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pertence, pois, de maneira definitiva, ao que Weber designava

~e tal . disc~rso. As estruturas têm por função manter-se


como Comunidade.
1mutáve1s, seja qual for a agressão de que possam ser alvo. A resposta chinesa proporciona à juventude possibilidades
de realização que nos faltam (e faz, portanto, a economia de
um tipo de "doenças" associadas ao nosso sistema); por isso
Uma contraproposta: os libertários mereceria um exame mais aprofundado 55 •

As ~ães serão responsáveis pela tolice de seus filhos? É


o que afirma Nicolas Bukharineõ2 (1919): "A família limita o
espírito das crianças e, por outra parte, nada indica que os pais 3 - A pedagogia, ciência ou política?
Sejam os educadores que deveriam ser; numa centena de mães,
somente uma ou duas são capazes de ser educadoras."
Os movimentos. libertários nascidos na mesma época na Até aqui: rumo à ciência?
~emanha 5.ª contestaram o direito dos adultos a educar seus
filhos. Os 1ovens reivindicam o direito de se educarem sozinhos. Uma reflexão pedagógica vinculada à reprodução das
Procuram f~rmar comunidades e recusam, por outra parte, toda instituições (a família, o Estado) existe, sem dúvida, desde
forma de vida em sociedade. sempre 5 6 e foi desde Platão que uma pesquisa de alcance
Reencont~an:~s a idéi~ de criar uma sociedade igualitária científico se instaurou em torno da pergunta: Por que a edu-
ao l?ngo da histona dos diferentes movimentos de juventude e cação? Mas o problema foi formulado sob sua forma moderna
~ov1mentos operá~ios que se desenvolveram no decorrer do por Rousseau e de um modo negativo: o educador deve
seculo XX. Terronsmo, intolerância e ditadura não estiveram apagar-se, a criança deve ser educada à margem da família,
certamente ausentes de muitas comunidades, acusando-se da sociedade, dos livros, da religião. A natureza é que servirá
aqueles que pretendem combater a corrupção das instituições de guia.
de soçobrarem eles mesmos numa outra forma de corrupção Paralelamente, Rousseau cria o conceito criança (com o
a, dos c~stumes. O ':deboche" dessas comunidades, entretanto'. conceito de estágios de desenvolvimento), o qual irá influenciar
so a~qmre esse ~arater escandaloso porque se apresenta de toda a pedagogia moderna e permitir o desenvolvimento de
maneira. ab~rta, n.ªº, ~ascarada, em rompimento com o código uma mitologia da infância "pura", a salvar da contaminação
de s.avozr-vzvre h1pocnta do mundo burguês 54 • o valor desse pelos adultos. A partir daí constituiu-se uma cultura infantil -
movlllent~, semi:ire atual e ainda efêmero, com freqüência, em cultura que a criança deve abandonar quando ingressa na vida
sua duraçao, reside na recusa; resistência a um mundo que se adulta (e a passagem do status de criança ao de trabalhador é,
defende contra todos os riscos de mudança. desde logo, menos fácil do que Rousseau a descreve).
. Ao pass~ que o Estado, nos países ocidentais, revela aos Um terceiro princípio consiste em dar prioridade à for-
1ove~s, atrave~ ~os. veículos de comunicação de massa, a mação do caráter sobre a instrução; a criança não tem que se
?J-entira e a v10lencia qu~, por assim dizer, fazem parte do converter num sábio, é preciso que ela aprenda a aprender. O
J?go dos g?vernantes, e ena desse modo uma situação a-educa- principal ensino, o mais difícil de todos, para Rousseau, é o
tiva, a .China eleva os seus camponeses e o povo em geral à da ignorância. A partir daí, a criança abrir-se-á para um saber
cate~?na de edu,cadores. Longe de fazer explodir a instituição a que teria sido subtraída pela "mania docente e pedantesca".
fa~ar (como e o caso dos anarquistas), longe de educar as Assim, o papel do preceptor não é levar respostas à criança mas
cr~~nças num~ .segregação de classes etárias (Israel), a Chlna fornecer-lhe uma ferramenta útil de que a criança possa
u!1hza a co}e!1v1dade das famílias conjugais como lar de forma- servir-se no dia em que tiver o desejo de aprender. "Não
çao pe~agog1~~' a qual, por seu turno, não escapa a uma pretendo, em absoluto, ensinar geometria a Émile; ele é que
cducaçao pohtica oriunda da sociedade como um todo. Ela

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m'n n in ará, eu procurarei as relações e ele as encontrará
. .
p is cu as procurarei de maneira a fazer com que ele as
' p rtencer ao mundo da linguagem e aperce~eu-se de que esta
dcscu bra." · n titui um de seus pólos; e, por consegumte, que o Outro
p de-lhe responder sim ou nãoªº· Assim, a doun:ina ys~c.analí­
~ interesse na abordagem de um Rousseau (na qual, hoje tica tem por efeito marcar essa entrada na cadeia s1gn~cante
m dia, só se enfatiza com excessiva freqüência o lado utópico) que converte a criança em sujeito; ao destacar-se ~quilo que
talvez resida no fato de se tratar menos de traçar a imagem de a ação analítica foi chamada a perturbar na relaçao entre o
uma educação ideal do que de refletir sobre o ideal de uma sujeito e o significante, indica-se simultaneamente o que separa
educação (através da discussão de cada um dos métodos em sa prática de toda ação social, religiosa, pedagógica ou po-
curso~. Em que é que isso implica? Por um lado, um ideal lítica61.
orgamza-se sempre em torno de uma carência. Por outro lado,
existe em seu desígnio, inevitavelmente, a dimensão do
impossível.
~mpria enfatizar isso porque o que impressiona, pelo Até aqui: rumo à política?
contrario~ nos, autores modernos, de Juan Luis Vives a Dewey
e Claparede, e o seu ardor em querer formar "almas virtuosas" A situação analítica é associai mas a pedagogia, por seu
adaptadas a uma sociedade moderna ideal57 • A educação lado, é obrigada a se definir em relação a determinad,a. socie-
está subordinada à imagem de um ideal estabelecido logo de dade; toda a pedagogia depende de uma escolha ideolog1ca ou
entrada pelo pedagogo e que, simultaneamente, proíbe toda e política. :E: a dimensão que se pode qualificar de ética tanto
qualq_uer contestação desse ideal, ou seja, do desejo que serve na República de Platão como no Emílio de Rousseau, que con-
?e suporte à sua opção pedagógica; pede à criança que venha tinuam sendo duas utopias.
ilustrar o fundamento de uma doutrina 58 • A descrição da Cidade constitui para Platão o desvio ne-
Tal opção tem suas raízes no imaginário (do educador) e cessário à definição da imagem do homem justo; apresentar
participa de todas as divagações referentes a um mundo melhor_ esse desvio como um conceito propõe-nos uma questão. "Não
(divagações que estão presentes em todas as civilizações). Uma exijas, diz Sócrates, que eu realize na prática o que descrevo
pesquisa pedagógica que estabelece desde o início o ideal a-- em palavras; mas se eu posso descobrir como se poderia esta-
atingir só pode desconhecer o que diz respeito à verdade do belecer um Estado muito próximo do nosso ideal, reconhece
desejo (da criança e do adulto). Expulsa do sistema pedagógico, que demonstrei o que tu me solicitas, a possibilidade de realizar
essa verdade retorna sob a forma de sintoma e se exprimirá na - a nossa constituição. Não ficarias contente com tal resultado?
delinqüência, na loucura e nas diversas formas de inadaptação. Por minha parte, eu ficaria." 62
Inversamente, a posição assumida por Rousseau tinha em A imagem do homem justo, como veremos mais adiante,
vista a criança a educar estudando-a por si mesma; uma tal apresenta-se como o oposto da do tirano - aquele que su-
interrogação sobre o que a criança representa para o adulto cumbe ao desregramento, qualificado por Platão como antina-
traçava, pelo menos, o caminho da reflexão sobre a educação. tural. Trata-se, de fato, do desejo tal como pode aparecer no
Efetuar uma verdadeira reflexão sobre a educação implica inferno do sonho (desejo de incesto, de homicídio etc.).
o esforço de constituir uma doutrina científica e de se livrar da Será aquilo que, no desejo, se apresenta na ordem do
falta de pontos de referência que caracteriza o imaginário. insustentável, o que levou filósofos e pedagogos a reduzi-lo ao
E é aí que a psicanálise pode entrar com sua contribuição; nível de necessidade? Em todo caso, vimos como o Dr. D. G. M.
ao superar a dualidade natureza-sociedade59 , ela sublinha a re- Schreber atacou o desejo, substituindo-o pela aquisição de auto-
lação de ambas com a linguagem, relação apreendida no estudo matismos.
do nascimento do desejo nesse indivíduo humano, o qual, antes Interpelado pelo caráter aberrante do desejo, Rousseau
m smo de estar apto a usar a palavra, fez a experiência de empenhou-se em interrogá-lo. Da relação com a linguagem nas-
ce, no ser humano, o desejo; o método de Rousseau visa, por
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conseguinte, considerar o aluno um ser dotado de lógica isto E sabe-se que, em torno da idéia de perfeição, desenvol-
é, um ser falante que realiza a experiência de uma voli~ão e ve-se com freqüência um monumento teórico que oculta, sob as
d~ _uma opção (sim ou não), onde não há ninguém para de- roupagens da ciência, um método que se pode classificar de
c1d1r em seu lugarªª· O que a criança realiza ela o realiza em delirante. Mas Rousseau, como filósofo, deixa questões em
relação a uma linguagem que a dirige. At;avés da dialética aberto; ele está do lado do sonho. O Dr. D. G. M. Schreber,
me~tre-aluno que se instaurou no Emílio, o que observa é, nem por seu lado, fecha as questões, desde o momento em que a
mais nem menos, algo como a inclusão do sujeito na cadeia sua finalidade é " ter resposta para tudo". O método de Rous-
significante. -
seau tem pontos em comum com um método analítico, na me-
. E~ outro nível, pode-se interrogar, por certo, sobre as dida em que se descortina nele uma vontade de supressão, de
oscilaçoes de Rousseau (ou do preceptor), o qual se situa ora retraimento. O método do Dr. D. G. M. Schreber, por seu lado,
ao nível do outro imaginário (todos os pensamentos de Emílio 6 técnico e autoritário, aproximando-se mais da ortopedia (à
lhe devem ser transparentes), ora ao nível do Outro prévio 0 qual, aliás, ele recorre) 66 •
da primeira dependência: "Está bem tudo o que sai das mãos O retraimento de Rousseau tem, por certo, um aspecto
do Autor das coisas; tudo degenera nas mãos do homem." mistificador; mas a mistificação revelou-se, sobretudo, na apli-
_ São cla_ros os efeit.os na p!áti~a dessa diferença de posi- cação pedagógica que se fez do seu método, depois dele; apos-
ç,o~s na teona. Com efeito, Platao situa-se na linhagem dos po- saram-se do conceito para traduzi-lo em receitas. Por conse-
liticos - só tendo chegado à filosofia, segundo nos dizem64 e guinte, mascarou-se o ódio da infância que está na base de. todo
nela se mantido pela política e para a política - e deixou-~os o empreendimento "pedagógico"; fabricaram-nos uma cnança
uma ?bra que, se serviu par~ uma reflexão sobre a educação, mítica para desculpar os nossos crimes; criou-se a noção de
tambem pode, porque propícia ao sonho de um Estado Ideal regressão (o paraíso da infância), a noção de maturidade (útil
se~vn:. na realidade a um empreendimento paranóico que vise à à administração). A autoridade médica fez o resto.
cnaçao de um Estado totalitário e "perfeito". Encontramos em Os conselhos de puericultura e de pedagogia dispensados
Platão o culto de uma elite pouco numerosa o culto de uma antes de 1880 pelas mães de família, as parteiras e os médicos
sab_edoria para ~s de poder; e a ascese dos 'governantes (que de província, sob a forma de uma "arte de viver", passam efe-
terao a fazer do mfor~nio o seu quinhão) é o preço a pagar tivamente a ser, depois de 1880, monopólio exclusivo dos pe-
.para fazer parte ~a elite. A, obra de Platão remete-nos, pois, diatras, para fins de ensino. O pediatra possui doravante .111?
aquela parte de nos que esta em busca de idealização 6 s e per- saber teórico que distribui com autoridade; ele procura defimr
rmte mascarar o arcaísmo das instituições.
a legalidade médica. Se ele entendeu, por assim dizer, que lhe
~ obra de Rousseau, em contrapartida, não pretende falar cumpria separar-se de uma tradição empírica, nem por isso o
propriamente de política; é a obra de um filósofo que pensa em saber médico se desligou de todas as interferências ideológicas.
term~s de educação, que. a pensa do próprio lugar da mãe que No século XIX, os médicos deixam de ser exclusivamente re-
~le nao teve. Pode-se afirmar que ele realizou em si mesmo a crutados no que se poderia chamar a classe média; a profissão
imagem da mãe idealizada ao escrever um tratado sobre a atrai cada vez mais os jovens pertencentes às classes sociais
educação.
superiores. Assim, as regras de higiene decretadas vão levar em
Um século mais tarde, o Dr. D. G. M. Schreber retoma conta as posições sociais; assim é que a mulher do povo tem
o tema da educação, estabelecendo como postulado que a na- necessidade de regras com as quais não se transige: selvagem,
tureza é má: "Nada de mãe, nada de filho" dizia Rousseau· é pressuposta a sua robustez, ao passo que a mulher da classe
" que a mae .... '
se apague, é a voz do pai que importa", responde' superior tem direito a todos os cuidados: é preciso levar em
º . Dr. D. G. M. Schreber. Através da imagem ampliada da infân- conta uma "nervosidade" inerente à cultura67 •
cia, um e outro, ao identificarem-se com suas respectivas obras, Simetricamente, as instituições escolar e médica do fim do
refazem sua própria infância fracassada ou perdida.
século XIX construíram na França a sua autoridade sobre uma
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base de ignorância popular - ignorância popular tão necessá- Em sua época, Michelet já tinha mostrado aos estudantes
ria que tudo concorre para conservá-la. que deviam, por si mesmos e para si mesmos, formular uma
Os efeitos dessa posição continuam sendo hoje manifestos contra-educação se quisessem atribuir-se uma cultura que os
tanto na forma como no conteúdo de um ensino assente nos admitia ou os rejeitava como objetos. E dizia que o que lhes
ritos de passagem e nas virtudes da seleção: Que seria do pro- cumpria recusar era a cultura (entenda-se, a cultura oficial).
fessor, com efeito, se o aluno fosse colocado em situação de "Dêem-me festejos. Há muito tempo que não rio - ou será
não mais ser impedido de aprender? Voltaremos a este ponto. que já ri alguma vez? Eis o que falta ao meu coração, o que
E em medicina, em psiquiatria, o paciente não é também falta à França."ª8
colocado, por vezes, em situação de ser impedido de se "curar"? É a própria vida que seria preciso reinventar, mas a vida
Recorre-se agora ao psicanalista para que ocupe o lugar é uma palavra vaga e não se trata de tomar novamente Robin-
de autoridade cobiçado pelo médico no século XIX, solicita-se son por modelo; trata-se, outrossim, das instituições e, em pri-
cotidianamente o seu "conselho pedagógico"; ora, não há ga- meiro lugar, da Família, da Escola e do Hospital.
rantia alguma de que o futuro esteja do lado da multiplicação Como disse illich, toda a realidade social se encontra hoje
de atos médico-psicopedagógicos; estes ocorrem cada vez em "escolarizada" 69 • "Tanto os ricos como os pobres estão subme-
maior número no lugar de uma dimensão política que não se tidos às escolas e aos hospitais que orientam suas vidas, mode-
pode continuar a ignorar. É impossível continuar a propor re- lam sua visão do mundo e fixam os limites do que é legítimo
médios improvisados e provisórios naqueles casos em que as e do que não é. Uns e outros pensam ser insensato cuidar de
próprias estruturas é que teriam necessidade de ser radical- si mesmo, que se aprende mal quando se aprende sozinho e que
mente questionadas. toda a tentativa de organização comunitária que não for fi-
nanciada pelas autoridades públicas só pode ser uma forma de
agressão ou de subversão."
Hoje Os campos de concentração preventivos para pré-delin-
qüentes estariam, acrescenta Illich, inteiramente dentro da ló-
Colhidos na armadilha dos sistemas, das técnicas e de um gica do sistema escolar. Sabe-se que, lamentavelmente, foi por
absoluto científico, impotentes para avaliar os nossos conheci- esse caminho que enveredaram muitos países ocidentais.
mentos em termos relativos, nós mesmos tecemos, em muitos O rastreamento obrigatório dos chamados distúrbios men-
casos, a teia de uma situação paranóica - que dá acesso para tais desde a mais tenra idade cria uma situação em que a escola
as violentas dilacerações da nossa época - da qual, como ana- terá como seqüência o hospital. Os desajustados, que são cada
listas, estamos bem longe de escapar. vez mais numerosos, devem ser considerados um sintoma da
Através de sua recusa (recusa escolar, recusa de se adapta- doença das instituições 70 • Numa formação que tem por finali-
rem às nossas normas, recusa de viver), os jovens apontam o dade exclusiva a produção e a competição, e que se representa
que lhes parece intolerável em nosso sistema de valores. Eles como propiciadora dos meios de vida, começa-se a discernir
têm a impressão de que os valores foram substituídos por pa- que ela impede de viver.
lavras. Esboçam-se contra-instituições de diversos lados; é preciso
O estudante fala de um gueto cultural de maneira ambígua, acreditar, mesmo que não sejam essas as soluções, que elas
sem que se saiba se ele está privado de cultura ou é dela pri- manifestam, pelo menos, o indício de uma carência.
sioneiro. É que a cultura escolar tornou-se como que uma para- A nossa crença na técnica impede-nos de efetuar uma ver-
da no jogo das qualificações, das orientações, das seleções po- dadeira mudança pedagógica. O que fez a força de um Freinet71,
líticas e sociais. O jovem recebe-a como um passaporte, um foi sua posição à margem de uma sociedade que o rejeitava.
salvo-conduto que deve mostrar nos guichês, sem que tenha a O interesse de tal posição reside menos naquilo que se privile-
s nsação de que ela lhe pertence. giou quanto a seus efeitos (descobertas de Freinet: gráfica,

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texto livre, fichários autocorretivos) do que naquilo que pro- dade junto das crianças da classe dominante mas recusá-la às
priamente a constitui: supremacia conferida por Freinet à edu- outras.
cação sobre a instrução, vontade de aderir à vida da aldeia, A experiência da escola de Barbiana75 contin~a sendo,
importância atribuída ao despertar, à tomada de consciência por essa mesma razão, inteiramente exemplar. Foi a unica
social e política da criança. Tudo o que foi favorecido ao nível c•xperiência, em toda a história da pedagogia contemporânea,
de um combate ao lado dos adultos (fora de uma segregação de u recusar com êxito o mito da infância.
classes etárias) merece ser conservado. A escola aliás não é uma escola; é um lugar numa aldeia
Que ele tenha desenvolvido, por outra parte, toda uma perdida da Itália, ~nde a perce~tagem de reprov~~ões n~ final
mitologia em torno da criança, é o aspecto banal de seu em-
preendimento e, evidentemente, foi esse o aspecto que se reteve.
do curso primário é uma das mais elevadas da regiao. AniJ::?ª?º
por uma fé revolucionária, um padre meteu na cabeça a ideia
Não se sabe se devemos rejubilarmo-nos ou inquietarmo-nos de reunir os rejeitados da Educação Nacional, todos os filhos
pelo fato de o movimento Freinet contar hoje com 20.000 de camponeses cuja língua materna não é a usada nas escolas.
adeptos. Talvez sejam, em termos numéricos, menos eficazes sas crianças só têm alguma probabilidade de escapar às con-
do que Freinet quando, sozinho, mobilizava toda a opinião pú- dições de opressão em que vivem seus pais se estudarem; ora,
blica contra ele. desde o começo, o acesso à escola tornara-se-lhes impossível. 1
A posição de Fernand Deligny 72 merece igualmente inte- Foi nessa dimensão política do problema que as crianças
resse pelo que nela subsiste de irrecuperável. Procura estabele- se tornaram atentas e aplicadas, graças à intervenção do padre.
cer para os mais deserdados (delinqüentes, loucos, retardados) 1
Longe de as "exilar" nos "jogos de sua idade", ele mergu-
"dispositivos de existência" à margem das instituições vigentes, 1hou-as na leitura de jornais, na contestação dos programas
à maneira daqueles lugares outrora ocupados pelos Resistentes, escolares e no estudo oral de línguas vivas. O trabalho é quase 1
locais fora das cidades, fora do "estabelecido". Trata-se, por- um trabalho de força mas realizado com entusiasmo ( entusias-
tanto, de impedir a institucionalização da "doença" e permitir mo nascido da violência e do "espírito de desforra", na me-
que se exponha a palavra da criança. dida em que a escolaridade foi equiparada a uma guerra que
Fernand Deligny opõe-se assim a Fernand Oury 73 , cujo era preciso ganhar). As crianças são colocadas em posição de
objetivo era, por sua parte, introduzir uma mudança pedagó- ser, simultaneamente, ensinadas e ensinantes; cada uma delas
gica no seio das estruturas existentes, ao passo que F. Deligny deve ajudar outra menos dotada.
contesta radicalmente essas estruturas. Aliás, Deligny mantém-se "Aquelas que não possuíam base, escreve uma das crian-
na solidão do poeta, enquanto outros sonham com monopólios ças, que levavam mais tempo que as outras a compreender ou
educativos. que eram distraídas, sentiam-se as preferidas .. Eram tratadas
Se a posição de A. S. Neill 74 ganhou tal importância, é como vocês tratam o primeiro da classe. Parecia que a escola 1
porque ele soube preservar uma verdade fundada numa radical era só para elas. Enquanto não tivessem entendido tudo, as
desmistificação da função docente. Neill mostra, com o apoio outras não avançavam ...
de exemplos, que a pedagogia nada tem a esperar de um aper- 1
feiçoamento técnico (ele utiliza os métodos mais obsoletos). "Não havia recreio, não havia dias de folga, nem mesmo
Ao considerar que a solução não está do lado da reparação aos domingos. Isso não nos importunava, nem a umas nem a
superficial das dificuldades mas do lado de sua prevenção, ele outras, pois o trabalho é muito mais duro. Mas. ?e todos ~s
1
reata, de certa forma, o que Rousseau tinha promovido sob o burgueses que contavam histórias quando nos vlSltavam, nao
título de "educação negativa". Foi-lhe recriminado o fato de se havia um só que pudesse engolir isso.
dirigir apenas às crianças da classe burguesa. A. S. Neill foi o "Houve um professor muito sabichão. . . açabou por ir 1
primeiro a deplorá-lo; com efeito, é o paradoxo deste sistema embora e Lucie, que tinha dezesseis vacas no estábulo, disse:
( capitn lista) tornar possível uma contestação radical da sacie- 'A escola será sempre melhor que lidar com merda'. . . Esta

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frase deveria ser gravada sobre a porta de suas escolas. Milhões irmão mais velho de Daniel Paul), que se suicidará aos
de pequenos camponeses estão dispostos a subscrevê-la ... 38 anos de idade.
"São vocês que dizem que a garotada detesta a escola 3. Jacques Lacan, Séminaire sur Schreber, 18 de abril de
e prefere divertir-se. A nós, camponeses, vocês não pergunta- 1956 (inédito).
ram qual era a nossa opinião. Mas somos um bilhão e sete- 4. Jacques Lacan, Seminário de 19 de fevereiro de 1956 (iné-
centos milhões. Há seis guris em cada dez que pensam o mes- dito).
mo que Lucie, os outros quatro não sabemos. Toda a sua 5. Desenvolvido por Jacques Lacan no Seminário de 2 de
cultura se faz dessa maneira, como se o mundo lhes per- maio de 1956 (inédito).
tencesse ... 6. O Nome-do-Pai é para Lacan o significans da "função do
"Para ingressar de bom grado em suas escolas, seria ne- pai".
cessário ser arrivista aos doze anos. E, aos doze anos, os arri-
"Para que a psicose deflagre, é preciso que o Nome-
vistas podem ser contados pelos dedos. Isto é tão verdade que, do-Pai, verworfen, réprobo, isto é, vindo sempre no lugar do
na sua grande maioria, os seus alunos não podem suportar a
Outro, seja invocado em oposição simbólica ao sujeito.
escola."
É a ausência do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo bura-
O êxito nos exames foi total. As crianças tornaram-se, co que abre no significado, desencadeia o caudal de rema-
em grande parte, ensinantes revolucionários. Como local de nejamentos do significans, donde procede o crescente de-
ensino, Barbiana desapareceu com a morte do padre. O ensi- sastre do imaginário, até se atingir o nível em que signifi-
namento a extrair de Barbiana é que a sociedade fabrica (e cans e significado se estabilizem na metáfora delirante.
"trata") o fracasso escolar como se tivesse necessidade de um
Mas de que modo o Nome-do-Pai pode ser chamado
s~st:ma que assegure a produção de uma elite (para as pro-
pelo sujeito no único lugar donde podia advir e onde nun-
fissoes nobres) e de serventes para garantir a mão-de-obra de
ca este~e? Nem mais nem menos que pelo nome de um pai
que a elite - a classe dominante - precisa.
real, nao forçosamente o pai do sujeito, mas Um-pai.
A educação apresenta uma questão que não está em nosso É preciso ainda que esse Um-pai venha a esse lugar
poder ~e analistas resolver. A psicanálise, dizia Freud, pode onde o sujeito não pôde chamá-lo antes. Basta que esse
proporcionar uma ajuda à educação mas não poderá substituí-
Um-pai se situe em posição terceira em qualquer relação
la. Existem, dizia ele em outra ocasião, três profissões impos-
que tenha por base o par imaginário a-a', isto é, eu-objeto
síveis: a educação, a assistência e o governo dos povos 76 •
ou ideal-realidade, interessando o sujeito no campo de
Poderíamos parafrasear Freud e dizer que, numa reflexão agressão erotizada que ele induz."
sobre a pedagogia, a psicanálise não tem por que se substituir J. Lacan, Traitement possible de la psychose, em
I à política; ela interroga uma situação e deixa a outros o cuidado Écrits, :E:d. du Seuil, p. 577.
de receber o testemunho do discurso analítico.
7. "No seio da experiência analítica existe, diz-nos Lacan, um
mito, o qual não pode ser transmitido na definição da
verdade.
Notas Esse valor do mito (do Édipo) vale como ponto de
referência e não poderia rebaixar-se ao nível de uma 'rea-
lidade papai-mamãe'. Trata-se, outrossim do discurso co-
1. Michel Foulcault, Maladie mentale et Psychologie PUF letivo em que a criança se encontra engl~bada desde antes
1966. , , do nascimento. É ao que Lacan chamou 'a lenda da tra-
2. O primeiro livro pedagógico do Dr. D. G. M. Schreber foi dição familiar'" (Le Mythe individue[ du névrosé 1953
relatório anônimo, CDU). ' '
publicado no ano do nascimento de seu primogênito (o

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8. D . G. M. Schreber, Kallpiidie oder Erziehung zur SchO- ção. À menor flexão, a pos1çao deitada tornava-se nova-
nheit durch Naturgetreue und Gleichmiissige Forderung mente exigível. (Desenvolvido por Nierderland e por
Normaler Korperbildung, Leipzig, Fleischer, 1958, citado Schatzman.)
por Morton Schatzman, Fire, n.os 3-9. . 15. Esta interrogação obriga-nos a guardar na memória o se-
9. Seria interessante realizar um estudo comparativo dos es- guinte : é quando o pai tenta medir-se com tarefas impos-
critos de Daniel Paul Schreber e dos escritos de um outro síveis (~orno ~ de mudar a ordem do mundo) que ele se
paciente condenado na época, por um tribun~l~ ~ reclusã? apresenta ao filho como uma pessoa insuficiente; e é tam-
perpétua num manicômi? por um trplo hom~c1d~o cometi- bém na medida em que o pai exerce a sua autoridade
do aos vinte anos de idade (a mae, um rrmao e uma como um capricho que ele se apresenta ao filho como
irmã ). N ão se tratava nesse caso de um. J?ªi autorit~io sua cópia; o pai não comparece naquele lugar para uma
mas de um pai pusilânime, cujo poder ele ma, com ª. a1u- retificação total, da posição. natural do desejo (posição que,
da de Deus, restabelecer, matando aquela que o achmc~­ como se sabe, e para a cnança a de se encontrar no prin-
lhava. O homicídio, neste caso, permite a restauraça~ cípio do prazer da mãe).
sonhada de uma figura paterna autoritária, aquela que fo1 16. O. Mannoni, Schreber ais Schreiber, em Clefs pour l'ima-
definida nos escritos pedagógicos do Dr. Schreber. ginaire, Éd. du Seuil, 1969.
17. ~uando Schreber queria pesar-se, Flechsig opunha-se a
10. Luc Boltanski, Prime éducation et Morale de classe, Éd.
isso, escudando-se numa forma de condescendência· Flech-
Mouton, 1969.
11. D. G. M. Schreber, Das Buch der Gesundheit, Lh:1phz1?,
. . . . - .
s1g permanecia no nao-ouvrr: no âmago da persuasão de
'
Friess 1839· Kallpiidie oder Erziehung zur Se on eit, que ele usava existia uma coerção camuflada.
Leipzig, Fleis~her, 1858, citados por Niederland in Psycho- 18. Daniel Paul Schreber, traduzido por I. Macalpine, Me-
moirs of my nervous illness, Londres, Dawson & Son, 1955.
analytical study of a child, n<? 14.
12. Desenvolvido por William C. Nierderland, The Miracl~d-
1 1
19. Negligenciou-se o fato de Flechsig, desde 1884, em seus
up world of Schreber's childhood, in Psycho-ana ytica artigos científicos, explicar o benefício que os doentes men-
tais extraíam da castração, que ele fazia realmente praticar
study of a child, n<? 14. por um cirurgião. Schreber tinha certamente lido esses ar-
13 E. Sylvester (1959), Painel internacional: Psychological
tigos (William G . Niederland, Schreber and Flechsig, in
consequences of physical illness in childhood. Relator; V.
Journal of the American Psychological A ssociation,
Calef. J. Am. Psa. Ass., VII. 16-4-1968, pp. 740-748).
14. Entre esses numerosos aparelhos ortopédicos, citemos o
20. Antes de suas contendas com Flechsig, acontecera a Sch-
Schrebersche Geradebalter, que assegura uma posição cor-
reber, num sonho, a seguinte frase: · " Como 1 seria bom ser
reta do corpo de dia e de noite, por m~io de, barras de
uma mulher D:º momento da copulação." E sta frase é que
ferro verticais e horizontais presas ao peito e a mesa. O
se revelou mais tarde como o núcleo do verdadeiro delírio.
Kopf balter serve para sustentar a cabeça, exercendo pres-
são sobre o queixo e os dentes. Um cintur~o pesa~o, em: 21. Jacques Lacan, Seminário de 16 de novembro de 1955
(inédito).
pregado ao deitar, ata-se em torno do pelt? _e fixa-~e a
cama, a fim de manter, a criança na pos1çao dese1ada 22. O .. Mannoni, Schreber ais Schreiber, in Clefs pour l'imagi-
naire.
pelo pai.
As prescrições oftalmol6gicas descrevem exercícios 23. Maud Mannoni, Le Psychiatre, son "Fou" et la Psychana-
oculares impostos à criança. lyse, Éd. du Seuil, 1970.
O que iria constituir-se em autoridade como regra 24. f'. quando o pai adota uma posição de prestância que coin-
médica era a necessidade imposta à criança de se manter ~1de com o fantasma do pai grande e único, que a criança
cmpre ereta, quer em suas brincadeiras quer na locamo- e suscetível de se tornar psicótica. Pode-se perguntar se

55
54
Daniel Schreber não procurou realizar o sonho megaloma- 34. E. Ionesco, La Leçon, Théâtre I, :Éd. Gallimard.
níaco do pai, que se dizia "um déspota esclarecido" (pre- 35. F. Dolto, prefácio do nosso livro Premier rendez-vous avec
sumivelmente em identificação com a onipotência de sua le psychanalyste, f:d. Gonthier, 1965.
própria mãe. Esta chamava-se realmente Friederike Gros- 36. Jacques Lacan, "Les complexes familiaux dans la forma-
se, mas D. P. Schreber apelidou-a de Friederike der Grosse tion de l'individu'', tomo VIII da Encyclopédie Française
[Frederica, a Grande]). O filho não teve outra escolha, sobre La Vie Menta/e, 1938. '
portanto, senão engendrar uma nova humanidade. 37. Max Weber, L'É tique protestante et l'Esprit du capitalis-
25. Franz Kafka, Lettre au pere (vol. VII, Oeuvres Com- me, f:d. Plon, 1964; trad. J. Chavy.
pletes). 38. ~a ª?~pção em que o entende Lacan, que não é a ordem
26. O grifo é meu. s1mbolica dos sociólogos!
27. O grifo é meu. 39. David Cooper, Mort de la famille, f:d. du Seuil 1972.
28. Numa formulação existencialista: "Uma educação severa 40. José Bleger, "Psychoanalysis of the social fram~" in Inter-
trata a criança como instrumento, pois tenta dobrá-la à national Journal of Psychoanalysis, vol. 48, nc:> 4, 1967.
força a valores que ela não admitiu; mas uma educação Maud Mannoni, Le Psychiatre, son "Fou" et la Psycha-
liberal, para usar outros métodos, não deixa igualmente de nalyse.
fazer uma escolha a priori de princípios e valores, em no- 41. O conforn:ii~mo. é exigido ~i:r1 todas as épocas. Mas a par-
me dos quais a criança será tratada" (Sartre, L'Etre et le cela de ongmalidade permitida em certos domínios é mais
Néant, :Éd. Gallimard, p. 480). ou ?1enos grande .. E o conformismo nem sempre foi con-
29. Michel Foulcault, L'Ordre du discours, :Éd. Gallimard, cebido como condição de promoção.
1970. 42. Jacques Donzelot, "Le Troisieme Age de la répression"
30. Jacques Lacan, La relation d'objet et les structures freu- in Topique, nc:> 6. '
43. Eric ~erne, Games People Play, Penguin, 1964.
diennes. Separata do Bulletin de Psychologie (seminário
1956-1957). 44. Cf. Gilles Deleuze, Présentation de Sacher Masoch Cal.
10/18, 1971. ,
31. O drama de Kafka permanece no campo da neurose: a
imagem de um pai todo-poderoso é o fantasma do neuró- 45. Joseph Berker, "Counter Culture", em Fire, n.os 3-9.
tico. A denúncia do pai pode ser apenas, nesse caso, a 46. J. Lacan, "Kant avec Sade'', em Écrits, p. 781.
denúncia pelo sujeito dos seus próprios fantasmas de oni- 47. O sentimento de culpa agrava-se à medida que o sujeito
potência. :É quando a posição do pai coincide na realidade (que se apega ao seu desejo) se abstém nos atos. Com
com essa posição do pai aterrador do fantasma que a crian- e~~ito, a p~siç~? do desejo não é escolhida; o sujeito é
ça se torna psicótica. vitima ?º significante. Mas os outros têm a responsabili-
32. Pode-se formular sempre a questão de saber se a estrutu- dade disso: que o sujeito permaneça para sempre vítima
ra corresponde a uma realidade objetiva ou se não passa dessa tentação primeira e natural (de satisfazer o desejo
de uma hipótese operacional. Do ponto de vista psicana- materno).
lítico, o recurso a uma referência estrutural é recorrer a 48. Seria até mais exato dizer que o inocente é que é vítima
pontos de referência que possuem comprovadamente um da_ arde~ sim?~lica e dirige-se para o interdito, que é a
valor operacional na medida em que o analista não os mae.. A ~terdiçao age no interior do desejo. Quanto mais
submete a uma redução médica (sobrepondo assim uma s~ distancia a barreira do incesto, mais o desejo se orga-
outra linguagem à linguagem psicanalítica). mza em redor do interdito.
33. Desenvolvido por O. Mannoni, "Psychanalyse et Enseig- 49 Desenvolvi?o por Mus.tapha Safouan no Congresso da Es-
nement", in Psychologie et Sciences de l'Éducation, vol. 5, co~a Freudiana de Pans, 1971. A lei funciona como lei do
nQ 2, 1970, Louvain. pai morto que não foi sustentado pelo pai vivo (pai vivo

5 57
na medida em que não é caprichoso). Quando o pai se tema que a impele a desenvolver uma atividade puramente
converte em cópia do sujeito, o simbólico é obliterado. O competitiva e, assim, a desejar sempre mais intensamente
pai do paranóico mostra-se geralmente ou insuficiente em o que não tem, uma situação que na China era, segundo
relação à mãe ou insuficiente em relação a uma tarefa ele, impensável. Cf. Giovanni Jervis, Notes sur la psychia-
delirante. trie en Chine, em Tel Quel, n9 50. Cf. também Gregorio
50. Jacques Donzelot, "Le Troisieme Age de la répression", Bermann, La Salud Mental en China, Ed. Jorge Alvarez,
em Topique, n9 6. Buenos Aires, 1970.
51. Maud Mannoni, Le Psychiatre, son "Fou" et la Psycha- 56. Estas idéias são desenvolvidas a partir de um trabalho de
nalyse. Mustapha Safouan publicado em Enfance aliéné, setembro
52. Citado por E. Copferman, Problemes de la jeunesse, Éd. de 1967.
Maspero, 1967. 57. Les Grands Pédagogues, obra coletiva publicada sob a
53. J. R. Schmid, Le Maítre camarade et la Pédagogie liber- direção de Jean Chateau, PUF, Paris, 1965.
taire, Éd. Delachaux, Genebra, 1947; reedição Maspero, 58. Desenvolvido por mim no prefácio de Summerhill, Éd.
1971. Maspero, 1970.
54. Recordemos, a este respeito, a diferença que existe entre a 59. Lacan recorda, a propósito, que a natureza é um produto
coerção da Lei e a autoridade do costume (Stanley Dia- da cultura e que é um erro querer opor uma à outra
mond, Les Temps Modernes, n9 309). Na etapa consue- (Seminário de Saint-Anne, 4 de novembro de 1971).
tudinária, as comunidades, diz Stanley Diamond, faziam 60. J. Lacan, Seminário sobre o desejo e a interpretação.
perfeitamente frente à delinqüência: havia a moral social, 61. M. Safouan e M. Mannoni, "Psychanalyse et Pédagogie",
as tradições, os costumes, repartidos de acordo com uma em Recherches, setembro de 1967.
certa ordem que permitia a existência de relações mútuas 62. Platão, A República, V.
corretas. O surgimento da lei jurídica foi, sobretudo, um 63. Mustapha Safouan, "De la structure en psychanalyse", em
golpe de força para estabelecer a autoridade do Estado. A / Qu'est-ce que le structuralisme? Seuil, 1968. [Título da
lei nasce da violação de uma ordem consuetudinária ante- tradução brasileira: Estruturalismo e Psicanálise, Editora
rior. O reino da Lei pode ser assimilado, pois, ao reino Cultrix, São Paulo, 1970.]
absoluto da desordem. Num Estado "forte", o cidadão 64. Auguste Dies, na sua apresentação da obra de Platão, La
deixa o Estado agir em seu lugar; ele perde toda a inicia- République, Éd. Les Belles Lettres, Paris, 1948.
tiva. As instituições são tentadas a utilizar as regras e leis 65. Remetendo ao Ego Ideal, a um Superego tirânico e cego.
segundo o modelo da lei jurídica; isto significa que há a 66. A crítica de um estilo de ensino já se encontra em Baude-
supressão dos indivíduos em proveito da instituição. laire, quando nos fala de Philibert Rouviere: "No Conser-
55. O problema da gestão da "doença mental" parece ser na vatório, Rouviere tornou-se tão mau que teve medo. Os
China um problema secundário. A tolerância a respeito da professores-ortopedistas-jurados, encarregados de ensinar
"doença mental" é aí de tal ordem que os casos que ne- dicção e gesticulação tradicionais, espantavam-se por ver
cessitam de hospitalização têm sido raros. A solidariedade o seu ensino gerar o absurdo. Torturado pela escola, Rou-
da comunidade perante os sofrimentos individuais evita viere perdia toda a sua graça inata e não adquiria qual-
ao paciente os efeitos dramáticos do isolamento, do ano- quer das graças pedagógicas. Felizmente, ele fugiu a tem-
nimato e da indiferença geral, característicos do ocidente. po dessa casa cuja atmosfera não tinha sido feita para os
A histeria é quase inexistente. Um médico chinês, durante seus pulmões ... " ( Oeuvres Completes, 1, Club du Meil-
uma entrevista com um colega inglês, chamou-lhe a aten- leur Livre, p. 530).
ção para a falsa "libertação" da mulher na sociedade ca- 67. Dr. E. Bouchut, Hygiene de la premiere enfance, guide des
pitalista; a mulher, disse ele, encontra-se colhida num sis- meres pour l' allaitement, le sevrage et le choix de nourri-

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ces, J. B. Baillere & Fils, Paris, 1862, citado por Luc
Boltanski em Prime Éducation et Morale de Classe, Éd. 2
Mouton, 1969.
68. Jules Michelet, L'Étudiant, prefácio de Gaétan Picou, :E:d.

69.
du Seuil, 1971.
Ivan Illich, Déscolariser l'école, in Les Temps Modernes,
A escola paralela.
junho de 1970.
70. O excelente estudo de Jacques-Alain Miller e François As equipes de "tratamento"
Regnault (La vie quotidienne dans l'empire du fer, in
Temps Modernes, abril de 1971) merecia ser completado
por um estudo sistemático de todas as regiões francesas.
Isso nos permitiria compreender melhor o contexto em que
se originou o "refugo escolar" de que a nação parece ne-
cessitar. Apenas nesse pequeno recanto do "inferno" lore-
no (Fameck) ficamos sabendo que 40 a 50% dos alunos
estão em classes de transição! (A média nacional é de
16 % . ) O único mercado de trabalho é o da exploração
reforçada. Como nos surpreendermos com a percentagem
de delinqüentes e pré-delinqüentes entre os jovens? A quantidade crescente de fracassos escolares (e de alunos
71. :E:lise Freinet, N aissance d' une pédagogie populaire, Éd. qualificados como "retardados escolares") tornou-se para o
Maspero, 1968.
mundo inteiro um problema inquietante, vinculado à instaura-
72. Fernand Deligny, Vagabonds efficaces, :E:d. Maspero. Gi-
ção da escolaridade obrigatória. O mito liberal da igualdade de
nette Michaud, "Analyse institutionnele et pédagogique", em
Recherches, setembro de 1969. oportunidades para todos, graças à escola, está prestes, ~ des-
moronar. O próprio Nixon1 confessa que, nesse dommio, os
73. F. Oury e A. Vasquez, Vers une pédagogie institutionnelle,
Estados Unidos devem "reduzir as suas pretensões"; ele con-
:E:d. Maspero, 1967. F. Oury deu-se conta, apesar de tudo,
testa ao ensino qualquer função efetiva na transformação da
do aspecto "insustentável" das estruturas oficiais, porque sociedade americana.
diz: "Se não se pode mudar a profissão, mudemos de Ivan Illich 2 chamou por mais de uma vez a atenção para
profissão". . . o que ele fez.
o fato de a criação de instituições especializadas (destinadas ao
74. A. S. Neill, Summerhill, :E:d. Maspero, 1970.
ensino escolar), longe de contribuir para uma solução .do pro-
75 . Lettres à une maitresse d'école, Mercure de France, 1968.
blema pedagógico, apenas servir para o obsc~r~cer. Disse. ~le:
Cf. Ginette Michaud, "Analyse institutionnelle et pédago-
"A escola é uma desvaliosa mestra em matena de qualifica-
gique'', em Recherches, setembro de 1969.
ções, porquanto ensina segundo um programa enciclopédico ...
76. S. Freud, prefácio de Wayward Youth de Aichhorn, Vik-
ing Press, 1956, 2~ edição. São raras as pessoas capazes de transmitir uma qualificação,
em virtude do valor que se atribui ao diploma de ensino. De
fato, a maioria dos professores encarregados de ensinar as di-
versas artes e ofícios são menos inventivos, menos competentes
e piores pedagogos que os bons profissionais"ª.
Sabe-se que uma das reformas introduzidas no ensino na
China (e que seria jubilosamente acolhida pelos nossos alun~s)
foi o aparecimento de pessoas do ofício (agricultores, carpm-

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