma. Diz se heterônomos aqueles nos quais
termos correlativos: onde existe um, existe o outro.
quem formula a norma e quem a executa são pessoas
Pode se exprimir o imperativo em termos de obrigato-
diversas. Esta distinção é historicamente importante
riedade da ação objeto, assim como se pode exprimir
porque foi introduzida por Kant (no Fundamento da
a obrigatoriedade em termos de comando sujeito. Mas
Metafísica dos Costumes) para caracterizar os impe-
nem todas as prescrições, ou melhor dizendo, nem to-
rativos morais em confronto com todos os outros im-
das as proposições com as quais tentamos determinar
perativos. Para Kant, os imperativos morais, e só os
o comportamento alheio implicam em obrigações. Há
imperativos morais, são autônomos. São autônomos
modos mais brandos ou menos vinculantes de influen-
porque a moral consiste em comandos que o homem,
ciar o comportamento alheio (conselhos)”.
enquanto ser racional, dá a si mesmo e não os recebe
de nenhuma outra autoridade que não seja a própria
razão. Quando o homem, ao invés de obedecer à le- O PROBLEMA DA IMPERATIVIDADE DO
gislação da razão, obedece aos instintos, às paixões, DIREITO
aos interesses, segue imperativos que o desviam do
aperfeiçoamento de si próprio: o seu comportamento “Ao lado da teoria imperativista, segundo a qual to-
consiste, nestes casos, na adesão a princípios que es- das as normas jurídicas são imperativos, onde a impe-
tão fora dele e, enquanto tal, não é mais um comporta- ratividade é elevada ao caráter constitutivo do direito,
mento moral”. foram sustentadas doutrinas mistas, segundo as quais
apenas uma parte das proposições que compõem um
“A distinção entre imperativos autônomos e heterô- ordenamento jurídico são imperativas, e doutrinas
nomos tem importância para o estudo do direito, por- negativas, segundo as quais as proposições que com-
que constituiu um dos tantos critérios com os quais se põem um ordenamento jurídico não são imperativas”.

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Filosofia do Direito

NORMA E SANÇÃO Bobbio afirma que para “que seja unitário um or-
denamento simples, isto é, um ordenamento em que
“A sanção pressupõe a violação da norma. Entra em todas as normas nascem de uma única fonte, é facil-
jogo só quando é verificada uma violação. Podemos mente compreensível. Que seja unitário um ordena-
partir da hipótese de um ordenamento normativo que mento complexo, deve ser explicado. Aceitamos aqui
nunca seja violado, e consequentemente não tenha a teoria da construção escalonada do ordenamento
necessidade de recorrer à sanção. Trata se de uma hi- jurídico, elaborada por Kelsen. Essa teoria serve para
pótese abstrata; para que um ordenamento normati- dar uma explicação da unidade do ordenamento ju-
vo não seja nunca violado, ocorrem duas condições: rídico complexo. Seu núcleo é que as normas de um
ou as normas são perfeitamente adequadas às incli- ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há
nações dos destinatários, ou os destinatários aderem normas superiores e inferiores. As inferiores depen-
perfeitamente às prescrições. Há dois tipos extremos dem das superiores. Subindo das normas inferiores
de sociedade que poderiam realizar as duas condições: àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma
uma sociedade de seres perfeitamente racionais, isto é, norma suprema, que não depende de nenhuma outra
uma sociedade um pouco melhor do que a real, e uma norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do
sociedade de seres perfeitamente automatizados, sem ordenamento”.
iniciativa e sem liberdade, isto é, uma sociedade um
pouco pior do que a real. Nas sociedades históricas, Kelsen chamou essa norma suprema de “norma
as normas nunca são assim tão racionais a ponto de fundamental”. Tal norma garante unidade ao ordena-
serem obedecidas por todos pelo seu valor intrínse- mento, vez que cria um sistema hierarquizado.
co, nem os homens nunca são assim tão autônomos a
ponto de obedecer às normas por uma espécie de re-
signada passividade. Todo sistema normativo em uma O PROBLEMA DA COERÊNCIA DO
sociedade real encontra resistência e reações. Mas nem ORDENAMENTO JURÍDICO
todas respondem à violação do mesmo modo”.
O ordenamento jurídico é um sistema. O sistema
“O argumento mais comum e também mais fácil deve ser coerente. Essa coerência é fundamentada ba-
contra a teoria que vê na sanção um dos elementos sicamente na não existência de antinomias - não ocor-
constitutivos de um ordenamento jurídico é o que se rências de normas que sejam contraditórias, incompa-
funda na presença, em todo ordenamento jurídico, de tíveis.
normas não garantidas por sanção. Não há dúvida de
que existem, em todo ordenamento jurídico, normas “A coerência não é condição de validade, mas é
de que ninguém saberia indicar qual é a consequência sempre condição para a justiça do ordenamento. É
desagradável imputada em caso de violação. Não há evidente que quando duas normas contraditórias são
jurista que não possa citar um certo número delas, tan- ambas válidas, e pode haver indiferentemente a apli-
to no direito privado, quanto, e sobretudo, no direito cação de uma ou de outra, conforme o livre-arbítrio
público”. daqueles que são chamados a aplicá-las, são violadas
duas exigência fundamentais em que se inspiram ou
tendem a inspirar-se os ordenamentos jurídicos: a exi-
gência da certeza (que corresponde ao valor da paz ou
04 A TEORIA DO ORDENAMENTO da ordem), e a exigência da justiça (que corresponde
JURÍDICO ao valor da igualdade). Onde existem duas normas an-
tinômicas, ambas válidas, e portanto ambas aplicáveis,
o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a
A Teoria do Ordenamento jurídico é a obra certeza, entendida como possibilidade, por parte do
de Bobbio que complementa a “Teoria da Norma cidadão, de prever com exatidão as consequências ju-
Jurídica”. rídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida
como igual tratamento das pessoas que pertencem à
O CONCEITO DE ORDENAMENTO JURÍDICO mesma categoria” (Bobbio).
O ordenamento jurídico (como todo sistema nor-
mativo) é um conjunto de normas. Essa definição geral
de ordenamento pressupõe uma única condição: que A COMPLETUDE DO ORDENAMENTO
na constituição de um ordenamento concorram mais JURÍDICO
normas (pelos menos duas), e que não haja ordena- Completude é a propriedade do ordenamento ju-
mento composto de uma norma só. rídico possuir uma norma para regular cada situação
da vida, em outras palavras, a inexistência de lacunas
A UNIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO no ordenamento jurídico. Porém, na prática isto é im-
possível. Não há ordenamento sem nenhuma lacuna.
Unitário é um conjunto de normas entre as quais
existe uma ordem. Essa ordem deve ser entendida Bobbio diz que as normas jurídicas são limitações
como o relacionamento da norma com outras normas à atividade humana, logo, fora daquilo que o Direito
e dela com todo o sistema. regulamenta, o homem é livre para fazer o que qui-

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OAB FGV - 1a Fase

ser, assim, as ações humanas não regulamentadas são total e sistemática de reger e equilibrar as várias partes
implicitamente admitidas e aceitas pelo ordenamento num todo orgânico. A justiça torna-se, efetivamente, a
(teoria da norma geral exclusiva). virtude universal”.

Percebidas as lacunas, pode-se recorrer a dois méto-


dos diferentes para completar o ordenamento jurídico: A DOUTRINA DA JUSTIÇA EM ARISTÓTELES
o método da heterointegração ou da autointegração.
Talvez seja a teoria sobre a justiça mais festejada en-
tre os estudiosos. É adotada por muitos até os tempos
A PLURALIDADE DOS ORDENAMENTOS atuais.
E OS TIPOS DE RELAÇÕES ENTRE OS
ORDENAMENTOS
Justiça como virtude moral:
As relações existentes entre os mais variados tipos
de ordenamentos podem ser de coordenação e de su- Aristóteles diz que a justiça é uma virtude interpes-
bordinação. A relação de coordenação ocorre quando soal, ou seja, uma virtude que é fundamental para a
os entes pertencem ao mesmo plano (exemplo: entre sociedade. Não se vive em sociedade sem a virtude da
Estados soberanos), e em relação de subordinação justiça.
quando se dá entre o ordenamento estatal e o de gru- Como toda virtude a justiça busca evitar os extre-
pos sociais, cuja validade deriva do reconhecimento mos (busca sempre o meio termo). Ser virtuoso é estar
estatal. entre dois extremos: o excesso e a falta. A ideia é de-
“Quanto à extensão da validade, as relações entre senvolvida no livro “Ética a Nicômaco”.
os ordenamentos podem ser de exclusão total, quando
os âmbitos de validade dos ordenamentos estão deli- Justiça universal e justiça particular:
mitados separadamente, sem que um se sobreponha
ao outro; de inclusão total, quando um dos ordena- Há dois sentidos para a justiça:
mentos têm seu âmbito de validade compreendido
totalmente na validade do outro; de exclusão/inclu- 1º) Justiça universal (ou justiça em sentido am-
são parcial, quando os dois ordenamentos possuem plo): justiça é cumprir a lei. A obediência às leis é
uma validade em parte comum e uma em parte não o que garante o bem comum dos indivíduos. “O
comum. (...) Há ainda uma terceira classificação de re- justo universal, em suma, à medida que corres-
lações apresentada por Bobbio que diz respeito à vali- ponde à lei, parece significar o que é concorde
dade que um ordenamento confere às regras do outro, com a própria atividade jurisdicional que não é
que podem ser relações de indiferença (aquilo que um outra coisa senão juízo arbitral e equitativo, sen-
ordenamento considera lícito, no outro é obrigatório), do a justiça uma atualidade (um hábito que in-
de recusa (o que um ordenamento estima como proi- forma o agir) e não uma disposição (faculdade)
bido, o outro considera obrigatório) e de absorção (um da alma. (...) Quando Aristóteles, pois, fala no
ordenamento considera obrigatório ou proibido aqui- justo universal como o conforme à lei, deve-se
lo que também é obrigatório ou proibido)” (Wanquin, entender não só a atividade jurisdicional, mas
Jusvi/2008). também a que versa sobre as questões referentes
às relações políticas (no sentido exposto, isto é,
às relações entre os cidadãos)” (Tercio Sampaio).

05 O DIREITO E O TEMA DA 2º) Justiça particular (ou em sentido estrito):


JUSTIÇA distribuir de modo justo. É a justiça típica das
relações públicas. É na justiça distributiva que
temos a máxima (princípio da isonomia) “Tratar
A CONCEPÇÃO PLATÔNICA DA JUSTIÇA igualmente os iguais e desigualmente os desi-
guais, na medida da sua desigualdade”.
Basicamente, Platão traz duas ideias de justiça:
uma relacionada com a “virtude” (das pessoas e dos
Estados), e outra que encara a justiça como “retribui- A equidade:
ção”.
A ideia de justiça de Aristóteles só se completa com
Nesse ponto, o professor Tercio Sampaio Ferraz outro elemento: a equidade. A equidade é, em suma,
Junior enuncia que “a justiça passa, em Platão, a ser, uma flexibilização da regra jurídica.
portanto, o princípio regulador da vida individual, da
vida social e de todo o universo. Não lhe cabe, em ab- Para o filósofo existe diferença entre justiça e equi-
soluto, como sucedia aos sofistas, a função específica dade, embora sejam conceitos que pertencem ao mes-
e limitada de regular uma esfera estrita de aplicação mo gênero. “Há um gênero que é o justo, do qual a
(a sociedade, no caso da sofística) nem encerrá-la na lei e a equidade são espécies. Ora, quanto ao gênero,
operação de harmonizar as ações individuais (como a justiça conforme à lei e a equidade são iguais e boas
os pitagóricos e sua ‘reciprocidade’), mas sim a função do mesmo modo. Mas quanto à espécie, a equidade é

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Filosofia do Direito

melhor” (Tercio Sampaio). Isto porque a equidade re- Muitos doutrinadores enunciam que Agostinho foi o
presenta o justo independente da existência da lei. último pensador da Antiguidade, outros afirmam que
é o primeiro do Período Medieval.
Explica-se aí o fato de se dizer que quando o juiz
preenche as lacunas legais ele age com equidade, pois Foi ele quem desenvolveu o pensamento conheci-
a equidade é uma das formas de completar as lacunas do como “Patrística”, que é o instrumento pelo qual
existentes no ordenamento jurídico. a Igreja Católica constrói uma liturgia voltada para o
encontro dos homens com Deus.
ESTOICISMO Para o pensador o livre-arbítrio torna o homem
semelhante ao seu criador (Deus). É através do livre-
Estoicismo é a escola filosófica que surgiu no sécu- -arbítrio que o indivíduo escolhe entre o bem e o mal,
lo III a.C. (no período denominado “helenismo”) em entre se aproximar ou se afastar de Deus.
Atenas. Seu fundador foi Zenão de Cicio.
“O ponto crucial dessa discussão agostiniana é
Os estoicos consideravam as pessoas como parte aquela ideia de que é possível obrigar qualquer ho-
de uma mesma razão universal e isto levou à ideia de mem a fazer (ou omitir) qualquer cousa, mas não se
um direito universalmente válido, inclusive para os es- pode obrigar ninguém a querer. (...) Deus cria o homem
cravos. Eram monistas (negavam a oposição entre es- como ser livre ao dotá-lo de livre-arbítrio. Liberdade é
pírito e matéria) e cosmopolitas. Interessavam-se pela opção e nisto está a base da responsabilidade ética. O
convivência em sociedade, por política e acreditavam homem peca porque quer livremente” (Ferraz Junior).
que os processos naturais (morte, por exemplo) eram
regidos pelas leis da natureza e por isso o homem de- A doutrina de Santo Agostinho coloca a Lei Divina
veria aceitar deu destino. acima das leis humanas ou naturais. Utiliza-se da
“Cidade de Deus” e a “Cidade dos Homens” para de-
A teoria é reconhecida pela grande influência na monstrar a relação existente dentre o Direito de Deus
construção do Direito Romano, especialmente nos e as leis terrenas.
conceitos de Direito Natural e do princípio da boa-fé,
como também, pela contribuição filosófica na formação Pode-se concluir que a fé e o temor são a base do
dos direitos humanos, o que aproxima tal doutrina do pensamento Patrístico Agostiniano. Assim, o catolicis-
atual momento, onde a dignidade da pessoa humana mo medieval consegue poder absoluto sobre todas as
ocupa papel central no pensamento jurídico mundial. classes sociais medievais, influenciando não só a vida
das pessoas, como também colocando a Igreja Católica
dentro das decisões de Estado, das decisões dos go-
JUSTIÇA CRISTÃ vernos medievais. Não há mais distinção entre Igreja
No Império Romano o que garantia a união jurí- e Estado.
dica era a Lei. Com o fim desse Império, o território
europeu ficou extremamente fragmentado. Nessa la-
São Tomás de Aquino:
cuna de unificação a Igreja Católica aparece com seu
“Direito Divino”. Foi o principal representante da Escolástica, dou-
trina que buscava conciliar a filosofia aristotélica com
“A Igreja Católica elabora seu próprio Código – os dogmas da Igreja medieval. Sua principal obra foi
“Direito Canônico” – que existe até hoje, porque o a “Suma Teologia”, onde descreve a base da sua filo-
Vaticano é um Estado autônomo. O Direito Divino, sofia.
no entanto, surge como alternativa quando o Código
Romano se perdeu; passou a ser com base nele (Direito “A escolástica, ainda que não se sobreponha à pa-
Divino), que se fez a unificação política e filosófica da trística agostiniana, serve para que os homens pelo es-
Idade Média. (...) No entanto, a Igreja precisava de teo- tudo possam reconhecer a sua fragilidade, finitude e
rias explicativas (teologia) e práticas (liturgia) que lhe mortalidade, a partir da qual devem procurar, de um
dessem uma estrutura capaz de sustentar a unificação lado ser responsáveis pelos seus atos e, de outro, se-
religiosa e política do medievo, e que levassem aos fi- guir os mandamentos cristãos. Não mais tanto o ter-
éis uma mensagem sistematizada e coerente sobre o ror do inferno, mas a certeza de um julgamento justo a
papel do Cristianismo e da instituição Igreja. É dentro partir das escolhas humanas que cada um fez em sua
dessas necessidades que na Idade Média aparecem os vida terrena. (...) No fundo, o que a Igreja Católica viu
pensadores católicos, com destaque para dois teólogos em Tomás de Aquino, considerado primeiramente um
cujas obras vão inspirar toda a teologia e liturgia cristã, herege e quase queimado das fogueiras da Inquisição,
desde esse período até hoje: Santo Agostinho e Santo depois canonizado como santo, foi a possibilidade de
Tomás de Aquino” (Sacadura Rocha). não desperdiçar fiéis rumo ao protestantismo, muito
mais ameno e mais complacente com as atividades
próprias da revolução cultural, científica e burguesa
Santo Agostinho: (comércio e ofícios) que já se desenha como um novo
Santo Agostinho era o bispo de Hipona (África do patamar histórico da existência humana, que foi a
Norte). Sua principal obra foi a “Cidade de Deus”. Renascença, ao fim da Idade Média” (Sacadura Rocha).

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OAB FGV - 1a Fase

São Tomás fundamentou seus estudos nos Escritos “O Direito natural é o Direito da condição humana
Sagrados e, através da fé cristã discorreu sobre diver- que sai dos homens e se traduz em leis formais ou não,
sos temas, como por exemplo, o direito e a justiça. mas deixa de lado o divino como parâmetro para jul-
gar e punir aqui na Terra. (...) O Direito Natural, histo-
Justiça, para ele, é o bem habitual, a atribuição para ricamente, coloca-se entre o Direito Divino e o Direito
cada um do que é seu por merecimento. O autor elenca Positivo” (José Manuel de Sacadura Rocha).
as três espécies de Justiça: legal, comutativa e distri-
butiva. A legal se refere ao convício social pacífico; a Em suma, são duas as vertentes do Jusnaturalismo:
comutativa rege as relações entre os particulares; já a
distributiva remete a ideia central, de dar a cada um o Direito Natural Inato, que advém da própria
que é merecido. condição humana (Hugo Grócio).

Direito Natural empírico-social, baseado na ex-


KANT
periência social (autores contratualistas do sé-
Kant nasceu em Konigsberg (Prússia). Suas princi- culo XVIII – Hobbes, Locke e Rousseau).
pais obras foram a “Crítica da Razão Pura” e “Crítica
da Razão Prática”. A primeira critica a pura raciona-
lidade. A segunda, o empirismo puro. No entanto, o JUSNATURALISMO ABSTRATO
autor não nega a importância da experiência material
e do uso da razão. A base da sua filosofia está na crítica No Jusnaturalismo abstrato a explicação de tudo é
ao contratualismo e ao ceticismo. encontrada no próprio homem, na própria razão hu-
mana, nada de objetivo é levado em consideração, a
O sistema jurídico, para Kant, é uma síntese do realidade social, a história e a razão humana se tornam
processo civilizatório. Tal sistema confere ao Estado a uma divindade absoluta.
capacidade de pacificar os homens, de realizar a vida
em sociedade através da moralidade, decência e ética. Locke e Rousseau são expoentes desse período.
Para Locke a lei natural é uma regra eterna para todos,
A busca dos homens pelos objetivos materiais é sendo evidente e inteligível para todas as criaturas ra-
chamada pelo autor de “Imperativo Hipotético” Sobre cionais. A lei natural é igual à lei da razão. Para ele o
este imperativo recaem suas críticas. homem deveria ser capaz de elaborar a partir dos prin-
cípios da razão um corpo de doutrina moral que seria
“Para Kant, as pessoas e o Estado valorizam o seguramente a lei natural e ensinaria todos os deveres
Imperativo Hipotético e se esquecem de que a felicida- da vida, ou ainda formular o enunciado integral da lei
de interior do homem está no resgate da ética. Nesse da natureza. Para Rousseau, a aventura moderna era
contexto, o papel da Justiça é fundamental, uma vez um erro radical e procura um remédio para isso no
que essa recriaria os meios para ser ético. O ideal de retorno ao pensamento antigo, ao seu estado natural.
Justiça seria o fornecimento de mecanismos para o res-
gate da ética e, consequentemente, o alcance da felici-
dade pelos homens, ao contrário, muitas vezes, do or- SEPARAÇÃO ENTRE MORAL E DIREITO
denamento jurídico moderno, em que a racionalidade Nos primórdios da cultura humana o homem não
do projeto liberal burguês leva à impossibilidade de fazia distinção entre direito e moral. Direito, moral, re-
o ser humano conquistar sua essência: ser ético (isso ligião, política e outros conceitos fazem parte de um só
quando não força a não sê-lo)” (Sacadura Rocha). conjunto de regras sociais. O mesmo ocorreu entre os
gregos e os romanos.
HEGEL
Apenas na modernidade apareceu a efetiva distin-
Nasceu em Stuttgart, em 1770. Sua obra é essencial- ção entre direito e moral. Os autores apontam que na
mente racionalista. Pare ele “o que é racional é real e o modernidade ocorrem mudanças políticas, culturais e
que é real é racional”. religiosas que levam à necessidade do homem moder-
no fazer distinção entre o seu foro íntimo e o espaço
Preconizava que o costume nascia de uma relação público. Isto ocorre porque é na modernidade que se
dialética entre o direito e a moral e, que a realização da dá o rompimento com uma série de práticas da anti-
Justiça estava no respeito ás pessoas, ou seja, pregava guidade. Um exemplo desse rompimento com antigas
a ética no convívio social. práticas é a “reforma protestante”, que retira a ideia
da religião católica como a única existente, sendo as
demais práticas verdadeiras heresias. Com a reforma
protestante o mundo se abre a outras religiões não
06 JUSNATURALISMO submetidas ao catolicismo romano. Aparece também a
dissociação entre o poder religioso e o poder político.
O Estado e a Igreja passam a ser vistos separadamente.
A doutrina do Direito Natural apareceu no final da
Idade Média em oposição ao Direito Divino da época Neste contexto, surge a necessidade de se limitar o
medieval. que pertence às crenças do indivíduo e o que compõe

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Filosofia do Direito

a esfera pública. Assim, moral e religião são colocadas A punição então passa a ser focada no comporta-
como pertencentes á esfera íntima do indivíduo, en- mento do indivíduo, através de um castigo mínimo,
quanto o direito possui um caráter externo. mas que gere no indivíduo inibição para realizar novo
delito.
O ápice da separação entre direito e moral é o po-
sitivismo jurídico. O positivismo jurídico entende o Enfim, aduz que a disciplina serve “docilizar os
direito como algo completamente dissociado da mo- corpos” e torná-los aptos para a manipulação. Para al-
ral. A ideia é representada na teoria Pura do Direito de cançar à disciplina deve haver interferência de estrutu-
Hans Kelsen. ras sociais como a família, as escolas, as empresas, etc.

Miguel Reale dizia que entre direito e moral deve


haver uma “distinção”, mas não uma “separação”. PODER SIMBÓLICO
Para ele direito, moral, política, economia, religião,
O conceito foi desenvolvido por Pierre Bourdieu
etc., são aspectos da vida ética. São elementos que po-
em sua obra “Poder Simbólico”.
dem ser distinguidos, mas não devem ser separados,
pois estão de fato conectados. O direito recebe influên- Bourdieu diz que o Direito é o poder simbólico por
cias da política, da moral, e influi na moral, na religião, excelência. Isto porque as normas jurídicas são símbo-
e assim por diante. los com força para controlar a conduta dos seres hu-
manos. Assim, os indivíduos são verdadeiros súditos
que se submetem espontaneamente às normas simbó-
licas, sem questionamentos ou subversão.
07 DIREITO, PODER E SOCIEDADE “O poder simbólico como poder de constituir o
dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de con-
ESTADO E DOMINAÇÃO EM MAX WEBER firmar ou de transformar a visão do mundo e, deste
modo, a ação sobre o mundo, portanto mundo, po-
Ao discorrer sobre os fundamentos do poder, o au- der quase mágico que permite o equivalente daquilo
tor enumerou as formas de legitimidade da domina- que é obtido pela força (física ou econômica), graças
ção: ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for
reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.
a) Legitimidade carismática: ocorre nos gover- (Bourdieu)”
nos marcados pela prevalência do carisma do
A submissão às normas esta baseada na crença
governante. Decorre das qualidades pessoais
sobre a veracidade dos conteúdos normativos. Não
dos governantes, o que evidencia o personalis-
existe espaço para debater o conteúdo normativo, vez
mo político. É comum nos regimes autoritários.
que esse serve para comandar o indivíduo no convívio
social.
b) Legitimidade tradicional: as instituição de
poder representam a tradição local. Exemplo tí- O autor descreve a luta de classes como uma luta
pico ocorre nos regimes monárquicos. pelo domínio do poder simbólico, realizada através de
conflitos simbólicos cotidianos.
c) Legitimidade legal/burocrática :as relações
As ideologias, segundo Bourdieu, são determina-
de poder são regidas pelos procedimentos esta-
das pelos interesses de classe e pelos interesses especí-
belecidos na Lei. O conceito de legitimidade é
ficos daqueles que a produzem e pela lógica específica
racional, pois é a Lei que legitima o governante.
do campo de produção.
Esse é o modelo predominante nas democracias
representativas.
MODERNIDADE LÍQUIDA
O DIREITO E AS INSTITUIÇÕES
O conceito foi desenvolvido no início do presente
DISCIPLINARES SEGUNDO MICHAEL
século pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman em
FOUCAULT
sua obra que leva “modernidade líquida”. A expressão
Paul-Michel Foucault nasceu em 1926 na França. se refere ao fato de que a sociedade atual não possui
Sua obra mais famosa é “Vigiar e Punir”, que faz uma uma forma rija, que se assemelha aos líquidos (fluí-
reconstrução genealógica das estruturas sociais puni- dos), que pode modificar sua forma constantemente.
tivas. Para tal, a obra se divide em: a) suplício; b) disci-
Hoje, há muita velocidade do espaço, da imagina-
plina; c) punição.
ção e da capacidade humana. O céu passa a ser o limi-
Ao falar das penas onde havia o suplício (destrui- te, e a modernidade, um esforço contínuo para alcan-
ção dos corpos), constatou que sua eliminação dos sis- çá-lo. O acesso a meios mais rápidos de mobilidade na
temas punitivos europeus se deu não por humanida- modernidade é a principal ferramenta de poder e do-
de, mas sim para evitar que a brutalidade das penas se minação. Ser moderno, para o homem, passou a signi-
voltasse contra os próprios governantes, com a bruta- ficar ser incapaz de parar e de ficar parado. Há sempre
lização do povo em geral. a necessidade se estar a frente do seu próprio tempo.

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OAB FGV - 1a Fase

Para o autor, a comunidade ideal seria um mundo


ANOTAÇÕES
que oferece tudo que se precisa para levar uma vida
significativa e compensatória. É importante para o in-
dividuo participar do meio e interagir com ele, mesmo
que haja a dicotomia entre liberdade do individuo e as
mínimas regras estabelecidas.

DIREITO, SISTEMA E SOCIEDADE

O direito é um tipo de controle da sociedade, um


sistema de controle social. Constata-se, neste ponto,
que o sistema social é formado através da interação
humana. Assim, o sistema jurídico pode ser analisado
como um dos sistemas que compõe a sociedade. Ou
seja, a sociedade é um sistema global, onde o sistema
jurídico é um dos seus subsistemas, criado através da
interação dos indivíduos.

ACESSO À JUSTIÇA

Em 1970 foi realizado um estudo (livro Acesso à


Justiça, Mauro Capeleti, traduzido por Ellen Gracie -
leitura obrigatória par a segunda fase) que identificou
obstáculos educacionais e econômicos para acesso à
Justiça.

Tal estudo apontou como solução para os obstácu-


los econômicos a criação de mecanismos institucionais
(gratuidade nas custas, por exemplo). Já para os obstá-
culos educacionais (entendimento sobre os direitos e o
direito de acesso à Justiça) foi apontada a necessidade
de criação de um órgão que pudesse ser o instrumento
de acesso ao Judiciário e esclarecimento da população
em relação aos seus direitos.

Por fim, esse estudo trouxe também a identificação


de obstáculos processuais, vez que faltavam formas de
soluções viáveis dos conflitos. Deste feita, foram pro-
postos os Meios Alternativos de Soluções de Conflitos.
Dentre esses meios estão os atendimentos multidisci-
plinares, transações e etc.

Nota-se que o Brasil adotou as ideias do estudo,


vez que a Constituição de 1988 previu a assistência ju-
rídica gratuita integral aos necessitados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARNIO, Henrique Garbellini. Curso de Sociologia


Jurídica. RT: 2011.

DE CICCO, Claudio. História do Pensamento Jurídico e


da Filosofia do Direito. Saraiva, 2009.

ROCHA, Leonel Severo e DUARTE, Francisco Carlos.


Construção Sociojurídica do Tempo: A Teoria do Direito e do
Processo. Juruá, 2012.

SILVA, Ivan de Oliveira. Curso Moderno de Filosofia do


Direito. Atlas, 2011.

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