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Carta ao leitor

Governo Federal
Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República
MINISTRO S amuel Pinheiro Guimarães

Cidades históricas, sítios arqueológicos, embarcações tradicionais,


manifestações culturais indígenas e afrodescendentes. São muitos os
bens históricos e culturais do Brasil. Alguns ainda esperam pela chancela

PRESIDENTE Marcio Pochmann


do tombamento.
Ao todo, o Brasil possui 17 patrimônios registrados na Lista da
http://www.Ipea.gov.br/ouvidoria
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(Unesco), dos quais dez são culturais e sete, naturais. Apesar de terem
alcançado o reconhecimento da Unesco, nem sempre esses patrimônios
são valorizados pelos próprios cidadãos brasileiros.
www.desafios.ipea.gov.br Esta edição da revista Desafios do Desenvolvimento se faz especial
por ressaltar a importância da preservação e tombamento das riquezas
DIRETOR-GERAL Daniel Castro culturais e históricas nacionais. O momento é oportuno, uma vez que
CONSELHO EDITORIAL Adelina Lapa Nava Rodrigues, Douglas Portari,
a presente edição coincide com o mês em que o Comitê do Patrimônio
Fernanda Cristine Carneiro, Guilherme Dias, Isabela Vilar, João Cláudio Garcia,
Jorge Abrahão de Castro, José Aparecido Carlos Ribeiro, Mundial da Unesco se reúne em Brasília. O comitê avaliará a possibilidade
Júnia Cristina Perez Conceição, Márcio Bruno Ribeiro,
Maria da Piedade Morais, Marina Nery,
de tombamento de 32 novos locais em todo mundo.
Pedro Libânio e Pérsio Marco Antônio Davison A edição 62 reedita dez matérias sobre patrimônio histórico e cultural
do Brasil. Traz sete artigos de renomados especialistas que tratam do
Redação tema com abordagens que vão desde a Política Nacional de Patrimônio
EDITOR-CHEFE Bruno De Vizia
EDITORA DE ARTE Ana Caroline de Bassi Padilha Cultural ao desenvolvimento regional pela preservação do patrimônio
EDITOR DE ARTE/FINALIZAÇÃO Diogo Félix Rodrigues
histórico.
BRASÍLIA Cora Dias, Pedro Henrique Barreto, Rafael Lamin e Suelen Menezes
JORNALISTA RESPONSÁVEL Bruno De Vizia Jurema Machado, coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil,
FOTOGRAFIA João Viana
ILUSTRAÇÃO/CAPA Virtual Publicidade
concede a entrevista desta edição especial. O fundador do Iphan (Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Rodrigo Melo Franco de
Colaboração
Andrade, é o destaque da seção Perfil. A revista traz ainda, em suas seções
George da Guia e Giulia Di Vizia
periódicas, o exame dos bens tombados no Brasil e no mundo.
Cartas para a redação
SBS Quadra 01, Bloco J, Edifício BNDES, sala 1514
CEP 70076-900 - Brasília, DF
desafios@ipea.gov.br Boa leitura!

Impressão
Gráfica Art Printer
Daniel Castro, diretor geral da
revista Desafios do Desenvolvimento

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA E


DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,
NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA (Ipea).

É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DA REVISTA,


DESDE QUE CITADA A FONTE.

DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO Ipea


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Cep. 808230-100 – Fone: (41) 3018-9695
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Sumário
Pag 14 Do mundo para o mundo
O Comitê do Patrimônio Mundial reúne-se em Brasília para decidir quais propriedades
entrarão para a lista de patrimônios da Unesco 30
Pag 22 Uma herança a ser preservada
Originalmente publicada na edição 51: mai/2009

Pag 26 Reconhecimento à cultura negra


Originalmente publicada na edição 52: jun/2009

Pag 30 Índios: resgate cultural


Originalmente publicada na edição 53: jul/2009

Pag 34 Canoas e jangadas


Originalmente publicada na edição 54: ago/2009

Pag 38 Rede ferroviária, um patrimônio cultural


Originalmente publicada na edição 55: set/out/2009

Pag 42 Plantas medicinais


Originalmente publicada na edição 56: out/nov/2009 34
Pag 46 Festas religiosas, um bem a ser preservado
Originalmente publicada na edição 57: nov/dez/2009

Pag 50 Brasília 50 anos


Originalmente publicada na edição 58: jan/fev/2010

Pag 56 Cidades brasileiras e patrimônios da humanidade


Originalmente publicada na edição 59: fev/mar/2010

Pag 66 Bonito por natureza


Originalmente publicada na edição 60: mar/abr/2010

Seções Artigos
6 Entrevista Pag 20 Política Nacional de Patrimônio Cultural: Patrimônio, 50
desenvolvimento e cidadania
14 Patrimônios Luiz Fernando de Almeida
Mundiais
Pag 21 Patrimônio Arqueológico em evidência
65 Perfil Maria Clara Migliacio
70 Indicadores Pag 25 A chancela da Paisagem Cultural: uma estratégia para o futuro
Maria Regina Weissheimer
74 Humanizando o
desenvolvimento Pag 45 A política federal salvaguarda do patrimônio cultural imaterial
Marcia Sant’Anna
Pag 54 O Iphan e seus horizontes
Dalmo Vieira Filho
Pag 63 Patrimônio cultural e desenvolvimento regional
George Alex da Guia
Pag 64 O patrimônio histórico e o Estatuto da Cidade
Carolina Bayma Cavalcanti
66
EntrEvista

Jurema Machado
“No Brasil as
relações entre cultura
e desenvolvimento são
desafiadoras”
Cora Dias – de Brasília

A
Constituição Federal de 1988 refere-se ao direito à cultura, um direito de todo cidadão
brasileiro, da seguinte forma: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais”.

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João Viana

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O Brasil possui 17 patrimônios registrados sobre o Patrimônio Mundial, seja não

17
na Lista da Organização das Nações Unidas apresentando novas candidaturas, seja não
para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), participando ativamente das discussões,
dos quais dez são culturais e sete, naturais. essa ausência é reclamada. Ou seja, já era
A 34ª reunião do Comitê do Patrimônio tempo. O governo brasileiro foi eleito
Mundial, que será realizada entre os dias
25 de julho e três de agosto, terá o Brasil
patrimônios para presidir o Comitê do Patrimônio
Mundial e se dispôs a receber a reunião,
como sede pela segunda vez, evidenciando brasileiros estão registrados na Lista o que acontece em boa hora.
a importância do país, caracterizado por sua da Organização das Nações Unidas para
riqueza em expressões culturais. Educação, Ciência e Cultura (Unesco) Desafios - O que faz um bem ser detentor de excepcional
Para a coordenadora de Cultura da interesse, que exija a sua preservação enquanto patrimônio
Unesco (Organização das Nações Unidas cultural e natural da humanidade? Existe um padrão para
para a Educação, Ciência e Cultura) no Brasil, esses bens?
Jurema Machado, o direito à cultura vem foco privilegiado da aplicação de várias Jurema - A seleção de bens Patrimônio
como consequência de um leque de políticas das Convenções, em especial as do Patri- Mundial se baseia na presunção de existência
sociais, como o acesso à renda, à educação, mônio Mundial (1972), do Patrimônio de um valor universal excepcional, que seria
à moradia digna, à informação. Cultural Imaterial (2003) e, a mais recente o patrimônio comum da Humanidade,
Em entrevista exclusiva, por email, para a delas, a da Diversidade Cultural (2005), capaz de justificar os esforços conjuntos
Desafios do Desenvolvimento, Jurema destaca porque aqui as relações entre cultura e dos países para a sua proteção. Esse é,
o desenvolvimento de políticas culturais no desenvolvimento são particularmente sem dúvida, um conceito complexo, que
Brasil, fala sobre quais os passos para que um desafiadoras, ou seja, ao lado da riqueza merece atualizações em direção a um
patrimônio nacional entre para a Lista de Patri- das expressões culturais está, especialmente melhor reconhecimento da diversidade
mônio Mundial da Unesco, e analisa a relação nos últimos anos, um processo acelerado das culturas e da natureza, especialmente
cultural de países da América Latina. de desenvolvimento e de transformações no caso dos países em desenvolvimento. O
e ainda há muitos desafios que resultam texto da Convenção explicita de maneira
Desafios - Qual a importância da reunião do Comitê do da desigualdade social. mais concreta onde deve ser buscado esse
Patrimônio Mundial da Unesco ser realizada no Brasil? O Brasil sediou um encontro como esse valor universal, mas essa sempre será,
Jurema - O Brasil é um país muito apenas uma vez, em 1988. Essa é uma por mais cientificamente rigorosos que
importante para a implementação do reunião importantíssima, principal possam ser os dossiês de candidaturas,
mandato Unesco, especialmente na área instância decisória da Convenção de 1972. uma escolha culturalmente construída
da cultura. Podemos dizer que o país é Quando o Brasil se ausenta do debate e, portanto, passível de grandes debates.
Assim como são os tombamentos, por
isso requerem estudos, debates, conselhos
representativos e decisão posterior do

Perfil poder executivo.


A 34ª Reunião do Comitê do Patrimônio
Arquiteta, coordenadora de Cultura dedicado à preservação do acervo de Mundial vai discutir temas que vem sendo
da Unesco no Brasil desde 2001, supervi- bens culturais daquele estado. preparados por grupos de trabalho espe-
siona a implementação dos programas e Coordenou equipe interinstitucional que, cíficos, em especial o chamado “o futuro
Convenções da instituição relacionados entre 1993 e 1994, concebeu e implementou da Convenção do Patrimônio Mundial”,
à temática da Cultura no país. legislação urbanística e sistemática de controle a relação entre a Convenção e o desenvol-
Entre 1999 e 2001, atuou como arquiteta das intervenções no sítio tombado de Ouro vimento sustentável e, ainda, revisões das
em programa nacional de reabilitação Preto. Entre 1980 e 1991, trabalhou como suas Diretrizes Operacionais. A temática
de centros históricos. De 1995 a 1998, arquiteta urbanista na reabilitação da área dos critérios de eleição de bens, dos sítios
presidiu o Instituto Estadual do Patrimônio central e no planejamento metropolitano urbanos, especialmente para o caso dos
Histórico e Artístico de Minas Gerais, de Belo Horizonte. países em desenvolvimento, estará certa-
mente abordada por essa agenda.

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João Viana
A 34ª Reunião do Comitê
do Patrimônio Mundial
vai discutir temas que
vem sendo preparados
por grupos de trabalho
específicos, em especial
o chamado “o futuro da
Convenção do Patrimônio
Mundial”, a relação
entre a Convenção
e o desenvolvimento
sustentável e, ainda,
revisões das suas
Diretrizes Operacionais

Desafios - Você acha que a história e a diversidade uma melhor representação da diversidade de um leque de políticas sociais, envolvendo
cultural brasileira estão satisfatoriamente representadas do país. Por exemplo, na última reunião o acesso à renda, à educação, à moradia
no rol de bens tombados e registrados pelo Iphan? Se não, do Conselho Consultivo, em 24 de junho digna, à informação. Isso não significa
o que ainda falta? passado, foram tombados sítios sagrados que a cultura esteja apenas a reboque
Jurema - É verdade que a política de para as comunidades indígenas Sagihengu das demais políticas e que nada possa ser
patrimônio no Brasil privilegiou, por e Kamukuwaká do Alto-Xingu, no Mato feito. O mais eficaz, e é o que tenho visto
décadas, o acervo monumental e de Grosso, e 14 bens culturais, vestígios da nas iniciativas do Ministério da Cultura, é
origem europeia, inclusive aquele que o colonização de imigrantes japoneses no orquestrar esse conjunto de ações, trabalhar
país optou por apresentar majoritaria- litoral paulista. Ou seja, algo impensável junto, trabalhar com programas culturais
mente à Lista da Unesco. Esse perfil só há algum tempo atrás. consistentes e que tenham continuidade,
começa a ser alterado, tanto fora quanto porque essa é, indiscutivelmente, uma
dentro do país, a partir de mudanças da Desafios - O art. 215 da Constituição Brasileira declara construção lenta, para a qual se exige
Historiografia, valorizando os processos que o estado brasileiro tem o dever de garantir a todos o determinação e persistência
frente à história factual, valorizando as pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes
perspectivas dos diferentes atores, a história de cultura nacional. O que os países deveriam fazer para Desafios - Recentemente foi divulgada a candidatura da
do cotidiano, das ideias, dos comporta- incentivar a valorização e a difusão das manifestações cidade do Rio de Janeiro como Paisagem Cultural da Huma-
mentos. Essas mudanças vêm implicando culturais? Quais são as principais conquistas e os desafios nidade. Quais os conceitos e impactos de tal reconhecimento
no reconhecimento do vernacular, do nessa área no Brasil? para a cidade? Qual a diferença entre Paisagem Cultural
não-monumental, das representações Jurema - Quando se fala em acesso e em sítios históricos e Centros Históricos chancelados como
das culturas tradicionais, da relação possibilidades de expressão, está envolvido Patrimônio Mundial?
entre patrimônio natural e cultural etc. um conjunto de condições sociais que Jurema - Para o Rio de Janeiro foi prepa-
Os tombamentos do Iphan nos últimos extrapolam o âmbito exclusivo das políticas rado um belíssimo dossiê, a começar pela
anos representam uma mudança radical culturais. Ou seja, essa é uma tarefa difícil orquestração dos atores envolvidos, ou seja,
no perfil dos bens tombados em direção a e seus resultados virão como consequência uma cooperação do Iphan, do ICMBio,

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do governo estadual , da Prefeitura, da colocar uma lupa e o olhar da comuni- Além do perfeito
Fundação Roberto Marinho, tendo ainda dade internacional sobre os valores da afinamento conceitual,
o acompanhamento do nosso escritório cidade, é de que se consolide uma prática
o que chama atenção
em Brasília. de gestão compartilhada pelos três entes
A proposição foi denominada de Paisa- federativos, apoiada e constantemente
na política brasileira
gens cariocas entre o mar e a montanha monitorada pela comunidade. A cidade é que ela procura
e baseia-se nos critérios de identificação vive um momento especial devido aos percorrer o caminho
das paisagens culturais, envolvendo os investimentos previstos para a Copa, para completo, ou seja, desde
critérios da paisagem intencionalmente os Jogos Olímpicos, para a região central a identificação do bem,
desenhada, da paisagem organicamente e para a área portuária, além de uma fase até o reconhecimento e a
evolutiva e daquela vinculada à história colaborativa e coerente de atuação dos
salvaguarda
e indissociável do imaginário do país ao governos. Um título mundial, pelo seu
longo de séculos. No Rio, essa simbiose valor simbólico, deveria servir para selar
entre paisagem e cidade é mais definidora um pacto em torno de valores maiores, Desafios - O Brasil é vanguarda no reconhecimento e
e marcante do que os valores do sítio que transcendam as idiossincrasias que proteção do patrimônio imaterial no mundo. Como a Unesco tem
histórico em si, dos monumentos e da tanto maltrataram a cidade mais amada utilizado a experiência brasileira para suas ações de chancela
arquitetura. O impacto esperado, ao se pelos brasileiros. nos demais países do mundo?
Jurema - O Brasil vem contribuindo com
a Unesco desde a formulação do texto da
João Viana

Convenção para a Salvaguarda do Patri-


mônio Cultural Imaterial. Em seguida, fez
parte da primeira composição do Comitê
Intergovernamental, onde uma série de
medidas de implementação, regulamen-
tação e funcionamento da Convenção e
do seu Fundo foram adotadas. O país
contribuiu com a criação e fortalecimento
do CRESPIAL, um Centro de Categoria II
da UNESCO localizado no Peru e voltado
para estudos e pesquisas nesse campo, no
âmbito de América Latina. E de maneira
ininterrupta, o Brasil, por meio do Iphan,
tem sido permanentemente demandado
pela UNESCO para diversas ações de
cooperação em nível internacional, espe-
cialmente capacitações e oportunidades
de transmissão da sua experiência. Além
do perfeito afinamento conceitual, o que
chama atenção na política brasileira é que
ela procura percorrer o caminho completo,
ou seja, desde a identificação do bem,
até o reconhecimento e a salvaguarda,
tudo isso numa perspectiva de respeito
e participação ativa dos detentores das
manifestações e de reconhecimento da
dinâmica desses bens e de seu papel na
vida presente.

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Desafios - Quais são os países onde a Unesco tem tido Desafios - No Brasil temos bens na lista de risco da Unesco? em preparação. Além das candidaturas,
maior contribuição no reconhecimento e proteção do patrimônio Algum bem chegou a fazer parte desta lista? é importante pensar na conservação
cultural? O debate sobre o Direito à Cultura tem maior abertura Jurema - Nesse momento não há nenhum daquilo que está inscrito e na cooperação
em países em desenvolvimento ou nos desenvolvidos? Qual a bem brasileiro na chamada Lista do internacional. Nesses dois quesitos, vejo
diferença de atuação da Unesco nestes países? Patrimônio Mundial em Perigo. O Parque também de forma muito positiva a atuação
Jurema - A Unesco procura atuar como Nacional das Cataratas do Iguaçu esteve do Brasil. A conservação do patrimônio,
uma espécie de catalisador, induzindo temporariamente nessa lista devido à não apenas o reconhecido pela Unesco,
para que as coisas aconteçam onde elas abertura ao tráfego da Estrada do Colono, nunca recebeu tantos investimentos e
não existem e, onde existem, fazendo com que atravessa o Parque, ameaçando os há um grande esforço para trazer novos
que circulem e sejam compartilhadas. Por animais e a vegetação. A Unesco contri- atores, especialmente os municípios, para
isso a ideia de “maior” ou de “melhor” buiu para mediar o problema, que foi esse bom combate.
contribuição fica prejudicada, porque solucionado e o bem retirado da Lista A região da América Latina e Caribe tem
são sobretudo contribuições diferentes em Perigo. Ou seja, esse é o papel dessa 85 bens inscritos na Lista do Patrimônio
para realidades diferentes. Lista, concentrar esforços para sanar uma Mundial, o que representa apenas 14%
Por exemplo, em alguns países o tema ameaça iminente. do total de bens inscritos. México, com
da proteção de bens em caso de conflito 29 bens inscritos, Brasil com 17 e Peru
armado, de restituições de bens culturais com 11 se destacam como os países da
O tema do direito à cultura,
ou de combate ao trafico ilícito são vitais. região mais representados na Lista do
embora diga respeito a todos
Em outros, a arqueologia é o carro chefe; Patrimônio Mundial.
outros estão preocupados com a proteção
e seja mais desrespeitado Seis bens da Região estão atualmente
de bens frente a desastres naturais; em nos países mais pobres, teve na Lista do Patrimônio Mundial em
outros, como o Brasil, a relação entre a liderança, pelo menos Perigo, correspondendo a 20% do total
patrimônio e o processo de desenvolvi- no nível da formulação do dos bens em perigo de todo o mundo, o
mento é o que mais requer atenção. problema e da concepção de que não chega a ser um bom indicador.
O tema do direito à cultura, embora O Comitê deve analisar na Reunião do
políticas públicas nos países
diga respeito a todos e seja mais desres- final do mês mais quatro candidaturas
mais desenvolvidos
peitado nos países mais pobres, teve da região: a Praça de São Francisco
a liderança, pelo menos no nível da em São Cristóvão (Brasil), o Binômio
formulação do problema e da concepção Desafios - Na Convenção para a Proteção do Patrimônio do Mercúrio e da Prata: Almadén e
de políticas públicas nos países mais Mundial, Cultural e Natural cada Estado-parte reconhece a Idrija com San Luis do Potosí (Espanha/
desenvolvidos. Chama a atenção o obrigatoriedade de identificar, proteger, conservar, valorizar e Eslovênia/México), o Caminho Real de
caso do Canadá, onde, embora não se transmitir às gerações futuras o patrimônio cultural e natural Tierra Adentro (México) e as Cavernas
reconheça um lugar específico para os situado em seu território. Como você vê a atuação do Brasil pré-históricas de Yagul e Mitla no Vale
direitos culturais – inclusos no contexto nessa área? O que já foi feito e o que ainda esta por fazer nesta Central de Oaxaca (México).
dos direitos humanos fundamentais –, área no país? E nos demais países da América Latina?
se tem políticas maduras de diversidade Jurema - O Brasil possui 17 bens inscritos, Desafios - Ao longo desse mês, está sendo realizado
linguística, de diversidade de conteúdos dez sítios culturais e sete naturais, o que também o Fórum Juvenil do Patrimônio Mundial. Quais são
nos meios de comunicação etc, ou seja, reflete o esforço do país em fazer-se as principais atividades desse evento paralelo? E quais os
todo um bom cardápio de medidas. representar de forma coerente com a sua principais objetivos?
Outro exemplo é a Espanha, certamente diversidade cultural e natural. O histo- Jurema - A Unesco tem especial interesse
motivada pela sua própria diversidade riador Jean Pierre Halévy, que conheceu pela difusão dos valores do patrimônio
interna e que tem uma política de e trabalhou muito no Brasil, dizia que a para o público jovem e a organização
cooperação internacional da área da lista brasileira é um dos raros casos onde desses Fóruns de Juventude vem se
cultura muito diferenciada, respeitosa se tem uma gama completa de patrimônio, tornando uma prática nas reuniões anuais
do equilíbrio entre os lados envolvidos, da pré-história à Brasília. É verdade, do Comitê. Para a edição 2010, o Iphan,
focada na promoção da diversidade e mas faltam ainda elementos que estão em conjunto com o Centro do Patrimônio
dos direitos culturais. contemplados na nova Lista Indicativa Mundial e a Hostelling International –

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os Albergues da Juventude – lançou um só o patrimônio imaterial, como novas Jurema - A história do Teatro Oficina,
edital de seleção de 45 jovens, entre 18 tipologias de bens; a ampliação dos atores sua linguagem, seus métodos e a sua
e 24 anos, do Brasil e América Latina e envolvidos na preservação, com especial importância numa época em que o
países africanos de língua portuguesa que, ênfase no município e na criação de um teatro brasileiro esteve especialmente
durante uma semana farão o percurso Sistema Nacional de Patrimônio; a atenção atormentado pela ditadura fazem com
de São Miguel das Missões (RS), Foz do especial para com os sítios urbanos, inclu- que, de início, o valor histórico seja o mais
Iguaçu (PR), Goiás (GO) até chegar a sive os imóveis de propriedade privada evidente. No entanto, acredito que o que
Brasília (DF), participando de oficinas, e a moradia nessas áreas. defendi no Conselho surpreendeu um
palestras, debates e visitas relacionadas Obviamente que, quando o tema é patri- pouco porque, depois de estudar muito,
aos temas do Patrimônio Mundial mônio, os conceitos e estratégias requerem parti para outra abordagem.
tempo de sedimentação e nada acontece Do ponto de vista histórico, argumentei
Desafios - Você foi convidada para fazer parte do Conselho da noite para o dia. Pode-se dizer que essa que o que, de fato, distingue o Oficina não
Consultivo do Iphan como representante da Unesco, como tem construção teve início, no mínimo, lá pelos é o enfrentamento da ditadura, importante
sido a sua participação? Como vê o papel do Conselho Consultivo anos 1970, com o Plano de Cidades Histó- sim, mas compartilhado com outros tão
dentro da política do patrimônio cultural? ricas e a criação dos órgãos estaduais de importantes quanto. O que é especial é
Jurema - Com muita honra faço parte patrimônio; ganhou fôlego e conteúdo com a sua continuidade, a sua permanência
do Conselho Consultivo do Iphan desde a Constituição de 1988; teve no Programa com renovação e a sua incessante busca
2009, mas essa participação se dá a titulo Monumenta um marco em termos de por novos compromissos do teatro com a
de representação da sociedade civil, uma foco, de financiamento e de método de vida social, com o lugar onde está locali-
vez que não há previsão de uma vaga trabalho e chega agora ao Sistema e ao zado, com o Bairro do Bixiga, convertido
institucional da Unesco, até porque isso PAC das Cidades Históricas. No entanto, na metáfora de Canudos encenada pelo
não seria adequado por tratar-se de um a recomposição dos quadros do Iphan e a Grupo. Quando você descobre isso e, em
organismo internacional. confiança em uma direção comprometida seguida, olha para a solução arquitetônica
Além de conviver com um grupo de fazem toda a diferença. Se, junto com todos de Lina Bo Bardi e Edson Elito, você
profissionais que são referência nas esses ingredientes, vierem, como de fato não sabe mais onde começa o teatro,
suas áreas de atuação, tive a sorte de vieram, mais investimentos públicos, está onde começa a arquitetura. É uma fusão,
encontrar uma fase muito produtiva completa a receita para que essa seja uma aparentemente intuitiva, mas filiada a um
no Conselho, quando temas novos vêm fase memorável do Instituto. grande e profundo debate internacional
sendo apresentados, não apenas no que sobre a linguagem teatral. Defendi que
se refere a novas tipologias ou categorias essa arquitetura, entalada em um lote
A história do Teatro
de patrimônio, mas a aspectos de fundo. exíguo, feita de um aparente provisório
Oficina, sua linguagem,
Essa dinâmica tem motivado, inclusive, de andaimes e fragmentos de terra batida,
a criação de câmaras setoriais, como as seus métodos e a sua encravada em um bairro cuja riqueza e
de Arquitetura e Urbanismo, de Patri- importância numa época diversidade têm sido tão maltratadas por
mônio Imaterial e de Bens Móveis. Ou em que o teatro brasileiro São Paulo, fosse gravada no Livro de Tombo
seja, participo de uma fase que vai fazer esteve especialmente das Belas Artes. O Conselho acatou por
história na trajetória do Iphan e, sob o atormentado pela ditadura unanimidade, o que, a princípio, parecia
ponto de vista pessoal, isso representa controverso. A questão do entorno do
fazem com que, de início, o
um enorme aprendizado. Teatro, razão de um debate de décadas
valor histórico seja o mais
com os proprietários do imóvel vizinho,
Desafios - Como você tem percebido a atuação do evidente. é uma discussão que afeta o tombamento,
Iphan na política de preservação do patrimônio cultural mas sobretudo afeta a política urbana e
brasileiro? Desafios - Seu último parecer no Conselho Consultivo a política cultural e deve ser tratada de
Jurema - Tentando resumir, acredito que foi sobre o tombamento do Teatro Oficina da cidade de forma coperativa por todos os envolvidos:
essas são as ideias-chave da atual política São Paulo, que foi um processo bastante polêmico. Como Ministério da Cultura, Iphan, Condephaat,
do Iphan: a ampliação do foco sobre o você acha que esse tombamento se insere no rol de bens Prefeitura de São Paulo e potenciais
objeto a ser preservado; envolvendo não protegidos em nível nacional? investidores privados.

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João Viana
Desafios - Em Minas, você foi uma das figuras centrais poder público, esse estímulo inicial foi um mecanismo estimulador de uma
na implantação do ICMS cultural - alguns anos depois dessa decisivo. Hoje conceitos aparentemente potencialidade latente e não explorada
experiência, qual é o balanço? Esse tipo de instrumento sofisticados como o próprio conceito de pela maioria dos municípios.
poderia ser replicado em nível nacional? O investimento no patrimônio, de tombamento, de inven- Quando se fala em transplantar para outros
patrimônio aumentou a partir disso? tário e de política municipal de proteção estados, a dificuldade está na decisão
Jurema - Acho que os resultados são estão difundidos, de forma consistente, do executivo estadual de apresentar um
importantes e duradouros, já são quase em mais de 600 municípios de Minas. O projeto de lei que introduza critérios sociais
15 anos da entrada em vigor da Lei. Foi IEPHA é seguramente o órgão estadual (no caso de Minas esses critérios foram
criada uma rede de implementação de que mais conhece o acervo do seu estado muito além do critério Patrimônio) dentre
políticas de patrimônio em Minas que não e as informações lhe chegam anualmente aqueles tradicionalmente usados para a
se encontra em nenhum outro estado do por iniciativa dos municípios que querem distribuição da cota-parte do ICMS. Isso
país, basta ver a concentração dos Conse- ser valorados para receber os recursos da implica em tirar dos municípios mais ricos
lhos Municipais de Patrimônio no mapa Lei. Novas tarefas vão sendo acrescidas e transferir aos mais pobres, daí o apelido
da MUNIC IBGE 2006. No início, alguns ano a ano para as prefeituras, resultando de Robin Hood, o que será sempre difícil nos
criticavam a motivação excessivamente num amadurecimento gradual e moni- legislativos estaduais. Ou seja, a dificuldade
pragmática das prefeituras que, na base de torado. Equipes locais responsáveis por não está em se valorizar o Patrimônio, mas
um “toma lá, da cá”, aderiam à construção cumprir as metas do ICMS foram criadas na viabilidade política de se promover a
de conselhos, inventários e tombamentos. ou reforçadas com a contratação de redistribuição do ICMS.
Mas, como na maioria das cidades, essa arquitetos, restauradores e historiadores.
era uma demanda presente nas comuni- Acho notável o efeito multiplicador, Colaboraram George Alex da Guia, Maria da Piedade Morais e Maria Regina
dades e, até então, não recepcionada pelo num curtíssimo espaço de tempo, de Weissheimer

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patrimônios
MUNDIAIS

Do mundo para
o mundo
Cora Dias – de Brasília
Stock

O Comitê do Patrimônio Mundial reúne-se em Brasília para decidir quais


propriedades entrarão para a lista de patrimônios da Unesco. A candidatura de
32 novos locais será avaliada no evento

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O
Parque Nacional Tongario, na Nova Comitê este ano: 24 de bens culturais, seis de
Zelândia, a cidade histórica de naturais, e dois patrimônios considerados
Cairo, no Egito, a cidade colonial uma mistura das duas categorias, incluindo
de Santo Domingo, na República quatro nomeações transnacionais. O Brasil
Dominicana, o arquipélago Kvarken, que apresentará a candidatura da Praça São Fran-
fica entre a Suécia e a Finlândia, a cidade cisco que está localizada no município de São
Branca de Tel-Aviv, em Israel e o parque Cristóvão, em Sergipe, cuja sede é a quarta
natural Yakushima, no Japão, pouco têm em cidade mais antiga do Brasil e a primeira
comum. O que os une é o fato de estarem na capital do estado, sendo referência histórica
lista do Patrimônio Mundial da Organização que tem preservado a cultura, arquitetura e
das Nações Unidas. memória de um povo.
A avaliação da entrada de novos patrimô- Também serão discutidas no evento
nios na Lista do Patrimônio Mundial, que propostas de nove extensões de patrimô-
já conta com 890 locais de “valor universal nios já existentes na lista da Unesco. A lista
excepcional” em todo o globo, é feita pelo apresentada é considerada provisória pela
Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco Organização, já que os países podem retirar
(Organização das Nações Unidas para suas candidaturas até o início da reunião do
Educação, Ciência e Cultura). O Comitê Comitê do Patrimônio Mundial.
é formado por 21 representantes dos 187
Estados-parte que assinaram a Convenção
para a proteção do patrimônio mundial, História Com o objetivo de preservar e
cultural e natural de 1972, com mandato conservar patrimônios naturais e culturais,
de seis anos, e cuja presidência é ocupada cuja importância extrapola as nações nas
hoje pelo ministro brasileiro da cultura, quais estes patrimônios estão localizados,
Juca Ferreira. foi criada em 1972, em Paris, a Convenção
A reunião de 2010 do comitê será reali- para a Proteção do Patrimônio Mundial.
zada no Brasil, na cidade de Brasília, entre Na ocasião também foi estabelecida a Lista
os dias 25 de julho e três de agosto, chefiada do Patrimônio Mundial, que inclui todos
pelo ministro Juca Ferreira, e deve contar os bens culturais e naturais que são consi-
também com a participação do presidente da derados pela Unesco como patrimônios da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, e com a humanidade.
diretora-geral da Unesco, Irina Bokova. De acordo com a convenção, o patrimônio
Durante o evento serão analisadas as cultural pode estar nas seguintes categorias:
inscrições de 35 países, que apresentarão monumentos, conjuntos de construções e
suas propriedades candidatas a Patrimônio locais de interesse, todos ligados à atividade
Mundial, para a aprovação da Unesco. Três humana. Já o patrimônio natural é consti-
desses países – Kiribati, Ilhas Marshall e Taji- tuído por formações físicas e biológicas, ou
quistão – não possuem nenhuma propriedade por grupos de tais formações, com valor
inscrita na Lista do Patrimônio Mundial. universal excepcional do ponto de vista
São 32 novos sítios inscritos para análise do estético e científico.

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 15


Javier Sanchez Portero
Gudi&Cris

Paul
Da esquerda para a direita: acima, Parque Nacional de Pirin (Bulgária); abaixo, relevo de Danxia (China); à direita, Cordilheira Pamir (tajiquistão).

Hoje a Unesco possui 890 patrimônios perigo, e deve ainda adicionar sítios cuja
mundiais em sua lista – 689 culturais, 176 preservação exija atenção especial. Essa lista,
naturais e 25 considerados um mistura das temida por Estados-parte, inclui sítios com

35
duas categorias – de 148 Estados-parte da diversos problemas como poluição, turismo
Organização. Anualmente, o Comitê do Patri- mal gerenciado, guerra e desastres naturais,
mônio Mundial, formado por representantes situações que têm impacto negativo nos
de 21 Estados-parte, reúne-se para decidir pontos e valores pelos quais esses patrimônios
quais novos sítios, como são chamados entraram para a lista da Unesco. Países em
países os locais a serem declarados patrimônios
da humanidade, entrarão para a lista da
guerra, como o Afeganistão e a República
Democrática do Congo, estão com os seus
apresentarão suas propriedades Unesco e o estado de conservação da Lista patrimônios em perigo, assim como a cidade
candidatas a Patrimônio Mundial, para dos Patrimônios Mundiais considerados em de Jerusalém. O Comitê do Patrimônio
a aprovação da Unesco.
perigo pela Organização. Mundial supervisiona a distribuição de mais
Na reunião em Brasília o Comitê também de US$ 4 milhões do Fundo do Patrimônio
deve reavaliar o estado de 31 propriedades Mundial, criado, entre outros propósitos,
que estão na lista dos patrimônios em para ações de emergência, treinamentos de

16 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Na reunião em Brasília A Convenção busca encorajar a coope- e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente

o Comitê também deve ração internacional para criar salvaguardas (Ibama), para os sítios naturais.
dos patrimônios da humanidade. Com Com o objetivo de destacar a riqueza cultural
reavaliar o estado de 31
187 Estados-parte, a Convenção é um dos e a beleza natural do Brasil, que refletem a
propriedades que estão na instrumentos legais com maior ratificação grande diversidade do país, a Desafios do
lista dos patrimônios em internacional. Cada parte compromete-se a Desenvolvimento traz nesta edição especial
perigo, e deve ainda adicionar identificar sítios com potencial de inscrição na todas as matérias dedicadas ao tema dos patri-
sítios cuja preservação exija Lista, bem como a preservar os Patrimônios mônios brasileiros, publicadas entre maio de
atenção especial Mundiais, da mesma forma que preserva as 2009 e maio de 2010, comemorando um ano
propriedades nacionais e regionais. No Brasil, da Seção Retratos. São tradições, monumentos
especialistas, e para encorajar cooperação os órgãos responsáveis por fazer essa avaliação e belezas naturais tão diferentes entre si, mas
técnica na manutenção e preservação dos são o Instituto do Patrimônio Histórico e que, ao mesmo tempo, contam um pouco do
patrimônios. Artístico Nacional (Iphan), para bens culturais, significado do que é ser brasileiro.
Sarah Ackerman

Stock
Textkultur

À esquerda: grande barreira de corais (austrália); direita: acima, Machu Picchu (Peru); abaixo, Palácio de Eggenberg (Áustria).

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 17


Christopher Holden
Bens culturais propostos
para inscrição na Lista do Patrimônio Mundial:
■ Sistema de gestão hídrica do Alto Harz (extensão do sítio das Minas
de Rammelsberg e cidade histórica e Goslar) (Alemanha).
■ Distrito de At-Turaif em ad-Dir’iyah (Arábia Saudita).
■ Locais de degredo (Austrália).
■ Extensão do sítio do Centro Histórico da cidade de Graz: Centro
Histórico da cidade de Graz e Palácio Eggenberg (Áustria).
■ O Canal Augustow, obra do homem e da natureza (Bielorrússia/Polônia).
■ Principais locais de mineração na Valônia (Bélgica).
■ Praça de São Francisco em São Cristóvão (Brasil).
■ Monumentos históricos de Dengfeng “no centro do céu e da terra”
(China).
■ Zona de arte rupestre de Siega Verde: extensão dos Sítios de Arte
Rupestre Pré-histórica do Vale do Côa (Portugal/Espanha).
■ Mount Vernon (EUA).
■ Cidade Mineira de Røros e a Circunferência - Extensão do sítio da
Cidade Mineira de Røros (Noruega).
■ Paisagem Cultural de Konso (Etiópia). Ricardo Lopes

■ Área de canais concêntricos do século XVII no Singelgracht em


Amsterdam (Holanda).
■ Ferrovia Jantar Mantar de Jaipur - extensão do sítio “Ferrovias de
Montanha da Índia” (Índia).
■ Conjunto Sheikh Safi al-din Khānegāh e Templo em Ardabil (Irã)
■ Complexo do Bazar Histórico de Tabriz (Irã).
■ Caminho Real de Tierra Adentro (México).
■ Atol de Bikini, local de testes nucleares (Ilhas Marshall).
■ Portão dos Três Arcos de Dan (Israel).
■ Forte de Jesus em Mombaça (Quênia).
■ Binômio do Mercúrio e da Prata: Almadén e Idrija com San Luis do
Potosí (Espanha/Eslovênia/México).
■ Catedral da cidade de Albi (França).
Vanchete

■ Paisagem-laboratório de Darwin (Reino Unido).


■ Aldeias históricas da Coreia: Hahoe e Yangdong (República da Coreia).
■ Área de Conservação de Ngorongoro (Tanzânia).
■ Igreja da Ressurreição do Mosteiro de Suceviţa - extensão do sítio
“Igrejas da Moldávia”, (Romênia).
■ Sarazm (Tajiquistão).
■ Setor central da cidade imperial de Thang Long-Hanoi (Vietnã).
■ Kiev : Catedral de Santa Sofia, conjunto de edifícios monásticos, igrejas
de São Cirilo e Santo André e Laura de Kievo-Petchersk (Extensão
do sítio – Catedral de Santa Sofia, conjunto de edifícios monásticos
e Laura de Kievo-Petchersk) (Ucrânia).
■ Cavernas pré-históricas de Yagul e Mitla no Vale Central de Oaxaca
(México).

18 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Costas Tavernarakis
Bens naturais propostos
para inscrição na Lista do
Patrimônio Mundial:
■ Extensão do Parque Nacional de
Pirin (Bulgária).
■ Relevo de Danxia (China).
■ Sítios de icnofósseis de dinossauros
da Península Ibérica (Espanha/
Portugal).
■ Plateau de Putorana (Federação
Russa).
■ Picos, crateras e paredões da Ilha
de Reunião (França).
■ Extensão do sítio suíço do Monte
San Giorgio (Itália).

Elishka
■ Área Protegida das Ilhas Phoenix
(Kiribati).
■ Parque Nacional Tajik,
Cordilheira Pamir
(Tajiquistão).

Bens mistos propostos


para inscrição na Lista do
Patrimônio Mundial:
■ Monumento Nacional Marinho de
Papahanaumokuakea, no Havaí
(Estados Unidos).
■ Planalto Central do Sri Lanka:
patrimônio natural e cultural
(Sri Lanka).
Stock

À esquerda, de cima para baixo:


Caverna pré-histórica de Yagul,
Vale Central de Oaxaca (México);
sítios de icnofósseis de dinossauros
da Península ibérica (Espanha/
Portugal); Konso (Etiópia). À direita,
de cima para baixo: Canais de
singelgracht, amsterdam (Holanda);
Catedral de santa Cecília na cidade
de albi (França); Muralha da China,
construída durante a China imperial

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 19


ARTIGO Luiz Fernando de Almeida

Política Nacional de Patrimônio Cultural:


Patrimônio, desenvolvimento e cidadania

O
Brasil foi um dos primeiros países Desde 2007, o Iphan retomou uma Além disso, o PAC promove a integração
a promover a preservação do seu articulação para a definição compartilhada federativa, pois pressupõe a pactuação
patrimônio urbano. Já em 1938, com governos estaduais, municipais e socie- dos Acordos de Preservação do Patri-
o antigo Serviço do Patrimônio dade civil das estratégias de preservação do mônio Cultural que definem ações a
Histórico e Artístico Nacional realizou o patrimônio cultural brasileiro tendo como serem executadas nos próximos 4 anos
tombamento de seis conjuntos no estado objetivo o desenvolvimento social, econô- em parceria com os estados, municípios
de Minas Gerais, inaugurando uma prática mico e urbano para recolocar o patrimônio e sociedade civil. Definiram-se objetivos
de defesa e conservação de sítios históricos, cultural na agenda estratégica de todos os e estratégias para enfrentar os problemas
inovadora para a época e que, em poucas governos. estruturais que afetam as “cidades históricas”
décadas, consolidou mais de uma centena Consolidou-se a Associação Brasileira de visando a promoção do desenvolvimento
de conjuntos arquitetônicos e urbanísticos Cidades Históricas (ABCH), a articulação social a partir das potencialidades do seu
protegidos em todo o país. com o Fórum Nacional de Secretários e patrimônio cultural, visando fortalecer a
Com uma ação governamental pautada Dirigentes Estaduais de Cultura e o o diálogo ação integrada de planejamento em prol
pelo enxugamento do estado nos anos 90 com todos os órgãos gestores estaduais de da preservação.
a ação pública no campo do Patrimônio patrimônio cultural, que não se reuniam Ainda em 2009, o Iphan realizou em
Cultural foi reduzida a uma atuação difusa desde a década de setenta. parceria com a ABCH e o Fórum Nacional

e fragmentada, que ora apresentava um Investiu-se também na definição de novos de Secretários e Dirigentes Estaduais de

recorte temático e territorial restrito, ora uma instrumentos de gestão do Patrimônio Cultural Cultura, o I Fórum Nacional do Patrimônio
Cultural (FNPC). Neste Fórum foi realizada
limitação na articulação interinstitucional como a chancela da Paisagem Cultural, a
a discussão e a avaliação da atual política de
e intergovernamental. ampliação das ações de registro e da política
patrimônio cultural e foram debatidos os
Para reverter este quadro o Iphan tem de salvaguarda do patrimônio imaterial, a
princípios e objetivos para a construção da
investido na construção do Sistema Nacional criação do Centro Regional de Formação em
Política Nacional de Patrimônio Cultural
de Patrimônio Cultural (SNPC) que tem Gestão do Patrimônio Cultural em parceria
(PNPC) que está em fase final de sistema-
como objetivo implementar a gestão compar- com a UNESCO e a ampliação das ações
tização.
tilhada do Patrimônio Cultural brasileiro educativas e de fomento. Outra vertente
Todas estas ações, somadas as demais
visando a otimização de recursos humanos foi a retomada de uma visão integrada no
iniciativas do setor público e da sociedade
e financeiros para a efetiva preservação de reconhecimento do patrimônio cultural pelos
civil, são estratégicas para qualificar o papel
nosso patrimônio. processos econômicos, ocupação territorial
simbólico e referencial de nossa cultura e
Nesta década, a despeito de todas limi- e eventos históricos, além de recortes temá-
para promover e acelerar o atual processo
tações, importantes ações de requalificação ticos específicos.
de desenvolvimento do país. O Iphan, ao
urbana foram realizadas em 26 conjuntos Esta articulação e ampliação conceitual
considerar as experiências do passado e ao
urbanos pelo Programa Monumenta, além propiciaram a elaboração do PAC Cidades
propor uma abordagem inovadora, cumpre
de ações voltadas para o fortalecimento Históricas, lançado em outubro de 2009,
seu papel e propõe os requisitos para que
institucional de parceiros governamentais pelo Presidente da República. Este programa
as cidades brasileiras e a nossa sociedade
com a implantação de Fundos Municipais caracteriza-se por ser uma política pública
atinjam essa meta.
de Preservação, promoção de atividades transversal que envolve os Ministérios da
econômicas e o financiamento de imóveis Cultura, Cidades, Educação e do Turismo,
privados, ações inovadoras e de grande BNDES, Banco do Nordeste, CAIXA e outras
impacto. agências e parceiros federais. Luiz Fernando de Almeida é Presidente do Iphan

20 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


ARTIGO Maria Clara Migliacio

Patrimônio Arqueológico em evidência

U
m campo científico que vem se mais de 700 pesquisas/ano nos últimos dois no Brasil os arqueólogos são co-gestores
estabelecendo desde o fim do anos, com o advento do PAC. do patrimônio arqueológico.
século XIX, inicialmente praticada Embora apenas 10% das pesquisas arqueo- Por sua vez, o patrimônio arqueológico
por estrangeiros, a arqueologia no lógicas realizadas no Brasil sejam acadêmicas, brasileiro nunca esteve tão em evidência, por
Brasil avançou nos anos 1950 e 1960, quando enquanto 90% representam projetos da um lado sendo contemplado com numerosos
se formou a primeira geração de brasileiros chamada arqueologia preventiva, decorrente estudos e, por outro, sendo colocado em
dedicados à matéria. do atendimento à legislação de proteção ao situações de risco, e mesmo de perda, já que a
Como signatário da ONU, o Brasil acom- patrimônio cultural e ambiental, tal situação legislação específica admite a destruição dos
panha as recomendações internacionais no vem provocando uma verdadeira revolução sítios arqueológicos desde que previamente
tratamento do patrimônio arqueológico, no campo científico da arqueologia, opor- estudados. Se os sítios arqueológicos regis-
por vezes até se antecipando na criação de tunizando a ampliação do conhecimento trados no Brasil a partir do licenciamento
instrumentos legais de proteção. Já em 1937, o sobre o patrimônio arqueológico de áreas ambiental aumentaram de 5mil para 17 mil,
patrimônio arqueológico é citado no Decreto-Lei até então desconhecidas. isso também significa que muitos deles foram
nº 25, como parte integrante do patrimônio A legislação de proteção ao patrimônio destruídos pela construção de obras de infra-
histórico e artístico nacional o que seria, mais arqueológico potencializada pela legislação estrutura realizadas no período.
tarde, reafirmado pela Constituição de 1988, ambiental trouxe um desenvolvimento sem Desta forma, considerando que os sítios
que inclui os bens de caráter arqueológico no precedentes ao campo científico da arqueo- arqueológicos podem ser vistos enquanto
patrimônio cultural brasileiro. logia no Brasil, com ampliação do mercado recursos culturais não renováveis que fornecem
A arqueologia, enquanto ciência social de trabalho para arqueólogos, animação do informações sobre a ocupação do território
que recupera informações sobre as ocupações meio universitário com a abertura de inúmeros nacional nos mais diversos contextos temporais
humanas a partir de seus restos materiais, e cursos de arqueologia, aumento de trabalhos e culturais e que remetem a um percurso muito
o patrimônio arqueológico brasileiro, cons- apresentados em congressos, dos próprios mais longo do que o que sucedeu a ocupação
tituído por registros materiais associados a congressos e seminários realizados no Brasil européia nas Américas e que poderiam ser
uma trajetória de 50 mil anos, parecem ter e da participação de arqueólogos brasileiros utilizados para a construção de uma identidade
construído uma relação que vai além do em congressos em outros países. cultural mais rica e de um turismo sustentável
interesse científico, ampliando-se pelo campo A atuação da comunidade científica no Brasil, não se pode dizer que a situação
da proteção ao patrimônio cultural. imbrica-se com a área da proteção do apresenta somente aspectos positivos.
Na década de 1950, instituições acadêmicas patrimônio arqueológico, na medida em Pelo contrário, é preciso reconhecer que
como as Universidades de São Paulo e do que o modelo de gestão praticado no Brasil frente ao atual intenso processo de ocupação
Paraná, juntamente com o Iphan, uniram-se é caracterizado pela outorga, pelo Estado do território nacional que advém do projeto
no processo que culminou em 1961 com a aos pesquisadores, da atividade de pesquisa governamental de crescimento econômico e
promulgação da lei federal 3.924, de proteção e da proposição de medidas mitigadoras de da ampliação da infra-estrutura em todas as
ao patrimônio arqueológico brasileiro e impactos negativos aos sítios arqueológicos. regiões do país, o patrimônio arqueológico
que estabelece a obrigatoriedade do estudo Ao contrário do México, onde a pesquisa brasileiro requer muitos cuidados por parte
prévio dos sítios arqueológicos em caso arqueológica é atividade de Estado, e da do poder público. Tal situação põe à prova
de atividades que concorrem para a sua França, onde o Estado realiza pesquisas o próprio modelo de gestão do patrimônio
destruição total ou parcial. prévias para estabelecer que medidas arqueológico praticado no Brasil, bem como
Há 20 anos, com o estabelecimento do deverão ser realizadas pelos arqueólogos, os instrumentos normativos e as condições
Licenciamento Ambiental para empreendi- no Brasil o Estado age somente de forma estruturais de que hoje ele dispõe.
mentos causadores de impactos negativos, as suplementar, acompanhando, fiscalizando
pesquisas arqueológicas no Brasil cresceram e estabelecendo medidas de proteção Maria Clara Migliacio é Diretora do Centro Nacional de Arqueologia do
de alguns estudos de caráter acadêmico, para complementares. Pode-se considerar que Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 21


retratos Sitio Tribess, em Pomerode,
onde foi lançado o projeto
Roteiros Nacionais de Imigração

Uma herança a
ser preservada Pedro Henrique Barreto - de Brasília

22 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


P
ara preservar e valorizar essa her-
ança cultural, o Instituto do Patri-
mônio Histórico e Cultural Na-
cional (Iphan) desenvolve ações
em parceria com o governo federal e pre-
feituras municipais. Uma delas é o pro-
jeto “Roteiros Nacionais de Imigração”. Ele
reúne pesquisas, inventários e mapeamento
de restauração e conservação, com o obje-
tivo de abrir caminho para planos de gestão
em áreas onde o processo migratório foi de-
terminante para a formação da paisagem e
da identidade cultural e histórica.
Santa Catarina foi o primeiro Estado
escolhido para receber a iniciativa. Foi lan-
çada em agosto de 2007, no município de
Pomerode, com a assinatura de termo de
cooperação técnica entre os ministérios da
Cultura, do Turismo, do Desenvolvimento
Agrário, Iphan, Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/SC)
e 16 prefeituras catarinenses. Maria Regina
Weissheimer, técnica do Departamento do
Patrimônio Material e Fiscalização (Depam)
do Iphan é uma das coordenadoras do pro-
jeto e explica que o principal objetivo é via-
bilizar a sobrevivência deste legado cultural
que nasceu com a chegada dos imigrantes.
“São igrejas, escolas, clubes, pequenas
indústrias artesanais, além de hábitos e
tradições que moldaram o arranjo social
no Estado e que significam um testemu-
nho importante da história do nosso País.
Queremos tornar esse patrimônio conhe-
cido e valorizado para as gerações futuras,
a partir da cooperação entre instituições
As viagens de férias quase sempre são para o litoral federais, estaduais e municipais”, conta.

de sol e praias. Mas quem decide reservar um INVENTÁRIO “Roteiros” começou a ser ide-
tempo para conhecer o interior de Santa Catarina alizado há mais de duas décadas. Após as
enchentes do Rio Itajaí em 1983 e 1984,
se surpreende. A diversidade cultural presenteada o Iphan organizou um amplo estudo
em diversas áreas de Santa Catarina.
pelos imigrantes que se estabeleceram na região Foram inventariadas 1.143 edificações,
desde o século 19 é de encher os olhos. Arquitetura, com pesquisa bibliográfica, entrevistas
com a população local, obras de restauro
música, culinária, festividades e costumes singulares e levantamentos fotográficos. Iniciou-
desenham um Brasil ainda mais rico do que aquele se um processo de tombamento deste
patrimônio, com a elaboração de um dos-
imaginado pelos turistas que visitam o Estado. siê com dois volumes de 340 páginas cada.

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 23


Santa Catarina
e a influência de
quem veio de fora
A colonização europeia que gan-
hou força no século 19 foi prepon-
derante para a multiculturalidade que
hoje é uma das principais caracterís-
ticas de Santa Catarina. O clima sub-
tropical ajudou. Portugueses, italia-
nos, alemães, espanhóis, poloneses, e
mesmo japoneses, chineses e árabes
trouxeram costumes e tradições que
até hoje se mantém vivos no dia-a-dia
catarinense.
O surgimento de algumas das prin-
cipais cidades do Estado tem origem
na fixação de um grande contingente
de imigrantes que povoaram a região,
que também significou o nascimento
de um novo modelo de produção nessa
Interior da casa Bez Fontana,em Urussanga, Sul de SC, de descendentes de italianos. época colonial: as pequenas proprie-
dades rurais familiares. Mais tarde,
elas seriam a base das transforma-
Já foram tombadas 45 edificações, um bilidade econômica das pequenas pro- ções sociais, econômicas e culturais
núcleo urbano e um núcleo rural repre- priedades baseadas na produção familiar. do Sul do Brasil.
Uma das presenças mais marcantes
sentativos da imigração alemã, italiana, Maria Regina Weissheimer explica que
é a do imigrante alemão, especialmente
polonesa e ucraniana. Outras 14 edifica- serão organizados canais para estrutu-
nas regiões do Vale do Itajaí e no nor-
ções estão em processo de tombamento. O rar a comercialização dos produtos desses deste do Estado. Nessas áreas, a ex-
trabalho pode, inclusive, receber a chance- minifúndios, a partir da certificação e es- pressão da cultura germânica não en-
la do Patrimônio Mundial da Unesco. A coamento da produção. “Santa Catarina contra similar em nenhuma outra parte
cada 10 anos, a lista é revista. Para 2009, tem hoje apelo turístico muito grande no do mundo. Arquitetura, hábitos, culinária
entre as paisagens culturais indicadas pelo litoral, mas há um potencial enorme para e língua alemãs iniciaram sua influên-
Iphan, estão cartões postais do interior ser aproveitado no interior também. Va- cia em diversas colônias: São Pedro,
catarinense com grande influência arqui- mos buscar escolas, hotéis, pousadas, res- Blumenau, Dona Francisca, Hansa, São
tetônica europeia. taurantes, tudo para fomentar projetos de Bento do Sul, Itajahy-Brusque. Italianos
e poloneses também tiveram destaque
gestão cada vez mais integrados, que pos-
no sul e norte do Estado.
TURISMO Uma das ideias que devem ser in- sam agir pela preservação dessas nossas
A arquitetura, aliás, é um capítulo
corporadas ao projeto é o desenvolvimen- paisagens culturais”, afirma. à parte. Santa Catarina se deparou
to de rotas turísticas capazes de dinamizar Outros Estados devem receber o pro- com soluções construtivas que se
a economia dos municípios envolvidos no jeto em breve. São Paulo concluiu em 2008 adaptaram às condições geográfi-
“Roteiros Nacionais de Imigração”. Re- um inventário sobre a imigração japonesa cas e climáticas, desde o formato
centemente, o Ministério do Desenvolvi- no Vale do Ribeira. No Paraná, o Iphan das casas até detalhes como tijolos,
mento Agrário e o Sebrae/SC deram a lar- realiza trabalho semelhante sobre a imi- esquadrias e pinturas. O cuidado do
gada em um plano, no valor de R$ 800 mil, gração polonesa e ucraniana. “É uma re- imigrante com seu lar e a estrutura
que buscará estruturar o turismo produti- flexão sobre ‘quem somos’, que nos mostra familiar também foi uma das impor-
tantes heranças deixadas para as
vo em nove municípios do Vale do Itajaí. O a importância de valorizar a pluralidade, a
gerações futuras.
objetivo é preservar não só o patrimônio mistura de povos e de cultura que ajudou a
cultural local, mas também a sustenta- construir o nosso País”, assinala a técnica.
originalmente publicada na edição 51 | mai/2009

24 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


ARTIGO Maria Regina Weissheimer

A chancela da Paisagem Cultural:


uma estratégia para o futuro

A
chancela da Paisagem Cultural é de pactuação prévia mínima, antecedendo a saveiro da Bahia, dos países nórdicos a baleeira
dos principais avanços no campo da chancela, força os atores envolvidos a esta- de Santa Catarina, dos Árabes (tendo o luso
preservação do patrimônio cultural belecer um diálogo entre si e dar início a um como porta-voz) nomenclaturas específicas
brasileiro dos últimos tempos. processo de planejamento regional. de peças da construção naval. Técnicas de
Pela Portaria Iphan 127/2009, “Paisagem Partilha-se entre todos a responsabilidade pesca, culinária, formas de trançar a rede,
Cultural Brasileira é uma porção peculiar do das ações de preservação e valorização decor- as cestas, os balaios, tudo isso singulariza o
território nacional, representativa do processo de rentes da chancela. O órgão de patrimônio patrimônio naval e suas paisagens.
interação do homem com o meio natural, à qual cultural é apenas um dos agentes envolvidos, Nos dois casos, para que a preservação seja
a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou responsável pelo monitoramento (e não fisca- efetiva, é preciso estabelecer uma política que
atribuíram valores.” Diante das transformações lização, pois a chancela não impõe restrições vá além dos meios tradicionais de proteção do
contemporâneas e inevitáveis das formas de vida rigorosas como o tombamento, sendo uma patrimônio cultural. Tornam-se necessárias
e paisagens do mundo, alguns lugares devem ser espécie de certificado ou selo de qualidade) parcerias com entidades de fomento agrícola,
assinalados pela relação singular estabelecida e pela renovação periódica (de dez em dez órgãos ambientais, prefeituras, associações e
entre o homem e a natureza. anos) da outorga da chancela. mais uma gama variada de instituições direta
A chancela da Paisagem Cultural representa Desde 2009, o Iphan vem desenvolvendo ou indiretamente envolvidos na questão. Como
um avanço conceitual na abordagem do patri- ações que visam a chancela da Paisagem Cultural preservar a embarcação sem o pescador, o
mônio, pois considera contextos complexos em alguns dos contextos mais singulares do pescador sem a pesca, a pesca sem o mercado?
onde não estão postos apenas valores materiais território nacional. Um exemplo é o das regiões Como garantir a permanência dos conheci-
ou imateriais, mas considera a soma desses de imigração no sul do Brasil, contextos derivados mentos da construção naval sem a matéria
dois elementos na compreensão do que seja do estabelecimento, a partir do século XIX, de prima e o interesse das gerações mais jovens
“porção peculiar do território nacional”. grupos de imigrantes de diversos países. Para pelo ofício sem o devido reconhecimento?
Este entendimento abre campo para cá trouxeram suas tradições que, adaptadas Essas são as questões centrais colocadas
o trabalho em contextos anteriormente às condições locais – topográficas, climáticas, pela Paisagem Cultural e que norteiam o
descobertos pelos instrumentos até então faunísticas, florísticas, políticas, econômicas estabelecimento do pacto, trazendo a todos a
disponíveis de preservação do patrimônio – deram origem a paisagens singulares, tradu- responsabilidade pela construção hoje do que
cultural, notadamente o tombamento e o zidas pela arquitetura, modos de produção, será usufruído pelas próximas gerações.
registro. Como, por exemplo, trabalhar com culinária, língua, manifestações culturais A chancela Paisagem Cultural busca assi-
os lugares de ocorrência do patrimônio naval, de todo tipo. Trata-se de patrimônio ainda nalar a diversidade de relações que o homem
da cultura pantaneira, caipira, caiçara, dos vivo, colocado em risco pelas transformações estabeleceu com seu meio, criando cenários
imigrantes, dentre outras? do mundo contemporâneo – urbanização, de vida que diferenciam os lugares e por isso,
A chancela apóia-se no arcabouço jurídico massificação da cultura. testemunham a inteligência, a criatividade e
já existente e em formas e instrumentos Outro exemplo é o do patrimônio naval. O contribuem para a riqueza humana. É preciso
de gestão compartilhada, dividindo entre Brasil é um dos países mais ricos do mundo em estabelecer o entendimento de que a uniformi-
cidadão e poder público a responsabilidade embarcações tradicionais. Para cada contexto zação das paisagens significa o empobrecimento
pela preservação de alguns dos nossos mais geográfico – que no Brasil são inúmeros – existe dos cenários de vida e da alma humana. O
singulares contextos de vida. Além de possuir uma forma peculiar de embarcação, derivada reconhecimento e a perpetuação de contextos
características peculiares de relação homem/ da adequação às condições de navegabilidade, singulares busca a igualdade na diferença, o
natureza, para que um lugar receba a chancela regime de ventos, matéria-prima e grupos equilíbrio pela diversidade, a compreensão de
é preciso o estabelecimento de um pacto, culturais específicos. De Angola herdamos as cada um pela existência do outro.
entendido como ferramenta estratégica para canoas baianas, dos indígenas diversos tipos
sua preservação e gestão. O estabelecimento de canoa, da Índia (através dos portugueses) o Maria Regina Weissheimer é coordenadora de Paisagem Cultural do IPHAN

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 25


retratos

Reconhecimento
à cultura negra

7626DesafiosDesenvolvimento • junho/julho de 2010


abril de 2009
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr


Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Iphan registra manifestações


culturais dos afrodescendentes
como patrimônio imaterial. E
reconhece importância da influência
Suelen Menezes - de Brasília dos negros na nossa cultura
Desenvolvimento •Desafios
junho/julhoabril
de 2010 2777
de 2009
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Ofício das Baianas de Acarajé é registrado como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan)

A
influência dos africanos e seus objetivo, o Iphan adota ações para a trans- ros, quase metade da população brasileira
descendentes é marcante na mú- missão da cultura, divulgação, melhoria (46%), possui ascendência africana, segun-
sica, dança e culinária brasileiras. das condições de produção e organização do dados da Secretaria Especial de Políticas
E é contemplada pelo Instituto do social. Para o Iphan, o patrimônio imate- de Promoção da Igualdade Racial da Presi-
Patrimônio Histórico e Artístico Nacio- rial abrange as mais variadas manifestações dência da República.
nal (Iphan), que tem um departamento populares, que contribuem para a formação Ao mesmo tempo em que reconhece a
específico para cuidar da preservação do da identidade cultural de um povo. contribuição cultural, o Brasil ainda convi-
patrimônio cultural imaterial brasileiro. Para a Organização das Nações Uni- ve com uma dura realidade, a desigualdade
“Quando pensamos no patrimônio imate- das para a Educação, a Ciência e a Cultura social entre negros e brancos. A renda dos
rial, vemos que a contribuição negra nas (Unesco), é importante promover e pro- brancos costuma ser o dobro da dos negros.
práticas artísticas e culturais foi extrema- teger monumentos, sítios históricos e pai- Na educação, a despeito das melhorias veri-
mente importante. A expressões culturais sagens culturais. Mas não só de aspectos ficadas nos últimos anos, a taxa de analfa-
eram transmitidas oralmente, não havia físicos se constitui a cultura de um povo. betismo é duas vezes maior na população
documentação, e se não fosse a transmis- As tradições, o folclore, os saberes, as lín- negra e os brancos têm, em média, dois
são oral teriam se perdido”, ressalta Márcia guas, as festas e diversos outros aspectos e anos a mais de estudo. Contudo, a expres-
Sant’Anna, diretora do Departamento do manifestações devem ser levados em consi- são mais dramática é, como indicam estu-
Patrimônio Imaterial do Iphan. deração. Os afro-brasileiros contribuíram e dos do Instituto de Pesquisa Econômica e
Quando um determinado valor cultural ainda contribuem fortemente na formação Aplicada (Ipea), a incidência da pobreza na
é registrado como patrimônio imaterial, ele do patrimônio imaterial do Brasil, que con- população negra: de cada dez pobres, seis
passa a fazer parte de um plano de salva- centra o segundo contingente de população são negros. Enquanto cerca de 20% dos
guarda e de registro documental e a integrar negra do mundo, ficando atrás apenas da brancos são considerados pobres, o percen-
um plano para sua preservação. Com esse Nigéria. Cerca de 80 milhões de brasilei- tual na população negra é de 47%.

7828DesafiosDesenvolvimento • junho/julho de 2010


abril de 2009
O acervo da Jongo no Sudeste – é uma Ofício das Baianas de Acarajé – o Samba de Roda do Recôncavo
cultura negra forma de expressão que integra acarajé é um bolinho de feijão Baiano – ligado às festas do
registra tradições percussão de tambores, dança fradinho, cebola e sal, frito em catolicismo popular, como
passadas de coletiva e elementos mágico- azeite-de-dendê. É uma iguaria dos santos Cosme e Damião,
geração em geração poéticos. Tem suas raízes nos de origem africana. Tem como sincretizados com os orixás
e preservadas saberes, ritos e crenças dos acompanhamentos pimenta, iorubanos, o samba de roda
em quilombos povos africanos, sobretudo camarão e vatapá.Também possui também é parte fundamental do
e comunidades os de língua bantu. É cantado sentido religioso: é comida de culto aos caboclos, entidades
negras, além e tocado de diversas formas, santo nos terreiros de candomblé. espirituais cultuadas no contexto
de práticas dependendo da comunidade que Com suas comidas, indumentária e afro-brasileiro. Mas com forte
incorporadas o pratica. Consolidou-se entre tabuleiros, as baianas do acarajé referência ao universo ameríndio
à cultura geral os escravos que trabalhavam são monumentos vivos. Esse bem foi e às festas de candomblé de rito
do País. O Iphan nas lavouras de café e cana-de- registrado em janeiro de 2005. nagô ou angola. Registrado em
registrou diversas açúcar localizadas no Sudeste outubro de 2004.
expressões da brasileiro. Proclamado como
cultura afro- Patrimônio Cultural Brasileiro em
brasileira. Por novembro de 2005.
exemplo:

Roda de Capoeira e Ofício dos Tambor de Crioula – envolve Partido Alto, Samba de Terreiro
Mestres de Capoeira – O plano dança circular, canto e percussão e Samba-Enredo – No começo
de preservação, consequência de tambores. Seja ao ar livre, nas do século 20, a partir de
do registro, prevê medidas de praças, no interior de terreiros influências rítmicas, poéticas
suporte: um plano de previdência ou então associado a outros e musicais do jongo, do samba
especial para os velhos mestres; o eventos e manifestações. No de roda baiano, do maxixe
estabelecimento de um programa conjunto complexo e heterogêneo e da marcha carnavalesca,
de incentivo da capoeira no das manifestações culturais consolidaram-se três novas
mundo; a criação de um centro populares maranhenses, o Tambor formas de samba: o partido alto,
nacional de referência da de Crioula destaca-se como uma vinculado ao cotidiano e a uma
capoeira; e o plano de manejo das modalidades mais difundidas e criação coletiva baseada em
da biriba – madeira utilizada ativas no cotidiano. Participam as improvisos; o samba-enredo,
na fabricação do instrumento. “coreiras”, tocadores e cantadores, de ritmo inventado nas rodas
Registrado em julho de 2008. conduzidos pelo ritmo incessante do bairro do Estácio de Sá e
dos tambores e o influxo das apropriado pelas nascentes
toadas evocadas, culminando na escolas de samba para animar
punga (ou umbigada) – movimento os seus desfiles de Carnaval; e
coreográfico no qual as dançarinas, o samba de terreiro, vinculado
num gesto entendido como à quadra da escola, ao quintal
saudação e convite, tocam o ventre do subúrbio, à roda de samba
umas das outras. É realizado sem do botequim. Essa matrizes
local específico ou calendário pré- referenciais do samba no Rio
fixado e praticado especialmente de Janeiro distinguem-se de
em louvor a São Benedito. outros subgêneros de samba
Registrado em junho de 2007. criados posteriormente e
guardam relação direta com os
padrões de sociabilidade de
onde emergem. Registrado em
Fonte: Dossiês de bens
registrados pelo Iphan (http:// novembro de 2007.
portal.iphan.gov.br/)

originalmente publicada na edição 52 | jun/2009

Desenvolvimento •Desafios
junho/julhoabril
de 2010 2979
de 2009
retratos

Índios: Resgate
cultural

30 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Iphan inicia reconhecimento de manifestações

Wilson Dias/ABr
culturais indígenas. “Preservar as referências
culturais dos povos indígenas significa que
estamos reafirmando nossas raízes“, diz Ana
Gita de Oliveira, do instituto

Marcello Casal Jr/ABr

Pedro Biondi/ABr

Suelen Menezes - de Brasília


Valter Campanato/ABr

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 31


P
reservar a cultura indígena é re- sagradas dos povos indígenas do Alto Xingu, “Há 500 anos eram 5 milhões
conhecer a contribuição do índio no Mato Grosso. Entre 2005 e 2006, foram
na formação dos diversos aspectos
de índios felizes no Brasil
encontrados materiais arqueológicos na re-
da vida nacional. No vocabulário: gião onde foi construída a Usina Hidrelética Cada um em sua oca, cada
catapora, peteca, siri, ipanema, paraíba, Paranatinga II, no rio Culuene, um dos prin- oca em sua taba, cada taba
flor, dia e pipoca são alguns exemplos. Na cipais formadores do rio Xingu.
culinária, o Brasil também deve muito aos O trabalho de arqueologia foi desen-
em sua mata
índios: feijão, milho, mandioca, frutas. volvido com a participação ativa de todas Cada rio, cada peixe, cada
Sem esquecer o hábito de tomar banho as comunidades indígenas envolvidas.
bicho, bicho!
diariamente, coisa que não agradava nada “Por ser considerado o território sagrado
aos portugueses que começaram a chegar dos índios, entendemos que não podería- Um por todos, todo mundo nu!”
a essa terra em 1500 e, depois de algumas mos fazer isso sem eles”, diz Rogério José (Índio, de Gabriel Moura/Farofa Carioca)
trocas de nomes, a batizaram Brasil. Os Dias, gerente de Arqueologia do Iphan,
índios, tratados como inimigos, foram ex- que acompanhou toda a pesquisa.
pulsos de sua terra, mas deixaram marcas “Dois caciques coordenaram a abertu-
indeléveis na cultura Brasileira. ra da mata, delimitando o perímetro da
Em 1988, com a promulgação da nova aldeia sagrada. Logo nos primeiros vinte
Constituição, o Brasil assumiu o dever de metros foram encontradas, em superfí-
proteger os índios. O artigo 231 diz que cie, centenas de fragmentos de va-
são reconhecidos aos índios sua organi- silhas cerâmicas que se esten-
zação social, costumes, línguas, crenças e dem em quase toda a tota-
tradições, e os direitos originários sobre lidade da delimitação.
as terras que tradicionalmente ocupam. Uma peça de cerâmica
Compete à União demarcar as terras, com formato de rabo
proteger e fazer respeitar todos os bens de tartaruga foi muito
indígenas. Nesse sentido, o Instituto do comemorada, assim como
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional as trempes para suporte das
(Iphan) tem trabalhado para preservar os panelas e tachos de assar bei-
locais sagrados indígenas – patrimônio ju. Todos estavam de acordo que
material - bem como a cultura, os ritos e aquele lugar era de fato o local da
tradições – patrimônio imaterial. aldeia sagrada”, de acordo com o
“Preservar as referências culturais dos relatório de instrumentação ao
povos indígenas significa que, ao reco- processo de tombamento das
nhecê-los como parte fundadora da nossa paisagens sagradas do Alto
condição nacional, estamos reafirmando Xingu.
nossas raízes e incluindo-os no campo de José Dias conta que
nossas políticas públicas. A ação patrimo- ficou muito orgulhoso
nial tem o papel de ajudar na construção com o trabalho realizado
da cidadania, garantindo a esses povos o quando viu a importân-
exercício de plenos direitos. A salvaguar- cia que as comunidades
da dos patrimônios indígenas garantirá, às Kalapalo e Waurá davam
gerações futuras, acesso aos testemunhos àquela pequena região,
de sua história e aos domínios da vida para eles lugar sagra-
social que dão significado aos complexos do, com mitos que re-
processos de construção de identidades”, montam à criação do
explica Ana Gita de Oliveira, Gerente de mundo. A compro-
Identificação e Registro do Departamento vação de que aquela
de Patrimônio Imaterial-DPI/Iphan. região tinha sido
Valter Campanato/ABr

Um dos projetos que estão em fase de uma aldeia indíge-


conclusão é o de tombamento das paisagens na foi corroborada

7832Desenvolvimento julho
Desenvolvimento de 2009 de 2010
• junho/julho
quando a cartografia científica do local do Brasil” a Cachoeira de Iauaretê ou Ca-
Wilson Dias/ABr
foi comparada com a cartografia sagrada choeira da Onça, o primeiro bem cultural
desenhada pelos índios: os acidentes ge- imaterial inscrito no Livro do Registro dos
ográficos eram idênticos. Lugares. Ela fica na região do Alto Rio Ne-
Além do tombamento, há um proje- gro, município de São Gabriel da Cacho-
to para construir um corredor ecológico eira (AM), na confluência dos rios Uaupés
cultural para levar os índios até os lugares e Papurí, onde vivem dez comunidades
sagrados. “O tombamento é uma medi- indígenas das etnias de filiação linguística
da de proteção, mas o importante é que Arwak, Tukanos Orientais e Maku.
o Estado reconheça o direito dos índios As pedras, lajes e igarapés da região da
como os proprietários daquela terra”, dis- Cachoeira são sagrados para essas comu-
Wilson Dias/ABr
se José Dias. nidades, porque marcam a história de sua
O Decreto-Lei 25/1937, que organiza origem e fixação nessa região, assim como
a proteção do patrimônio histórico e ar- a história do estabelecimento das relações
tístico nacional, estabelece que as coisas de afinidade que vêm permitindo, até
tombadas não poderão ser destruídas, hoje, a convivência e o compartilhamento
demolidas ou mutiladas, nem ser repara- de padrões culturais entre os diversos gru-
das, pintadas ou restauradas sem prévia pos que habitam aquele território.
autorização do Iphan. De acordo com dados do Instituto Bra-
Em 2002, a Arte Kusiwa, técnica de sileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
pintura e arte gráfica própria da popula- atualmente vivem no Brasil cerca de 750 mil
Antonio Cruz/ABr ção indígena Wajãpi, do Amapá, foi ins- índios, distribuídos entre 225 sociedades
crita no Livro de Registro das Formas de indígenas, o que representa 0,25% da popu-
Expressão como Patrimônio Imaterial. lação brasileira. Há também 63 referências
Os grafismos podem ter como suporte o de índios ainda não contabilizados. Mais de
corpo humano, cuias, cestos, bordunas e 180 línguas são faladas pelos membros das
objetos de madeira. Para a preparação da sociedades indígenas, o que corresponde a
tinta são utilizadas sementes de urucum, 30 famílias linguísticas diferentes.
gordura de macaco, suco de jenipapo e O presidente da Fundação Nacional
resinas perfumadas. do Índio (Funai), Márcio Meira, explica
“A linguagem gráfica que os Wajãpi do que a taxa de crescimento dos povos in-
Amapá denominam kusiwa sintetiza seu dígenas é maior que a taxa da população
Antonio Cruz/ABr
modo particular de conhecer, conceber e não índia e, por isso, o órgão estima que
agir sobre o universo. Tal forma de expres- hoje essa população já ultrapasse um mi-
são, complementar aos saberes transmiti- lhão de habitantes.
dos oralmente, afirma, ao mesmo tempo, “A grande dificuldade da Funai é ga-
o contexto de origem e a fonte de eficácia rantir a integridade territorial das terras
dos conhecimentos dos Wajãpi sobre o tradicionalmente ocupadas, de acordo com
seu ambiente. Por outro lado, arte gráfica os usos, costumes e tradições dos povos
e arte verbal se completam por transmiti- indígenas, conforme está escrito na Consti-
rem os conhecimentos indispensáveis ao tuição Federal. Para a demarcação é preciso
gerenciamento da vida em sociedade. As enfrentar todo o aparato jurídico de ações
formas de expressão gráfica e oral permi- e liminares impetradas por particulares ou
tem agir sobre múltiplas dimensões: sobre por entidades, com objetivo de atrasar e im-
o mundo visível, sobre o invisível, sobre pedir esse processo. Outro grande desafio é
o concreto e sobre o mundo ideal”, relata o fator geográfico, porque muitas comuni-
documento do Iphan. dades são de difícil acesso, têm característi-
Outra ação do IPHAN em prol da pre- cas específicas de locomoção e não podem
servação da cultura indígena foi procla- ser tratadas como cidadãos que vivem em
mar, em 2006, como “Patrimônio Cultural grandes centros urbanos”, comenta.
originalmente publicada na edição 53 | jul/2009

Desenvolvimento • junho/julhojulho
Desenvolvimento de 2010 3379
de 2009
retratos
Fotos: Dalmo Vieira Filho

7634Desenvolvimento agosto
Desenvolvimento de 2009 de 2010
• junho/julho
Canoas e
jangadas
Iphan inicia trabalho de preservação das embarcações
tradicionais e assegura condições de sobrevivência para
os pescadores, que não conseguem competir com a pesca
predatória de grande escala

Suelen Menezes - de Brasília

Desenvolvimento • junho/julho
Desenvolvimento de 2010
agosto 3577
de 2009
P
aís de dimensões continentais, tor de boa parte do patrimônio naval da Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
com mais de nove mil quilô- humanidade. (Iphan), porém um inventário realizado
metros de litoral banhado pelo O Brasil, país de muitas caras, cores e no final do século XIX, pelo almirante Al-
Oceano Atlântico e com uma das jeitos. Essa miscigenação que formou a ves Câmara, registrou mais de duzentas.
maiores reservas de água doce do Plane- população também está representada nas Em um século, metade desse patrimônio
ta, o Brasil desenvolveu uma grande di- embarcações tradicionais. Somem-se am- se perdeu.
versidade de tipos de embarcações, que bientes aquáticos distintos, como Amazô- Preocupado com a preservação do pa-
espelham também a riqueza da formação nia, Pantanal, rio São Francisco, Bacia Flu- trimônio naval, um dos ramos mais des-
cultural brasileira. A história do país está vial do Paraná: teremos cada comunidade conhecidos e ameaçados do país, o Iphan
diretamente ligada à navegação: foi no desenvolvendo um tipo de barco aperfei- criou, no ano passado, o projeto Barcos do
comando de 13 caravelas que Pedro Ál- çoado para suas condições específicas. Brasil, com o objetivo principal de preser-
vares Cabral chegou, em abril de 1500, A canoa baiana, considerada a rainha var e valorizar as embarcações tradicio-
a essa terra hoje chamada Brasil. Mas o das canoas brasileiras, é uma forma deriva- nais brasileiras. Com o apoio de entidades
povo que habitava essas terras, os indíge- da diretamente dos modelos africanos. As públicas e privadas, a meta é localizar e
nas de variadas tribos, também tinha suas jangadas do Nordeste, as baleeiras do Sul, cadastrar os barcos tradicionais, seus con-
embarcações. o saveiro da Bahia. As canoas, traineiras, textos culturais e ajudar a melhorar a vida
Ao longo de 500 anos de história, novas botes e bateiras são encontrados em todas de seus usuários e detentores: marinhei-
embarcações foram desenvolvidas para as regiões do país, mas cada um diferente ros, pescadores, mestres, construtores e
atender às especificidades de cada região. do outro. As bianas e cúters do Maranhão. auxiliares.
Afinal, com tanta água e variedade de am- Todas são representações da diversidade O diretor do Departamento de Patri-
bientes geográficos litorâneos, lacustres e cultural do país, que carrega traços indíge- mônio Material e Fiscalização do Iphan,
fluviais, não é de estranhar que o país seja nas, europeus, africanos e orientais. Dalmo Vieira Filho, explica que as mu-
um dos mais ricos em diversidade de bar- São mais de cem diferentes tipos de em- danças nos contextos culturais, sociais e
cos tradicionais e se destaque como deten- barcações identificadas pelo Instituto do econômicos das comunidades de usuários

7836Desenvolvimento agosto
Desenvolvimento de 2009 de 2010
• junho/julho
e detentores desses barcos tradicionais benefício dos pescadores. Não é impedir
têm contribuído para o seu desapareci- o acesso à tecnologia, mas reconhecer o
mento. “A pesca artesanal tem diminuído valor cultural da tradição e sua eficiência,
ao longo dos anos, porque o pescador já e melhorar a qualidade de vida do pesca-
não consegue suprir as necessidades de dor”, afirma.
sua família”, explica. Os pescadores tradi- Vieira Filho explica que a embarca-
cionais têm dificuldade de competir com a ção tradicional nada deixa a desejar em
pesca de arrastão, com rede de malha fina comparação ao barco a motor. Tendo em
e outras formas de pesca predatória, como vista que o Brasil tem um regime regular
a feita com explosivos. de ventos, as velas e remos fazem um exce-
Outra questão importante, segundo lente trabalho. Sem contar que é mais eco-
Vieira Filho, é a restrição da extração da nômico para o pescador, que não precisa
madeira, matéria-prima para a confecção usar óleo diesel e nem gastar com mecâ-
dos barcos. Algumas já não são mais en- nico. O casco movido a motor não requer
contradas ou não podem mais ser utiliza- tanta sofisticação, o que descaracteriza o
das. “Estudos ambientais estão em curso trabalho artesanal.
para verificar as madeiras que podem ser A proposta do projeto Barcos do Bra-
utilizadas na fabricação dos barcos. A difi- sil é organizar o inventário do patrimônio
culdade é que cada parte do barco usa um naval brasileiro para proteger e valorizar
tipo de madeira. A nossa ideia é ter uma as embarcações e as atividades relaciona-
área de manejo”, explica. das a elas, como pesca, artesanato e fabri-
“O nosso desafio é fazer com que o usu- cação, e também monitorar e conservar as
ário das embarcações tradicionais tenha principais embarcações. O projeto prevê
condições dignas de trabalho. A preserva- ainda a construção de barcos tradicionais
ção deve ser feita não em prejuízo, mas em em locais públicos, com o intuito de divul-
gar e preservar as técnicas de carpintaria
naval, e o desenvolvimento de programas
Requisitos analisados: de conservação e ma enção dos barcos tra-
dicionais para pescadores, construtores e
• Estado de conservação do barco: preferência para aquelas em pior estado; usuários de barcos; e criar unidades regio-
• Estado de preservação do barco: preferência para as embarcações que mantenham suas caracte- nais do Museu Nacional do Mar.
rísticas originais; O Museu Nacional do Mar, localizado
• Renda do dono do barco: preferência para os de menor condição para pagar os reparos; em São Francisco do Sul (SC), foi criado
• Utilização da embarcação: prioridade para os barcos utilizados para pesca artesanal; em 1993, numa parceria do governo do
• Valor cultural da embarcação: quantidade de exemplares existentes. estado com o Iphan. Entre 2003 e 2004, o
museu foi revitalizado. O local recebe mais
de 60 mil visitantes por ano. Para 2010, está
Embarcações selecionadas para trabalho de restauração (será restaurado um barco de cada tipo):
prevista a construção das unidades de Ma-
ragogipe (BA) e Parnaíba (PI). No final de
Tipo de barco Local
julho, a Bahia foi sede do 3º Seminário do
Cúter do Maranhão São Luís/MA
Bote Bastardo Camocim/CE Patrimônio Naval Brasileiro, realizado em
Canoa Pernambucana Itapissuma/PE Salvador. O encontro reuniu especialistas
Canoa do Rio Real Indiaroba/SE em preservação do patrimônio naval de
Bote de São Cristóvão São Cristóvão/SE várias esferas do governo federal e do setor
Canoa Bordada Litoral de Santa Catarina privado, que discutiram alternativas para a
Saveiro de Pena Recôncavo Baiano
sustentabilidade dos pescadores artesanais,
Canoa da Orla Atlântica Salvador/BA
Saveiro de Vela de Içar Recôncavo Baiano com a valorização da produção pesqueira
Baleeira de Santa Catarina Garopaba, Penha, Palhoça, Florianópolis/SC por meio do aperfeiçoamento da armaze-
Canoa do Espírito Santo Anchieta/ES nagem e comercialização do pescado.

originalmente publicada na edição 54 | ago/2009

Desenvolvimento • junho/julho
Desenvolvimento de 2010
agosto 3779
de 2009
retratos

Rede
Ferroviária,
um patrimônio
cultural Diversos órgãos trabalham na preservação da memória da
extinta RFFSA. O Iphan cuida também da difusão da memória
ferroviária, por meio de museus, bibliotecas, arquivos,
coleções e acervos, conservação e restauração de prédios,
monumentos, logradouros e sítios

Suelen Menezes - de Brasília

38 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Desenvolvimento • junho/julho de 2010 39
A
melhor maneira de resguardar o colhendo informações sobre os bens mó-
patrimônio nacional é trabalhar a “O alcance é maior do que veis”, informa Cavalcanti. Até o fim do ano,
preservação dentro de um contex- simplesmente preservar o Iphan pretende, por meio de um convê-
to de desenvolvimento local. É com um grupo de estações nio com a Universidade de Brasília (UnB),
essa ideia que o Instituto do Patrimônio sistematizar e tabular as informações cole-
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) vem
com valor histórico. tadas, tendo como resultado um banco de
administrando o patrimônio cultural ferro- Isso implica olhar esse dados georreferenciado.
viário brasileiro. patrimônio com uma Ao usar o termo memória ferroviária, a
“Trabalhar a preservação do patrimô- lei traz uma ampla responsabilidade para
maior abrangência, o que
nio é trabalhar desenvolvimento. Não é o Iphan. “O alcance é maior do que sim-
simplesmente preservar um conjunto de já está sendo feito pelo plesmente preservar um grupo de estações
estações ferroviárias. O município tem que Iphan, quando se procura com valor histórico. Isso implica olhar esse
dar um bom uso para esses imóveis. Prefe- estabelecer a relação do patrimônio com uma maior abrangência, o
rencialmente, esse uso tem de estar ligado a que já está sendo feito pelo Iphan, quando
algum tipo de desenvolvimento para o mu-
patrimônio imaterial se procura estabelecer a relação do patri-
nicípio. Melhor ainda se for para a região. com o material” mônio imaterial com o material”, ressalta
Desenvolvimento é uma prerrogativa do Cavalcanti. O patrimônio material é com-
trabalho do Iphan”, afirma José Rodrigues posto por um conjunto de bens culturais
Cavalcanti Neto, coordenador técnico do RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e classificados segundo sua natureza nos
patrimônio ferroviário do Iphan. manutenção. Quando o bem for classifica- quatro Livros Tombo: arqueológico, paisa-
Cavalcanti ressalta que o trabalho do do como operacional, o Instituto deverá ga- gístico e etnográfico; histórico; belas artes;
Iphan está diretamente relacionado à iden- rantir seu compartilhamento para uso fer- e das artes aplicadas. O patrimônio imate-
tidade dos lugares, suas histórias, tradições, roviário. Um dos pontos mais importantes rial abrange as mais variadas manifestações
comidas, hábitos, praças, ruas e edifícios. que ficou a cargo do Iphan foi a preserva- populares que contribuem para
“A preservação do patrimônio tem de ser ção e a difusão da memória ferroviária, por a formação
trabalhada dentro dessa ótica. O patrimô- meio da construção, formação, organiza- da iden-
nio ferroviário faz parte da identidade de ção, manutenção, ampliação e equipamen- tidade
muitas cidades brasileiras. O trem está no to de museus, bibliotecas, arquivos e outras cultural
imaginário do brasileiro e a preservação organizações culturais, bem como de suas de um
deve caminhar no sentido dar continuidade coleções e acervos; conservação e restaura- povo.
a esse interesse”, afirma. ção de prédios, monumentos, logradouros,
Em 2007, com a extinção da Rede Fer- sítios e demais espaços oriundos da extinta
roviária Federal S/A (RFFSA), o patrimô- RFFSA.
nio ferroviário passou a ser tratado por um “Diante dessa responsabilidade o pri-
conjunto de instituições governamentais. meiro passo do Iphan foi conhecer esse
Constituído por grande quantidade de universo, realizando um mapeamento de
bens de diferentes naturezas e de relevan- varredura para estabelecer as melhores
te importância, esse imenso acervo ficou estratégias para dar o destino adequa-
sob a responsabilidade do Ministério dos do a esses bens. A RFFSA tinha uma
Transportes, do Departamento Nacional planilha em que constavam mais de 50
de Infraestrutura de Transportes (Dnit), da mil imóveis. As superintendências do
Secretaria de Patrimônio da União (SPU), Iphan espalhadas pelo país estão fa-
e do Iphan. A essas instituições foi legada zendo esse reconhecimento dos bens
uma atribuição comum: a destinação de imóveis para ter um primeiro pano-
todo o sistema ferroviário nacional advindo rama. Em alguns estados isso já foi
da extinta RFFSA. concluído, mas em outros, como
Com a Lei 11.483/2007, o Iphan ficou São Paulo, foram contabilizados
responsável por receber e administrar os 1,8 mil imóveis, mas esse nú-
bens móveis e imóveis de valor artístico, mero não está fechado. Nessa
histórico e cultural, oriundos da extinta varredura também estamos

40 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Cavalcanti explica que o patrimônio fer- postos e armazéns, centros de produção,
roviário é ligado a uma categoria de estudos transmissão e utilização de energia, meios
que se chama patrimônio industrial. “É um de transporte e todas as suas estruturas e in-
olhar diferente. Você não preserva o patri- fraestruturas, assim como os locais onde se
mônio industrial, ou no caso o ferroviário, desenvolveram atividades sociais relaciona-
pela monumentalidade ou singularidade. das com a indústria, tais como habitações,
Não é só isso que dá valor ao patrimônio”, locais de culto ou de educação.” (Carta de
diz. A carta de Nizhny Tagil, do The Inter- Nizhny Tagil, Rússia, 2003).
national Committee for the Conservation Cavalcanti explica que o Iphan tem dis-
of the Industrial Heritage (Comissão Inter- cutido com a sociedade civil e órgãos pú-
nacional para a Conservação do Patrimô- blicos a responsabilidade compartilhada na
nio Industrial), é utilizada pelos técnicos do preservação do patrimônio ferroviário. Em
Iphan como baliza para a análise do patri- junho de 2009, foi organizado o I Seminá-
mônio ferroviário. rio Nacional sobre o Patrimônio Cultural
“O patrimônio industrial representa Ferroviário Brasileiro, em Belo Horizonte
o testemunho de atividades que tiveram e 0 (MG), com o objetivo de estabelecer um
que ainda têm profundas consequências amplo fórum de discussão a respeito das
históricas. As razões que justificam a pro- atribuições, ações e objetivos das institui-
teção do patrimônio industrial decorrem ções envolvidas com o tema da memória
essencialmente do valor universal daquela ferroviária nacional.
característica, e não da singularidade de “A sociedade como um todo tem que
quaisquer sítios excepcionais. O patrimô- querer preservar o seu patrimônio. É uma
nio industrial compreende os vestígios da premissa do nosso trabalho, principal-
cultura industrial que possuem valor his- mente durante esse processo de investi-
tórico, tecnológico, social, arquitetônico ou gação. Se uma prefeitura manifestar inte-
científico. Esses vestígios englobam edifí- resse por uma estação, se pretende dar um
cios e maquinaria, oficinas, fábricas, uso cultural ou outro que vá promover a
minas e locais de preservação e disseminação da cultura
processamento ferroviária, vai nos ajudar na questão da
e de refinação, memória ferroviária. Se o município tem
entre- esse comprometimento, o Iphan tem tra-
balhado para fazer a cessão desse
imóvel ao município”, explica
Cavalcanti.

originalmente publicada na edição 55 | set/out/2009

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 41


retratos

Plantas
Divulgação

medicinais Apoiadas pelo Iphan, comunidades fazem inventário de seus


conhecimentos sobre as propriedades curativas das plantas

Suelen Menezes – de Brasília

42 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


A
flora brasileira possui a maior bio- o poder terapêutico de muitas plantas. Os enças. No Rio de Janeiro, 108 grupos de vá-
diversidade do planeta, com mais povos que colonizaram o Brasil também rios municípios produzem remédios com
de 55 mil espécies de plantas e 10 trouxeram contribuições que, passadas de ervas medicinais de maneira voluntária.
mil de briófitas, fungos e algas, um geração em geração, resultaram no acúmu- Desde 2000, formam a Rede Fitovida com
total equivalente a quase 25% de todas as lo de um vasto acervo de conhecimentos o objetivo de trocar conhecimentos e bus-
espécies de plantas existentes no mundo. sobre manejo e uso de plantas medicinais. car soluções conjuntas. É um movimento
Isso transforma a flora do País em objeto Vista inicialmente com ceticismo e as- sem filiação partidária ou religiosa, cujas
de cobiça da indústria farmacêutica, inte- sociada à crendice, a medicina tradicional características principais são o trabalho
ressada nas propriedades medicinais das despertou a atenção da comunidade cien- voluntário e a venda de preparações me-
plantas. Os primeiros habitantes das ter- tífica depois de comprovadas as qualidades dicamentosas a preço baixo. O trabalho é
ras brasileiras – os índios – já conheciam das plantas no tratamento de inúmeras do- feito por mulheres com mais de 50 anos de
idade, de camadas populares, que se reú-
nem em cozinhas comunitárias.
Essas mulheres já atuavam no ambiente
familiar, orientando vizinhos e vendendo
Dreamstime

os medicamentos – xaropes, unguentos,


sabonetes, xampus, tinturas – feitos com
ervas medicinais. À medida que passaram
a se organizar em grupos e em rede, come-

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 43


çaram a atuar também no espaço público, pêuticas dos produtos, uniram o que era de Referências Culturais (INRC), um
com atendimentos voluntários em saúde comum entre eles. O mais importante foi a instrumento técnico criado para registrar
preventiva. A transição, que contou com o participação dos integrantes na dinâmica conhecimentos culturais. A coordenadora
apoio do Instituto do Patrimônio Histórico de elaborar os produtos: chás, xaropes, gar- geral de Identificação e Registro do De-
e Artístico Nacional (Iphan), modificou o rafadas, pomadas, sabão medicinal. Foram partamento de Patrimônio Imaterial do
modo de trabalho e transmissão do conhe- detalhados os modos de fazer. A capacida- Iphan, Ana Gita Oliveira, explica que o
cimento e valorizou a figura das mulheres de de interação e articulação para produzir inventário só é possível se a comunidade
mais velhas como detentoras de saber. o material para o inventário foi ótima. Rea- concordar em trabalhar em conjunto com
“A Rede Fitovida é uma rede de solida- lizamos reuniões com os membros da rede o Iphan, porque a metodologia consiste
riedade que vai além dos conhecimentos para prepará-los para a pesquisa”, explica em sistematizar as informações que a co-
fitoterápicos”, relata Letícia Viana, antro- Letícia Viana. munidade fornece.
póloga do Departamento de Patrimônio A antropóloga explica que é impor- “A comunidade é que deve dizer o que
Imaterial do Iphan, que acompanhou de tante o apoio do Iphan na busca de ca- é importante para ela, o que é referencial,
perto o trabalho. O grupo pediu a ajuda minhos para a preservação dos saberes o que diz respeito à sua maneira de ser, de
do Iphan para enfrentar alguns proble- tradicionais. “O inventário é um passo estar no mundo. O inventário nos ajuda
mas. Primeiro: a fiscalização da Agência importante para preservar e transmitir a pensar os investimentos da administra-
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). os conhecimentos tradicionais. Nin- ção pública e as políticas de preservação
Segundo: propriedade intelectual. O temor guém pode se considerar dono de um de um modo fidedigno para alcançar os
era que alguém registrasse a patente das saber que é bem comum”, afirma. Para anseios e necessidades da população en-
ervas utilizadas no preparo dos remédios, o Iphan, o patrimônio imaterial abrange volvida”, explica Ana Gita.
aproveitando-se do conhecimento tradi- as mais variadas manifestações popula-
cional, de domínio público. Ao registrar res que contribuem para a formação da Política - Em 2006, o governo federal
esses saberes, o Iphan reconhece o valor identidade cultural de um povo. aprovou a Política Nacional de Plantas
cultural e legitima que esses saberes são Medicinais e Fitoterápicos por meio do
coletivos, o que de alguma maneira facilita Inventário - A metodologia utilizada para Decreto nº 5.813, com o objetivo de ga-
a convivência com a fiscalização e também o inventário dos saberes tradicionais fi- rantir à população brasileira o acesso
dificulta o registro de propriedade sobre os toterápicos foi a do Inventário Nacional seguro e o uso racional de plantas me-
conhecimentos tradicionais. dicinais e fitoterápicos, promovendo o
O trabalho do Iphan com a Rede Fito- uso sustentável da biodiversidade, o de-
vida teve o objetivo de orientar os grupos senvolvimento da cadeia produtiva e da
para a realização de um inventário. “Eles “A comunidade é que indústria nacional.
identificaram os saberes e aplicações tera- deve dizer o que é Essa política prevê o fomento à pes-
importante para ela, o quisa, ao desenvolvimento tecnológico e
que é referencial, o que à inovação, com base na biodiversidade
brasileira e de acordo com as necessi-
diz respeito à sua maneira
dades epidemiológicas da população. A
de ser, de estar no mundo.
iniciativa, de acordo com o governo, é
O inventário nos ajuda a imprescindível para a melhoria do aces-
pensar os investimentos da so da população a plantas medicinais e
administração pública e as fitoterápicos, para a inclusão social e re-
políticas de preservação de gional, para o desenvolvimento industrial
um modo fidedigno para e tecnológico. Além de contribuir com a
segurança alimentar e nutricional, a ideia
alcançar os anseios
é promover o uso sustentável da biodiver-
e necessidades da
sidade brasileira e a valorização e preser-
população envolvida” vação do conhecimento das comunidades
Ana Gita, do Iphan e povos tradicionais.
originalmente publicada na edição 56 | out/nov/2009

44 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


ARTIGO M a r c i a S a n t’A n n a

A política federal salvaguarda


do patrimônio cultural imaterial

A
Constituição Federal de 1988 é fundamental, pois esses bens culturais são Os bens culturais registrados fazem jus à
firmou a idéia de que o patrimônio frequentemente afetados por problemas que implementação de planos de salvaguarda que
cultural é uma construção social, estão fora da alçada da cultura e demandam a destinam-se a apoiar e fomentar sua continui-
cabendo ao Estado reconhecê-lo e intervenção de outros setores do governo. dade e sustentabilidade. São formulados a partir
protegê-lo com o apoio e a participação da Para que as ações de salvaguarda ocorram do conhecimento produzido e do diagnóstico
sociedade. Só mais recentemente, contudo, de modo integrado entre as esferas gover- realizado nos processos inventário e de Registro,
esse princípio constitucional foi absorvido namentais e a sociedade, é fundamental o em conjunto com os produtores ou detentores
nas práticas de preservação. Nesse processo, compartilhamento de métodos, categorias de do bem cultural. Contêm, basicamente, um
foi decisiva a promulgação do Decreto n° análise e informações. Por isso, as metodologias conjunto de ações, de curto, médio e longo prazo,
3.551/2000 e a consolidação no Brasil da de identificação utilizadas pelo Iphan estão destinadas a apoiar processos de transmissão
noção de patrimônio cultural imaterial. disponíveis para parceiros governamentais e não às novas gerações; a melhorar condições de
Segundo este decreto, o patrimônio cultural governamentais bastando, para tanto, encaminhar produção e reprodução do bem cultural; a
imaterial se manifesta por meio dos saberes e projeto para análise e firmar Termo de Uso e promover e difundir informações; a defender
modos de fazer, das celebrações, das formas Responsabilidade com a instituição. direitos relacionados ao uso e à difusão desse
de expressão e dos lugares de concentração O instituto do Registro, criado pelo patrimônio e a capacitar detentores a liderar
de práticas culturais coletivas, que constituem Decreto n° 3.551/2000, é um instrumento e gerir processos de salvaguarda.
referências para a memória e a identidade dos de reconhecimento patrimonial que firma o A continuidade de expressões culturais
imateriais também é fortalecida por meio de
grupos formadores da sociedade brasileira e compromisso do Estado com o fortalecimento
ações de difusão do conhecimento produzido
possuem continuidade histórica. A noção de das condições que propiciam a continuidade
ou sistematizado sobre esses bens culturais e,
bem cultural imaterial diz respeito então a dos bens culturais imateriais. Equivale, resumi-
ainda, por meio de sua promoção, inclusive,
domínios da vida social e coloca no centro do damente, a aprofundar o conhecimento sobre
nos meios de comunicação. É necessário,
processo de salvaguarda os grupos e indivíduos a história e a trajetória da expressão cultural
entretanto, garantir que essa promoção
responsáveis pela vigência dessas práticas – os em foco, sobre as condições sociais, materiais
beneficie, primordialmente, processos de
seus “detentores”. A salvaguarda desses bens, e ambientais que propiciam sua existência e a
salvaguarda e os detentores envolvidos.
portanto, está orientada para o apoio àqueles diagnosticar os problemas que comprometem
Ações de fomento a projetos de salvaguarda
que os transmitem e mantêm e, por isso, devem sua continuidade e reprodução. O Registro é
desenvolvidos pela sociedade têm sido reali-
participar ativamente da identificação, do o “retrato” de um momento e deve ser refeito
zadas, principalmente, no âmbito do Programa
reconhecimento patrimonial e do fomento após dez anos do reconhecimento oficial. O
Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI),
à sua continuidade e sustentabilidade. objetivo é acompanhar as transformações
também criado pelo Decreto n° 3.551/2000. Por
Como são as pessoas que mantêm e trans- ocorridas no bem ou no contexto que viabiliza
meio dos processos seletivos desse programa
mitem os bens culturais imateriais, é importante sua existência e reavaliar o registro realizado. É
têm sido firmadas parcerias com organismos
compartilhar métodos e instrumentos com elas. importante não se perder de vista que esse tipo
estaduais, municipais e com instituições sem
Durante o processo de salvaguarda, os grupos, de bem cultural é passível de desaparecimento
fins lucrativos, fomentando-se a pesquisa, a
indivíduos e comunidades que dele participam não somente devido a ameaças ou fatores documentação, a produção e o tratamento
são capacitados a produzir conhecimento e exógenos, mas também por eventual perda de informações, assim como iniciativas de
documentação sobre seu patrimônio, bem de função simbólica, tecnológica ou mesmo apoio à produção e reprodução de expressões
como a empreender ações de organização e econômica junto à base social que o sustenta. tradicionais e à transmissão, capacitação e
de articulação de parcerias. A articulação com Por isso, como documentação exaustiva da organização comunitária.
políticas públicas das áreas de educação, meio expressão cultural, o Registro permite preserva
ambiente, desenvolvimento econômico e social sua memória para a posteridade. Marcia Sant’Anna é diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 45


retratos

Festa de Santa Bárbara, em Salvador (foto acima) e Festa do Divino, no Rio (ao lado), também foram registradas como patrimônio imaterial

Festas religiosas,
um bem a ser preservado
Celebrações entram nos registros de bens imateriais do Iphan

Suelen Menezes – de Brasília

O
Instituto do Patrimônio Histórico e de Janeiro; e as festas religiosas de Ouro Preto, seu santo padroeiro. Misturando as crenças,
Artístico Nacional (Iphan), em parce- em Minas Gerais. devoções e formas religiosas trazidas pelos
ria com outras instituições, realizou A diretora do Departamento do Patrimô- portugueses e pelos escravos africanos com as
o inventário de 40 bens imateriais. nio Imaterial do Iphan, Márcia Sant’Anna, dos indígenas nativos, as celebrações religiosas
Algumas celebrações religiosas nacionais fo- explica a importância de o Estado reconhecer fazem parte do processo histórico de formação
ram registradas: o Círio de Nossa Senhora de as celebrações religiosas como patrimônio do Brasil”.
Nazaré, no Pará; a Festa de Santa Bárbara, na cultural: “Pode-se afirmar, sem medo de errar, Ela ressalta que as celebrações religio-
Bahia; a Festa do Divino Maranhense, no Rio que toda cidade no Brasil celebra, pelo menos, sas articulam outros elementos e manifes-

46 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Fotos:Francisco Moreira da Costa/CNFCP
tações culturais como expressões artísticas No dia do Círio, Belém para. O trânsito é
visuais (bandeiras, altares, andores, flores, interditado nas ruas centrais da capital, as lojas
máscaras, arraiais), culinária, cantos, fecham. As ruas são decoradas e ocupadas pe-
danças, encenações – tudo relacionado ao los moradores atentos à passagem da imagem
universo simbólico da riqueza e da dinâ- da santa. A festa reúne cerca de um milhão e
mica cultural brasileira. meio de pessoas na cidade.
“As celebrações são reveladoras dos nossos De acordo com o dossiê do Iphan, a ori-
modos, particulares ou comuns, de criar, fazer gem do Círio Nazaré remonta a lendas e mitos
e viver pelo Brasil afora. Constituem espaços que se misturam a fatos históricos. Por volta
de sociabilidade, de afirmação de pertenci- de 1700, conforme a tradição, caminhava nas
mento, de formação e reprodução social. O matas da estrada do Utinga, hoje avenida Na-
fato de fazerem sentido para diferentes grupos zaré, em Belém do Pará, um caboclo chamado
sociais no mundo contemporâneo revela não Plácido José dos Santos. Ao procurar água,
apenas a formidável continuidade histórica de descobriu entre as pedras cobertas de trepa-
suas expressões como também a capacidade de deiras, às margens do igarapé Murutucu (loca-
transformação, resignificação e reiteração dos lizado atrás da atual Basílica de Nazaré), uma
seus elementos essenciais”, completa. pequena imagem da Virgem de Nazaré.
Plácido levou-a para casa e, no dia seguin-
Círio de Nossa Senhora de Nazaré – Pará te, a imagem não estava lá. Ela tinha voltado
Em 2005, a festa do Círio de Nazaré foi para o igarapé. Plácido resolveu construir uma
inscrita no Livro de Registro de Celebrações pequena ermida para abrigar a imagem. A no-
do Iphan. tícia do “milagre” espalhou-se rapidamente,
O Decreto 3.551, de 4 de agosto de 2000, atraindo vizinhos e habitantes da cidade que
instituiu o Registro de Bens Culturais de Na- passaram a engrossar as fileiras dos devotos da
tureza Imaterial que constituem patrimônio santa milagrosa.
cultural brasileiro. A partir do decreto, os
bens imateriais passaram a ser inscritos nos Projeto Celebrações – O inventário da Festa
livros de Registros do Iphan: dos Saberes, das de Santa Bárbara e da Festa do Divino Mara-
Celebrações, das Formas de Expressão, e dos nhense, no Rio, foi realizado pelo Centro Na-
Lugares. cional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP),
“A Festa do Círio de Nazaré, em Belém com patrocínio da BR Distribuidora.
do Pará, é uma celebração constituída de vá- A consultora em antropologia do Depar-
rios rituais de devoção religiosa e expressões tamento do Patrimônio Imaterial do Iphan
culturais, cujo clímax ocorre na procissão do Letícia Vianna coordenou o Projeto Celebra-
Círio. Para os paraenses, é o grande momento ções e Saberes da Cultura Popular, do CNFCP.
de demonstração de devoção e solidariedade, O projeto realizou 14 inventários, dentre eles
de reiteração de laços familiares, assim como as festas de Santa Bárbara e do Divino Mara-
de manifestação social e política”, registra a nhense no Rio de Janeiro.
certidão que reconheceu como bem cultural Ela explica que os inventários foram des-
a Festa do Círio. dobramentos de outros trabalhos: a festa de
Há mais de 200 anos, Belém do Pará come- Santa Bárbara foi um desdobramento do tra-
mora a festa do Círio de Nazaré. A celebração balho realizado sobre o Ofício de Baianas de
não tinha uma data definida, podia ser em Acarajé, na Bahia. Santa Bárbara é a padroeira
setembro, outubro ou novembro. A partir de das baianas. O inventário da Festa do Divino
1901, o bispo Dom Francisco do Rêgo Maia Maranhense no Rio de Janeiro foi o desdobra-
fixou o segundo domingo de outubro como a mento do trabalho realizado sobre o Bumba-
data oficial do Círio. Meu-Boi, no Maranhão.

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 47


A metodologia utilizada foi o Inventário
Nacional de Referências Culturais (INRC), que
procura identificar os elementos mais relevan-
tes dos complexos culturais de interesse patri-
monial por meio de um levantamento docu-
mental. O objetivo é promover a mobilização
social em torno da pesquisa e da salvaguarda
do bem cultural identificado.
“As festas de Santa Bárbara e do Divino
Maranhense no Rio estão consolidadas e não
correm riscos de desaparecimento. O impor-
tante, como política de preservação, é mobi-
lizar as comunidades para fazer pesquisas so-
bre o universo cultural relativo às festas, bem
como desenvolver ações de apoio e fomento
para produção e divulgação das celebrações
para a sociedade”, diz Letícia Vianna.

Festa de Santa Bárbara – Bahia


A Festa de Santa Bárbara, uma das mais
disputadas no calendário religioso baiano, é para o seu andamento: a caixa, o grande di-
realizada no dia 4 de dezembro, em Salvador
“O bem imaterial ferencial da festa.
é dinâmico. A
(BA). A celebração é marcada pelo sincretis- A origem da Festa do Divino está ligada
intenção do estudo
mo religioso: católicos, adeptos do candomblé, a Portugal, ao catolicismo popular que co-
não é congelar
umbanda e outras religiões celebram Santa as manifestações memora a Terceira Pessoa da Trindade, o
Bárbara e Iansã. O ritual de devoção começa religiosas. As Espírito Santo. A comemoração foi instituí-
às 5h com queima de fogos, e às 7h a santa é modificações são da pelos portugueses nos primeiros anos do
homenageada na Igreja de Nossa Senhora do bem-vindas e quem século XIV. É provável que o costume tenha
Rosário dos Pretos, no Pelourinho. Devido ao decide é a própria chegado ao Brasil já nas primeiras décadas da
numeroso público, é realizada uma missa cam- comunidade” colonização.
pal, nas redondezas do templo católico. Patrícia Pereira, do Grupo Hoje ela ainda é celebrada no Rio de Ja-
Para finalizar os festejos, a procissão deixa Memória Arquitetura neiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina,
a igreja e segue pelas ruas do Centro Histórico Maranhão, Amazonas, Espírito Santo e Goiás,
até o quartel dos bombeiros, na Barroquinha. com missa cantada, procissão, leilão de pren-
A santa é a padroeira dos bombeiros. Depois, especificidades em relação às demais celebra- das e manifestações folclóricas peculiares de
a caminhada com a imagem da santa segue ções do Divino em outros municípios do esta- cada região. A festa é realizada, geralmente, 50
até o Mercado de Santa Bárbara, local onde é do, por exemplo, em Paraty. A festa da colônia dias após a Páscoa, no chamado domingo de
servido o tradicional caruru para a população, maranhense traz elementos de origem africa- Pentecostes, quando é celebrada a descida do
prato típico feito com quiabo, azeite de dendê na, ligados ao candomblé, e a festa em Paraty Espírito Santo sobre os apóstolos.
e camarão seco. tem raízes portuguesas. Isso dá a dimensão da
diversidade de possibilidades de se celebrar o Festas Religiosas de Ouro Preto – Minas Gerais
Festa do Divino Maranhense - Rio de Janeiro Divino no mesmo estado. Em 2007, o Grupo Memória Arquitetura,
Realizada há 40 anos pela colônia mara- O culto ao Divino no Maranhão se dis- com o patrocínio da Petrobras e o apoio da
nhense no Rio de Janeiro nos municípios Ilha tingue dos demais festejos populares reali- Prefeitura Municipal de Ouro Preto, conclui
do Governador, Seropédica, Nova Iguaçu e no zados em outros estados porque é celebrado o trabalho Inventário das Festas Religiosas
bairro Costa Barros. nos terreiros, e as mulheres detêm o saber dos Distritos de Ouro Preto. A pesquisa durou
A Festa do Divino Maranhense no RJ tem ritual e tocam um instrumento primordial dois anos e contou com a participação de 16

48 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


População invade as ruas de
Belém no Círio de Nazaré

profissionais entre sociólogos, historiadores, ceber os visitantes, apropriam-se dos espaços


arquitetos e comunicadores. e se colocam como responsável pela preser-
Foram registradas 25 festas em 12 distri- vação daquela localidade”, explica Patrícia
tos e dez povoados da cidade. Do inventário Pereira.
foi produzido um catálogo, acompanhado de Das 25 festas catalogadas, Patrícia Pereira
CD-ROM, textos descritivos e ilustrados por cita as mais importantes: Festa de Nossa Se-
mapas e fotos, além de 96 vídeos de procis- nhora do Rosário, no distrito de Glaura; Festa
sões, bênçãos, rezas e confissões que formam de Santa Luzia, no povoado de Catete; Festa
um recorte da religiosidade popular da região. de Sant’ana, no povoado de Chapada; e Festa
A coordenadora do projeto, a arquiteta de Nossa Senhora da Conceição, no distrito de
Patrícia Pereira, conta que o grupo trabalha- Antônio Pereira.
va com o inventário do patrimônio material Ela ressalta que o objetivo da pesquisa era
e imaterial de Ouro Preto e percebeu que o documentar, divulgar, valorizar e agregar um
centro histórico da sede era muito conheci- valor a essas festas, até então desconhecidas
do, divulgado e estudado, porém a área rural, do público em geral. “O bem imaterial é dinâ-
com um acervo enorme de bens culturais, era mico. A intenção do estudo não é congelar as
desconhecida e pouco protegida. Dessa obser- manifestações religiosas. As modificações são
vação surgiu a ideia de fazer uma pesquisa nos bem-vindas e quem decide é a própria comu-
distritos e povoados de Ouro Preto. nidade”, completa a arquiteta.
“Quando entramos em contato com a po- Ela conta que ao fim do trabalho o resul-
pulação percebemos que o entusiasmo e as tado foi apresentado para a comunidade. “Um
referências mais importantes citadas pelos catálogo e um CD foram entregues para cada
moradores eram das festas religiosas. O acon- representante dos distritos e povoados. A pes-
tecimento dessas celebrações é um momento quisa histórica e acadêmica foi devolvida à co-
que a população cumpre o papel de cidadão munidade. Todos que contribuíram puderam
responsável pelo patrimônio. Os moradores participar do lançamento do catálogo que foi
enfeitam suas cidades, preparam-se para re- o produto da pesquisa.”
originalmente publicada na edição 57 | nov/dez/2009
Desenvolvimento • junho/julho de 2010 49
retratos

Brasília 50 anos
Capital projetada para 500 mil habitantes hoje tem 2,6 milhões de moradores
e tem a segunda maior renda per capita do País. Projeto arquitetônico vira
patrimônio cultural da humanidade e é tombado pelo patrimônio histórico nacional
Suelen Menezes

À
s vésperas de completar meio sé- lista de bens do Patrimônio Cultural da gregária, a residencial e a bucólica. A esca-
culo, Brasília continua a encan- Humanidade . Em 1990, a cidade foi tom- la monumental está configurada pelo Eixo
tar seus moradores e visitantes. bada pelo governo federal. Da prancheta Monumental, desde a Praça dos Três Pode-
Os traços simples do projeto de de Niemeyer nasceram projetos que se res até a Rodoferroviária. O Eixo congrega
Lucio Costa, como ele próprio definiu tornariam ícones da arquitetura mundial. os edifícios que abrigam a alma político-
Brasília foi o primeiro núcleo urbano administrativa do País e do governo local.
– “um gesto primário de quem assinala
construído no século XX incluído na lista As principais obras arquitetônicas estão
um lugar ou dele toma posse: dois eixos
dos bens de valor universal pelo Comitê concentradas nessa escala: os palácios do
cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o
do Patrimônio Mundial, Cultural e Na- Congresso Nacional, do Itamaraty, do Pla-
próprio sinal da cruz” – valorizam ainda
tural da Unesco. Detentora da maior área nalto, da Justiça, o Panteão, os Ministérios,
mais a arquitetura de Oscar Niemeyer. tombada do mundo – 112,25 quilômetros a Catedral, o Memorial JK, o Memorial dos
As grandes avenidas, perspectivas e par- quadrados, assumiu o mesmo grau de im- Povos Indígenas e a Torre de TV.
ques permitem ver os edifícios de vários portância de cidades como as italianas Flo- A escala gregária está representada pe-
ângulos e sem obstáculos. rença, Veneza e Roma; a peruana Cuzco; as los setores de convergência da população:
A beleza, criatividade e inovação da Ca- brasileiras Olinda e Ouro Preto; e a capital comercial, bancário, de diversões e cultura,
pital foram reconhecidas pelo mundo. Em francesa, Paris. hoteleiro, médico-hospitalar, de rádio e tele-
7 de dezembro de 1987, a Organização das A escolha de Brasília como Patrimônio visão. Tem como ponto central a Plataforma
Nações Unidas para a Educação, a Ciência Mundial fundamentou-se na suas quatro Rodoviária, traço da união de Brasília com as
e a Cultura (Unesco) inscreveu Brasília na escalas estruturadoras: a monumental, a demais cidades do Distrito Federal e entorno.

50 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Fotos: Divulgação
“Nunca te vi de perto; agora vejo
e sinto e apalpo todo o meu desejo
é que seja em tudo uma
cidade completa, firme,
aberta à humanidade
e tão naturalmente capital”
Traços inovadores na Catedral
Carlos Drummond de Andrade, poeta

“As colunas do Palácio da


Alvorada constituem o elemento
arquitetural mais importante
depois das colunas gregas”
André Malraux, escritor francês

A beleza da Ponte JK

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 51


Brasília: a cidade
A escala residencial traz um novo jeito de mo-
rar: as superquadras das Asas Sul e Norte. Elas são

erguida do nada em
formadas por conjuntos de edifícios que apenas to-
cam o solo, suspensos sobre pilotis, o que permite que
o chão seja livre e acessível em toda a sua extensão.
Há o predomínio do verde, com gramados e vegetação. As
alturas uniformes – de seis pavimentos nas quadras 100,
menos de quatro anos
200 e 300, e de três nas quadras 400 – garantem a visibili- A mudança da capital para o interior do País gerou muita po-
dade de um vasto horizonte. A unidade de vizinhança faz lêmica e foi um desafio enfrentado com bravura por aqueles que
parte dessa proposta. Formada pelo conjunto de quatro su- acreditaram nesse sonho.
perquadras, a unidade deve dispor de clube, cinema, teatro, Em 1955, o mineiro Juscelino Kubitschek, então candidato à
igreja, comércio e biblioteca. Presidência, percorria o País em campanha. O seu primeiro co-
Por último, a escala bucólica, que permeia as outras três. mício foi na cidade goiana de Jataí. Naquele dia, ao responder a
São os gramados, praças, jardins, áreas de lazer, orla do pergunta de um eleitor, JK assumiu o compromisso perante a popu-
Lago Paranoá – os espaços destinados ao deleite, descanso lação de cumprir a Constituição de 1946, que previa a transferência
e devaneio, que dão à Brasília o título de cidade parque. da capital para o interior.
“O patrimônio é o legado que recebemos do passado, “A pergunta, absolutamente inesperada, chegou, por um mo-
vivemos no presente e transmitimos às futuras gerações. mento, a perturbar-me. Já ia adiantada a elaboração de meu pro-
Nosso patrimônio cultural e natural é fonte insubstituível grama de metas, mas confesso que jamais havia pensado em mudar
de vida e inspiração, nossa pedra de toque, nosso ponto do Rio de Janeiro a Capital da República. Naquele breve instante,
de referência, nossa identidade”, descreve o site da Unesco. assumi perante o goiano que me dirigiu a palavra e perante todo o
O diretor do Conjunto Urbanístico Tombado da Se- País a maior responsabilidade pública. Daí em diante, por toda par-
cretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio te me renovavam a pergunta e a resposta era invariável: construirei
Ambiente do DF, Maurício Goulart, explica que quando a nova capital”. (JK em entrevista concedida ao jornalista José Leão
Brasília foi tombada, aos 22 anos, era uma cidade jovem, Filho, publicada no jornal Correio Braziliense.
incompleta, ainda em formação, por isso o tombamento A construção da capital virou a meta-síntese do governo de JK.
foi calcado nas quatro escalas para não engessar a cidade. Três meses após assumir a Presidência da República, em 31 de ja-
“As quatro escalas representam quatro formas dife- neiro de 1956, começava a corrida contra o tempo para inaugurar
rentes de ocupação. O projeto previa áreas com ocupa- Brasília no dia 21 de abril de 1960.
ções menos densas de uma borda a outra de Brasília, “Comparando-se as distâncias, medindo-se os meridianos e pa-
com lotes maiores e edifícios mais baixos, onde estão ralelos, verifica-se que não poderia ter sido mais adequada a loca-
localizados o setor de clubes e a orla do Lago Paranoá. lização de Brasília. Construída num ponto estratégico, as estradas
A maior densidade populacional ficaria concentrada nas que a servem – um verdadeiro tecido conjuntivo de artérias e veias
escalas residencial e monumental. A forma de ocupação de intercomunicação interna – realizam, com perfeição, uma ver-
é que deve ser respeitada”, completa. dadeira costura do Brasil por dentro”.
Ele explicou que Brasília não tem uma legislação única A proposta de mundança da Capital também causou resistências
de uso e ocupação dos terrenos, o que dificulta o trabalho daqueles que preferiam continuar no Rio. Era natural que a capital
da Secretaria. Como exemplo, ele citou a destinação do preterida fosse palco das principais batalhas. A novidade da cidade
setor de clubes. “Não existe mais demanda para implan- erguida no meio do nada no interior do Goiás era um atrativo para
tação de clubes. Nesses locais têm surgido comércios e aventureiros em busca de enriquecimento rápido, mas um pavor para
restaurantes, porém não há uma legislação para regular os servidores públicos federais habituados à vizinhança da praia.
essa nova demanda”. Apenas 1,1% dos servidores foi transferido para Brasília a tempo da
Outro problema é a concentração de empregos na área inauguração.
tombada. Apenas 10% da população moram em Brasília, Pesquisa realizada pelo Ibope em março de 1960 com a popu-
mas 70% dos empregos estão concentrados na capital. lação do Rio de Janeiro mostrou que, apesar das reclamações, 80%
“É preciso organizar melhor os espaços entre as cidades dos entrevistados acreditavam que JK tinha acelerado o desenvol-
e descentralizar os empregos. Brasília é o centro de toda vimento brasileiro; 73% aprovavam a mudança da capital; e 62%
uma região e isso gera diversos problemas como o de acreditavam que a nova capital traria benefícios ao País. Apenas
transporte urbano”, ressalta. 24% desaprovavam a iniciativa.

52 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Divulgação
“Brasília será
a maior ruína
da história
contemporânea.
A diferença das
outras é que nunca
será habitada
por ninguém,
já que não
ficará pronta”
Brasília hoje
Carlos Lacerda, líder da União Dados de 2009, do Instituto Brasileiro de
Democrática Nacional (UDN), em 1957
Geografia e Estatística (IBGE), apontam que
Brasília é a quarta maior cidade do País, dei-
xando para trás Belo Horizonte, Fortaleza e
Curitiba. A população da cidade foi estimada
“A nova capital só em 2.606.885 de habitantes. A Capital tam-
fica pronta no prazo bém possui o segundo maior PIB per capita
fixado se a Novacap do Brasil entre as capitais, R$ 34.510, supera-
da apenas por Vitória, R$ 47.855.
se transformar em
fada madrinha
de história da
carochinha e, em
vez de vigas de aço
vindas da América
do Norte, a peso de
ouro, utilizar uma
varinha de condão”
Editorial do Diário de Notícias,
em dezembro de 1958

“Brasília jamais
terá energia elétrica Torre de TV, um os
pontos turísticos
ou telefonia. Nunca de Brasília
se comunicará
com o restante
do país”
Gustavo Corção, pensador católico
e na época especialista em
telecomunicações, em O Globo,
em julho de 1959

originalmente publicada na edição 58 | jan/fev/2009

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 53


ARTIGO Dalmo Vieira Filho

O Iphan e seus horizontes

D
entre os órgãos federais poucos apre- Referenciar a história significa instigar mações e sensações, ofertadas em todos os
sentam a capilaridade do IPHAN, a reflexão, aprofundar e atualizar o auto- recantos do planeta pela sociedade de massa,
institucionalmente presente em conhecimento, empregá-lo na construção de que se impõe no mundo atual. Não se trata
todos os estados brasileiros. O uma nação mais justa e rica, que salvaguarde de negar a contemporaneidade, a miríade de
IPHAN, sem contar os sítios arqueológicos, seus atributos, reflita sobre si, aja segundo oportunidades inovadoras, mas de contra-
fiscaliza e atua na valorização de bens seus ideais e garanta padrões verdadeiros de balançar as novidades com o que resulta de
tombados em cerca de 300 cidades. qualidade de vida a seus cidadãos. acúmulos, de realizações e capacidades.
Qual a função social que legitima essa Para corresponder a desafios institucionais A base de apoio formada pela bagagem
presença em todos os quadrantes do território, dessa grandeza, o IPHAN precisa viabilizar que configura a cultura e o patrimônio
como ela se atualiza e como está inserida uma maior apropriação dos bens reconhe- disponibilizado para as atuais gerações,
nos grandes desafios nacionais? cidos como patrimônio cultural por parte não pode ser construída para retê-las nos
Ao IPHAN cabe mais do que referenciar o da população, em especial nos processos limites da tradição. A função do patrimônio,
passado: o necessário é preservar e valorizar o educacionais, na produção de riquezas e na derivada da atemporalidade, ao contrário de
que precisa integrar o futuro. A maior função formatação dos ideais de cidadania. reter, deve dotar as gerações de repertórios
do IPHAN é a de garantir o reconhecimento, Essa apropriação depende de que os bens capazes de instrumentá-la nos rumos ainda
a preservação e a apropriação dos bens protegidos gerem postos de trabalho baseados desconhecidos do futuro. Patrimônio é tudo
“portadores de referência à identidade, à ação, não só na sua conservação, mas também nas o que deve permanecer para a posteridade e,
à memória dos diferentes grupos formadores formas de transmitir significados e induzir nesse sentido, o equipamento com que uma
da sociedade brasileira...”. o interesse pela história e pela cultura de nação deve dotar seus membros vai além das
Para aquilatar a dimensão desses bens, um modo geral. Depende também de fazer premissas de nutrir e proporcionar saúde. Sendo
basta lembrar que eles abarcam o universo das com que a atividade educacional utilize o Brasil um verdadeiro caldeirão de cultura,
realizações individuais e coletivas, materiais e amplamente os bens e valores chancelados no momento em que o país se estrutura para
imateriais, estabelecidas pelo conjunto dos seres como patrimônio. dotar a sociedade dos requisitos essenciais
humanos que habitaram o território brasileiro. Matéria prima dos macro-processos educa- da cidadania, não pode faltar o estímulo ao
Esses bens constituem fatores de compreensão cionais permanentes, que abarcam mas não espírito. Parâmetros que incluem justiça,
da nação brasileira, pois sinalizam os processos se limitam à escolaridade formal, e fator que educação e oportunidades iguais, presentes
históricos e a extraordinária capacidade de cria trabalho e renda – o patrimônio ganhará em padrões efetivos de qualidade de vida que
realização criativa do nosso povo. São as significância social e poderá aspirar ao seu não sejam efêmeros, não podem prescindir
cidades históricas, , os bens arqueológicos, verdadeiro papel: gerar padrões e moldar das dimensões e horizontes da cultura.
os monumentos tombados, os bens móveis comportamentos. Uma rede formada por É nesse contexto que situamos a função do
e integrados, os documentos, os acervos elos de uma formação continuada abarca patrimônio cultural como sendo a construção
bibliográficos, as obras artísticas e científicas, o educação de qualidade, lazer, turismo e permanente que perpassa todos os processos
patrimônio imaterial reconhecido, as paisagens usufruto da cultura, que se subdivide em de cidadania e as noções de qualidade de vida,
naturais e culturais, que singularizam cada campos e atividades onde prevalece a arte que reconhece, guarda, reúne e disponibiliza
recanto do território continental. e o patrimônio, devem formar um substrato continuamente as realizações de todos os que
Este conjunto de bens proporciona cenários social e econômico de peso crescente nas nasceram, vivem ou viveram no território
que se relacionam com a geografia e o meio estratégias de desenvolvimento do país. chamado Brasil, que constituem o conjunto e
ambiente, lugares e bens que referenciam e É necessário dotar a sociedade de sinaliza- o substrato das criaturas de todos os tempos
emocionam; atua na afirmação e na auto-estima dores de lugares, bens e valores permanentes que compõem o povo brasileiro.
da população; protege acervos; congrega os e universais, impregnados de arte, ciência,
referenciais simbólicos da identidade do país e cultura e história, densos em concretude e Dalmo Vieira Filho é diretor do Departamento de Patrimônio Material e
da sociedade que habita e habitou o Brasil. autenticidade, equilibrando a carga de infor- Fiscalização do IPHAN

54 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


retratos

Cidades brasileiras e
Patrimônios da Humanidade
Suelen Menezes – de Brasília

A
riqueza do patrimônio cultural do
Brasil é um reflexo da diversidade
do País. Cada região tem uma
história, uma formação, uma
peculiaridade. Dezessete bens nacionais são
reconhecidos pela Unesco (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura) como bens de todos os povos, e
receberam o título de Patrimônio Mundial
da Humanidade. Sete desses bens são
conjuntos urbanos, de reconhecido valor
urbanístico, arquitetônico e paisagístico,
e estão localizados nas cidades históricas
de Ouro Preto, Olinda, Salvador, São Luís,
Cidade de Goiás e Diamantina. A capital do
país, Brasília, também ostenta o título, tendo
sido o primeiro núcleo urbano construído
no século XX a recebê-lo.
Em 1972 a Unesco criou a Convenção
do Patrimônio Mundial para incentivar a
preservação de bens considerados significativos
para a humanidade. Os países signatários
dessa convenção podem indicar bens a serem
inscritos na Lista do Patrimônio Mundial.
As informações sobre cada candidatura são
avaliadas por dois órgãos consultivos: o
Conselho Internacional para Monumentos
e Sítios (Icomos), para bens culturais; e a
União Internacional para a Conservação
Nelson Kon

Diamantina, Minas Gerais da Natureza (IUCN), para bens naturais.


Ambos informam suas recomendações ao

56 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Comitê do Patrimônio Mundial, integrado
por representantes de 21 países. Procedimento para a inclusão de um bem na Lista do Patrimônio Mundial
A presidente do Icomos Brasil, Rosina
1o O Estado-Parte, país que assinou a Convenção do Patrimônio Mundial e se
Parchen, explica que não existe nenhuma
comprometeu a proteger o seu patrimônio cultural e natural, prepara uma lista
cidade inteiramente chancelada como
tentativa de propriedades culturais e naturais em seu território que considera
patrimônio da humanidade, mas sim uma
possuir um “excepcional valor universal” e seleciona os bens para inclusão na
área de maior interesse que recebe esse
Lista do Patrimônio Mundial.
tratamento. Esse núcleo de maior valor é
2o O Centro do Patrimônio Mundial verifica se a solicitação de inclusão está completa.
chamado de centro histórico. “Em Brasília,
3o O ICOMOS e o IUCN enviam especialistas para visitar os sítios, avaliar a sua
com suas peculiaridades, não chamaríamos
proteção e gerenciamento. Eles preparam um relatório técnico e avaliam se a
a área tombada de centro histórico, mas o
propriedade possui “excepcional valor universal”.
plano piloto é que foi tombado, o plano que
4 O Bureau do Patrimônio Mundial examina a avaliação, faz uma recomendação
o
deu origem a cidade”.
para a inscrição ou solicita informações adicionais para o Estado-Parte.
Ela explica que o primeiro passo para que
5 O Comitê do Patrimônio Mundial toma a decisão final de inscrever o sítio na
o
um bem seja reconhecido como Patrimônio
Lista do Patrimônio Mundial ou adia a decisão, aguardando informações mais
Mundial é a elaboração de um dossiê pelo
aprofundadas, ou recusa a inscrição.
governo, local ou federal, sobre a importância
do patrimônio. Após essa etapa o governo
deve fazer a indicação da candidatura do
bem. O Centro do Patrimônio Mundial vai do homem e da natureza, e as zonas, com nacional tome medidas urgentes para a sua
analisar a documentação e, se esta estiver um valor universal excepcional do ponto conservação”.
completa, a encaminha para um técnico de vista histórico, estético, etnológico ou Apesar desses esforços, ela explica que
do Icomos, que vai a campo conferir as antropológico. existem duas possibilidades de perda do
informações. Um relatório é então elabo- A coordenadora de Cultura da Unesco, título de Patrimônio Mundial: se um bem
rado e submetido à reunião do Comitê do Jurema Machado, explica que o objetivo se deteriorar até perder as características
Patrimônio Mundial, que decidirá sobre a da Convenção é somar esforços com os que levaram à sua inscrição na Lista ou
inscrição do bem na Lista do Patrimônio estados para que os bens do patrimônio se as qualidades intrínsecas de um bem já
Mundial. sejam preservados. “Caso algum sítio sofra estiverem ameaçadas pela ação humana
“O tempo de inscrição de um bem como o risco iminente de degradação, destruição no momento de sua inscrição e medidas
Patrimônio Mundial é variável. Vai depender ou danos significativos, por causas naturais, corretivas não forem tomadas pelo estado
da documentação. Se estiver completa segue poderá ser colocado em uma segunda lista, no prazo proposto.
o trâmite normal. Caso contrário, pode ter de a Lista do Patrimônio Mundial em Perigo.
voltar várias vezes para correção, como tem Enquanto estiver nessa lista receberá atenção PrAçA São FrAnCiSCo Brasília será a sede da
acontecido com Paraty, no Rio de Janeiro”, especial, de modo que a comunidade inter- próxima reunião do Comitê do Patrimônio
completa Rosina.
De acordo com a Convenção do Patrimônio
Mundial, são considerados como patrimônio
cultural os monumentos, os conjuntos e os Até hoje, apenas dois lugares foram a paisagem cultural. Dresden ostentava
locais de interesse. Os primeiros são obras excluídos da lista de Patrimônio Mundial o título desde 2004.
arquitetônicas, de escultura ou de pintura da Unesco. Em 2009, o Vale do Rio Elba, Em 2007 foi retirado da lista o Santuário
monumentais. Os conjuntos são grupos de em Dresden (Alemanha), perdeu o título Natural de Órix Árabe, em Omã, habitat de
construções que se destacam em virtude da durante a reunião do Comitê, realizada uma espécie rara de antílope. O Comitê tomou
sua arquitetura, unidade ou integração na em Sevilha, na Espanha. A exclusão a decisão depois que o país anunciou uma
paisagem. Ambos devem ter valor universal deveu-se a construção de uma ponte redução de 90% da área da reserva. Também
do ponto de vista da história, da arte ou com quatro faixas de rolamento. Para a influiu na decisão os planos de Omã de fazer
da ciência. Os locais de interesse incluem Unesco, a obra afeta de forma irreparável perfurações petrolíferas na região.
obras do homem, ou obras conjugadas

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 57


Mundial. O encontro, realizado pela segunda

Nubia Selen
vez no Brasil – a cidade sediou a 12ª reunião,
em 1988 –, será do dia 25 de julho ao dia 3
de agosto. Durante o evento serão avaliadas
propostas para novas inscrições na lista de
Patrimônio Mundial, mas os especialistas
também vão discutir relatórios sobre o
estado de conservação de algumas cidades
ou lugares que detêm esse título. Em 2009,
na reunião do Comitê, 13 novos sítios foram
inscritos na lista do Patrimônio Mundial,
que passou a contar com 890 localidades
de grande valor universal em 148 Estados-
membros da Organização.
De acordo com assessor de relações
internacionais do Iphan, Marcelo Brito,
ouro Preto, Minas Gerais
na reunião deste ano apenas um bem
nacional brasileiro será objeto de análise
pelo Comitê: a Praça de São Francisco, Canadá. Ele explica que a Praça representa ouro Preto/MG Situada em terreno extrema-
localizada na cidade de São Cristóvão, um modelo urbanístico que é típico de um mente montanhoso e acidentado, a descoberta
em Sergipe, distante 23 quilômetros de determinado momento histórico, quando e a exploração do ouro justificaram a escolha
Aracaju. A candidatura do bem foi apro- Portugal e Espanha estiveram unidos sob dessa região para o surgimento de uma
vada na reunião de 2008, em Québec, no uma mesma coroa. cidade. Fundada em 1698, a antiga capital
da Província de Minas Gerais se destaca
pela riqueza arquitetônica e pela arte sacra
De acordo com Jurema Machado, o cultural ou de uma civilização viva ou de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,
que torna um centro histórico patrimônio que tenha desaparecido; escultor e mestre-de-obras; e Manoel da Costa
da humanidade é seu valor universal 4. apresentar um exemplo eminente de Athayde, pintor. A história de Ouro Preto está
excepcional do ponto de vista histórico, um tipo de edifício ou conjunto arqui- ligada à Inconfidência Mineira, movimento
estético, etnológico ou antropológico. tetônico, tecnológico ou de paisagem, pró-Independência do Brasil.
Ela explica que o Comitê do Patrimônio que ilustre um período ou períodos A cidade preserva, até os dias atuais, um
Mundial estabeleceu uma série de crité- significativos da história humana; dos mais ricos conjuntos arquitetônicos do
rios, dos quais ao menos um deve ser 5. ser um exemplo eminente de um esta- país, formados por casarões, igrejas e palácios
atendido para que um sítio histórico seja belecimento humano tradicional, do erguidos durante o Ciclo do Ouro, bem como
incluído na lista: uso tradicional da terra ou do mar, que o maior conjunto barroco do mundo. Rafael
1. representar uma obra-prima do gênio seja representativo de uma cultura (ou Arrelaro, chefe do escritório de Ouro Preto
criativo humano; várias), ou da interação humana com o do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e
2. testemunhar um intercâmbio consi- meio ambiente, especialmente quando Artístico Nacional), explica que o diferencial da
derável de valores humanos, durante este se torna vulnerável sob o impacto cidade é a sua configuração espacial. O relevo
um determinado tempo ou em uma de uma mudança irreversível; bastante acidentado marca a percepção visual
determinada área cultural, quanto 6. estar direta ou tangivelmente associado que as pessoas têm de Ouro Preto.
ao desenvolvimento da arquitetura a eventos ou tradições vivas, ideias, “Esse sobe-desce evidencia uma característica
ou tecnologia, das artes monumen- crenças, ou obras artísticas e literárias marcante da cidade: os telhados cerâmicos. A
tais, do planejamento urbano ou do de significado universal excepcional cidade toda, em sua área de formação colonial,
paisagismo; (o Comitê considera que este critério é constituída por casas cobertas com telhados
3. aportar um testemunho único, ou ao deve preferencialmente ser utilizado cerâmicos. Como cada casa tem o seu telhado
menos excepcional, de uma tradição em conjunto com outros) em uma altura diferente, o resultado é que eles
formam uma movimentação visual. Outra

58 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


contribuição do relevo para a formação e a urbanística e paisagística do Vales dos Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico
percepção de Ouro Preto é a disposição das Contos, a restauração dos bens tombados, em 1968. Em 17 de dezembro de 1982, a
suas ladeiras e ruas. Algumas são marcantes, além de criar uma linha de financiamento Unesco reconheceu a cidade como Patri-
como a Santa Efigênia, que é serpenteada e leva para a restauração dos imóveis privados mônio Mundial.
à Igreja de mesmo nome no alto da colina. dentro da área tombada. Fábio Cavalcanti, chefe do escritório do
Elevada a Monumento Nacional em 1933, Iphan em Olinda, explica que o maior desafio
o conjunto arquitetônico e urbanístico foi de se preservar o patrimônio é equilibrar as
inscrito no Livro de Tombo de Belas Artes em oLinDA - Pe O casario colorido, herança do
necessidades da vida contemporânea às carac-
1938, e nos livros Histórico e Arqueológico, povoamento português colonial, e a imponência
terísticas do sítio histórico, tanto no que diz
Etnográfico e Paisagístico do Patrimônio de suas igrejas, contrastam com o verde intenso
respeito ao traçado urbano quanto à tipologia
Histórico e Artístico Nacional em 1986. da vegetação tropical e o azul do mar. Olinda
residencial. “A lógica e estrutura social existentes
Em 5 de setembro de 1980, Ouro Preto foi foi fundada por Duarte Coelho Pereira em
à época de construção da cidade era outra, o
o primeiro bem cultural brasileiro a ser 1537, para sediar a Capitania Hereditária de
que determinou a sua morfologia caracterís-
inscrito pela Unesco na Lista do Patrimônio Pernambuco. O desenvolvimento da cidade
tica. A cidade é hoje também resultado de um
Mundial. esteve estreitamente ligado ao ciclo da cana-
processo contínuo de construção, e os seus
Arrelaro lembra que Ouro Preto apresenta de-açúcar. Em 1631, porém, foi dominada e
valores precisam ser entendidos como parte
desafios de preservação comuns a muitos destruída pelos holandeses, que transferiram
intrínseca da história da cidade”.
outros núcleos tombados. O primeiro deles é a capital para Recife, mas Olinda foi recons-
o acelerado e desordenado processo de urba- truída no mesmo período.
nização. “Ouro Preto sofre um processo de O nome da vila, conta a tradição, surgiu SALvADor - BA Primeira cidade fundada no
crescimento nas encostas vizinhas ao Centro de uma expressão de seu fundador diante da Brasil e, por conseguinte, primeira capital do
que é difícil de ser controlado. Remover paisagem avistada do alto da colina: “Ó linda País, de 1549 a 1763, Salvador situa-se entre o
todos os moradores será impossível, mas é situação para se formar uma vila”. A cidade mar e as colinas da Baía de Todos os Santos.
necessário um trabalho de reordenamento. Já ainda conserva a trama urbana, a paisagem e Sua organização se assemelha às cidades de
no centro da cidade o desafio é conscientizar Porto e Lisboa, com forte caráter defensivo
o sítio da vila fundada na primeira metade do
os moradores que desejam realizar alterações
século XVI. Ao total são vinte igrejas e conventos próprio do século XVII. A Bahia teve o seu
em seus imóveis, para que sigam as norma-
barrocos, reconhecidos pela arquitetura e pela desenvolvimento econômico vinculado ao
tizações e critérios existentes”.
qualidade dos elementos decorativos. ciclo da exportação de cana-de-açúcar e,
O coordenador de Inventários e Conhe-
O conjunto arquitetônico, urbanístico e depois, do ouro e do diamante.
cimento do Iphan, George Alex da Guia,
paisagístico de Olinda foi inscrito no Livro Salvador preserva, ainda hoje, incontáveis
conta que em 2003 uma missão técnica do
de Tombo de Belas Artes, no Histórico, no construções renascentistas. O traçado das
Centro do Patrimônio Mundial esteve em
Ouro Preto para fazer um levantamento

Anderson Schineider
dos problemas existentes e identificar as
medidas necessárias para deter a deterio-
ração do patrimônio cultural e ambiental
na cidade. Ouro Preto estava perdendo as
características que justificaram o título devido
à deficiência institucional na preservação
do conjunto arquitetônico, urbanístico e
paisagístico.
Para corrigir os problemas, o governo
local criou a Secretaria de Patrimônio e
Desenvolvimento Urbano e aumentou o
número de profissionais que trabalham com
urbanismo e preservação. Já o Iphan ampliou
os investimentos no centro histórico de Ouro
Preto, com destaque para a requalificação olinda, Pernambuco

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 59


da capital do Rio de Janeiro para o interior
Stock

do Brasil liderado pelo então presidente da


República Juscelino Kubitschek.
O arquiteto e urbanista Eduardo Rossetti,
técnico do Iphan-DF, explica que a preser-
vação de Brasília, por se tratar de uma cidade
moderna, não pode ser considerada apenas
pelos instrumentos tradicionais relativos às
cidades históricas, e depende de uma visão
de planejamento regional, para cumprir o
que Lúcio Costa já evidenciara no Relatório
do Plano Piloto: “a concepção urbanística
da cidade propriamente dita (...) não será,
no caso, uma decorrência do planejamento
Farol da Barra, Bahia
regional, mas a causa dele, a sua fundação é
que dará ensejo ao ulterior desenvolvimento
ruas, ladeiras e becos forma um rico conjunto grandes avenidas, perspectivas e parques planejado da região”.
urbano de origem portuguesa. Os sobrados de permitem ver os edifícios de vários ângulos
dois andares ou mais, as soluções planas no e sem obstáculos.
A beleza, criatividade e inovação da Capital Centro HiStóriCo De São LuíS - MA A cidade
terreno em declive e a maneira de aproveitá-lo
foram reconhecidas pelo mundo. Em 7 de teve início como um pequeno povoado luso-
são exemplos da cultura lusitana. O conjunto
dezembro de 1987, a Unesco inscreveu Brasília espanhol em 1531, passando para o domínio
do centro histórico de Salvador foi inscrito no
na lista de bens do Patrimônio Cultural da francês em 1612. A retomada portuguesa veio
Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico
Humanidade. Em 1990, a cidade foi tombada três anos depois e preservou completamente o
e Paisagístico em 1984. A inscrição na Lista
do Patrimônio Mundial da Unesco se deu pelo governo federal. Atualmente, Brasília é plano original da cidade. Devido a um longo

em 6 de dezembro de 1985. detentora da maior área tombada do mundo período de estagnação econômica no início do

A área urbana, desde os tempos coloniais, – 112,25 km . 2 século XX, um número excepcional de edifi-
é dividida em dois sítios de níveis topográ- Inaugurada em 21 de abril de 1960, a cações históricas foi mantido, fazendo do local
ficos distintos: uma primeira área ao nível Cidade que se tornou ícone da arquitetura um exemplo de cidade colonial ibérica.
do mar, denominada Cidade Baixa, que mundial foi erguida em menos de quatro anos, O centro histórico de São Luís reúne cerca
forma uma estreita faixa entre o mar e uma num arrojado e audacioso plano de mudança de mil imóveis tombados pela União e mantém
colina, separada por um acentuado declive,
que constitui a Cidade Alta. A Cidade Alta é
a parte de Salvador melhor conservada, com Felipe Barreira

características administrativa e residencial.


A Cidade Baixa, com atividades comerciais,
fica localizada perto do porto e já perdeu
muito de suas características originais.

BrASíLiA - DF Os traços simples do projeto


de Lucio Costa, como ele próprio definiu
– “um gesto primário de quem assinala
um lugar ou dele toma posse: dois eixos
cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o
próprio sinal da cruz” – valorizam ainda
mais a arquitetura de Oscar Niemeyer. As Palácio da Justiça, Brasília

60 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


intacto o traçado urbano do século XVIII.

Malvino_CBA
Em 4 de novembro de 1997, foi incluído na
lista do Patrimônio Mundial.
O superintendente substituto do Iphan-MA,
Claudio Nogueira, explica que a cidade
distingue-se das demais, do ponto de vista
arquitetônico, por ser um dos maiores conjuntos
de arquitetura civil de origem colonial preser-
vados no país. “A quantidade de edifícios
referenciais – igrejas, palácios, conventos – é
pequena se comparada a outros sítios histó-
ricos, no entanto, o conjunto de sobrados
destinados a habitações, atividades comerciais
e serviços impressiona pela integridade – há
um grande número de quadras que mantém
preservadas as edificações originais e poucos
edifícios destoam do conjunto”.
Do ponto de vista histórico, a expansão
e a construção dos sobrados tiveram como
conseqüência o enriquecimento registrado
no Maranhão entre a segunda metade do
século XVIII e meados da primeira metade
do século XIX, em virtude da exportação
de açúcar e algodão. Nogueira explica que
Centro Histórico de São-Luis, Maranhão
nesse período ocorria a reconstrução de
Lisboa, após um terremoto que destruiu
parte da cidade em 1750, o que influenciou A cidade, inclusive, já esteve na iminência um arraial, que depois recebeu o nome de
a arquitetura da expansão de São Luís. de perder o título de Patrimônio Mundial, Diamantina. Porém, não foi a mineração de
Como exemplo, o azulejo português que em 2008, quando imóveis tombados estavam ouro e sim a descoberta de diamantes que
reveste muitos casarões e levou a cidade a sendo utilizados como estacionamentos. marcou a história da cidade.
ser conhecida como a cidade dos palácios Na época foi realizada uma operação de Diamantina foi uma das primeiras cidades
de porcelana. fiscalização conjunta pelo Iphan, o Depar- tombadas como monumento histórico pelo
Ele lembra que a cidade de São Luís e o tamento do Patrimônio Histórico, Artístico Iphan, em 1938. Em 1999, pelo seu valor
Estado do Maranhão também são ricos no e Paisagístico do Maranhão (DPHAP), a singular e autêntico, foi inscrita na Lista do
campo do patrimônio imaterial, notadamente Fundação Municipal de Patrimônio Histórico Patrimônio Mundial da Unesco.
quando se trata de manifestações populares,
(FUMPH), os ministérios públicos federal Junno Marins, chefe do escritório do
como o Tambor de Crioula, registrado como
e estadual e a polícias estadual e federal. Iphan em Diamantina, ressalta que os
Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, e
Foram autuados 35 imóveis que possuíam
principais desafios para preservar a cidade
do Bumba-meu-boi.
uso irregular.
são a comunicação com a comunidade por
meio de educação patrimonial, a fiscalização
Patrimônio imaterial DiAMAntinA - MG Animados com a descoberta e a execução de obras exemplares nos bens
Abrange as mais variadas manifesta- do ouro, bandeirantes aventuravam-se pelo tombados. Marins disse que a comunidade
ções populares, que contribuem para interior do Brasil. No início do século XVIII, tem consciência da importância da cidade
a formação da identidade cultural seguindo o curso do rio Jequitinhonha, e ajuda o Iphan a preservar o patrimônio ao
de um povo. encontraram às margens do córrego Tijuco buscar aprovação do órgão nas intervenções
grande quantidade de minério, fundaram em seus imóveis.

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 61


A superintendente substituta do
Wagner Araujo

Iphan-GO, Beatriz de Santana, conta que


a Cidade de Goiás mantém a integridade
dos elementos construtivos originais
(taipa de pilão, adobe e pau-a-pique) de
sua arquitetura vernacular, que reflete
em um conjunto urbano harmonioso.
A cidade também possui um rico patri-
mônio imaterial que é celebrado em
quase todos os meses do ano, nas folias,
carnaval de marchinhas, festival gastro-
nômico, danças (tapuio e congo), Festa
do Divino e, especialmente, na Semana
Santa, com todos os ritos tradicionais do
século XVIII.

Arquitetura vernacular
Cidade de Goiás, Goiás
Aquela que utiliza os materiais
disponíveis em um determinado
CiDADe De GoiáS - Go A origem da Cidade de da Humanidade em 16 de dezembro de local ou região e/ou técnicas de
Goiás está ligada à exploração do território 2001. O Centro Histórico de Goiás já havia construção tradicionais de uma
brasileiro pelos bandeirantes paulistas, que, sido tombado pelo Patrimônio Histórico cultura.

no século XVIII, desbravavam o interior em Nacional em 1978.


busca de riquezas. No trajeto, erguiam vila-
rejos provisórios para a mineração de ouro.
Goiás nasceu de um desses acampamentos.
Patrimônio Mundial no Brasil
Em 1727, o bandeirante Bartolomeu Bueno
■ Parque Nacional do Jaú - AM
da Silva organizou o pequeno Arraial de
■ Ouro Preto - MG
Sant’Anna na margem do Rio Vermelho. Por
■ Olinda - PE
volta de 1750, já com o nome de Vila Boa de
■ São Miguel das Missões - RS
Goiás, tornou-se a capital da recém-criada
■ Salvador - BA
Capitania de Goiás. Quase dois séculos
■ Congonhas do Campo - MG
depois, em 1937, o poder político estadual
■ Parque Nacional do Iguaçu - PR
foi transferido de lá para a nova capital do
■ Brasília - DF
estado, Goiânia.
■ Parque Nacional Serra da Capivara - PI
O centro histórico da Cidade de Goiás
■ Centro Histórico de São Luís - MA
conserva o calçamento em pedras irregulares
■ Diamantina - MG
e a trama urbana original. Seu conjunto
■ Pantanal Matogrossense - MS
arquitetônico tem extraordinária unidade,
■ Costa do Descobrimento - BA e ES
combinando os estilos colonial e eclético
■ Reserva Mata Atlântica (da Serra da Juréia, em Iguape - SP, até a Ilha do Mel,
de maneira harmoniosa. Por ter sido consi- em Paranaguá - PR)
derado relevante para o período histórico ■ Reservas do Cerrado - GO
que representa e por ser um exemplo da ■ Centro Histórico de Goiás - GO
ocupação humana na região, o local recebeu ■ Ilhas Atlânticas - PE
da Unesco o título de Patrimônio Cultural
originalmente publicada na edição 59 | fev/mar/2009

62 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


ARTIGO George Alex da Guia

Patrimônio cultural e desenvolvimento regional

O
atual debate sobre planos de cadastramento do conteúdo cultural do de informações sobre o patrimônio cultural,
ordenamento territorial e desen- território brasileiro, deve ser considerado as maiores dificuldades concentram-se na
volvimento regional no Brasil como estratégico pelos governos nacionais gestão e disponibilização das informações a
passa, necessariamente, pelos e subnacionais para a efetiva integração das toda a população brasileira de forma acessível,
temas sociais, econômicos e ambientais. políticas públicas de desenvolvimento regional amigável e continuada.
Quando se trata de patrimônio cultural o que e preservação do patrimônio cultural. Para se ter uma idéia da urgência de
se observa nos documentos de referência das Será que a população, aí incluídos os reversão de tal cenário, nos últimos anos, o
políticas nacionais são citações esparsas ou tomadores de decisão do setor público e Iphan em parceria com os governos subna-
até a ausência deste tema nas discussões sobre privado, sabem que no Brasil temos mais cionais tem investido recursos para ações
o desenvolvimento do país. Se comparado de 92 conjuntos ou sítios urbanos históricos de reconhecimento e proteção do conteúdo
à política de desenvolvimento regional da tombados pelo Iphan? E que deste total, 46 cultural objetivando ampliar o estoque patri-
Comunidade Européia e às recomendações são Destinos Preferenciais estabelecidos pelo monial e dirimir as desigualdades regionais
das agências internacionais (UNESCO, World Ministério do Turismo para alcançar certi- de proteção do patrimônio cultural, dado que
Bank, etc.) onde a cultura é elemento funda- ficação internacional? Será que os gestores a maioria dos bens protegidos concentra-se
mental de desenvolvimento das atividades do PAC sabem da existência dos mais de 17 nas regiões Sudeste e Nordeste do país. Para
econômicas ligadas ao turismo e à qualidade mil sítios arqueológicos cadastrados ou dos isso, o Iphan desenvolve o Sistema Integrado
de vida urbana, no Brasil o conteúdo cultural diversos caminhos históricos construídos ao de Conhecimento e Gestão-SICG com
de seu território sofre de um processo de longo do processo de penetração das atividades vistas a constituir uma rede de proteção
anomia generalizada. Uma breve reflexão econômicas no Brasil? e preservação do patrimônio cultural de
leva a crer que a agenda de desenvolvimento O Brasil dispõe de mais de 1.125 bens natureza material.
econômico do país desconsidera o patrimônio tombados pelo governo federal, dentre eles É importante destacar que o conhecimento
cultural ou pelo desconhecimento acerca do igrejas, terreiros, jardins históricos, paisagens do conteúdo cultural do território brasileiro
conteúdo cultural do território brasileiro, ou naturais, lugares sagrados, conjuntos ou sítios permite romper com a convivência perversa
pela resistência, em suas políticas nacionais e urbanos dentre tantos outros bens e manifes- entre a assimetria de informações e o cenário
subnacionais, de considerar os instrumentos de tações culturais. Possivelmente se desconheça de crescimento econômico baseado em ações
proteção (inventário, chancela, tombamento, que em uma única região, a do Vale do Itajaí, com forte impacto territorial. Por isso, a adoção
registro) como medidas eficazes de promoção por exemplo, têm-se protegidos conjuntos de políticas de reconhecimento e disseminação
do desenvolvimento nacional. rurais e urbanos, pequenas propriedades de informações sobre o patrimônio cultural
Sob este contexto, cabe aqui um debate e mapeadas sabedorias tradicionais que torna-se ainda mais importante nesse momento
sobre a relevância do acesso universal à configuram uma região cultural com forte em que se observa melhoria nas condições
informação como uma medida de apropriação potencial de desenvolvimento do turismo gerais da economia. Tal condição possibilita
social e política do patrimônio cultural e rural e da produção agrícola certificada. Não uma trajetória de crescimento baseado num
como instrumento eficaz de integração das seriam condicionantes para o desenho dos modelo de desenvolvimento que associe a
políticas públicas de preservação cultural e arranjos produtivos locais? preservação do patrimônio cultural como
desenvolvimento regional. A diversidade cultural nas regiões do instrumento de promoção de outras formas
O cumprimento de tal perspectiva demanda Brasil também se revela nas embarcações de crescimento econômico e social, com base
uma ação concreta na organização e disponibi- tradicionais e sua carpintaria naval observados no Direito à Cultura.
lização das informações do patrimônio cultural. em todo o litoral e bacias hidrográficas, no
Para isto, a ampliação dos investimentos em mobiliário, arquitetura e urbanismo modernos,
tecnologias da informação, o fortalecimento nas paisagens culturais e nas manifestações George Alex da Guia é técnico do Iphan e Coordenador de Conhecimento e
de políticas nacionais e subnacionais de do patrimônio imaterial. Apesar da profusão Inventários do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização-Depam/Iphan.

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 63


ARTIGO Carolina Bayma Cavalcanti

O patrimônio histórico e o Estatuto da Cidade

U
ma questão freqüente nos racterizada e deteriorada pelas desordenadas A Transferência do Direito de Construir,
programas de requalificação de transformações urbanas. por exemplo, pode ser utilizada em parceria
sítios históricos é como tratar Com a criação do Estatuto da Cidade, com o tombamento, a fim de oferecer uma
a população que habita estes concretiza-se o conceito de função social espécie de “compensação” aos proprietários
locais, geralmente composta de pessoas da propriedade, possibilitando o surgimento de imóveis localizados em sítios tombados
de baixa renda, no âmbito de intervenções de uma espécie de “função social do patri- a fim de preservar a ambiência e impedir
cujo objetivo é valorizar a área com novos mônio histórico e cultural”, que resultou em que novas intervenções modifiquem suas
investimentos. uma série de projetos de intervenção em características.
Hoje, o desafio colocado aos gestores perímetros centrais que buscam concatenar Outra possibilidade é a utilização de
destes programas é o de buscar soluções, as necessidades de preservação com outras benefícios fiscais e tributários. Os tributos
tanto de planejamento quanto de projeto, questões urbanas, como a adequação da sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas
que evitem que as ações de reabilitação infraestrutura, as políticas habitacionais e relativas a serviços públicos, podem ser
urbana e valorização econômica resultem a inclusão social. diferenciados em função de seu interesse
na expulsão desse contingente populacional, Nessas intervenções se entende que social. Dessa forma, é possível estabelecer
historicamente excluído das benesses preservar o patrimônio histórico é valorizar uma política de subsídios para as tarifas dos
trazidas pelos investimentos públicos no a memória de uma comunidade, fortale- serviços de energia elétrica e saneamento
espaço urbano. cendo os laços de identidade entre as suas para áreas e imóveis urbanos onde morem
A polêmica em torno da estratégia a ser várias gerações. Dessa identidade também pessoas de baixa renda. Esse tipo de política
utilizada nas ações de reabilitação de áreas fazem parte os moradores e as atividades pode ser essencial para manutenção dessa
urbanas degradadas, em especial em sítios tradicionalmente desenvolvidas nas áreas população em imóveis localizados em sítios
históricos, envolve uma disputa entre o tombadas. Esse entendimento é incompatível protegidos, cujo custo de conservação é bem
setor imobiliário e os órgãos de gestão do com a transformação dos sítios reabilitados mais alto que o de imóveis comuns.
patrimônio cultural, que parte do tradicional em cenários para turistas. Outros instrumentos como ZEIS, direito
impasse entre as políticas de preservação e as Quando – além das questões culturais – de preempção, IPTU progressivo, outorga
políticas de desenvolvimento econômico. As existe a proposta de melhorar a qualidade onerosa ou até mesmo programas de locação
primeiras tidas como um fator “engessamento” da habitação ou repovoar os centros, os social podem ser pensados a partir da lógica
da cidade, que impede o crescimento e o imóveis tombados têm o importante papel de de valorização do patrimônio através de sua
desenvolvimento econômico e urbano, e as concretizar o direito a moradia da população apropriação pela população e pela cidade.
últimas consideradas predatórias e a serviço de baixa renda em áreas bem localizadas da Assim, independente da fórmula escolhida,
do grande capital, que destrói a memória cidade, possibilitando que o patrimônio o importante é começar a pensar as ações de
da cidade e de seus habitantes em prol da edificado seja efetivamente apropriado pela preservação no âmbito das políticas de gestão
obtenção de lucros cada vez maiores através comunidade. do uso do solo, partindo do pressuposto que
da especulação imobiliária. Para tanto, é necessário pensar articula- o acesso ao patrimônio cultural faz parte
Nesse contexto, o tombamento ora é tratado damente as políticas de planejamento urbano do processo de democratização do espaço
como um mecanismo de “congelamento” e de preservação, utilizando os instrumentos urbano e promoção de cidades mais justas
da cidade sendo, portanto, visto como um do Estatuto da Cidade para compatibilizar os e democráticas.
empecilho para a sua “modernização”, ora interesses dos diversos segmentos atuantes em
é utilizado por grupos sociais como um dos uma área tombada, de modo a minimizar os
instrumentos que podem garantir qualidade conflitos existentes e promover seu uso por Carolina Bayma Cavalcanti é coordenadora do Programa de Reabilitação
de vida numa cidade gradativamente desca- todos os segmentos da população. de Áreas Urbanas Centrais do Ministério das Cidades

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PERFIL

Rodrigo Melo Franco de Andrade


Fundador do Iphan reuniu intelectuais de diferentes correntes para inciar o projeto de proteção
do Patrimônio nacional em plena ditadura de Getúlio Vargas

N
o período em que o primeiro Aquele que organizou e, durante 30 anos, do país passou a ser sua atividade principal,
governo Vargas se fecha, instau- foi diretor do atual Instituto do Patrimônio deixando em segundo plano a literatura, o
rando o Estado Novo (1937-1945), Histórico e Artístico Nacional (Iphan) nasceu jornalismo, a política e a advocacia.
contraditoriamente é criado um em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 17 de Nos primeiros anos do Sphan, Rodrigo
dos mais importantes marcos da cultura agosto de 1898. Filho mais velho de Rodrigo contou com a colaboração de brasileiros
brasileira: o Serviço do Patrimônio Histórico Bretas de Andrade e Dália Melo Franco de ilustres, como Mário de Andrade, Manuel
e Artístico Nacional (Sphan), que congregou, Andrade, Rodrigo herdou de seus pais o Bandeira, Carlos Leão, Luís Jardim, José de
em sua fase inicial, intelectuais de pensamento gosto pelas letras e artes. Sousa Reis, Lúcio Costa, Edgar Jacinto da
de várias tendências, inclusive de esquerda, Seus primeiros estudos foram feitos Silva, Renato Soeiro, Aírton Carvalho, Afonso
liderados por seu fundador - Rodrigo Melo em casa e no Ginásio Mineiro, de Belo Arinos de Melo Franco, Carlos Drummond
Franco de Andrade. Horizonte. Em Paris, no Lycée de Sailly, de Andrade, Joaquim Cardoso, Gilberto
fez o curso secundário. De volta ao Brasil, Freire, Alcides da Rocha Miranda, Vinícius de
dedicou-se ao curso de Direito, iniciado na Moraes, Celso Cunha, Arthur César Ferreira
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Reis e Sérgio Buarque de Holanda.
Rio de Janeiro. Foram realizados inventários, estudos e
Em 1921, iniciou sua atividade jornalística, pesquisas, além de obras de conservação,
colaborando no jornal O Dia. O movimento consolidação e restauração de monumentos;
modernista de 1922 passou a ter mais um organizou-se um arquivo de documentos
porta-voz quando Rodrigo aproximou-se e dados colhidos em arquivos públicos
de Mário de Andrade e quando, em 1926, e particulares; reuniu-se valioso acervo
tornou-se redator-chefe da Revista do fotográfico e estruturou-se uma biblioteca
Brasil, de Assis Chateaubriand, aliando-se especializada; pinturas antigas, esculturas e
à luta travada pelos artistas revolucio- documentos foram recuperados e inúmeros
nários de então. bens protegidos, com a criação de museus
Em 1936, por indicação de Mário regionais e nacionais.
de Andrade e de Manuel Bandeira, foi O período em que Rodrigo esteve à frente
convidado pelo ministro da Educação e da instituição de proteção ao patrimônio
Saúde, Gustavo Capanema, para organizar nacional, que vai de 1937 a 1967, ficou
e dirigir o Serviço do Patrimônio Histórico conhecido como “fase heróica”, refletindo
e Artístico Nacional. A proteção a realidade do trabalho realizado.
dos bens patri- Rodrigo faleceu em 1969. Em 1987 o Minis-
moniais tério da Cultura cria o Prêmio Rodrigo Melo
Franco de Andrade, que procura estimular
e valorizar todos aqueles que compartilham
com os ideais do fundador do Iphan.

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 65


retratos
Imagem do Arquipélago
Stock

de Fernando de Noronha

Bonito por natureza


Cora Dias – de Brasília

Brasil tem sete paisagens naturais reconhecidas pela Unesco


como Patrimônio da Humanidade

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“Se houver paraíso na Terra, não deve estar longe”, foi o que disse Américo Vespúcio, navegador florentino
que realizou expedições por terras brasileiras a mando da coroa portuguesa, em 1501. O que fez com que
Vespúcio usasse essa expressão foi a exuberância do Arquipélago de Fernando de Noronha que, junta-
mente com o Atol das Rocas, compõe um dos sete bens naturais reconhecidos pela Unesco (Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura) como Patrimônios da Humanidade. São áreas
delimitadas que devem seguir à risca os critérios de preservação exigidos pela Unesco para se manterem
na Lista de Patrimônios Mundiais.

A
Convenção para a Proteção do que é considerado bem cultural por apre- “Devemos entender a riqueza
Patrimônio Mundial, Cultural e sentar sítios pré-históricos de arte rupestre. ambiental não só como um
Natural criada pela organização em Nessa mesma linha, órgãos responsáveis
patrimônio científico, natural.
1972 estabelece diretrizes para que pretendem sugerir regiões da cidade do
países signatários indiquem sítios, naturais
Trata-se de uma gigantesca
Rio de Janeiro, como o Jardim Botânico e
ou culturais, para entrarem para a Lista. Os o Parque da Tijuca, para tornarem-se bens
fonte de inspiração e de
bens naturais devem ser constituídos por culturais da humanidade. criatividade para o homem
formações físicas e biológicas com valor O órgão brasileiro responsável pela indicação que modelou suas culturas em
universal excepcional do ponto de vista de sítios naturais à Lista do Patrimônio Mundial função dessa riqueza”
estético ou científico. Os sítios naturais é o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
compõem, também, habitats de espécies (Ibama), feitas por meio do Instituto Chico Aziz Ab’saber,
animais e vegetais ameaçadas. geógrafo
Mendes de Conservação da Biodiversidade.
De acordo com Celso Schenkel, coor- Para preservar e manter os bens culturais e
denador do setor de Ciências Naturais da naturais, os países signatários da Convenção Patrimônio Mundial, mas é exemplo dessa
Unesco no Brasil, assim como acontece com contribuem para o Fundo do Patrimônio conciliação entre turismo e preservação.
os bens culturais, a avaliação sobre cada Mundial. Os países comprometem-se a pagar Existem casos em que a Unesco estabelece
candidatura para bem natural é realizada ao fundo, regularmente, de dois em dois anos, patrimônios que estão em perigo. Foi o que
por órgão competente. “Os sítios naturais contribuições que não devem ultrapassar aconteceu com o Parque do Iguaçu, em 1999.
sugeridos pelos países signatários são visi- 1% do que esses países contribuem para o Celso Schenkel, da Unesco no Brasil, conta
tados por equipes da União Internacional orçamento ordinário da Unesco. que, devido a reabertura ilegal da Estrada do
para a Conservação da Natureza, que avaliam Colono por comunidades locais em 1997, a
proteção e gerenciamento locais”, explica. Organização ameaçou retirar o sítio natural
A principal diferença entre sítios cultu- PreservAção e turIsmo Conciliar preservação da Lista caso a estrada não fosse fechada
rais e naturais está no grau de intervenção e turismo é um dos grandes desafios para os definitivamente.
humana. Segundo Carlos Fernando Moura gestores desses sítios naturais. De acordo com Na apresentação do livro da Unesco
Delphim, Coordenador-Geral de Patrimônio Delphim, deve haver uma séria programação Patrimônio Mundial no Brasil, o geógrafo
Natural e Paisagem Cultural do Depam-Iphan, para as atividades turísticas, para que não Aziz Ab’Saber conclui que “devemos entender
paisagem cultural é aquela em que o homem prejudiquem o estado de conservação desses a riqueza ambiental não só como um patri-
insere marcas de suas ações. “De acordo com locais. “Em Bonito (MS), por exemplo, toda mônio científico, natural. Trata-se de uma
a Carta de Bagé, a paisagem cultural resulta visita é guiada e previamente programada, com gigantesca fonte de inspiração e de criatividade
da interação do homem com a natureza”. É o um número limitado de visitantes por período para o homem que modelou suas culturas
caso do Parque Nacional Serra da Capivara de tempo”. Bonito ainda não está na lista do em função dessa riqueza”.

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os Patrimônios Naturais do Brasil*

PArque NACIoNAl Do IguAçu Situado no oeste mAtA AtlâNtICA: reservAs Do suDeste A área reservAs DA mAtA AtlâNtICA: CostA Do DesCo-
do Estado do Paraná, fronteira do Brasil protegida constitui-se de 25 unidades de BrImeNto Situada a lesta da costa brasileira,
com a Argentina, o Parque foi inscrito preservação, de várias categorias de domínio, na faixa litorânea que vai do norte do Espírito
como Bem Natural, na Lista de Patrimônio federal (Ibama) e estaduais (parques reservas Santo ao sul da Bahia, a costa do Descobrimento
da Humanidade, em 1986, dois anos após e estações ecológicas) e está dividida foi inscrita em dezembro de 1999, na Lista do
a inscrição do Parque Iguazú, situado em entre os estados de São Paulo e Paraná. Patrimônio Mundial. O conjunto das oito áreas
território argentino. Juntos, os dois parques Com uma área de 493.028 hectares e 200 que compõem a Costa, juntamente com a Mata
abrigam a totalidade das quedas d’água quilômetros de largura, a reserva, inscrita Atlântica do Sudeste e algumas áreas isoladas
denominadas “Cataratas do Iguaçu” e na Lista de Patrimônio da Humanidade no litoral dos estados da Paraíba, Pernambuco
formam uma das maiores áreas de floresta em 1999, é um dos mais significativos e Alagoas, representa um ecossistema bastante
subtropical preservadas no mundo, cobrindo corredores biológicos brasileiros com a ameaçado, sendo que hoje restam apenas
225 mil hectares, dos quais 75% estão em maior concentração de remanescentes da em torno de 8% do total de um milhão de
solo brasileiro. Mata Atlântica do País. quilômetros quadrados originais.
Stock

Bruna Bernacchio
Stock

Da esquerda para a direita: Farol da Barra, na Bahia; Pantanal, no mato grosso do sul; e Cataratas do Iguaçu, no Paraná

68 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


Kelly Resende

187.818
hectares
é a superfície do Pantanal,
localizado na porção sudoeste do
estado do Mato Grosso e noroeste do
estado do Mato Grosso do Sul

PArque NACIoNAl Do JAú Situado no centro


do estado do Amazonas, a aproximadamente
200 quilômetros a noroeste de Manaus, o
Parque foi inscrito na Lista de Patrimônio da
Humanidade em 2000. O sítio protege uma
amostra, vasta e representativa, da floresta
das planícies centrais da Amazônia. Uma
das razões que justificam sua inscrição é a
concentração de grande parte da diversidade
biológica associada ao sistema de águas
pretas. É a única Unidade de Conservação
do país que preserva toda a bacia de um rio
volumoso e extenso – aproximadamente 450
Parque Nacional do Jaú, no Amazonas
quilômetros –, o Rio Jaú.

ÁreAs ProtegIDAs Do CerrADo O sítio é cons- ÁreAs De CoNservAção Do PANtANAl Com IlhAs AtlâNtICAs BrAsIleIrAs: reservAs
tituído por dois parques nacionais – Parque uma superfície inscrita de 187.818 hectares, De FerNANDo De NoroNhA e Atol DAs roCAs
Nacional das Emas e Parque Nacional Chapada esse sítio localiza-se na porção sudoeste Localizado ao largo da costa nordeste do
dos Veadeiros – localizados no estado de do estado do Mato Grosso e noroeste do Brasil, esse sítio natural, inscrito da Lista
Goiás, totalizando 373.953 hectares. Graças estado do Mato Grosso do Sul, adjacente à de Patrimônio da Humanidade em 2001,
à sua posição central e à variação de altitudes fronteira com a Bolívia. Inscrita em 2000, é um complexo insular tropical que possui
que as caracterizam, essas áreas serviram de a área é representativa do conjunto do 2.454.400 hectares. As áreas núcleos, referentes
refúgio relativamente estável para as espécies Pantanal e ilustra os processos ecológicos e às unidades de conservação, correspondem
quando mudanças climáticas ocasionaram biológicos em curso na região. A associação a 68.000 hectares, na Reserva Biológica
o deslocamento do Cerrado para o eixo dos montes Amolar e dos ecossistemas Marinha do Atol das Rocas, e 13.000 há,
norte-sul ou leste-oeste. O sítio, inscrito como dominantes de zonas úmidas de água doce no Parque Nacional Marinho Fernando
Patrimônio Mundial em 2001, apresenta um conferem um apelo ecológico inigualável. O de Noronha. Essas áreas destacam-se por
mosaico com todos os habitats essenciais que sítio tem ainda um papel chave na dispersão suas particularidades, constituindo singular
caracterizam esse ecossistema, abrigando das matérias nutritivas por toda a bacia sistema emerso e submerso da porção
60% de todas as espécies da flora e quase e constitui a reserva mais importante da tropical do Atlântico Sul.
80% de todas as espécies de vertebrados região para a manutenção do estoque de
descritas no Cerrado. peixes do Pantanal. *com informações do livro da Unesco: Patrimônio Mundial no Brasil
originalmente publicada na edição 60 | mar/abr/2009

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indicadores

Patrimônios no mundo
Com 970 sítios registrados na Lista do registrados 31 sítios, dos quais a África é a nenhum patrimônio registrado. Até hoje
Patrimônio Mundial, a Unesco (Organização região com o maior índice, com 39%. apenas dois sítios foram retirados da Lista
das Nações Unidas para Educação, Ciência e A Convenção para a proteção do patri- do Patrimônio Mundial: o Vale Dresden
Cultura) apresenta estatísticas que mostram a mônio mundial, cultural e natural, de Elbe, na Alemanha, retirado em 2009, e o
distribuição desses locais no mundo. Europa 1972, foi assinada por 187 Estados-parte. Santuário Árabe de Orxy, de Oman e que
e América do Norte possuem quase a metade As inscrições na lista da Unesco tiveram saiu da lista em 2007.
dos patrimônios inscritos, com 49% do total. início em 1978 e 39 países, daquele total que
Na Lista dos Patrimônios em Perigo estão assinou à Convenção, ainda não possuem Todos os dados foram fornecidos pela Unesco e pelo Iphan.

Gráfico 1: Número de Patrimônios Mundiais por Região

Estados-parte
Cultural/
9% Regiões Cultural Natural Total com propriedades
14% Natural inscritas
7%
África 42 33 3 78 29

Estados Árabes 60 4 1 65 16
21% Ásia e Pacífico 129 48 9 186 * 28

Europa e América do Norte 375 56 9 440 * 49

49% América Latina e Caribe 83 35 3 121 25

Total 689 176 25 890 148


As Regiões apresentadas foram definidas pela Unesco para suas atividades

Gráfico 2: Patrimônios em Perigo por Região

Regiões Cultural Natural Cultural/Natural Total

19% África 1 11 0 12

Estados Árabes 5 0 0 5
39%
6% Ásia e Pacífico 5 1 0 6

Europa e América do Norte 2 0 0 2

América Latina e Caribe 3 3 0 6


19%
Total 16 15 0 31
16%

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Estados-parte da Convenção de 1972 Número de propriedades inscritas na Lista do Patrimônio Mundial a cada ano por Região
que não possuem propriedades na
Lista do Patrimônio Mundial (39) Número de propriedades Europa e América Ásia e América Latina Estados
Ano África
inscritas do Norte Pacífico e Caribe Árabes
Estados-parte 1978 12 7 0 2 0 3
Angola 1979 45 25 5 2 9 4
Antígua e Barbuda 1980 27 10 3 3 4 7
1981 26 11 5 3 2 5
Barbados
1982 24 3 5 4 9 3
Bhutan
1983 29 18 4 5 0 2
Burundi 1984 22 10 3 2 4 3
Chad 1985 30 14 5 4 6 1
Comores 1986 29 17 5 2 3 2
congo 1987 41 17 11 9 2 2
1988 27 12 5 4 3 3
Ilhas Cook
1989 7 3 1 0 1 2
Djibouti 1990 16 8 4 3 0 1
Guiné Equatorial 1991 22 8 9 3 0 2
Eritreia 1992 20 12 6 1 1 0
Fiji 1993 33 16 10 6 1 0
1994 29 15 7 4 1 2
Grenada
1995 29 18 6 5 0 0
Guiné-Bissau
1996 37 25 5 3 2 2
Guiana 1997 46 25 10 6 3 2
Jamaica 1998 30 21 5 3 1 0
Kiribati 1999 48 22 10 12 0 4
Kuwait 2000 61 34 11 12 1 3
2001 31 19 3 4 1 4
Lesoto
2002 9 4 2 2 1 0
Libéria 2003 24 8 8 3 2 3
Maldivas 2004 34 16 11 2 2 3
Ilhas Marshall 2005 24 11 5 4 2 2
Estados Federados da Micronésia 2006 18 5 3 3 2 5
2007 22 9 7 1 1 4
Mônaco
2008 27 12 8 3 2 2
Myanmar
2009 13 6 4 1 0 2
Niue
Palau
Qatar
Os dez Estados-parte com mais Patriônios inscritos
País Número de patrimônios
Ruanda
Itália 44
São Vicente e Granadinas
Espanha 41
Samoa
China 38
São Tomé e Príncipe
França 33
Serra Leoa
México 29
Suazilândia
Reino Unido e Irlanda do Norte 28
Tajiquistão Índia 27
Tonga Rússia 23
Trinidad e Tobago Estados Unidos 20
Emirados Árabes Unidos Austrália, Brasil e Grécia 17

Desenvolvimento • junho/julho de 2010 71


Patrimônios Material e Imaterial do Brasil em números
■ Inventário Nacional de Referências em processo; 5 editais do PNPI

1.118
Culturais (INRC): 52 inventários realizados; 5 Pontões de Cultura
concluídos até 2009; 39 inventários implantados.
em andamento. ■ Bens incluídos na Lista Representativa
■ Bens Registrados como Patrimônio do Patrimônio Cultural Imaterial
Cultural Brasileiro: 19 bens registrados;
25 em processo de instrução técnica.
da Humanidade: Samba de Roda
no Recôncavo Baiano/BA e Arte
bens
■ Ações de apoio e fomento: 15 planos Kusiwa – Pintura corporal e arte tombados pelo Iphan no Brasil
de salvaguarda de bens registrados gráfica Wajãpi/AP.

Gráfico 4: Número de bens tomabados por região Gráfico 3: Número de bens tomabados por estado

Fonte: Unesco e Iphan Fonte: Unesco e Iphan

Sul: 124 bens 0 - 20 bens tombados


Sudeste: 518 bens 21 - 50 bens tombados
Centro Oeste: 58 bens 51 - 100 bens tombados
Norte: 33 bens + 100 bens tombados
Nordeste: 383 bens

72 Desenvolvimento • junho/julho de 2010


humanizando o

Foto: Wong Chi Keung – China


DESENVOLVIMENTO

INDO PESCAR – Depois da melhoria na qualidade da água realizada pelo governo local, pescadores em Xiapu aproveitam suas vidas de pesca.

Como você vê o desenvolvimento? exemplos de pessoas vencendo a luta contra localizada no escritório do IPC e será
Como retratar uma face humana do a pobreza, a marginalização e a exclusão aberta para visitação pública. Uma série
desenvolvimento? Como os programas e social. Chamando-se a atenção para os de exposições fotográficas também será
iniciativas do desenvolvimento melhoram sucessos obtidos, a campanha pretende organizada em diversas cidades ao redor
das pessoas uma vida? A Campanha contrabalancear as imagens frequentes do mundo.
Mundial de Fotografia “Humanizando o que mostram desolação e desespero. Uma
Desenvolvimento” busca mostrar e promover galeria de fotos será permanentemente

Visite o site e veja algumas das fotografias da campanha: http://www.ipc-undp.org/photo/

74 Desenvolvimento • junho/julho de 2010

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