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Encenação Teatral II

Prof. Paulo Ricardo Berton, Ph.D.

ART/CCE/UFSC

ENCENAÇÃO

A noção de encenação é recente; ela data apenas da segunda metade do


século XIX e o emprego da palavra remonta a 1820 (Veinstein, 1955:9).
É nesta época que o encenador passa a ser o responsável “oficial” pela
ordenação do espetáculo. Anteriormente, o ensaiador ou, às vezes, o
ator principal é que era encarregado de fundir o espetáculo num molde
preexistente. A encenação se assemelhava a uma técnica rudimentar de
marcação dos atores. Esta concepção prevalece às vezes entre o grande
público, para quem o encenador só teria que regulamentar os movimentos
dos atores e das luzes.

Bernard Dort explica o advento da encenação não pela complexidade dos


recursos técnicos e da presença indispensável de um “manipulador”
central, mas por uma modificação dos públicos: “A partir da segunda
metade do século XIX, não há mais, para os teatros, um público
homogêneo e nitidamente diferenciado segundo o gênero dos espetáculos
que lhe são oferecidos. Desde então, não existe mais nenhum acordo
fundamental prévio entre espectadores e homens de teatro sobre o
estilo e o sentido desses espetáculos” (1971:61)

1. Funções da Encenação

a. Definições mínima e máxima

A. Veinstein propõe duas definições de encenação, segundo o ponto de


vista do grande público e aquele dos especialistas: “Numa ampla
acepção, o termo encenação designa o conjunto dos meios de
interpretação cênica: cenário, iluminação, música e atuação [...].
Numa acepção estreita, o termo encenação designa a atividade que
consiste no arranjo, num certo tempo e num certo espaço de atuação,
dos diferentes elementos de interpretação cênica de uma obra
dramática” (1955:7).

Deixamos de lado as razões históricas do surgimento da encenação, no


final do século XIX, sem menosprezar sua importância. Seria fácil
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mostrar a revolução técnica da cena, entre 1800 e 1900, principalmente


a mecanização do palco e o aperfeiçoamento da iluminação elétrica. A
isto se acrescentam a crise do drama, assim como o desmoronamento da
dramaturgia clássica e do diálogo (Szondi, 1956).

b. Exigência totalizante

Em suas origens, a encenação afirma uma concepção clássica da obra


teatral cênica como obra total e harmônica que ultrapassa e engloba a
soma dos materiais ou artes cênicas, outrora considerados como
unidades fundamentais. A encenação proclama a subordinação de cada
arte ou simplesmente de cada signo a um todo harmonicamente controlado
por um pensamento unificador. “Uma obra de arte não pode ser criada se
não for dirigida por um pensamento único” (E.G.Craig). A exigência
totalizante é acompanhada, desde o surgimento da encenação, de uma
tomada de consciência da historicidade dos textos e das
representações, da série de sucessivas concretizações de uma mesma
obra. Esta historicidade se manifesta pela imposição de um novo saber
ao texto a ser representado: aquele das ciências humanas: “O saber é
constitutivo da encenação” (Piemme, 1984:67)

c. Colocação no espaço

A encenação consiste em transpor a escritura dramática do texto (texto


escrito e/ou indicações cênicas) para uma escritura cênica. “A arte da
encenação é a arte de projetar no espaço aquilo que o dramaturgo só
pode projetar no tempo” (Appia, 1954:38). A encenação é “numa peça de
teatro a parte verdadeira e especificamente teatral do espetáculo”
(Artaud, 1964b:161,162). É, em suma, a transformação, ou melhor, a
concretização do texto, através do ator e do espaço cênico, numa
duração vivenciada pelos espectadores.

O espaço é, por assim dizer, colocado em palavras: o texto é


memorizado e inscrito no espaço gestual do ator, réplica após réplica.
O ator busca o percurso e as atitudes que melhor correspondem a sua
inserção espacial. As falas do diálogo, reagrupadas no texto, são
doravante espalhadas e inseridas no espaço e no tempo cênicos, para
serem vistas e ouvidas: “O tipo de enunciação do texto dramático
contém a exigência de ser dado a ver”, escreve justamente P. Ricoeur
(1983:63). O gesto, por exemplo, é sistematicamente trabalhado para
ser legível (mais que visível); ele é estilizado, abstrato,
decomposto, associado mnemotecnicamente ao desfile do texto, ancorado
de acordo com alguns pontos de referência, em alguns apoios
(subpartitura).

d. Conciliação
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Os diferentes componentes da representação, devidos muitas vezes â


intervenção de vários criadores (dramaturgo, músico, cenógrafo,
etc...), são reunidos e coordenados pelo encenador. Quer se trate de
obter um conjunto integrado (como na ópera) ou, ao contrário, de um
sistema onde cada arte conserva sua autonomia (Brecht), o encenador
tem por missão decidir o vínculo entre os diversos elementos cênicos,
o que evidentemente influi de maneira determinante na produção do
sentido global. Este trabalho de coordenação e homogeneização se faz,
para um teatro que mostra uma ação, em torno da explicação e do
comentário da fábula que é tornada inteligível recorrendo-se à cena
usada como teclado geral da produção teatral. A encenação deve formar
um sistema orgânico completo, uma estrutura onde cada elemento se
integra ao conjunto, onde nada é deixado ao acaso, e sim, possui uma
função na concepção de conjunto. Toda encenação instaura uma
coerência, a qual, aliás, ameaça a todo momento transformar-se em
incoerência. Exemplar, a este respeito, é a definição de Copeau, que
retoma inúmeras experiências teatrais: “Por encenação entendemos: o
desenho de uma ação dramática. É o conjunto dos movimentos, gestos e
atitudes, a conciliação das fisionomias, das vozes e dos silêncios; é
a totalidade do espetáculo cênico, que emana de um pensamento único,
que o concebe, o rege e o harmoniza. O encenador inventa e faz reinar
entre as personagens aquele vínculo secreto e invisível, aquela
sensibilidade recíproca, aquela misteriosa correspondência das
relações, em cuja ausência o drama, mesmo que interpretado por
excelentes atores, perde a melhor parte da sua expressão” (Copeau,
1974:29-30).

e. Evidenciação do sentido

A encenação não é mais considerada, portanto, como “mal necessário”,


do qual o texto dramático poderia muito bem, afinal de contas, se
privar, e sim, como o próprio local do aparecimento do sentido da obra
teatral. Assim, para Stanislavski, compor uma encenação consistirá em
tornar materialmente evidente o sentido profundo do texto dramático.
Para isso, a encenação disporá de todos os recursos cênicos
(dispositivo cênico, luzes, figurinos, etc.) e lúdicos (atuação,
corporalidade e gestualidade). A encenação compreende ao mesmo tempo o
ambiente onde evoluem os atores e a interpretação psicológica e
gestual desses atores. Toda encenação é uma interpretação do texto (ou
do script), uma explicação do texto “em ato”; só temos acesso à peça
por intermédio desta leitura do encenador.

f. Três questões sobre a organização da encenação


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Para compreender a concretização que implica toda nova encenação de um


mesmo texto, busca-se estabelecer a relação entre o texto dramático e
seu contexto de enunciação, colocando três questões teóricas:

 Que concretização é feita do texto dramático quando de qualquer


nova leitura ou encenação? Que circuito de concretização se
estabelece então como obra-coisa, contexto social e objeto
estético? (Para retomar os termos de Mukarovsky (1934); cf.
Pavis, 1983a).
 Que ficcionalização, isto é, que produção de uma ficção, a partir
do texto e a partir da cena, se estabelece graças aos efeitos
conjugados do texto e do leitor, da cena e do espectador? No que
a mescla de duas ficções, textual e cênica, é indispensável à
ficcionalização teatral? (cf. Pavis, 1985d)?
 A que ideologização são submetidos o texto dramático e a
representação? O texto – seja ele dramático ou espetacular – só
se compreende em sua intertextualidade, principalmente em relação
às formações discursivas e ideológicas de uma época ou de um
corpus de textos. Trata-se de imaginar a relação do texto
dramático e espetacular com o contexto social, isto é, com outros
textos e discursos mantidos sobre o real por uma sociedade. Sendo
esta relação das mais frágeis e variáveis, o mesmo texto
dramático produz sem dificuldade uma infinidade de leituras e,
portanto, de encenações imprevisíveis a partir somente do texto.

g. Solução imaginária

O relacionamento das duas ficções, textual e cênica, não se limita a


estabelecer uma circularidade entre enunciado e enunciação, ausência e
presença. Ela confronta os locais de indeterminação e as ambiguidades
do texto e da representação. Estes locais não coincidem
necessariamente no texto e no palco. Por vezes, a representação pode
tornar ambígua, isto é, polissêmica ou, ao contrário, vazia de
sentido, esta ou aquela passagem do texto. Por vezes, ao contrário, a
representação toma partido sobre uma contradição ou uma indeterminação
textual.

Tornar opaco pelo palco o que era claro no texto, ou esclarecer o que
era opaco no texto, tais operações de determinação/indeterminação
situam-se no cerne da encenação. Na maior parte do tempo, a encenação
é uma explicação de texto que organiza uma mediação entre o receptor
original e o receptor contemporâneo. Por vezes, ao contrário, ela é
uma “complicação de texto”, uma vontade deliberada de impedir toda
comunicação entre os contextos sociais das duas recepções.
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Em certas encenações (aquelas inspiradas, por exemplo, por uma análise


dramatúrgica brechtiana), trata-se de demonstrar como o texto
dramático foi ele próprio a solução imaginária de contradições
ideológicas reais, aquelas da época na qual se estabeleceu a ficção. A
encenação é então encarregada de tornar a contradição textual
imaginável e representável. Para encenações preocupadas com a
revelação de um subtexto do tipo stanislavskiano, supõe-se que o
inconsciente do texto acompanhe, num texto paralelo, o texto realmente
pronunciado pelas personagens.

h. Discurso paródico

Qualquer que seja a vontade, apregoada ou não, de mostrar a


contradição da fábula ou a verdade profunda do texto através da
visualização do subtexto, a encenação é sempre um discurso ao lado de
uma leitura achatada e neutra do texto; ela é, no sentido etimológico,
paródica, mas nem a contradição, nem o subtexto inconsciente estão
verdadeiramente ao lado ou acima do texto (como o metatexto); eles
estão no entrechoque e no entrelaçamento das duas leituras, no
interior da concretização, da ficção, da relação com a ideologia: como
uma paródia que não poderíamos separar do objeto parodiado.

i. Direção do ator

Concretamente, a encenação passa por uma fase de direção de atores. O


encenador guia os comediantes fazendo-os mudar e explicitando-lhes a
imagem que eles produzem trabalhando a partir de suas propostas e
efetuando correções em função dos outros atores. Ele se assegura de
que o detalhe do gesto, da entonação, do ritmo corresponde ao conjunto
do discurso da encenação, integra-se a uma sequência, a uma cena, a um
conjunto. Os atores experimentam, durante os ensaios, diversas
situações de enunciação. Ocupam pouco a pouco o espaço, ao termo de um
trajeto, organizando e organizando-se no conjunto dos sistemas
cênicos: “É isto a direção de ator, conseguir motivar vocês e por que
os gestos efetuados por vocês no palco lhes pareçam não só que ‘têm de
ser feitos’, mas que são evidentes: sentir que o papel é interpretado
apenas com os deslocamentos, por exemplo”(C. Ferran in Théâtre/Public
n.64-65,1985,p.60). Uma direção assim supõe que os signos produzidos
pelo ator sejam emitidos claramente, sem “ruídos” nem interferências,
com os traços pertinentes buscados pelo discurso global da encenação,
que os comediantes realizem o jogo cênico uns com os outros, sejam
audíveis e “legíveis”. Dedica-se frequentemente um cuidado particular
à entonação e ao ritmo, àquilo que os alemães chamam de Sprachregie
(encenação da língua).
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A encenação não é necessariamente – como está na moda dizer – um


exercício de autoritarismo do encenador que despoja os autores e
tiraniza sadicamente atores-marionetes. Brecht o lembrava, em vão:
“Entre nós, o encenador não penetra no teatro com sua ‘idéia’ ou
‘visão’, uma ‘planta baixa das marcações’ e dos cenários prontos. Seu
desejo não é ‘realizar’ uma idéia. Sua tarefa consiste em despertar e
organizar a atividade produtiva dos atores (músicos, pintores, etc.).
Para ele, ensaiar não significa fazer engolir à força alguma concepção
fixada a priori em sua cabeça e, sim, pô-la à prova” (1972:405).

j. Indicação

No jargão dos atores, diz-se que o encenador dá indicações aos


comediantes. Toda a dificuldade consiste em dar e receber esta
indicação por meias palavras: “É uma coisa bem difícil saber pegar bem
uma indicação, como é coisa difícil para o encenador dá-la com
clareza. É preciso captar o espírito de não tornar-se escravo da
letra” (Dullin, 1946:48). Conselho que seguem todos os encenadores
para quem a indicação não deve desembocar numa imitação: indicar não é
ditar, é, antes, sugerir, informar, mostrar um caminho possível.

2. Problemas da encenação

a. Papel da encenação

O surgimento do encenador na evolução do teatro é significativo de uma


nova atitude perante o texto dramático: durante muito tempo, na
verdade, este apareceu como o recinto fechado de uma única
interpretação possível que era preciso despistar (comprova isto, por
exemplo, a fórmula de Ledoux que recomendava ao encenador, em
confronto com o texto, “servir e não servir-se”). Hoje, ao contrário,
o texto é um convite a buscar seus inúmeros significados, até mesmo
suas contradições: ele se presta a novas interpretações. O advento da
encenação prova, além do mais, que a arte teatral tem doravante
direito de cidade como arte autônoma. Sua significação deve ser
buscada tanto em sua forma e na estrura dramatúrgica e cênica quanto
no ou nos sentidos do texto. O encenador não é um elemento exterior à
obra dramática: “Ele ultrapassa o estabelecimento de um quadro ou a
ilustração de um texto. Torna-se o elemento fundamental da
representação teatral: a mediação necessária entre um texto e um
espetáculo. […] Texto e espetáculo se condicionam mutuamente: um
expressa o outro” (Dort, 1971:55-56).

b. O discurso da encenação

A encenação de um texto sempre tem uma palavra a dizer; intervenção


capital pois será, para a representação, a “última palavra”; não
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existe discurso universal e definitivo da obra que a representação


deve trazer à luz. A alternativa que ainda hoje vigora entre os
grandes encenadores – “levar o texto” ou “levar a representação” – é,
portanto, falseada desde o início. Não se poderia privilegiar
impunemente um dos dois termos. Quase não se pensa mais, hoje, que o
texto é o ponto de referência congelado numa única representação
possível, texto que só teria uma única “verdadeira” encenação
(roteiro, texto e cena).

c. Local do discurso da encenação

 As indicações cênicas dão diretivas muito precisas para a


realização cênica, porém a encenação não tem necessariamente que
segui-las ao pé da letra.
 O próprio texto muitas vezes sugere o desenrolar e o local da
ação, a posição das personagens etc. (indicações espaço-
temporais). Um texto dramático, qualquer que seja ele, não pode
ser escrito sem uma vaga idéia de uma possível representação, sem
um conhecimento, mesmo que rudimentar, das leis da cena usada, da
concepção da realidade representada, da sensibilidade de uma
época aos problemas do tempo e do espaço (pré-encenação).
 As indicações cênicas e as sugestões vindas do texto nunca são
verdadeiramente imperativas, e é decisiva a intervenção pessoal,
e em certa medida exterior ao texto, do encenador. O local e a
forma desta intervenção são muito ambíguos. Mesmo que seja
concretizado num caderno de encenação, o discurso do encenador
dificilmente é isolável da representação; ele constitui sua
enunciação, metalinguagem perfeitamente integrada ao modo de
apresentação da ação e das personagens, ele não vem se juntar ao
texto linguistico e à cena, não existe em parte alguma como texto
acabado; está espalhado nas opções do jogo da atuação da
cenografia, do ritmo etc. Por outro lado, ele só existe, segundo
nossa concepção produtiva-receptiva da encenação, quando é
reconhecido e, em parte, partilhado pelo público. Mais que um
texto (cênico) ao lado do texto dramático, o metatexto é o que
organiza, do interior,a concretização cênica, o que não está ao
lado do texto dramático, mas, de certo modo, no interior dele,
como resultante do circuito da concretização (circuito entre
significante, contexto social e significado do texto) (Pavis,
1985e:244-268).
 Além do trabalho consciente do encenador, é preciso, enfim,
deixar lugar para um pensamento visual ou inconsciente dos
criadores. Se, como o sugere Freud. O pensamento visual se
aproxima mais dos processos inconscientes que o pensamento visual
se aproxima mais dos processos inconscientes que o pensamento
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verbal, o encenador ou o cenógrafo poderia fazer o papel de


“medium” entre linguagem dramática e linguagem cênica. A cena
sempre remeteria então à “outra cena” (espaço interior).

3. Tipologia das encenações

a. A encenação dos clássicos

A classificação é arriscada e as categorias voláteis (Pavis,1996a).


Certas categorias de encenação dos clássicos também valem mutatis
mutandis para os textos contemporâneos. Elas colocam todas as questões
estéticas com uma acuidade ainda maior. O fato de se tratar de textos
já antigos e dificilmente aceitáveis hoje sem uma certa explicação
quase que obriga o encenador a tomar partido quanto à sua
interpretação ou a situar-se na tradição das interpretações. Várias
soluções oferecem-se então a seu trabalho.

 Reconstituição arqueológica – Não encenar e, sim, reencenar uma


peça inspirando-se, com um fervor arqueológico, na encenação de
origem, quando os documentos da época estão disponíveis.
 Neutralização – Recusar a cena e suas escolhas cênicas em
“benefício” de uma leitura neutra do texto, sem tomar partido
quanto à produção do sentido e dando a ilusão (falaciosa) de que
só nos prendemos ao texto e que a visualização é redundante. Ora
o texto é vivido como uma ação única que não “dobra” o real
(Artaud); ora o texto é concebido como um “bisturi que permite
que abramos a nós mesmos” (Grotowski,1971:35)
 Historicização – Levar em conta a defasagem entre a época da
ficção representada, aquela de sua composição, e a nossa,
acentuar esta defasagem e indicar as razões históricas nos três
níveis de leitura, isto é, historicizar. Este tipo de encenação
restaura, mais ou menos explicitamente, os pressupostos
ideológicos ocultados, não receia desvendar os mecanismos da
construção estética do texto e de sua representação. Planchon,
Vilar, Strehler, Formigoni, Vincent pertencem a esse tipo de
“encenação sociológica” (Vitez,1994:147).
 Recuperação do texto como material bruto – Textos antigos são
usados como simples material com finalidade estética ou
ideológica (atualização brechtiana, modernização, adaptação,
reescritura). Citações ou trechos de outras obras esclarecem
intertextualmente a obra interpretada (Merguisch, Vitez).
 Encenação de sentidos possíveis e múltiplos do texto – Instalando
práticas significantes (Kristeva), que oferecem o texto
espetacular à manipulação do espectador (A. Simon,1979:42-56).
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Estas práticas oscilam entre uma abstração e uma abundância da


cena
 “Despedaçamento” do texto original – Ao mesmo tempo destruição de
sua harmonia superficial, revelação das contradições ideológicas
(cf. Planchon e sua Mise en Pièce(s) du Cid, seu Arthur Adamov ou
suas Folies bourgeoises) ou as encenações do Théâtre de l’Unité
(!).
 Retorno ao mito – A encenação se desinteressa da dramaturgia
específica do texto, para por a nu o núcleo mítico que o habita
(Artaud, Grotowski, Brook e Carrière em sua adaptação do
Mahabharata)

b. Alterações na escritura

Um meio possível de se demarcar os tipos de encenação consiste em


observar como elas tratam o texto: “Por qualquer extremidade que sejam
pegas, todas as perguntas que o teatro faz sempre conduzem a esta? Que
acontece com o sentido do texto no palco?”(Sallenave,1988:93). Cada
década parece haver inventado sua própria relação com os textos e o
palco:

 Os anos cinquenta propuseram uma leitura (respeitosa) das peças


do patrimônio nacional (Vilar)
 Os anos sessenta introduzem uma releitura crítica e distanciada
(Planchon)
 Os anos setenta preferem uma desleitura, deconstrução polifônica
e dialógica (Bakhtin,1978) das práticas significantes (Vitez)
 Os anos oitenta questionam a estética da recepção e o “papel do
leitor” (Eco,1980), tomam altura e propõem metaleituras que
timbram toda observação com o selo do comentário, marginal ou
predominante (Mesguich)
 Os anos noventa restauram os poderes da escritura e assistem uma
eclosão de escrituras tanto autônomas quanto abertas numa
encenação: superleitura que se presta a todas as situações (Colas
ou Py)
 E no terceiro milênio? O texto, ou o hipertexto, talvez passe da
memória humana à memory da máquina, do corpo à virtualidade, sem
que ninguém tenha mais consciência dele, misturadas que estarão
hiperescritura e hiperleitura

Pavis, Patrice. “Encenação”. Dicionário de Teatro. Trad. J.Guinsburg e


Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999.

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