GLÓRIA
DA
SUA
GRAÇA
Prefácio à edição em Inglês
Este livro originou-se quando surgiu no coração do editor da revista Assembly
Testimony o desejo de colocar ensino sadio e bíblico nas mãos especialmente de jovens
salvos. Quando isso foi compartilhado com os demais responsáveis pela revista, esta
aspiração foi logo apoiada por eles, de todo coração.
Reconhecemos que muitos jovens irmãos têm muitas obrigações financeiras, e que
para alguns é difícil ter o dinheiro para comprar bons livros não-denominacionais, mas é
justamente neste período, quando são jovens e estão se desenvolvendo espiritualmente e
suas mentes estão mais abertas, que precisam destes ensinos. A idéia proposta foi
que Assembly Testimony produziria este primeiro livro e o distribuiria gratuitamente
àqueles que o pedissem. Em conformidade com os princípios da revista decidimos não
cobrar nada, mas confiar no Senhor para suprir as necessidades desta publicação. Se o
Senhor quiser que este seja o primeiro de uma série de livros, então Ele suprirá o
necessário para que mais volumes sejam publicados, futuramente.
Os irmãos convidados para contribuir artigos concordaram prontamente, e o fato que
todos serem expositores bíblicos bem conhecidos aumenta o valor deste volume. Sem
dúvida, eles serão recompensados pelo Senhor por sua diligência, mas cada um deles
merece também o nosso agradecimento pela sua participação cordial neste projeto.
Devemos notar que, pela natureza desta publicação, inevitavelmente haverá alguma
repetição nos vários escritos. Também, visto que os irmãos trabalharam
independentemente e sem contato uns com os outros, não devemos esperar
concordância total em tudo que foi escrito.
Apreciamos a maneira meticulosa e completa com que nosso irmão Roy Reynolds
executou o trabalho editorial deste livro. Também, a nossa irmã Joanna Currie merece
nosso agradecimento por ter cooperado na revisão e correção do livro.
Este livro vem acompanhado das nossas orações para que seja para a glória de Deus e
a edificação do Seu povo.
Brian Currie, Irlanda do Norte, Fevereiro de 2006.
Introdução
O alegre e glorioso Evangelho, proclamando tão grande salvação, a remissão dos
pecados e o perdão imerecido de um Deus contra quem transgredimos, enche o coração
de todos que já conhecem a redenção da escravidão do pecado. Esta mensagem
abençoada, cuja propagação foi confiada a homens e não a anjos, revela o coração de
―Deus nosso Salvador, que quer que todos os homens se salvem, e venham ao
conhecimento da verdade‖ (I Tm 2:3-4). O Seu amor inefável, Sua justiça inescrutável,
Sua graça infinita e Seu poder ilimitado são revelados nesta mensagem. A sua
importância é enfatizada pelas últimas palavras de Cristo na Sua comissão aos Seus
discípulos antes de subir à glória: ―Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda
criatura‖ (Mc 16:15).
Assim, é a nossa incumbência pregar o Evangelho, ―a verdade‖, num mundo
tenebroso que está sendo cada vez mais enganado por uma multiplicidade de seitas
falsas e propaganda satânica. Que o Senhor nos dê mais fervor evangélico, para que no
final desta época singular da graça, possamos ter o gozo de ver nossos entes queridos e
nossos vizinhos gozando da bênção sublime de ter os seus pecados perdoados.
É importante que as doutrinas associadas com o Evangelho sejam preservadas
intactas, como reveladas na Palavra de Deus; não deve haver qualquer distorção, desvio
ou diluição que resultaria na pregação de ―outro evangelho, o qual não é outro …‖ (Gl
1:6-7). Estas doutrinas são sagradas para nós, são ―fatos que entre nós se cumpriram‖
(Lc 1:1), e são gozadas, experimentalmente, por todos os que amam ―… o evangelho de
Deus … acerca de seu Filho … Jesus Cristo nosso Senhor‖ (Rm 1:1-4).
Os contribuintes deste proveitoso livro são irmãos bem conhecidos entre as igrejas
locais, e muitos deles estão ocupados na frequente proclamação desta mensagem
sublime. Nenhum deles diria que sua obra é uma consideração completa do assunto
tratado, mas a nossa oração é que, por este meio, os irmãos mais novos na fé possam
chegar a conhecer melhor as preciosas doutrinas do Evangelho, e que nosso amor por
estes maravilhosos temas possa nos inspirar a adorar melhor Aquele em cujo coração de
amor estas verdades estavam desde a eternidade passada, e amar melhor Aquele que,
pela Sua morte expiatória, permitiu que Deus seja ―justo, e justificador daquele que tem
fé em Jesus‖ (Rm 3:26).
Roy Reynolds, Irlanda do Norte.
Prefácio à edição em Português
Devido à ótima aceitação deste livro entre os cristãos que se reúnem ao nome do
Senhor Jesus Cristo no Reino Unido, os responsáveis pela revista Assembly
Testimony tiveram o desejo de ver este livro (e os demais desta série) traduzido para o
Português. Diversos irmãos e irmãs voluntariamente ofereceram seu tempo e talentos
para tornar este desejo uma realidade. Agradecemos a Deus pela oportunidade que Ele
nos deu, através dos Seus servos na Irlanda do Norte e no Brasil, de oferecer este livro
gratuitamente aos nossos irmãos e irmãs no Brasil, Portugal e Angola.
Nossa oração é que o estudo das verdades aqui apresentadas sirva para edificar os
salvos, ajudando-nos a conhecer melhor a glória da graça do nosso Salvador, e a
grandeza dos Seus propósitos para conosco. Na permissão do Senhor queremos também
publicar os demais livros desta série, que tratam da glória do Pai, do Filho, do Espírito
Santo e da igreja local. Escreva-nos se você tem interesse em receber estes livros.
Louvado seja Deus pela glória da Sua graça.
Pirassununga, Janeiro de 2011.
Cap. 1 — Pecado
James Patterson Jnr., Escócia.
Introdução
Basicamente, o conceito bíblico de pecado é um relacionamento incorreto com Deus,
por causa de uma ofensa contra Ele. Qualquer coisa, seja um pensamento, uma palavra
ou uma ação, que interrompa o relacionamento do homem com Deus, é pecado. Este
relacionamento interrompido pode ser o resultado de transgressão voluntária, ou uma
falta de apreciação de Deus, deixando de aceitar a Sua salvação. Isso é enfatizado no
significado básico da palavra pecado: carecer, perder o alvo, como é traduzida mais ou
menos 200 vezes. O pecado é qualquer coisa que interrompe o nosso relacionamento
com Deus, por causa do nosso fracasso em atingir o padrão divino. O pecado é também
descrito como o desvio do homem dos caminhos de Deus. ―Todos nós andávamos
desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho …‖ (Is 53:6). O
caminho correto é aquele que tem Deus como seu centro e que conduz a Ele. O homem,
no seu estado natural como pecador, não consegue permanecer neste caminho e se
desvia para os seus próprios caminhos, e por isso sofre as consequências. ―Há um
caminho que parece direito ao homem, mas o seu fim são os caminhos da morte‖ (Pv
16:25). Nós podemos ver em Lúcifer, e também na tentação de Eva, que há a tentativa
de competir com Deus. Lúcifer queria um lugar para si mesmo (Is 14:13). Eva foi
tentada com a oferta de ter um conhecimento igual ao de Deus: ―E sereis como Deus,
sabendo o bem e o mal‖ (Gn 3:5).
A essência do pecado é vista na Palavra de Deus como a mente, o coração e a
vontade do homem, todos, colocados em rebelião ativa contra Deus. Jeremias 17:9
afirma: ―Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso‖, mostrando a
profunda e corruptível concentração do pecado. O Senhor Jesus disse: ―Porque do
coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos
testemunhos e blasfêmias‖ (Mt 15:19).
Nas Escrituras, isto é evidenciado no homem como:
• Andando contrariamente para com Deus (Lv 26:21);
• Rejeitando o Senhor (Nm 11:20);
• Negando a existência de Deus (Sl 14:1);
• Rebelando contra Deus (Is 1:2);
• Contendendo com seu Criador (Is 45:9);
• Levantando-se como inimigo de Deus (Mq 2:8);
• Resistindo a Deus (At 7:51);
• Aborrecendo a Deus (Rm 1:30);
• Blasfemando contra Deus (Tg 2:7).
O dr. C. Ryrie, citado por Lehman Strauss em The Doctrine of Sin, fornece uma lista
bem útil de palavras gregas e hebraicas que descrevem o pecado.
―No hebraico do Velho Testamento há pelo menos 8 palavras básicas usadas: ra, mau
(Gn 38:7); rasha, injusto (Êx 2:13); chata, pecar (Êx 20:20); avon, iniquidade (I Sm
3:13); pasha, transgressão (I Rs 8:50); taah, extraviar (Ez 48:11); shagag,
desencaminhar (Is 28:7); asham, culpado (Os 4:15).
No grego do Novo Testamento há 13 palavras básicas usadas para descrever o
pecado. Elas são: enochos, culpa (Mt 5:21); poneros, mau (Mt 5:45); agnoein, ser
ignorante (Rm 1:13); asebes, impiedade (Rm 1:18); parabates, ofensa (Rm
5:14); hamartia, destituídos (Rm 3:23); kakos, obras más (Rm 13:3); planan, pecar (I
Co 6:18); adikia, injustiça (I Co 6:9); paraptomai, ofensa (Gl 6:1); anomos,
impiedade (I Tm 1:9); hypocrites, hipocrisia (I Tm 4:2).‖
O pecado no homem evolui e desenvolve, contaminando a vida, destruindo o corpo,
fazendo o incrédulo perecer, até que ―o pecado, sendo consumado, gera a morte‖ (Tg
1:15).
Como foi que esta terrível epidemia se manifestou e criou uma condição de separação
entre o homem e seu Criador? Não foi o homem criado na inocência? Embora o pecado
fizesse a sua entrada dramática no mundo ―por um só homem‖ (Rm 5:12), onde foi a
sua terrível presença primeiramente manifestada?
A entrada do pecado
A expressão do pecado no Universo — “Eu”
Se pudéssemos voltar no tempo e olhar para dentro do Céu e ver as hostes de Deus,
os seres angelicais, um anjo se destacaria de todos os outros. De acordo com Ezequiel
28, Lúcifer (como é chamado somente em Isaías 14) é o mais elevado dos seres criados
por Deus. Este capítulo é uma das poucas passagens que nos falam da origem do Diabo
e do mal, retratado na ilustração do rei de Tiro. Que quadro de perfeição e beleza: ―toda
a pedra preciosa era a tua cobertura‖ (Ez 28:13). A resplendente pompa desta criatura
deve ter sido uma evidência majestosa do poder criador de Deus. Seu nome significa
―estrela brilhante‖, e ele é descrito como a ―estrela da manhã [Lúcifer], filha da alva!‖
(Is 14:12). Não era somente uma pompa visível, mas também audível! Ezequiel escreve
sobre a perfeição dos seus tambores e pífaros; de fato parece pelo que vemos nesta
descrição, que Lúcifer era não somente músico, mas a música personificada! Ele era o
querubim ungido para cobrir (proteger) o trono de Deus, perfeito em seus caminhos
desde o dia em que foi criado (Ez 28:14-15). Quanta glória, posição, poder e presença
— no entanto, o Senhor Jesus descreve um acontecimento que Ele testemunhou quando
o pecado surgiu. ―Eu via Satanás, como raio, cair do céu‖ (Lc 10:18). Outra tradução
diz: ―vi Satanás caído‖ (indicando algo já passado); entretanto, isto pode ter uma
aplicação profética ao dia de Apocalipse 12:9. O que foi que causou este ato
irrevogável? Ezequiel 28:15-16 registra a mudança: ―até que se achou iniquidade em ti
… e pecaste‖. Qual foi o pecado desta criatura mais elevada do que qualquer outra?
Em Isaías 14:13-14 lemos as cinco vezes que Lúcifer disse “eu”. Ele colocou a sua
vontade acima da vontade de Deus. ―Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus [eu]
exaltarei o meu trono; no monte da congregação [eu] me assentarei. [Eu] Subirei sobre
as alturas das nuvens, [eu] serei semelhante ao Altíssimo‖. Esta evidência sugere que
Lúcifer tinha livre arbítrio — ele podia escolher. Ele desejou ser como Deus. Como o
homem mais tarde faria, ele desviou-se pelo seu caminho (Is 53:6). O grande pecado de
Lúcifer foi o orgulho. Ele obstinadamente foi contra a vontade de Deus. Ele foi criado
como um anjo de luz: ele era o ―filho da alva‖, mas as trevas do pecado permearam a
esfera do Céu, e ele caiu. Ele se elevou tanto que seu verdadeiro desejo foi, não somente
ser como Deus, mas realmente ser Deus. Ao colocar a sua vontade acima e além da
vontade de Deus, ele desejou colocar-se no lugar de Deus, e por esta razão se colocou
sob o juízo de Deus. Além do pecado de orgulho, podemos acrescentar os pecados de
cobiça (agarrando-se àquilo que não era seu) e mentira (reivindicando ser o que não
era). Para aquele que procura subir acima do seu estado permitido, Deus só tem um
juízo: ―levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo‖ (Is 14:15). Aquele cujo
desejo era habitar nas alturas das nuvens (aos lados do norte), habitará no mais profundo
do abismo. Aquele que era ―a estrela, a filha da alva‖ antes da criação do homem, será o
grande dragão, a antiga serpente, Satanás (o adversário de tudo que é de Deus), o Diabo
(o acusador, o enganador de todo o mundo — Ap 12:9). Lançado fora, mas ainda
retendo o título de ―Príncipe das potestades do ar‖ (Ef 2:2). Lançado fora da presença de
Deus. Lançado abaixo para ―rodear a terra, e passear por ela‖ (Jó 1:7), para ser
amarrado por mil anos (Ap 20:2), solto por um pouco de tempo, mas finalmente lançado
dentro do lago de fogo para ser atormentado para sempre (Ap 20:10). ―O príncipe deste
mundo está julgado‖ (Jo 16:11). A sua destruição é o resultado daquele desejo
desenfreado, que se desenvolveu e se transformou na sua ambição resoluta: ―Eu serei‖.
Em Ezequiel 28 parece que há uma resposta de Deus para a vontade própria de
Lúcifer. Seis vezes Deus relata a Sua vontade em juízo contra Satanás, deixando-o,
finalmente, em cinzas sobre a terra.
―[Eu] Trarei sobre ti estrangeiros, os mais terríveis dentre as nações, os quais
desembainharão as suas espadas contra a formosura da tua sabedoria, e mancharão o
teu esplendor‖ (Ez 28:7).
―[Eu] te lançarei, profanado, do monte de Deus‖(v. 16, ARA).
―[Eu] te farei perecer, ó querubim cobridor‖(v. 16, ARA).
―por terra [Eu] te lancei‖ (v. 17).
―diante dos reis [Eu] te pus‖ (v. 17).
―[Eu] te tornei cinzas sobre a terra‖ (v. 18).
Junto com o poderoso Lúcifer havia, obviamente, um grupo de seres angelicais que
seguiram o seu exemplo ou se envolveram no pecado, o que fez com que Deus agisse.
―Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os
entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo‖ (II Pe 2:4). Judas
acrescenta: ―E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua
própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao juízo daquele
grande dia‖ (v. 6).
A entrada do pecado no mundo — “por um homem”
As atividades de Satanás, como ele mesmo as descreve em Jó 1:7 são quase como as
de alguém que faz a ronda da Terra. O uso da expressão ―em‖ ao invés de ―sobre‖ a
Terra é interessante, sugerindo o envolvimento de Satanás nos assuntos dos homens. É
na Terra, no jardim, que ele é mencionado pela primeira vez nas Escrituras.
Novamente, a cena é maravilhosa; perfeição, agora na Terra. Seis dias de criação
resultaram numa profusão de vida vegetal, numa abundância de animais do campo, o
potencial da raça humana no homem e na mulher, a aprovação de Deus de tudo, e Seu
dia de descanso. A perfeição seria estragada, o descanso despedaçado, a terra
amaldiçoada, o homem arruinado, o relacionamento destruído, a morte transmitida a
todos. Por que tal mudança catastrófica numa condição perfeita? A resposta é
encontrada novamente naquele que foi lançado fora, que apareceu no Jardim de Éden, e
que na sua sutileza começou uma obra de tentação que derrubaria e arruinaria o homem,
por causa do seu pecado de desobediência (Rm 5:12, 19). O pecado surge na Terra na
forma ostentadora de serpente.
Vale a pena observar que a queda do homem refuta as teorias de evolução propostas
pelos homens. Por exemplo, o Darwinismo teoriza que o homem começou de uma
forma inferior e foi evoluindo (de forma ascendente), mas as Escrituras mostram, em
Gênesis 1-3, que o homem começou em perfeição, direto da mão do Criador, e que ele
caiu (de forma descendente). Estes primeiros capítulos da história do homem também
mostram que não é o ambiente social do homem que causa o seu desvio, mas sim é o
seu pecado que causa a decadência no seu ambiente social. A narrativa bíblica é a única
explicação possível para a condição da raça humana. Nenhuma outra explicação poderia
ser apresentada para a universalidade do pecado quando, independentemente de cultura,
educação e orientação, lembramos, diariamente, que ―não há quem faça o bem‖ (Sl
14:3). ―Pois não há homem que não peque‖ (I Rs 8:46). ―Não há homem justo sobre a
terra, que faça o bem, e nunca peque‖ (Ec 7:20). ―Todos se extraviaram, e juntamente se
fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só‖ (Rm 3:12).
Esta entrada do pecado no mundo está ligada diretamente a Satanás. Ele aproximou-
se da mulher, desmentiu a palavra de Deus, diluiu o mandamento de Deus e, em
efeito,duvidou da autoridade de Deus. Embora a palavra pecado não seja mencionada
no relato de Gênesis 3, o fato do pecado certamente é, como vemos em Romanos 5:12.
O resultado é um processo que aparece através de todas as eras, desde o ato inicial de
Eva.
Ela viu ―que aquela árvore era boa para se comer‖ (Gn 3:6). É interessante notar que
foi somente depois da sua conversa com Satanás que ―ela viu‖. Parece que a sutileza e o
engano de Satanás despertaram algo na sua mente inocente, fazendo-a questionar o que
ela já sabia, e fazendo germinar a semente da dúvida. Será que a sugestão da mesma
ambição de Satanás foi implantada na mente da mulher quando ela ouviu as palavras ―e
sereis como Deus‖ (v. 5)? Não havia nada inerentemente vil na árvore ou no fruto, mas
Deus havia dito: ―dela não comerás‖ (2:17). Embora ela conhecesse a Palavra de Deus e
poderia tê-la repetido a Satanás, houve uma alteração daquilo que ela ouviu diretamente
de Deus junto com seu marido, ou que foi repassado a ela depois pelo seu marido.
Vemos isso nas cinco alterações da palavra de Deus registrada em Gênesis 2:
i) Ela alterou a capacidade da provisão ao omitir ―toda‖ (3:2).
ii) Ela reduziu a condição da provisão ao omitir ―livremente‖ (3:2).
iii) Ela deslocou o centro do jardim — a árvore da Vida é que estava no centro
(2:9).
iv) Ela acrescentou à comunicação ao incluir ―nem nele tocareis‖ (3:3).
v) Ela diluiu a condenação ao omitir a palavra de Deus ―certamente morrerás‖
(2:17).
Mesmo sabendo o que Deus havia dito, ela não estava preparada para prender-se a
isso, e seu olhar fomentou um desejo — ―árvore desejável‖ (3:6). O seu desejo
transformou-se em ação — ―tomou … e comeu, e deu também a seu marido [primeira
menção de marido na Bíblia], e ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de
ambos, e conheceram …‖ (3:6-7). Embora fosse a mulher quem foi tentada, Adão
voluntariamente compartilha com ela do fruto proibido. Há uma estranha qualidade
passiva no seu comportamento no v. 6 e também no v. 12. O pecado da cobiça é
manifestado, e ele sempre começa com um olhar, seguido por um desejo, depois
apropriação, e finalmente a morte. Este princípio é visto em todas as Escrituras
relacionadas com a cobiça. Para achar exemplos, o leitor deve considerar Ló, Acã e
Davi.
Adão comeu o fruto em desobediência total à instrução de Deus, e como resultado
começou a morrer. Quão trágico! Este é aquele que recebera o próprio sopro de Deus
quando era um objeto inanimado, e ―foi feito alma vivente‖ (Gn 2:7). Agora, entretanto,
com a entrada do pecado no homem, e consequentemente no mundo através da
descendência de Adão, rompeu-se aquele relacionamento e iniciou-se o processo da
morte. Adão se tornou o possuidor de uma natureza caída. Não somente ele se tornou
um pecador, mas cada um dos seus descendentes herdou a mesma natureza. Romanos
5:12 é claro: ―por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim
também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram‖.
Porém, alguns podem perguntar: ―Como poderia existir pecado quando a lei ainda
não fora dada?‖ No sentido exato da palavra, não poderia haver pecado individual até
que houvesse uma lei para ser quebrada, mesmo embora possamos ver evidências de
consciência em Adão, e ele soube que seus atos tiveram consequências. Antes da
instituição da lei, a morte obviamente prevaleceu, e isto é a prova e a consequência da
presença do pecado. Assim, o pecado de Adão, como homem, trouxe a morte sobre toda
a humanidade, ―porque … todos morrem em Adão …‖ (I Co 15:22). O pecado que
então prevaleceu, com efeitos tão grandes e desastrosos, foi o de Adão.
Portanto, entendemos que, como diz Romanos 5:12: ―por isso que todos pecaram‖,
não é realmente o ato do pecador individual, mas a implicação de todos no pecado de
Adão. Paulo afirma em Romanos 5:15-19 que a universalidade do pecado e da morte é
devido ao pecado de um só homem. Como o representante da raça, o agente causador
nele foi distribuído a todos que o seguiram: ―assim também a morte passou a todos os
homens por isso que todos pecaram‖ (em Adão). Vemos a confirmação disso pelo fato
que crianças pequenas inocentes, que nunca pecaram conscientemente, também
morrem. Este é o resultado do pecado de Adão sendo imputado à sua descendência. O
efeito disso é mais graficamente descrito em outra Escritura: ―Alienam-se os ímpios
desde a madre; andam errados desde que nasceram, falando mentiras‖ (Sl 58:3).
Também: ―e vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro
tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos
pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também‖ (Ef 2:1-3).
Que descrição conclusiva do homem não regenerado! Esta condição não pode ser
mudada, o Senhor Jesus disse: ―o que é nascido da carne é carne‖ (Jo 3:6). Jó entendeu
o problema progressivo do pecado. ―Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce
da mulher, para ser justo?‖ (Jó 15:14).
As boas novas que se desenvolvem deste assunto são que, embora um só ato
trouxesse o pecado e a morte sobre todos, o ato único do Redentor trouxe vida e graça
sobre todos os que crêem. ―Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos
foram feitos pecadores, assim pela obediência de um, muitos serão feitos justos‖ (Rm
5:19). O Redentor viria na Pessoa do Senhor Jesus Cristo, ―o qual se deu a si mesmo por
nós para nos remir de toda a iniquidade‖ (Tt 2:14).
O pecado no mundo não somente afeta o mundo dos homens, mas também é visto no
mundo físico, ou seja, na Terra em que estamos. A perfeição sumiu; a Terra está sob a
maldição (―maldita é a terra por causa de ti‖, Gn 3:17); os Céus estão impuros à vista de
Deus (―nem os céus são puros aos seus olhos‖, Jó 15:15); o melhor da humanidade é
vaidade (―todo homem, por mais firme que esteja, é totalmente vaidade‖, Sl 39:5); toda
a criação geme (―porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores
de parto até agora‖, Rm 8:22). Tudo isso é o efeito direito do pecado no mundo.
O efeito do pecado
O efeito do pecado no Soberano
A essência do pecado é maldade. É contrário à santidade de Deus, pois Deus é santo.
―Deus é luz, e não há nele trevas‖ (I Jo 1:5).
Sua santidade significa que Ele mesmo não pode pecar, e que Ele não é a causa do
pecado em qualquer outro. Ele não manda que o pecado seja cometido, pois isto seria
contrário à Sua natureza. Ele não aprova o pecado de ninguém; alias, Ele o odeia com
ódio santo. ―Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal‖ (Hc 1:13). O pecado,
portanto, é contra o próprio caráter de Deus e Sua santidade. Ele o odeia, e precisa
castigá-lo, portanto Ele o expulsa da Sua presença para sempre. Se não fosse pela obra
sacrificial de Cristo, Deus não poderia tratar com o homem pecador, a não ser para
expulsá-lo eternamente da Sua presença para o Lago de Fogo.
O pecado faz Deus sofrer
Sofrer no sentido de afligir o Seu santo caráter. Deus revela o Seu ódio contra o
pecado por prometer um castigo severo contra ele. Deus disse a Adão: ―dela não
comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás‖ (Gn 2:17). O
pecado da desobediência era tão sério aos olhos de Deus que Ele deu um aviso muito
solene, que foi implementado imediatamente depois do homem pecar. Nesta ocasião o
homem se separou de Deus e foi banido do Jardim. Que tristeza foi para Deus, o
Criador, olhar para Sua criatura agora arruinada pelo pecado e exilada da Sua presença.
Na época do dilúvio foi a maldade do homem que entristeceu a Deus de tal forma que
Ele se arrependeu de tê-lo feito. ―Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem
sobre a terra e pesou-lhe em seu coração‖ (Gn 6:6). Há quatro palavras que enfatizam
como esta condição do homem pesou no coração de Deus. ―E viu o Senhor que a
maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos
pensamentos de seu coração era só má continuamente‖ (Gn 6:5). Tal era a corrupção
da humanidade por causa do pecado; e a profunda tristeza de Deus é vista na inundação
que seguiu. Nós nunca devemos nos esquecer neste contexto da longanimidade de Deus,
mesmo num mundo de tanto pecado. Enquanto Metusalém, o filho de Enoque vivesse, o
mundo estaria seguro e Deus reteria a Sua mão. Novecentos e sessenta e nove anos, que
grande demonstração da misericórdia de Deus!
O pecado faz Deus buscar os pecadores
A posição de Deus é buscar os pecadores. Não pode ser diferente. ―Não há ninguém
que busque a Deus‖ (Rm 3:11). Não foi Adão que procurou a Deus, mas Deus procurou
Adão: ―onde estás?‖ (Gn 3:9). Foi Deus que procurou e chamou Abraão quando ele
ainda era um idólatra (Gn 12:1). Do meio da sarça Ele chamou Moisés enquanto ele
estava em Midiã (Êx 3:4). Cristo buscou os discípulos nas suas várias localidades, e
também nos buscou, até virmos a Ele. ―Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar
o que se havia perdido‖ (Lc 19:10). Assim Ele pode dizer: ―Não me escolhestes vós a
mim, mas eu vos escolhi‖ (Jo 15:16). Embora Deus busque, o homem ainda tem a
responsabilidade de aceitar ou não as ofertas de Deus.
O pecado fez Deus providenciar um Salvador
Mais será escrito sobre esta Pessoa abençoada, o Salvador, o Senhor Jesus Cristo,
mas não podemos deixar de mencionar Aquele que é Deus, mas também veio de Deus,
quando ―vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher,
nascido sob a lei‖ (Gl 4:4). O propósito daquela vinda, como veremos mais
detalhadamente, foi ―para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo‖ (Hb 9:26).
Paulo novamente exulta no propósito dAquele que foi enviado: ―Esta é uma palavra fiel,
e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores‖
(I Tm 1:15).
O efeito do pecado no pecador
A presença do pecado
Depois que Adão pecou, os olhos do homem e da mulher foram abertos e eles se
viram como a sua desobediência os fez ver, nus e envergonhados. Eles sucumbiram à
tentação de Satanás, e à perspectiva de serem ―como deuses‖, que realmente os impeliu
às profundezas da destruição. Que compreensão de vergonha eles devem ter sentido.
Seu pensamento imediato foi cobrir a sua nudez com aventais de folhas de figueira.
Contudo, esta tentativa de restaurar a pureza foi inútil para fazê-los voltar ao estado em
que foram criados. Eles não somente sentiram a vergonha, mas eles entenderam, pela
primeira vez, que eram culpados de desobedecerem a Deus. A verdadeira culpa emana
do reconhecimento de violar as leis de Deus.
O pecado que mergulhou a humanidade no pecado foi o de desobediência. Isso
mostra que o homem não era capaz de decidir o que era bom e mal, mas precisava
confiar em Deus neste assunto.
Deus, como Criador, tem o direito de estabelecer leis, tanto espirituais como
materiais. Guardar ou quebrar estas leis é a escolha do homem, por causa do seu livre
arbítrio. Nesta primeira ocasião o homem escolheu desobedecer a Lei de Deus.
Portanto, ele precisa arcar com as consequências.
Imediatamente depois de pecar, o efeito do pecado foi evidenciado, primeiramente no
seu entendimento, depois na sua separação de Deus (Gn 3:8-10). Quando Deus veio, na
viração do dia como era Seu costume, o homem se escondeu. O efeito do pecado não foi
que Deus afastou a Sua presença do homem, mas sim que o homem se afastou de Deus.
―E temi, porque estava nu, e escondi-me‖ (Gn 3:10). O homem, é claro, não pode se
separar do seu Criador. O pecador perante a face de Deus está totalmente indefeso.
―Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou homem de lábios impuros,
e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor
dos Exércitos‖ (Is 6:5).
O problema do pecado
Os resultados do pecado. Os resultados do pecado no mundo são vistos cedo na
história do homem. Em Gênesis cap. 3 temos a primeira menção de medo (v. 10); de
auto justificação (vs. 12-13); dos sofrimentos multiplicados à mulher ao dar à luz filhos
(v. 16); da sua sujeição ao seu marido decretada por Deus; da tristeza também para o
homem no seu trabalho na terra (vs. 17-19); do homem lançado fora do lindo jardim por
Deus (v. 24), e da resultante separação que durará não somente por todo o tempo, mas
também por toda a eternidade, se não houver reconciliação.
A revelação do pecado. O pecado é revelado pela mente, pela boca e pelo intento
moral do coração: ―Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o
homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios,
prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias‖ (Mt 15:18-19). De fato todas as
faculdades físicas do homem são usadas na prática do pecado. O homem pragueja com
sua boca, engana com suas ações, olha com concupiscência, tem orgulho no seu
coração, fecha seus ouvidos à Palavra de Deus, comete atos maus com suas mãos, anda
nos caminhos errados com seus pés. A descrição dada em Romanos 3:10-18 é
conclusiva: ―Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há
ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis.
Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; com
as suas línguas tratam enganosamente; peçonha de áspides está debaixo de seus lábios;
cuja boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar
sangue. Em seus caminhos há destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz.
Não há temor de Deus diante de seus olhos‖.
A repugnância causada pelo pecado. Vemos isto ao nosso redor no mundo inteiro.
Não precisamos entrar em detalhes aqui para descrever a natureza repugnante do pecado
praticado e gozado pelo homem no mundo. A falta de padrões morais no mundo é a
evidência do pecado desenfreado e da complacência do homem com tal condição. A
atitude desta era causa preocupação ao verdadeiro crente, mas quanto mais Deus sente
repulsa deste pecado ostensivo. Romanos 1:21-32 é suficientemente descritivo do
caráter degradado do homem, chegando ao seu clímax no v. 32: ―não somente as fazem,
mas também consentem aos que as fazem‖. Nada pode ultrapassar a enormidade desta
afirmação final à lista anterior. Os homens gostam do pecado simplesmente porque é
vil, e têm prazer em ver outros no mesmo estado de condenação em que eles mesmos
estão. ―Que se alegram de fazer o mal, e folgam com as perversidades dos maus‖ (Pv
2:14). ―Porque o ímpio gloria-se do desejo da sua alma; bendiz ao avarento, e renuncia
ao Senhor‖ (Sl 10:3).
Nos Evangelhos, a figura do leproso é usada para descrever a natureza repugnante do
pecado. Era uma condição que precisava do poder purificador do Senhor Jesus, e que
sob a lei precisava ser provada, indicando a obra da Santificação que Ele mesmo
efetuaria. A importância de purificação será desenvolvida mais adiante neste livro;
entretanto, em nossos dias, vale a pena perguntar se uma vida de práticas impuras pode
ter, algum dia, provado uma santificação inicial?
A posição remota do pecador. Esta posição foi vista primeiramente no Jardim
quando o homem se escondeu de Deus (Gn 3:10). Paulo se refere àqueles que
―chegaram perto‖, ou foram reconciliados, mas que antes ―estavam longe‖ (Ef 2:13). A
razão desta distância entre Deus e o homem é devido à condição do pecador: ―morto em
ofensas e pecados‖ (Ef 2:1). O distanciamento de Deus não é devido somente ao pecado
do homem, mas à ira de Deus contra o pecado. ―Deus é juiz justo, um Deus que se ira
todos os dias‖ (Sl 7:11). O efeito do pecado é que os pecadores são cortados do contato
íntimo com Deus. Pode haver reconciliação pelo arrependimento do pecado e fé no
Senhor Jesus Cristo, mas fora de Cristo, o pecado rompe o relacionamento do homem
com Deus.
A recompensa do pecador. A recompensa do pecado é o triste destino da morte. Já
temos visto que o pecado traz a morte. Esta morte é tanto espiritual quanto física.
Quando o homem pecou ele morreu espiritualmente, separando-se da fonte de vida, que
é Deus. Com o tempo o pecado faz o seu trabalho, e finalmente todos os homens
morrem. ―O salário do pecado é a morte‖ (Rm 6:23). Depois da morte vem o juízo de
Deus: ―como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo‖
(Hb 9:27). Este juízo, sob o olhar justo dAquele que se assenta no trono (Ap 20:11), é
seguido pela ―segunda morte‖ (Ap 20:14), que é a perda eterna e a separação de Deus, e
de tudo que é bom, e o sofrimento no lago de fogo. Entretanto, também há o sentido em
que a prática contínua das ações pecaminosas do homem, e dos vícios resultantes, traz
uma recompensa à sua vida. O caráter repulsivo do pecado é visto nas vidas de tantas
pessoas que têm rejeitado a misericórdia de Deus, preferindo o lamaçal dos pecados da
carne que resultam na sua destruição física.
A progressão do pecado
O pecado na raça humana logo se tornou evidente na próxima geração. O pecado de
Caim começou como qualquer outro pecado, com uma atitude hostil para com Deus.
Quando Caim viu que Abel estava adorando a Deus corretamente, ele ficou zangado e
com inveja. Ele odiou seu irmão e o matou (I Jo 3:12). Embora o seu clamor fosse de
remorso, não era verdadeiro arrependimento, mas era o resultado do seu egoísmo e
temor de vingança (Gn 4:15).
As gerações passaram e o pecado abundou em toda a parte. ―E viu o Senhor que a
maldade do homem se multiplicara sobre a terra… porque toda a carne havia
corrompido o seu caminho sobre a terra‖ (Gn 6:5, 12).
Assim através de 6.000 anos o pecado continua, tocando e contaminando tudo,
―porque todos pecaram‖ (Rm 3:23), afetando todos, porque ―a morte passou a todos os
homens‖ (Rm 5:12), até que no final haverá o juízo: ―vindo depois disso o juízo‖ (Hb
9:27). Veja também Apocalipse 20:15. O tema do juízo pelo pecado também pode ser
traçado através das Escrituras, desde o jardim, através do dilúvio, nas chamas que
consumiram as cidades da planície, e através de muitos outros exemplos, inclusive do
juízo de crentes que pecaram (At 5:1-11; I Co 11:30), até que finalmente a morte, o
inferno, o descrente e o próprio Satanás serão lançados no Lago de Fogo, como já
descrevemos. ―E o pecado, sendo consumado, gera a morte‖ (Tg 1:15).
Isso é, finalmente, a penalidade do pecado.
O efeito do pecado no Salvador
Precisamos enfatizar cuidadosamente a verdade fundamental que nosso Senhor Jesus
Cristo não tinha a capacidade de pecar. É extremamente fraco somente afirmar que Ele
não pecou, sem enfatizar o fato da Sua impecabilidade. As Escrituras são claras:
―Aquele que não conheceu pecado‖ (II Co 5:21), ―nele não há pecado‖ (I Jo 3:5), ―o
qual não cometeu pecado‖ (I Pe 2:22).
Ao seguirmos os Seus passos através dos relatos da Sua vida, nos Evangelhos, vemo-
lO entrar em contato com a morte, a doença, os demônios e os que estavam
mergulhados no pecado. Estas eram circunstâncias que, sob a lei, teriam tornado o
homem imundo, mas nosso bendito Senhor não foi contaminado pelo ambiente em que
se achava, por causa do Seu caráter santo e impecável.
Se a reconciliação precisa ser efetuada e a justiça imputada, então precisa ser pela
Sua obra realizada na cruz. Jerusalém e ―a morte da cruz‖ estavam sempre diante do
Senhor, durante a Sua trajetória aqui na Terra. Ele ―manifestou o firme propósito de ir a
Jerusalém‖ (Lc 9:51). A cada passo na Sua caminhada aqui na Terra, diante dEle estava
a lembrança terrível de que o pecado teria que ser tratado e que Ele seria feito pecado.
Depois da consumação da obra do Calvário, Paulo escreveu: ―Àquele que não conheceu
pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus‖ (II Co
5:21). Os sofrimentos de Cristo foram profetizados, em figuras e pelos profetas, e o
evento aconteceria quando chegasse a hora. Embora Ele fosse feito pecado, o Salvador
conservou em Si mesmo a perfeição intrínseca que sempre teve como Deus.
v. 21 O povo ―a vós‖;
O problema ―éreis estranhos e inimigos‖;
O processo ―agora, contudo vos reconciliou‖.
O apóstolo está afirmando que os colossenses compartilharam das bênçãos da
reconciliação quando receberam Cristo. A palavra ―estranhos‖ (apellotriomenous)
testifica da Queda. Quando Adão pecou, ele se afastou de Deus (compare Ef 2:12-13,
―separados‖). A palavra ―inimigos‖ expressa hostilidade (compare Mt 13:38 e Rm 8:7).
A mente (dianoia) é a fonte; as obras (ergois) a esfera, e o mal (ponerois) é a força.
Parece haver bastante autoridade textual para iniciar o v. 22 depois da palavra ―obras‖
(veja JND). Contudo, prontamente reconhecemos que Deus é o Reconciliador. A
palavra ―agora‖ indica que é o tempo presente da graça que está em vista. Não o exato
momento presente, mas a época presente, caracterizada pela graça salvadora de Deus,
constantemente apresentada no Evangelho.
v. 22 O canal da reconciliação ―no corpo da Sua carne‖;
O custo da reconciliação ―pela morte‖;
A consumação da reconciliação,
―apresentar-vos santos‖ além de contaminação;
―irrepreensíveis‖ além de crítica;
―inculpáveis‖ além de culpa;
A centralidade da reconciliação ―perante Ele‖.
Esta referência, com sua menção especial de ―corpo‖ e ―carne‖, cumpre um propósito
duplo:
i) Distingue entre o corpo físico de Cristo (como em Rm 7:4) e o corpo místico de
Colossenses 1:18.
ii) Combate o erro:
a) Os Gnósticos consideravam toda matéria como má.
b) O erro Docético postulava que o Senhor Jesus Cristo existiu na terra somente
como um fantasma.
A verdade da Encarnação é estabelecida aqui sem deixar qualquer dúvida, e
propositadamente, pois o Espírito de Deus previu os erros que iriam confundir os santos
de então, e de hoje. O relacionamento íntimo entre a encarnação de Cristo e a Sua morte
sacrificial é também declarado nesta passagem incomparável. Ela nos conta:
i) Que o corpo de Cristo era real — não era um fantasma;
ii) Que o corpo de Cristo estava sujeito à morte, tendo em vista Filipenses 2:6-9.
iii) Que Sua morte reconciliou o homem com Deus.
O infinitivo parastesai (―apresentar‖) revela o propósito final de Deus na Sua obra de
reconciliação. Ele nos colocará perante Si mesmo, livres de qualquer sinal ou mancha
de pecado. Três adjetivos são usados para descrever nossa posição completa e perfeita
perante Ele. William Lincoln os descreve como: ―santos perante Deus, inculpáveis
perante os outros, e irrepreensíveis perante Satanás‖. Embora isso possa ser verdade, o
assunto central e principal que Paulo, pelo Espírito de Deus, enfatiza, é “perante Ele”.
Enquanto consideramos estas verdades maravilhosas podemos cantar com mais
inteligência:
Sou mensageiro aqui de um grande Salvador,
Que me livrou do mal e fez-Se meu Senhor;
E manda me falar do Seu amor sem par
Aos companheiros meus aqui.
Proclamo o nome de Jesus,
Que me remiu por Sua cruz.
Há nEle salvação, paz, reconciliação;
Há nEle vida, graça e luz
Desejo anunciar a todo pecador
Que salvação do mal, por Cristo, o Redentor,
Já pode desfrutar, querendo confiar
NAquele que morreu na cruz.
É graça singular, é bênção sem igual,
Que aos homens, pela cruz, Deus dá perdão real
Quando contritos vêm a Cristo, o Sumo Bem,
Pra salvação obter por fé.
E. T. Cassel (H. e C. nº 124)
Cap. 9 — Regeneração
Brian Currie, Irlanda do Norte
Introdução
A palavra ―regeneração‖ ocorre somente duas vezes na Bíblia. Estas duas referências
são:
i) ―E Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, na
regeneração, o Filho do homem se assentar no trono da sua glória, também vos
assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel‖ (Mt 19:38).
ii) ―Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua
misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito …‖
(Tt 3:5).
No evangelho de Mateus o assunto é nacional; tem a ver com a Criação e está
no futuro.
Na carta de Paulo a Tito é pessoal; tem a ver com cristãos e está no presente.
Definição
Há três termos que, embora intimamente ligados, precisam ser distinguidos. São
―vivificar‖, ―nascer de novo‖, e ―regeneração‖, que é o assunto deste capítulo.
As palavras ―vivificar‖, ―vivifica‖, ―vivificou‖, ―vivificarão‖, ―vivificante‖, e
―vivificado‖, ocorrem 26 vezes na Bíblia: 14 vezes no Velho Testamento e 12 no Novo
Testamento. A idéia central nesta palavra ―vivificar‖ é a imputação da vida divina.
Para que isso possa acontecer todo o poder divino, todas as Pessoas divinas e toda a
revelação divina estão envolvidos.
Das ocorrências no Velho Testamento, 11 estão no Salmo 119. Assim, há um vinculo
íntimo entre vivificar e a Palavra de Deus, que é o assunto principal daquele Salmo.
Não somente a Palavra está envolvida, mas também o Espírito de Deus. Assim
lemos: ―O Espírito é o que vivifica …‖ (Jo 6:63).
Notamos que o Filho de Deus está envolvido também, ―pois, assim como o Pai
ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho vivifica aqueles que quer‖ (Jo
5:21).
Muitas referências provam que o próprio Pai está envolvido. ―E vos vivificou,
estando vós mortos em ofensas e pecados‖ (Ef 2:1); ―E, quando vós estáveis mortos nos
pecados, e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele,
perdoando-vos todas as ofensas‖ (Cl 2:13).
Estas referências provam o que já afirmamos, que vivificar tem a ver com a
imputação da vida. Romanos 4:17 e 8:11, que falam da ressurreição, também enfatizam
esta verdade. Vemos isto também na esfera da agricultura (I Co 15:36), e em relação ao
Senhor Jesus (I Pe 3:18).
Temos ilustrações bíblicas disto nas três ocasiões quando o Senhor Jesus ressuscitou
pessoas que tinham morrido: uma menina, um rapaz, e um homem. Dois eram jovens,
mas Lázaro já era homem maduro. Aprendemos que idade e gênero não importam,
porque todos precisam ser vivificados. A menina tinha acabado de morrer, o rapaz
estava a caminho do sepulcro e Lázaro estava morto já quatro dias e cheirava mal. Aqui
aprendemos que não importa a profundidade a que a pessoa tem-se afundado no pecado
— Ele pode vivificar a todos.
Em seguida, pensemos na expressão ―nascer de novo‖, que indica inclusão na
família.
É quando nascemos que nos tornamos parte da família do nosso pai. Assim também é
espiritualmente. É somente quando ―nascemos de novo‖ que entramos na família de
Deus. Isso não acontece por meio de batismo, nem por relacionamentos naturais, ritos
religiosos ou qualquer outra coisa feita por ou sobre a pessoa, pessoalmente ou por
outra. O novo nascimento é de Deus. É por isso que o Senhor Jesus disse a Nicodemos:
―Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o
reino de Deus … Não te maravilhas de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo‖ (Jo
3:3, 7).
A palavra aqui traduzida ―de novo‖ é usada por João em três outros lugares no seu
evangelho:
i) 3:31 — ―Aquele que vem de cima é sobre todos‖;
ii) 19:11 — ―Nenhum poder terias contra mim, se de cima não te fosse dado …‖;
iii) 19:23 — ―A túnica porém, tecida toda de alto a baixo, não tinha costura‖.
Assim, o novo nascimento é uma obra de Deus porque vem de cima. João confirma
isto na sua primeira epístola, onde ele nos lembra sete vezes que somos nascidos de
Deus ou nascidos dEle (veja 2:29; 3:9; 4:7; 5:1, 4, 18). Nunca lemos que somos
nascidos de Cristo.
Aprendemos de I Pedro 1:23 que o novo nascimento é produzido por Deus, usando a
Sua Palavra: ―Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível,
pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre‖. Para entendermos este
versículo corretamente, é necessário considerar as preposições usadas nele. Lendo o
versículo, literalmente, temos: ―Sendo de novo nascidos, não de [ek] semente
corruptível, mas da incorruptível, por intermédio [dia] da Palavra de Deus vivendo e
permanecendo para sempre‖. Assim, a palavra de Deus é o instrumento pelo qual a
semente incorruptível da vida divina é concedida à alma que crê.
Podemos ver uma ilustração bíblica disso na história de Naamã em II Reis 5, onde
lemos no v. 14: ―… sua carne tornou-se como a carne de um menino …‖.
Chegamos agora ao assunto deste capítulo, Regeneração, que significa a introdução
de uma nova condição.
Antes de expor este assunto, podemos considerar a ilustração bíblica que vemos no
gadareno endemoninhado. Ele encontrou o Senhor Jesus e foi totalmente mudado, sendo
introduzido a uma situação completamente nova. Assim, o encontramos ―vestido, e em
seu juízo, assentado aos pés de Jesus‖ (Lc 8:35). Houve uma mudança nos seus trajes,
ele estava ―vestido‖; houve uma mudança na sua atitude, estava ―em seu juízo‖; houve
uma mudança na sua posição, estava ―assentado aos pés de Jesus‖; e houve uma
mudança na suaapreciação, ―rogou-lhe que o deixasse estar com Ele‖ (v. 38).
Exposição
Já notamos que o assunto da Regeneração tem dois aspectos, que são:
a) Nacional, ligado à Criação, no futuro. Isto é Mateus 19:28: ―E Jesus disse-lhes:
Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando na regeneração, o Filho de
homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos,
para julgar as doze tribos de Israel.‖
b) Pessoal, ligado aos cristãos, no presente. Isto é Tito 3:5: ―Não pelas obras de
justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela
lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo…‖.
a. Nacional
Este aspecto, mencionado por Mateus, trata da nação de Israel e é profético. Com o
Arrebatamento da Igreja, a influência que tem refreado o avanço da rebeldia será
removida, e consequentemente o mundo será mergulhado em dias terríveis de desastres
naturais, como fomes e terremotos; anarquia social; grandes problemas políticos
internacionais, com guerras civis e internacionais, todos numa escala nunca vista.
Quando o Salvador vier como Rei, Ele subjugará todos os Seus inimigos, produzindo
uma grande renovação, e Ele introduzirá condições inteiramente novas.
Apocalipse 19 nos informa que Ele virá do Céu num cavalo branco, o símbolo da
realeza, e tratará com aqueles que estarão reunidos ao redor de Jerusalém para destruí-
la. Os dois homens de Satanás, a besta e o falso profeta, serão ―lançados vivos no lago
de fogo que arde com enxofre‖ (v. 20), e todos os que os seguiam serão mortos.
Então o Rei tratará com Satanás. Ele será ―amarrado‖ durante o período dos mil anos
do reino milenar do Senhor (Ap 20:1-3).
Alguns duvidam se este período de mil anos será literal, e outros sugerem que se
refere aos dias em que vivemos. Contudo, notamos os seguintes detalhes:
i) A prisão de Satanás não acontecerá até que o Rei vier, portanto não pode ser
durante esta era presente.
ii) Os tempos mencionados em Apocalipse são literais.
iii) Em Apocalipse o símbolo usado para um ano é ―tempo‖. Lemos em 12:14, que
Israel ―é sustentada por um tempo, e tempos, e metade de um tempo‖.
iv) No Novo Testamento há duas palavras usadas para ―ano‖, e ambas são usadas
em Apocalipse. A primeira está em 9:15: ―E foram soltos quatro anjos, que estavam
preparados para a hora, e dia, e mês, e ano, a fim de matarem a terça parte dos
homens‖. Esta palavra ocorre 14 vezes no Novo Testamento, e significa muitas vezes
um período de tempo. Por exemplo, a primeira referência está em Lucas 4:19: ―o ano
aceitável do Senhor‖. Contudo, a palavra usada em Apocalipse 20:2-7, é
primeiramente usada em Mateus 9:20: ―uma mulher que havia já doze anos padecia
de um fluxo de sangue‖. Observe também como João usa esta palavra: ―Em quarenta
e seis anos foi edificado este templo‖ (Jo 2:20). ―E estava ali um homem que, havia
trinta e oito anos, se achava enfermo‖ (5:5). ―Ainda não tens cinquenta anos, e viste
Abraão?‖ (8:57). Estes exemplos provam incontestavelmente que a referência aqui é
a anos reais e literais.
Transformação — o que acontecerá nesta grande regeneração?
Muitas esferas serão afetadas, tanto em relação a Israel como à humanidade em geral.
As seguintes referências bíblicas mostram a imensidão destas mudanças, que
acontecerão em, pelo menos, sete aspectos diferentes.
i) Espiritualmente
Jeremias 31:33-34: ―Mas esta é a aliança que farei com a casa de Israel depois
daqueles dias, diz o Senhor: Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei no seu
coração; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. E não ensinarão mais cada um o
seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: Conhecei ao Senhor; porque todos me
conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor; porque lhes perdoarei a sua
maldade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados‖.
Isaías 11:9: ―… a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas do
mar‖.
Habacuque 2:14: ―Porque a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor,
como as águas cobrem o mar‖.
ii) Geograficamente
Isaías 40:4-5: ―Todo o vale será exaltado, e todo o monte e todo o outeiro será
abatido, e o que é áspero se aplainará. E a glória do Senhor se manifestará, e toda a
carne juntamente a verá, pois a boca do Senhor o disse‖.
Zacarias 14:4, 10: ―E naquele dia estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras,
que está defronte de Jerusalém para o oriente; e o monte das Oliveiras será fendido pelo
meio, para o oriente e para o ocidente, e haverá um vale muito grande; e a metade do
monte se apartará para o norte, e a outra metade dele para o sul…Toda a terra em redor
se tornará em planície, desde Geba até Rimom, ao sul de Jerusalém.‖
iii) Botanicamente
As condições do Éden voltarão: Isaías 35:1-2: ―O deserto e o lugar solitário se
alegrarão disto; e o ermo exultará e florescerá como a rosa. Abundantemente florescerá,
e também jubilará de alegria e cantará‖.
Salmo 72:16, ―Haverá um punhado de trigo na terra sobre as cabeças dos montes; o
seu fruto se moverá como o Líbano‖.
iv) Zoologicamente
Isaías 11:6-8: ―E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se
deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino
pequeno os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, seus filhos se deitarão juntos, e o
leão comerá palha como o boi. E brincará a criança de peito sobre a toca da áspide, e a
desmamada colocará a sua mão na cova do basilisco‖.
Ezequiel 47:8-9: ―Estas águas saem para a região oriental, e descem ao deserto, e
entram no mar; e, sendo levadas ao mar, as águas tornar-se-ão saudáveis. E será que
toda a criatura vivente que passar por onde quer que entrarem estes rios viverá; e haverá
muitíssimo peixe, porque lá chegarão estas águas, e serão saudáveis, e viverá tudo por
onde quer que entrar este rio‖.
v) Naturalmente
Zacarias 14:6-7: ―E acontecerá que naquele dia, não haverá preciosa luz, nem espessa
escuridão. Mas, será um dia conhecido do Senhor; nem dia nem noite será; mas
acontecerá que ao cair da tarde haverá luz‖.
vi) Socialmente
Zacarias 14:11: ―E habitarão nela, e não haverá mais destruição, porque Jerusalém
habitará segura‖.
Isaías 2:4: ―e estes converterão suas espadas em foices; uma nação não levantará
espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerrear‖.
Miquéias 4:3-4: ―E julgará entre muitos povos, e castigará nações poderosas e
longínquas, e converterão as suas espadas em pás, e as suas lanças em foices; uma
nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra. Mas,
assentar-se-á cada um debaixo da sua videira, e debaixo da sua figueira, e não haverá
quem os espante, porque a boca do Senhor dos Exércitos o disse‖.
vii) Nacionalmente
Deuteronômio 28:13: ―E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás
em cima, e não debaixo …‖.
Vindicação
Nós apreciamos todas estas mudanças e antecipamos estes dias com corações cheios
de gozo e devoção, porque haverá a vindicação do Senhor Jesus aqui na Terra, onde Ele
foi rejeitado.
Note os contrastes entre a Sua posição quando rejeitado na Terra e durante estes dias
de Glória Milenar:
Na Terra No milênio
Humilhação Glória
Panos Envolto em glória
Uma jumenta Um cavalo branco
Derramou lágrimas Olhos como chama de fogo
Túnica de púrpura Vestes reais
Uma coroa de espinhos Muitos diademas
Uma cana de escárnio Uma vara de ferro
Poucos discípulos tímidos Os exércitos dos céus
Seu sangue O sangue dos Seus inimigos
Acima dEle: ―Rei dos Judeus‖ Na Sua coxa: ―Rei dos Reis e Senhor dos Senhores‖
Homens reunidos para Homens reunidos para serem condenados por Ele.
condená-lO
Sozinho na cruz Com todas as hostes celestes.
b. Pessoal
Muitos irmãos têm negligenciado a epístola de Paulo a Tito. Contudo nos seus 46
versículos temos muitas verdades doutrinárias. De fato, há três grandes passagens
doutrinárias na epístola:
i) 1:1-3. Aqui encontramos a grande verdade da eleição; acontecimentos antes da
criação do mundo; a fé; e a pregação. É uma miniatura da carta aos Efésios.
ii) 2:11-14. Estes versículos apresentam a chegada da graça; a mudança na vida
presente; a segunda vinda do Senhor Jesus. É uma miniatura da carta
aos Tessalonicenses.
iii) 3:4-7. Nesta parte aprendemos sobre a corrupção do homem; a justificação pela
graça; somos herdeiros; e temos uma esperança. É uma miniatura da carta
aos Romanos.
Nossa intenção agora é meditar sobre Tito 3, especialmente os vs. 1-7, que nos
apresentam o assunto da Regeneração e como isso afeta os cristãos, no presente.
Estes versículos podem ser compreendidos se fizermos, e respondermos, três
perguntas:
i) Por que a regeneração foi necessária? A resposta se encontra no v. 3.
ii) Como aconteceu a regeneração? A resposta se encontra nos vs. 4-6.
iii) Que diferença fez a regeneração? A resposta se encontra nos vs. 1 e 2, que se
relacionam com a nossa responsabilidade presente, e no v. 7 que se relaciona com
nossodestino futuro.
i) Por que a regeneração foi necessária?
3:3: ―Porque também nós éramos noutro tempo insensatos, desobedientes,
extraviados, servindo a várias concupiscências e deleites, vivendo em malícia e inveja,
odiosos e odiando-nos uns aos outros‖.
Paulo se inclui nesta descrição, usando a palavra ―nós‖, mas rapidamente ele
acrescenta que sua maneira de viver tinha mudado e que ele, e eles, não viviam mais
daquela maneira. Assim, ele usa o tempo imperfeito: ―Nós … éramos‖.
Uma acusação sétupla é feita contra nós, e como é comum com o uso de números na
Bíblia, sete se divide em 3 + 4 ou 4 + 3. Sendo sete o número da perfeição, ou algo
completo, isto mostra a total depravação do nosso estado espiritual, antes da
regeneração.
As primeiras três acusações são interiores, e as outras quatro são exteriores. São
dadas nesta ordem porque o problema maior da humanidade não regenerada é interior.
Esta foi a conclusão de Deus no Salmo 14:1: ―Têm-se corrompido, fazem-se
abomináveis em suas obras …‖. Repare que começa com o que ―são‖, não com o que
―fazem‖. ―Têm-se corrompido‖ se refere ao estado interior e, como resultado disso,
lemos o que fazem: ―fazem-se abomináveis‖. Este problema interior não pode ser
solucionado por algum remédio exterior. A dificuldade do homem não pode ser
resolvida por meio de coisas exteriores como ritos religiosos, batismo, ou participar da
―Santa Comunhão‖; nem pelas obras de bondade ou filantropia; nem pela provisão de
casas melhores, emprego, benefícios sociais. Nada exterior pode tocar o problema
interior. A necessidade interior precisa ser tratada antes que a necessidade exterior possa
ser corrigida.
a) Interiormente
i) ―insensatos‖. Significa irracionais, sem capacidade para discernir coisas
espirituais, e está relacionado com a mente. A palavra é também traduzida
―insensatos‖ (Gl 3:1, 3); ―loucas‖ (I Tm 6:9); ―néscios‖ (Lc 24:25) e ―ignorantes‖
(Rm 1:14). Podemos nos orgulhar do nosso intelecto e raciocínio em muitas esferas
da vida, mas não em coisas espirituais.
ii) ―desobedientes‖. É o oposto de ser persuadido, e esta atitude nos deixou
endurecidos e rebeldes. Isso está relacionado com o coração. Os únicos outros usos
desta palavra como adjetivo são: Lc 1:17 (traduzido ―rebeldes‖); At 26:19; Rm 1:30;
II Tm 3:2; e Tt 1:16.
iii) ―extraviados‖. Este verbo é um particípio presente na voz passiva, que significa
que estávamos sendo enganados. Traz a idéia de ser desviado, e está relacionado com
avontade. Em outras passagens é traduzida de várias maneiras, por exemplo:
―desgarrou‖ (Mt 18:12); ―errados‖ (Hb 5:2); ―errantes‖ (Hb 11:38).
Assim, interiormente, a minha mente, coração e vontade estavam todos afetados
pelo pecado. Isso produziu problemas
b) Exteriormente.
iv) ―servindo a várias concupiscências e deleites‖.
―servindo‖ é um particípio presente na voz ativa, significando que quando não
éramos salvos, constantemente seguíamos este caminho. Esta é a palavra doulos,
conhecida de muitos cristãos, mostrando que servíamos como escravos. Não importa
o que os incrédulos pensam, eles não são livres.
O que é que eles servem? ―Concupiscências‖. Repare que esta palavra, e
―deleites‖, estão no plural. ―Concupiscências‖ significa todo tipo de desejo
depravado. Ocorre 38 vezes como substantivo no Novo Testamento. Somente não é
traduzida ―concupiscência‖ nas seguintes referências: Mc 4:19 (―ambições‖); Lc
22:15 (―desejei‖); II Tm 2:22 (―paixões‖); e Jo 8:44; Ef 2:3; Fp 1:23; I Ts 2:17; Ap
18:14, onde é traduzida ―desejo(s)‖.
―deleites‖. Refere-se a todo tipo de desejo natural e sensual. Além desta
passagem, a palavra só se encontra em: Lc 8:14; II Pe 2:13 e Tg 4:1, 3.
v) ―vivendo em malícia e inveja‖.
―Vivendo‖. Aqui temos outro particípio presente na voz ativa, significando,
novamente, que este modo de viver era constante.
―Malícia‖. Significa extrema maldade, com uma dureza depravada que deseja
prejudicar os outros. É encontrada no Novo Testamento em: Mt 6:34 (―mal‖); At
8:22 (―iniquidade‖); II Pe 2:16 (―transgressão‖); I Co 5:8 e Rm 1:29 (―maldade‖); I
Co 14:20; Ef 4:31; Cl 3:8; II Pe 2:1 e Tg 1:21 (―malícia‖).
―Inveja‖. Esta palavra ocorre nove vezes no Novo Testamento, e é sempre
traduzida ―inveja‖. Significa querer o que o outro tem. É mais forte que ―ciúmes‖,
que significa querer algo semelhante àquilo que o outro tem. ―Inveja‖ não fica
satisfeita quando outra pessoa vai bem e prospera. Uma pessoa invejosa não obedece
à exortação: ―Alegrai-vos com os que se alegram; chorai com os que choram‖ (Rm
12:15).
vi) ―odiosos‖. Aqui temos a única menção desta palavra no Novo Testamento. Ela
significa ser detestável ou ofensivo. Provavelmente descreve o que éramos para com
os outros.
vii) ―e odiando-nos‖. Todas as quarenta e duas menções desta palavra têm o
significado de ser detestável. Novamente é um particípio presente na voz ativa. A
implicação é que não existe amor ou amizade profunda e durável entre os incrédulos.
ii) Como aconteceu a regeneração?
vs. 4-6: ―Mas quando apareceu a benignidade e amor de Deus, nosso Salvador, para
com os homens, não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua
misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo,
que abundantemente ele derramou sobre nós por Jesus Cristo nosso Salvador‖.
Assim como havia uma acusação sétupla contra nós, agora temos sete passos
tomados por Deus, mostrando como a nossa salvação é completa.
Notamos que isto ―apareceu‖. Esta palavra, na forma verbal, é encontrada também
em: Lc 1:79 (traduzida ―iluminar‖); At 27:20 (―aparecendo‖) e Tt 2:11 (―há
manifestado‖).
Significa ―resplandecer‖, ―brilhar‖. Antes estava escondido, mas agora foi
manifestado. Esta mensagem gloriosa da regeneração, pela morte do Senhor Jesus, não
se encontrava no Velho Testamento, mas é um assunto da revelação do Novo
Testamento. Procuraremos em vão, no Velho Testamento, por esta ou outra doutrina
relacionada com a igreja.
Também, devemos apreciar que a regeneração não se originou no coração do homem.
Não a merecíamos e nem poderíamos merecê-la, e assim Deus teve que tomar a
iniciativa. Por esta razão, nestes sete passos tomados por Deus, lemos da Trindade:
Deus (v. 4), o Espírito Santo (v. 5) e Jesus Cristo (v. 6).
Estes sete atos são:
i) ―Benignidade‖. Esta palavra é traduzida ―bondade‖ em Romanos 11:22; ―bem‖
em Romanos 3:12; ―benignidade‖ em Romanos 2:4; II Coríntios 6:6; Efésios 2:7;
Colossenses 3:12; Gálatas 5:22. É a benignidade ou bondade que se manifesta na
vida pelas obras assim caracterizadas. Poderia ser descrita como ―bondade em ação‖
(W. E. Vine).
ii) ―Amor‖. Esta é a nossa palavra ―filantropia‖, que aqui significa o amor de Deus
para com o homem. Não pode ser explicado, somente desfrutado. Obviamente está
em grande contraste com a descrição ―odiosos e odiando-nos uns os outros‖. Quem
nos amou foi ―Deus nosso Salvador‖. Este título é característico das Epístolas
Pastorais, e revela o poder e a grandeza dAquele que salva. A salvação é uma obra
muito além da capacidade de qualquer homem, ou grupo de homens. Agora mais
uma explicação é dada, e para que não haja nenhuma dúvida, lemos como não
aconteceu, e como aconteceu. Como vemos na expressão no v. 5: ―não … mas‖,
temos o ensino negativo e também o positivo. ―Não pelas obras da justiça que
houvéssemos feito, mas segundo a Sua misericórdia Ele nos salvou, pela lavagem da
regeneração e da renovação do Espírito Santo‖ (3:5).
a) Negativamente. A primeira parte do versículo ensina a verdade fundamental que
as obras do homem não têm nenhuma parte na sua salvação. Literalmente diz: ―Não
de [ek] obras em [en] justiça‖. A fonte não é ―obras‖, e a esfera não é ―justiça‖. Deus
não nos salva por causa do que temos feito ou do que faremos; nossas boas obras não
influenciam Deus na Sua maneira de tratar com indivíduos. Neste grande assunto,
nosso esforço é inútil e sem valor. Este fato é constantemente enfatizado nos escritos
de Paulo, como podemos facilmente observar considerando as seguintes Escrituras:
Rm 3:28; 4:5; Gl 2:16; Ef 2:8,9; e II Tm 1:9.
b) Positivamente:
iii) ―Sua misericórdia‖. Esta é a origem desta grande bênção — vem dEle, como
resultado da Sua misericórdia. Misericórdia ―é a manifestação exterior de compaixão;
ela reconhece a necessidade de quem a recebe e reconhece que aquele que a
demonstra tem os recursos suficientes para suprir a necessidade‖ (W. E. Vine). É a
compaixão de Deus para com o afligido, com o desejo e a capacidade de ajudar. Nós
podemos visitar um hospital e ver ali pessoas em muito sofrimento. Podemos nos
sentir comovidos, mas não temos os recursos para suprir aquela necessidade.
Louvamos o Seu nome que Ele teve a capacidade para suprir o que a Sua compaixão
sentiu.
iv) ―Ele nos salvou‖. Isto é o que Ele realizou — a salvação completa. Estando no
tempo aoristo, indica que houve um momento quando isto aconteceu, e que naquela
ocasião o acontecimento foi completo em si mesmo. A salvação não é um processo, é
instantânea, no momento em que um pecador coloca a sua fé no Senhor Jesus Cristo
como seu Salvador. Nós não lemos: ―Ele nos ajudou‖. Ele fez tudo!
Já vimos acima que estávamos errados interiormente e exteriormente. Portanto, duas
coisas são necessárias.
Para o exterior há a lavagem;
Para o interior há a renovação.
Ambas estas coisas acontecem na conversão.
v) ―Lavagem da regeneração‖. Num certo sentido, isto é externo, e removeu toda a
contaminação e pecado. Em João 13, o Senhor estava para lavar os pés dos discípulos
e Pedro reclamou. Quando o Senhor explicou as consequências de não ter seus pés
lavados, Pedro queria ser lavado completamente. Lemos, no v. 10, que o Senhor lhe
disse: ―Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo
está limpo‖. Parece uma expressão estranha até que notamos que duas palavras
diferentes são usadas aqui, no grego, para ―lavar‖. A primeira significa banhar, uma
lavagem completa. A segunda significa lavar parte do corpo, e é usada em João 13:5,
6, 8, 10, 12, 14. Assim há uma lavagem completa que não precisa ser repetida, e há
outra lavagem parcial, como dos pés, que precisa ser repetida. Esta primeira lavagem
completa é chamada, aqui em Tito 3, ―a lavagem da regeneração‖. Talvez uma
ilustração poderia ajudar nossa compreensão. No Velho Testamento os sacerdotes
estavam acostumados com várias lavagens. Entretanto, havia duas que eram
essenciais no seu serviço. Em Levítico 8:6, na sua consagração, lemos que ―Moisés
fez chegar a Arão e a seus filhos, e os lavou com água‖. Esta era uma lavagem que
acontecia uma única vez e era realizada por Moisés, agindo por Deus. Entretanto,
quando eles se aproximavam para servir, eles tinham que constantemente usar a bacia
para lavar suas mãos e seus pés. Isto eles faziam por si mesmos. A primeira destas
lavagens se compara com Tito 3, e a segunda com João 13. Note também Hebreus
10:22: ―Cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os
corações purificados de má consciência e o corpo lavado com água limpa‖. Alguns
sugerem que esta lavagem é literal e que fala do batismo, mas se interpretarmos o
―corpo‖ literalmente, então precisamos também interpretar literalmente ―corações
purificados‖. Esta é outra referência à ―lavagem da regeneração‖. Outra Escritura
intimamente ligada com este assunto é João 3:5: ―… aquele que não nascer da água e
do Espírito, não pode entrar no reino de Deus‖. Para completar, devemos mencionar
que I Coríntios 6:11 é diferente. A palavra ali significa ―lavar embora‖ e, estando na
voz média significa ‗lavar-se a si mesmo‘. W. E. Vine diz que a palavra ―indica que
os convertidos em Corinto, pela sua obediência à fé, voluntariamente deram
testemunho da mudança completa que foi divinamente efetuada neles‖.
vi) ―e pela renovação do Espírito Santo‖. Isto é algo interno e inclui uma renovação
completa, uma mudança completa para o melhor. Como já descrito anteriormente, é
aintrodução de uma condição inteiramente nova. O Espírito Santo, que usa a Palavra
de Deus para atingir o pecador arrependido que crê, efetua esta renovação.
Encontramos o que temos exposto nos parágrafos v) e vi) em um só versículo, em II
Coríntios 5:17: ―Portanto, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas
já passaram [a lavagem]; eis que tudo se fez novo [a Renovação]‖ .
vii) ―Ele derramou sobre nos abundantemente‖. Este verbo ―derramar‖, estando no
tempo aoristo, não permite um processo contínuo. Assim como ―salvou‖, no v. 5, é
completo e não um processo, assim também este derramamento aconteceu somente
uma vez. Achamos a mesma expressão em Atos 2:33: ―… tendo recebido do Pai a
promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis‖. É a mesma
palavra que é usada para o derramamento das taças em Apocalipse 16. No dia de
Pentecostes (Atos 2) o Senhor Jesus derramou o Espírito Santo em rica profusão, e
Ele nunca foi retirado. Assim, não devemos esperar outro derramamento nos nossos
dias. O Espírito Santo é uma Pessoa Divina, não uma influência. Não podemos
imaginar uma parte desta Pessoa sendo derramada. Naquele grande dia Ele foi
derramado integralmente, e o Senhor Jesus disse: ―… para que fique convosco para
sempre‖ (Jo 14:16). Enquanto a Igreja estiver aqui, Ele também estará. Alguns
podem usar o fato que a mesma palavra é usada em Atos 10:45 como evidência de
que há um derramamento contínuo do Espírito Santo: ―maravilharam-se de que o
dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios‖. Devemos notar que
o tempo do verbo, aqui, não é o mesmo que em Atos 2:33, onde está no aoristo,
indicando uma ação completada naquele tempo. Em Atos 10:45 está no tempo
perfeito, significando que a ação é vista como tendo sido completada no passado, mas
com efeitos contínuos no presente. Assim, em Atos 10, os gentios entraram na
bênção do que aconteceu em Atos 2. Não houve um novo derramamento do Espírito
depois de Atos 2. Hoje, quando alguém se torna cristão pela fé no Senhor Jesus
Cristo, naquele momento ele entra na bênção do acontecimento descrito em Atos 2.
3) Que diferença fez a regeneração?
A resposta está em 3:1-2 com respeito à nossa responsabilidade presente, e no v. 7
com respeito ao nosso destino futuro.
a) 3:1-2 — Responsabilidade presente
―Admoesta-os que se sujeitem aos principados e potestades, que lhes obedeçam, e
estejam preparados para toda boa obra; que a ninguém infamem, nem sejam
contenciosos, mas modestos, mostrando toda a mansidão para com todos os homens‖.
Já que pertencemos a uma nova ordem de coisas, mudanças são esperadas. Nestes
versículos duas destas mudanças são enfatizadas:
i) 3:1 — nada de anarquia política;
ii) 3:2 — nada de antagonismo social.
3:1 —nada de anarquia política.
―Admoesta-os‖. Esta é uma ordem apostólica de Paulo a Tito. Ele deve
continuamente e constantemente lembrar os salvos desta responsabilidade.
―Que se sujeitem‖. Eles, e assim nós também, devemos submeter-nos, ou obedecer,
como fariam soldados à sua liderança militar. A mesma palavra já foi traduzida
―sujeitar‖ duas vezes nesta epístola, em 2:5, 9. Também é usada por Paulo no mesmo
contexto em Romanos 13:1: ―Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores‖.
―Que lhes obedeçam‖. As únicas outras menções desta palavra estão no livro de
Atos: 5:29, 32, traduzida ―obedecer‖, e 27:21, traduzida ―ouvido‖.
O ensino para nós é prático. A menos que esta sujeição impeça nossa obediência à
Palavra de Deus, devemos obedecer todo tipo de governo, local ou nacional. Não
importa se gostamos ou não das pessoas, não importa se concordamos ou não com as
leis estabelecidas ou se as consideramos injustas. Nós nos submetemos e pagamos as
taxas locais e nacionais, e vivemos a vida mais quieta possível.
O lembrete constante é necessário, porque quando surgem novas leis das quais não
gostamos, a tendência é esquecer nossa posição e nos envolver politicamente. Em I
Timóteo 2:1-2, aprendemos que nosso único ponto de contato com o mundo tenebroso
da política é em oração: ―Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações,
orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens; pelos reis, e por todos os
que estão em eminência, para que tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a
piedade e honestidade‖. Note que não oramos que certo partido prevaleça, mas oramos
para que aqueles em autoridade possam agir de tal maneira que possamos viver e assim
servir a Deus com tranquilidade e paz.
No Novo Testamento há muitos incentivos para sermos sujeitos às autoridades. Aqui
é a regeneração. Em Romanos 13:1 (―Toda a alma esteja sujeita às potestades
superiores‖), é baseado na justificação. Em I Pedro 2:13 (―Sujeitai-vos, pois, a toda a
ordenação humana por amor ao Senhor‖), tem como motivação o assunto da redenção.
3:2 — nada de antagonismo social.
―Que a ninguém infamem, nem sejam contenciosos, mas modestos, mostrando toda a
mansidão para com todos os homens‖.
―Ninguém infamem‖. Significa, literalmente, blasfemar, prejudicar com palavras,
injuriar, ultrajar. Os exemplos clássicos são achados no tribunal do Senhor Jesus e
quando Ele estava na cruz: Mateus 26:65 (―… blasfemou‖); 27:39 (―e os que passavam
blasfemavam dele …‖). Esta palavra já foi usada por Paulo nesta epístola em 2:5: ―a fim
de que a palavra de Deus não seja blasfemada‖. Esta linguagem e comportamento
desagradável não têm lugar na vida daqueles que entraram nesta nova condição de
regeneração.
―Nem sejam contenciosos‖. A única outra menção desta palavra no Novo Testamento
é em relação aos bispos em I Timóteo 3:3: ―… não contencioso‖. Indica que não
devemos ser inclinados a discutir, a estar sempre brigando, ou dados a contendas.
Algumas pessoas têm um jeito infeliz de estar sempre causando problemas, em todo
lugar e sobre nada. Se nós estamos sempre reclamando acerca de coisas insignificantes e
sem importância, quando surgir algo sério, a nossa reclamação dificilmente será
considerada.
Agora aprendemos que nem tudo é negativo, há também o lado positivo.
―Modestos‖. Esta palavra ocorre cinco vezes no Novo Testamento. Em Tiago 3:17 é
traduzida ―tratável‖; em I Pedro 2:18 é ―humanos‖; em I Timóteo 3:3 é ―moderado‖, e
em Filipenses 4:5, ―equidade‖. Significa ser razoável, comportar-se de maneira
conveniente, ―não exigindo a letra da lei‖ (W. E. Vine). Uma pessoa modesta não será
precipitada nem tendenciosa nas suas conclusões, mas levará em consideração todos os
fatos, de uma maneira justa. Em assuntos pessoais, esta pessoa prefere sofrer o mal do
que causar escândalo. Não haverá insistência que o outro peça desculpas, nem haverá
ameaças se as desculpas não forem pedidas.
―Mostrando toda a mansidão‖. Esta pessoa não será arrogante e egoísta. Esta é uma
característica do Senhor Jesus (II Co 10:1), e é parte do ―fruto do Espírito‖ (Gl 5:23).
No mundo esta característica é interpretada como fraqueza, e assim os empregados
são aconselhados a fazer cursos sobre como defender os seus direitos. Isso está longe do
padrão que Deus deseja do Seu povo. Mansidão não é fraqueza, mas é realmente poder
sob controle.
―Para com todos os homens‖. Esta maneira de viver deve ser demonstrada a todos os
homens — não somente aos salvos. É toda a mansidão para com todos. Que padrão!
Alguns podem ser muito mansos nas reuniões aos domingos, e muito difíceis no seu
trabalho na segunda-feira! Esta duplicidade não é um comportamento cristão aceitável.
b) 3:7 — Destino futuro.
―Para que, sendo justificados pela sua graça, sejamos feitos herdeiros segundo a
esperança da vida eterna‖.
―Sendo justificados pela sua graça‖. O assunto da justificação foi estudado no cap. 4
deste livro, portanto precisa de pouco comentário aqui. Somente observe que aqui é
―sendo justificado pela [ek, fora de] Sua graça‖. Isso chama a nossa atenção
à motivação da justificação. Em Romanos 5:1, lemos ―tendo sidos justificados pela
[ek, fora de] fé‖ — oprincípio da justificação. Também em Romanos 5:9 lemos:
―tendo sido justificados pelo [en, na virtude de] Seu sangue‖ — o poder da
justificação.
―Herdeiros segundo a esperança da vida eterna‖. Quando Paulo escreve sobre a vida
eterna, ele a considera como futura, enquanto que para João é presente — veja, por
exemplo, João 3:15 e 10:28. João nos ensina que podemos gozar agora, nesta vida,
daquilo que Paulo diz que vamos apreciar melhor depois desta vida, na eternidade.
Estando ―a esperança da vida eterna‖ ligada, aqui, com ―herdeiros‖, o pensamento
provavelmente está ligado com a nossa herança. A glória deste pensamento às vezes nos
deixa maravilhados — pensar que somos ―herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo‖
(Rm 8:17). Também Paulo nos ensina que ―já não és mais servo, mas filho; e, se és
filho, és também herdeiro de Deus por Cristo‖ (Gl 4:7). Pedro destaca a herança quando
ele escreve em I Pedro 1:4, que temos ―uma herança incorruptível, incontaminável, e
que não se pode murchar, guardada nos céus para vós‖.
―Incorruptível‖ livre da morte sugere imortalidade;
―Incontaminável‖ livre de mancha sugere pureza;
―Não se pode murchar‖ livre de murchar sugere beleza;
―Guardada nos céus‖ livre de dissolução sugere certeza.
Isso deve produzir louvor e ações de graças que subirão a Deus dos nossos corações
enquanto O adoramos, como Paulo fez quando escreveu: ―Dando graças ao Pai que nos
fez idôneos para participar da herança dos santos na luz‖ (Cl 1:12).
Que este assunto da regeneração possa tocar nas nossas vidas de maneira prática,
para que possamos refletir mais do nosso Senhor Jesus até que O encontremos nos ares!
Cap. 10 — Santificação
William M. Banks, Escócia
Introdução
A palavra grega hagiasmos é usada dez vezes no Novo Testamento e, na língua
portuguesa, é sempre traduzida ―santificação‖. As dez ocorrências são: Rm 6:19, 22; I
Co 1:30; I Ts 4:3, 4, 7; II Ts 2:13; I Tm 2:15; Hb 12:14 e I Pe 1:2. Há substantivos
cognatos usados também.
A nota de rodapé da tradução de Romanos 1:4 de JND, diante da palavra ―santidade‖
na expressão ―o espírito da santidade‖, vale a pena ser citada:
Hagiosunee, a natureza e qualidade em si mesma, como em II Coríntios 7:1 e I
Tessalonicenses 3:13 — diferente de hagiasmos, o efeito prático produzido, o caráter
em atividade, traduzido santificação [veja as referências acima]. Outra
palavra, hagiotes, é usada somente em Hb 12:10 [contudo Vine sugere que é usada
também em II Co 1:12].
A palavra na forma verbal, hagiazo, ocorre 26 vezes. Os escritores Hogg e Vine
mostram que esta palavra tem uma série de ligações interessantes.
O verbo correspondente hagiazo é traduzido ―santificado‖ em Mateus 6:9; Lucas
11:2; Apocalipse 22:11. É usado também para descrever:
a) o ouro que adorna o templo e a oferta colocada sobre o altar (Mt 23:17, 19);
b) alimento (I Tm 4:5);
c) a esposa descrente de um salvo (I Co 7:14);
d) a purificação cerimonial dos Israelitas (Hb 9:13);
e) o nome do Pai, (Lc 11:2);
f) a consagração do Filho pelo Pai (Jo 10:36);
g) o Senhor Jesus Se dedicando à redenção do Seu povo (Jo 17:19);
h) a separação do salvo para Deus (At 20:32, Rm 15:16).
i) o efeito da morte de Cristo no salvo (Hb 10:10, por Deus; Hb 2:11; 13:12, por
Cristo).
j) a separação do salvo do mundo no seu comportamento — pelo Pai por meio da
Palavra (Jo 17:17, 19);
k) o salvo que se afasta das coisas que desonram a Deus e Seu evangelho (II Tm
2:21);
l) o reconhecimento do Senhorio de Cristo (I Pe 3:15).
Destas considerações, fica claro que o assunto da santificação não é limitado a
pessoas. Isto também é visto no Velho Testamento onde, por exemplo, as vestes de
Arão eram santificadas (Êx 28:41 e Lv 8:30); também o azeite da santa unção (Êx
30:25) e o sétimo dia (Gn 2:3). Também fica claro que a palavra em si não indica,
necessariamente, um estado de impureza antes da santificação ser realizada. Isso é visto
especialmente no caso do Senhor Jesus, quando Ele diz em Jo 17:19: ―Me santifico a
mim mesmo‖.
Qual o significado da palavra?
Tudo que já escrevemos nos permite agora chegar a uma definição da santificação —
o que significa? Não resta dúvida que a idéia básica em santificação é ―separar para
Deus‖. Mas há mais que isso. Obviamente, há um propósito nisto, um alvo em vista.
Assim a definição deve ser estendida para incluir este propósito: ―separação para Deus
(de uma pessoa ou objeto) tendo em vista a realização de um propósito divino‖. No caso
daqueles que precisam de purificação antes da sua santificação, há obviamente a
necessidade da santificação ter um aspecto negativo (separado de algo), como também
um aspecto positivo (separado para algo). Por isto a definição de Gooding e Lennox é a
seguinte:
Santificação tem dois aspectos, um negativo e o outro positivo:
1. Negativamente, envolve a separação da sujeira e impureza; em outras palavras,
purificação.
2. Positivamente, significa a separação para Deus e Seu serviço: em outras palavras,
consagração.
Ambas são apresentadas em Hebreus 9:13-14. Aqui o escritor está contrastando os
meios antigos de santificação usados pelos judeus com os usados agora pela
cristandade. Ele liga a santificação tanto com a purificação da impureza, como com a
consagração ao serviço de Deus.
Hogg e Vine também têm um comentário interessante:
Visto que todo salvo é santificado em Cristo Jesus (I Co 1:2; compare com Hb 10:10),
um dos nomes comuns a todos os salvos no Novo Testamento é ―santos‖ (hagioi), isto
é ―santificados‖ ou ―pessoas santas‖. Assim, ser santo, ou santificação, não é algo
merecido; é o estado para o qual Deus, em graça, chama os pecadores, e no qual eles
começam sua carreira como cristãos.
Hogg também observa: ―Santificação significa, não uma mudança de natureza, mas
uma mudança de relacionamento‖.
Isso é ilustrado na importante passagem em I Coríntios 7:12-14, onde Hogg
continua:
O caso do marido descrente e sua esposa crente, ilustra o significado das palavras
―santificar‖ e ―santo‖. A esposa crente deve continuar vivendo com seu cônjuge
descrente e recomendar o Evangelho, pelo fiel desempenho das suas
responsabilidades no relacionamento conjugal. Mas, surge agora a pergunta: Será que
a continuidade deste relacionamento não contaminará o cônjuge salvo? A própria
natureza nos ensina muitas lições (I Co 11:14), e aqui temos uma delas — nada
justifica uma mãe abandonar seus filhos. Será que cuidar dos seus filhos contamina
uma mãe? Claro que não! A natureza dos filhos continua como era antes da mãe
aceitar o Evangelho, mas associação com eles não a contamina; ela não os abandona.
Também, o seu relacionamento com eles não garante a sua salvação, mas dá-lhes a
vantagem das suas orações e exemplo. Assim é também com o marido (ou esposa)
descrente; a associação com ele não contamina a mãe assim como os filhos dele com
ela não a contaminam. Pelo exemplo dela ele pode ser ganho para Cristo ―sem
palavra‖, como I Pedro 3:1 diz.
Consideração detalhada
As cinco referências à santificação no Novo Testamento nos dão um esboço útil do
assunto. Elas mostram que a santificação é uma obra do Espírito Santo antes da nossa
conversão, em I Pedro 1:2: ―Eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em
santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo‖, e II
Tessalonicenses 2:13: ―Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados
do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação
do Espírito, e fé da verdade‖.Também vemos a santificação como uma
obra posicional do Filho, em I Coríntios 1:30: ―Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o
qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção‖.
Entretanto há também um aspecto prático e progressivo da santificação, e vemos isto
em I Tessalonicenses 4:3-4,―Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação; que
vos abstenhais da prostituição; que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em
santificação e honra‖.
Vamos agora considerar o assunto nesta ordem, seguindo o esboço sugerido por
Lovering.
Santificação antes da conversão
A obra do Espírito Santo antes da conversão é vista, claramente, nos versículos
citados acima. Em II Tessalonicenses 2:13, lemos que Deus os tinha escolhido ―desde o
princípio‖ para a salvação. Assim, a sua salvação ―não originou com eles mesmos, mas
com Deus que os tinha escolhido para serem o alvo da Sua graça‖. Para efetuar esta
escolha no tempo, e assim cumprir o propósito Divino, a ―santificação do Espírito‖ foi
necessária — foram separados para Deus por Ele. É verdade que foi necessária também
a ―fé da verdade‖, por parte de cada pessoa, porque ―a fé vem pelo ouvir e o ouvir pela
palavra de Deus‖ (Rm 10:17).
Hogg e Vine fazem um comentário interessante sobre ―fé da verdade‖. Eles indicam
que é literalmente ―de verdade‖, porque o artigo não está presente.
Quando o artigo está presente, o fato específico, ou os fatos apresentados estão em
vista, mas onde o artigo está ausente é a qualidade moral destes fatos que está em
vista. A vontade para crer em verdade é a condição necessária antes que a obra de
Deus possa começar na alma. Aqui, lembramos das palavras do Senhor Jesus: ―Se
alguém quiser fazer a vontade dEle, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus,
ou se eu falo de mim mesmo‖ (Jo 7:17).
A capacidade pela qual a verdade é reconhecida cresce com o uso; por outro lado, o
ministério do Espírito Santo, que começa com a revelação da verdade do Evangelho
ao indivíduo, continua a guiar o crente em toda a verdade (Jo 16:13); renovando-o
para o conhecimento (Cl 3:10); por isso, temos as orações do apóstolo pelos
convertidos, em Filipenses 1:9-10 e Colossenses 1:9. Quando foram chamados pelo
Evangelho, foi para que pudessem conhecer a verdade e para que a verdade os
libertasse (Jo 8:32). Somente o amor pela verdade pode salvar alguém de praticar o
erro.
Há um lindo resultado desta obra de santificação do Espírito Santo. A salvação para a
qual os tessalonicenses foram chamados pelo Evangelho de Paulo (II Ts 2:14), foi para
―alcançardes a glória do nosso Senhor Jesus Cristo‖. Eles iriam compartilhar na
revelação da glória do Senhor do céu! Veja também II Tessalonicenses 1:7-10.
Assim descobrimos um desenvolvimento impressionante que pode ser resumido da
seguinte maneira:
• Deus elegeu — desde o princípio;
• O Espírito santificou;
• O Evangelho foi pregado (note sua natureza: ―nosso evangelho‖);
• O chamado eficaz foi feito;
• Os tessalonicenses creram;
• A glória está por vir.
Notamos que tanto a eleição como o chamado estão no tempo aoristo — no primeiro
caso foi num ponto antes do tempo, e no segundo foi num ponto de tempo. Smith tem
observações interessantes em relação a esta escolha Divina e, de fato, em relação a esta
passagem toda (II Ts 2:13-14):
―Elegeu‖ aqui é heilato (de haireomai, escolher) e nas três ocasiões em que esta
palavra é usada no Novo Testamento a idéia é de escolha pessoal (veja Fp 1:22 e Hb
11:25). Está no aoristo, mas mesmo que a escolha fora selada num momento de
tempo, estava fora do tempo pois foi desde o princípio, no sentido mais amplo
daquele passado da eternidade. Também está no indicativo médio, Deus fazendo a
escolha para Si mesmo, indicando o propósito da escolha e não o tempo da escolha.
As palavras comuns para eleição são: exaireomai (como para a escolha de Israel no
Velho Testamento), proorizo (predestinados, escolhidos anteriormente),
e eklegomai (escolher, como em I Ts 1:4; Ef 1:4; Lc 10:42; At 6:5).
Não é nossa intenção divagarmos sobre o bendito assunto da eleição, pois não é uma
área para as nossas mentes finitas se envolverem; pelo contrário, é uma verdade a ser
crida. Entretanto, o apóstolo apresenta o equilíbrio perfeito do assunto nestas duas
epístolas, pois, ao passo que em I Tessalonicenses 2:13 ele dá graças a Deus
incessantemente por eles terem recebido a palavra (a responsabilidade do homem),
aqui ele dá graças a Deus por Sua escolha soberana.
A escolha foi ―desde o princípio‖ (ap’arches), um termo que Paulo não usa em
nenhum outro lugar, mas que, como João 1:1(en arche) e II Timóteo 1:9, nos leva de
volta à era ―de eternidade‖; veja também Mateus 19:4, I João 2:13. É obviamente
errado limitar a escolha soberana de Deus a um ponto de tempo, ou atribuí-la a algum
mérito por parte do objeto do Seu amor; (compare Ef 1:4; Ap 13:8; 17:8). … Além
disso, o versículo é expressivo de um princípio geral da operação de Deus… Isto é
enfatizado no propósito da escolha, pois foi ―para a (eis) salvação‖ (veja I Ts 1:4-5);
este é o alvo de Deus para aqueles que Ele escolheu em Sua soberania.
Há uma diferença que deve ser notada entre a primeira e a segunda epístolas, em
relação ao propósito da salvação; na primeira epístola é ―da‖ (ira), e na segunda
―para‖ (glória). Mesmo assim, há os que ainda considerariam a salvação, aqui, como
limitada à salvação da ira do dia do Senhor, como em I Ts 1:10 e, 5:9, e tal garantia
teria sido suficiente para os atribulados tessalonicenses. Entretanto, o contexto
imediato vai além, colocando a salvação em contraste com ―perecendo‖ (v. 10), e
―juízo‖ (v. 12), o terrível estado dos homens na sua classificação final como perdidos.
Aqui, temos a salvação planejada desde o princípio (isto é, desde a eternidade), e, no
v. 14, Paulo irá falar dela, primeiramente sendo efetuada no tempo através do
chamamento, e depois, da sua consumação futura ―para alcançardes a glória de nosso
Senhor Jesus Cristo‖. Assim, temos a salvação na sua esfera total, passada, presente e
futura, concebida no coração de Deus antes dos tempos, efetuada no tempo, e Sua
indescritível glória futura.
A operação da escolha de Deus sendo efetuada no tempo, é ―em (ou, por) santificação
do Espírito (genitivo subjetivo e, portanto, operado pelo Espírito), e fé da verdade‖. A
ausência do artigo sugere a força moral da verdade e não a verdade como tal, e sendo
um caso objetivo genitivo, indica ―crença, ou fé, na verdade‖. Em nenhum sentido
pode en, neste lugar, ser traduzido, com relação à santificação, por ―pela‖ (como na
ARA), ou por ―para‖, como alguns sugerem. Apesar da ausência do artigo antes de
Espírito, como em Rm 8:9; I Co 2:4 e I Pe 1:2 (onde em cada caso é evidente que se
refere ao Espírito Santo), as palavras aqui falam claramente da obra do Espírito Santo,
agora em separar para Deus os objetos do Seu amor, trazendo-lhes a palavra da
verdade para que creiam e continuem na fé. Este é o lado divino da obra de salvação,
da mesma forma que o crer na verdade (sua aceitação pela fé) descreve o lado
humano. É santificação posicional e não prática, embora os resultados práticos devam
sempre ser considerados (I Ts 4:3;7). É a energia do Espírito Santo em trazer a graça
de Deus aos homens, mortos em ofensas e pecados (veja I Ts 1:5), e é o prelúdio
essencial para fé na verdade.
O versículo paralelo em I Pe 1:2 (veja também I Co 6:11) ajuda a entender isto, e
particularmente mostra que a operação do Espírito Santo é a iniciativa divina de
separar o indivíduo para Deus, quando então ele recebe o evangelho. Bem disse M.
Lutero: ―Eu não posso, pela minha própria razão ou força, crer em Jesus Cristo ou vir
a Ele‖. O Espírito precisa primeiramente separar para Deus, despertar aqueles fracos
desejos iniciais de buscar a Deus, convencer de pecados, levar a Cristo e trazer fé ao
coração. Estando sob a influência do mundo, da carne e do diabo, o homem natural
precisa, como um pré-requisito essencial para um novo nascimento, da ação do
Espírito Santo, pois sem ela não haveria salvação. Embora ―o crer (ou fé) na verdade‖
(não tem artigo) seja, no final, o lado humano da salvação, o Espírito Santo precisa
primeiramente introduzir, no coração, a atitude moral para que o homem assim
deseje, a fim de que ele possa ser liberto pela verdade (Jo 8:32). Note o contraste em
v. 12 .
Em relação ao v. 14, Smith continua:
A continuação da atuação do Espírito Santo na salvação agora é explicada. Querendo
efetuar a obra inicial, Deus chama por meio do evangelho: ―Para o que (salvação) vos
chamou (Deus)‖. Da mesma forma que ―elegido‖, este verbo está no tempo aoristo,
mas desta vez indicando um momento no tempo. É interessante notar que se refere a
uma ação apenas, em contraste com o tempo presente de ―chama‖ em I Ts 2:12 e
5:24, indicando, como na verdade a palavra implica, um chamado para o qual houve
uma resposta. Este é o chamado efetivo, não o chamado geral do evangelho, como
temos em Mt 20:16; 22:14.
Paulo escreve ―pelo nosso evangelho‖, porque mesmo sendo o ―evangelho de Deus
… acerca de Seu Filho, Jesus Cristo‖ (Rm 1:1-3), Deus, em Sua graça, usa homens e
não anjos para proclamá-lo. Foi depositado com Paulo como uma responsabilidade
sagrada, e ele, junto com seus cooperadores, se identificaram com este evangelho, não
apenas em sua proclamação, mas também como evidência dos seus efeitos. Pertencia
a eles, no sentido de ser a mensagem que eles pregavam, e que os tessalonicenses
tinham ouvido e recebido, mas mais ainda, eles compartilhavam do seu poder. O
evangelho não é meramente um tema, mas é o poder de Deus para salvar. Paulo
proclamava a mensagem da qual ele era o principal beneficiário (I Tm 1:11-16; II Tm
1:6-14), e pregava a Cristo como O conhecera, um Homem visto através da glória da
ressurreição.
Compare ―para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo‖ com I Ts 2:12.
Não há artigo antes de ―glória‖ no texto grego, e isso indica que o chamado do
evangelho tem em vista alcançar esta glória que é essencialmente a possessão de
Cristo … A glória mencionada é obviamente a glória de Cristo, como o último Adão,
Aquele que Deus glorificou (At 3:13), tendo em vista aquilo que Ele alcançou na cruz
para a glória de Deus‖.
A passagem em I Pedro 1:2 segue muito de perto aquilo que já mencionamos em II
Tessalonicenses 2:13-14. ―Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em [en]
santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo‖.
Isto foi parafraseado por Hogg e Vine da seguinte maneira: ―… àqueles que foram
eleitos de acordo com a presciência de Deus o Pai, e separados pelo Espírito Santo, para
que possam obedecer a verdade [veja v. 22], e assim receber a proteção do sangue
aspergido de Jesus Cristo‖.
Escrevendo em outro lugar, Hogg acrescenta: ―O propósito é do Pai. Sua é a graça
predestinadora; para que este propósito seja realizado, os homens são, em primeiro
lugar, separados para Deus pelo Espírito Santo. No devido tempo, segue-se o ouvir do
Evangelho e o seu chamado ao arrependimento para com Deus e fé no Senhor Jesus
Cristo. A este os eleitos rendem ‗a obediência da fé‘ (Rm 1:5; 16:26, compare At 5:32;
6:7; II Ts 1:8; Hb 5:9), que os coloca sob a proteção do sangue de Cristo. Aqui, a
referência é à Páscoa no Egito, onde o sangue do sacrifício foi aspergido nas ombreiras
e na verga das portas das casas dos israelitas (Êx 12:7, 13)‖.
Esta referência a Êxodo 12 é interessante porque geralmente a referência é Êxodo 24.
O comentário de Nicholson é apto:
Aos eleitos, santificados para obediência, se aplica todo o valor e virtude do ―sangue
de Jesus Cristo‖. Isto não é o derramamento do sangue, mas a aspersão dele. O sangue
precisava ser derramado antes de poder ser aspergido, mas poderia ser derramado e
sua eficácia nunca ser aplicada ao indivíduo. O derramamento do sangue é a entrega
da vida como sacrifício pelo pecado. É a provisão feita. A aspersão do sangue é a
aplicação do valor e da eficácia do sacrifício. Esta é a comunicação do poder.
No Velho Testamento a aspersão do sangue era vista em relação ao seu poder
para proteger o primogênito no Egito, seu poder para purificar o sacerdote para o
serviço, seu poder para preparar o caminho de entrada ao lugar santíssimo, e seu
poder para purificar o leproso da sua imundícia cerimonial. Porém, parece que aqui
se refere a Êxodo 24, quando Moisés tomou o sangue do sacrifício e aspergiu a
metade dele sobre o altar e em seguida leu o livro da aliança na presença do povo que
respondeu, prometendo obedecer. Moisés então tomou a outra metade do sangue e
aspergiu o povo dizendo: ―Eis aqui o sangue da aliança …‖. Aquele sangue ligou o
povo ao altar dos frequentes e repetidos sacrifícios. Prendeu-os à palavra da sua
própria frágil promessa. Sua aplicação era limitada à nação. Quão gloriosamente
diferente era a porção dos cristãos a quem Pedro estava escrevendo. Esta aspersão de
sangue associa os cristãos do NT com uma obra consumada, um sacrifício que nunca
precisará ser repetido (Hb 10:11-12). liga o cristão à infalível promessa de Deus (Hb
6:17,18). A sua eficácia é ilimitada em favor de ―quem quiser‖, seja judeu ou gentio.
Devemos observar a atividade da Trindade em ambas as passagens consideradas. O
Deus Triúno está ativo na salvação da humanidade!
Há duas outras passagens onde a obra do Espírito Santo está ligada à santificação,
embora não necessariamente neste aspecto de atividade antes da conversão. A primeira
destas é Romanos 15:16. Nesta passagem, ―Paulo fala da graça de Deus que o fez
‗ministro [leitourgos, usado de alguém que tem responsabilidades públicas] de Jesus
Cristo para os gentios, ministrando [hierourgeo, ministrando com sacrifícios] o
evangelho de Deus, para que o oferecimento [como um sacrifício é oferecido] dos
gentios possa ser aceitável, sendo [tendo sido, particípio perfeito] santificada pelo
Espírito Santo‘. Aqui o apóstolo se apresenta como um sacerdote oferecendo a Deus os
gentios que já tinham sido santificados, ou separados para Deus pelo Espírito Santo.
(compare Jo 10:3.4,16 e Atos 18:10)‖.
A segunda passagem é I Coríntios 6:11. O apóstolo lembra os seus leitores dos vícios
que eram característicos do mundo pagão. Continuar nestas coisas era evidência de que
não teriam futuro no reino de Deus. Então ele diz: ―e é o que alguns têm sido, mas
haveis sido lavados [vos lavastes a vós mesmos], mas haveis sido [fostes] santificados,
mas haveis sido [fostes] justificados em nome do Senhor Jesus e pelo [no] Espírito do
nosso Deus‖. O único outro lugar no Novo Testamento onde achamos uma referência à
lavagem associada com pecado é em Atos 22:16, onde o verbo também está na voz
média, indicando algo obtido por si próprio.
O Espírito de Deus tinha operado na sua santificação antes da conversão levando-os a
invocar o Nome do Senhor, e receber a justificação.
Assim, vemos que a ―santificação do Espírito é o Seu ato soberano pelo qual o crente,
o objeto da graça predestinadora de Deus, é separado para Deus; um ato que precedeu
até o seu ouvir do Evangelho; realmente sem data, pois, precedeu ‗a fundação do
mundo‘ (Ef 1:4)‖.
A santificação posicional
No exato momento em que colocamos nossa fé em Cristo, Deus nos dá a bênção da
santificação. Não é algo que obtemos pelo nosso esforço — é algo que temos. Além
disto, esta santificação inicial transforma cada salvo num santo. Como na justificação, é
efetuada com base na morte de Cristo. Hogg e Vine escrevem:
O efeito da morte de Cristo, no relacionamento do crente com um Deus Justo, é
justificá-lo (Rm 5:9); sendo removida a culpa do pecado, o pecador justificado se
apresenta diante do tribunal sem condenação (Rm 5:2). O efeito da morte de Cristo no
relacionamento do crente com um Deus Santo é santificá-lo (Hb 10:10; 13:12); sendo
removida a impureza do pecado, o pecador santificado entra no Santo dos Santos (Hb
10:19).
Portanto, lemos que Deus fez com que Cristo fosse ―justiça e santificação‖ para nós (I
Co 1:30). Como é evidente que não há graus de justificação, assim também não há
graus de santificação; uma coisa ou é separada para Deus ou não é, não há meio
termo; uma pessoa está em Cristo, justificada e santificada, ou está fora de Cristo nos
seus pecados e alienada de Deus. Embora não haja graus de santificação, é evidente
que pode e deve haver progresso nesta santificação; assim o salvo é exortado a
―seguir … a santificação‖, e é avisado que sem esta santificação ―ninguém verá a
Deus‖ (Hb 12:14).
O assunto da justificação é o tema principal da Epístola aos Romanos, enquanto que
o assunto da santificação neste contexto é o tema principal da Epístola aos Hebreus. A
cruz, certamente, é o centro de ambos. ―Temos sido santificados pela oblação do corpo
de Jesus Cristo, feita uma vez‖ (Hb 10:10); e ―com uma só oblação aperfeiçoou para
sempre os que são santificados‖ (Hb 10:14). Assim o Senhor Jesus é o Santificador e
nós somos os santificados (Hb 2:11). A idéia reaparece também mais tarde nesta
epístola. ―E por isso também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue,
padeceu fora da porta‖ (Hb 13:12).
Assim o direito do salvo de estar no Céu não depende nem do seu mérito nem do seu
esforço, mas daquilo que o Senhor efetuou ―com uma só oblação‖ — ―aperfeiçoando
para sempre‖.
A santificação prática
Não deve nos surpreender que esta santificação posicional precisa ser demonstrada
por nós no sentido prático. Isso nos traz às três ocorrências da palavra ―santificação‖ em
I Tessalonicenses 4:3, 4, 7. O apóstolo diz: ―Esta é a vontade de Deus, a vossa
santificação‖. Wilson tem um excelente comentário sobre estes versículos que merece
ser citado.
O mandamento de Paulo tinha sido entregue aos tessalonicenses quando ele estivera
entre eles (v. 2). Não foi meramente um conselho que ele deu, mas um mandamento
dado pela autoridade do Senhor Jesus Cristo, e ele esperava que fosse repassado de
um santo para outro. Eles deveriam ter sabido que o Senhor iria estabelecê-los
―irrepreensíveis em santidade diante de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor
Jesus Cristo com todos os Seus santos‖ (3:13). Assim, como poderiam ficar
surpreendidos ao saber que a vontade de Deus para eles era a sua santificação
presente (v. 3)? Esta santificação foi explicada, aos leitores, pelo apóstolo em três
frases:
i) ―que vos abstenhais da prostituição‖ (v. 3);
ii) ―que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação e honra‖ (v. 4);
iii) ―que ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio algum‖ (v. 6).
A primeira frase é semelhante aos termos da assembléia em Jerusalém (At 15:20, 29).
A proibição da prostituição (fornicação) incluiria uma grande variedade de
relacionamentos sexuais ilícitos. O contexto não exclui o adultério, o inclui, e também
inclui a atividade homossexual. A segunda e terceira frases definem, respectivamente,
os limites de conduta em relação a cada santo individual e o seu próprio corpo; e em
relação a cada santo e seu irmão.
Um salvo deve dominar seu corpo, não somente no sentido de I Co 9:27: ―subjugo o
meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não
venha de alguma maneira a ficar reprovado‖. Por razões positivas, e também
negativas, ele deve controlar o seu corpo especificamente em relação aos seus desejos
sexuais. Positivamente, o seu corpo deve estar ligado com ―santificação e honra‖ (v.
4). Como estes dois substantivos são qualificados por uma única preposição no grego,
temos reforçada a verdade de que Deus tem prazer na santidade. Negativamente, viver
uma vida dissoluta ―na paixão da concupiscência‖ é viver como os gentios (v. 5).
Percebemos quão vergonhoso é este estado pela frase do apóstolo: ―que não
conhecem a Deus‖. Os gentios idólatras serviam a deuses que eram personificações
das suas próprias ambições e desejos. Como resultado, a lascívia dos gentios era
―incontrolável‖, às vezes levando uma sociedade inteira aos juízos de Sodoma e
Gomorra (Gn 19), e de Pompéia e Herculano nas encostas do Vesúvio. A ignorância
dos gentios produzia uma vida imoral; a revelação divina exige uma vida santa!
O Deus que não tem prazer na morte dos ímpios encontra prazer no Seu povo quando
eles mantém os seus corpos ―em santificação e honra‖.
No v. 6 outro assunto importante é tratado: ―Ninguém oprima ou engane a seu irmão
em negócio algum‖. O texto original não diz ―negócio algum‖, mas como diz a ARA:
―Nesta matéria, ninguém ofenda, nem defraude a seu irmão‖. Paulo está tratando de
um só assunto neste trecho. A tradução de J. N. Darby diz: ―não prosseguindo além
dos direitos e ofendendo seu irmão neste assunto‖. Os assuntos do contexto são as
relações sexuais e o perigo de ultrapassar os limites na conduta, resultando no pecado
de violar os direitos de um irmão. Por exemplo, adultério envolveria a esposa de um
irmão e assim violaria os direitos do irmão. Qualquer tipo de prática sexual ilícita está
incluída na frase ―nesta matéria‖. Paulo está claramente advertindo que, onde não há
controle próprio do corpo, os relacionamentos afetuosos entre os salvos poderiam
abrir a porta para a entrada do pecado, que o Senhor mesmo vingaria (v. 6). O escritor
aos hebreus advertiu seus leitores judaicos dizendo: ―venerado seja entre todos o
matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição, e aos
adúlteros, Deus os julgará‖ (Hb 13:4). Paulo, aqui em I Ts 4:6, entrega uma
advertência semelhante aos leitores gentios. A vontade de Deus para os santos, quer
sejam judeus ou gentios, é a sua santificação.
Ele continua:
O Deus que os chamou, quer judeus ou gentios, os chamou à santidade, literalmente
―em santificação‖. Ninguém podia duvidar do Seu propósito. Talvez por estar
escrevendo a gentios Paulo não diz: ―e sereis santos, porque eu sou santo‖ (Lv 11:44),
como Pedro fez quando escreveu a judeus (I Pe 1:16). A intenção de Deus não era que
eles permanecessem no pecado (Rm 6:1). Ele os tinha chamado ―em santificação‖.
Eles eram fornicadores, idólatras, adúlteros, efeminados, sodomitas, ladrões,
avarentos, bêbados, roubadores, mas agora tinham sido ―lavados … santificados …
justificados‖, agora o ―corpo não é para a prostituição, senão para o Senhor, e o
Senhor para o corpo‖ (I Co 6:9-11, 13). Deus os tinha chamado da noite tenebrosa de
―dissoluções‖ para a luz onde um viver santo é praticado (Rm 13:12-14).
O meio pelo qual isso se torna possível na vida do salvo é indicado claramente pelo
Senhor Jesus na Sua oração em João 17:17: ―santifica-os na tua verdade; a tua palavra é
a verdade‖. O Salmista expressa o mesmo pensamento: ―Com que purificará o jovem o
seu caminho? Observando-o conforme a tua palavra‖ (Sl 119:9). O conhecimento da
Palavra de Deus e obediência a ela nos guardarão do lamaçal de iniquidade que nos
cerca hoje. O apóstolo expressa o mesmo pensamento: ―a palavra de Cristo habite em
vós abundantemente, em toda sabedoria …‖ (Cl 3:16).
A mente saturada com a Palavra — e não há alternativa — é a base pela qual
podemos purificar-nos ―de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a
santidade no temor de Deus‖ (II Co 7:1). Em Romanos 6, o apóstolo segue o tema do
relacionamento do salvo com o pecado no contexto do nosso batismo. Nos vs. 1-14 ele
responde à pergunta que ele fez no v. 1: ―permaneceremos no pecado?‖ No resto do
capítulo (vs. 15-23), a pergunta respondida é: ―pecaremos porque não estamos debaixo
da lei, mas debaixo da graça?‖ (v. 15). A resposta às duas perguntas é clara — ―De
modo nenhum‖. Como pode isso ser efetuado? Na primeira parte do capítulo ele mostra
que nosso batismo é uma expressão exterior da nossa morte ao pecado — então não
podemos continuar no pecado; no resto do capítulo ele trata do nosso serviço (note as
repetidas referências a serviço nos vs. 16-20, 22). A conclusão aqui também é clara:
―Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para
santificação, e por fim a vida eterna‖ (Rm 6:22). Servos precisam ser obedientes: ―…
sois servos daquele a quem obedeceis‖ (v. 16).
O resto desta parte de Romanos (caps. 6-8) mostra os meios práticos pelos quais a
santificação pode ser efetuada. Isto acontece de duas maneiras: negativamente no cap. 7,
e positivamente no cap. 8.
O propósito do cap. 7 é mostrar a impossibilidade de santificação baseada em guardar
a lei. Não há nada errado com a lei, ela ―… é santa, justa e boa‖ (v. 12) — o problema
está conosco; nós não podemos guardá-la! Como então pode a santificação ser efetuada?
―… o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o
seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne;
para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas
segundo o Espírito‖ (Rm 8:3-4). É o Espírito de Deus que dá o poder para viver uma
vida santificada.
Assim, a santificação prática é obtida pelo conhecimento da Palavra, uma vontade de
obedecê-la, um reconhecimento da nossa fraqueza e dependência no Espírito de Deus. É
algo que devemos ―seguir‖ (Hb 12:14), sabendo que sem ela ―ninguém verá a Deus‖.
A santificação perfeita e esperada
A santificação do salvo não será completa até à segunda vinda de Cristo. Então a
oração do apóstolo será respondida: ―… e o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo;
e todo o vosso espírito, alma e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis
para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo‖ (I Ts 5:23). Naquele momento o salvo será
conformado fisicamente, moralmente e espiritualmente a Cristo. ―Amados, agora somos
filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser, mas sabemos que,
quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos‖
(I Jo 3:2). O contexto aqui nos diz: ―Ele é justo‖ (2:29); ―Ele é puro‖ (3:3); ―nEle não há
pecado‖ (3:5). Um dia tudo isso será verdade do salvo! Justo, puro e sem pecado — as
implicações práticas em antecipação daquele dia são claras.
Cap. 11 — Consagração
Thomas Wilson, Escócia
“A seguir-Te aqui, me consagro eu,
Constrangido pelo amor.”
(H. e C. nº 311; H. M. W.)
Estas palavras foram, muitas vezes, a oração de pessoas sinceras, desde que foram
escritas em 1875 como parte do famoso hino de Fanny Crosby. No entanto, a palavra
―consagrar‖ ocorre somente duas vezes no NT da versão AV, e ambas estas referências
estão em Hebreus, uma em relação ao próprio Senhor Jesus (―… constituiu o Filho
consagrado [ou aperfeiçoado] para sempre‖, Hb 7:28), e a outra sobre o caminho que
Ele consagrou: ―Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou‖ (Hb 10:20).
Contudo, quando usamos a palavra ―consagrar‖, geralmente não a usamos no sentido
destes versículos. Neste capítulo, vamos pensar principalmente no sentido normal em
que usamos a palavra ―consagração‖.
Consagração no Velho Testamento
No Velho Testamento, os tradutores da versão AV usaram o verbo ―consagrar‖ para
traduzir quatro grupos de palavras hebraicas, que juntas nos dão uma boa compreensão
do que está envolvido em consagração ao Senhor, algo que o Senhor Jesus espera de
cada filho de Deus.
1. Consagração exige santidade
Frequentemente usamos o verbo ―consagrar‖ quase como sinônimo de ―santificar,
tornar santo‖, e de fato os dicionários os dão como sinônimos. Uma das palavras
comuns do Velho Testamento para ―consagrar‖ é também traduzida ―santificar‖.
Salienta a necessidade de estar limpo ou de ser santo. É usada de Arão em Êxodo 30:30:
―… ungirás a Arão e seus filhos, e os santificarás [consagrarás] para me administrarem
o sacerdócio‖. O que isto significava para eles é explicado pelo contexto. O v. 29,
especificamente, fala dos objetos santos como a arca, a mesa, os altares, e a pia: ―assim
santificarás estas coisas, para que sejam santíssimas‖. Sendo santíssimas elas estariam
em condições apropriadas para o lugar santo onde somente o sacerdote santificado podia
entrar, ou ao lugar santíssimo onde Jeová habitava entre os querubins. Nestes dois
versículos a palavra ―santificar‖ é a mesma palavra hebraica traduzida ―consagrar‖ em
outras partes do VT; e o adjetivo ―santo‖ que aparece duas vezes é também do mesmo
grupo de palavras. Obviamente, então, Arão e seus filhos deveriam estar limpos, ou
santos, como o padrão do santuário exigia. Embora não usando a mesma palavra
hebraica, as exigências de Isaías 52:11 são sobre a consagração: ―não toqueis coisa
imunda … purificai-vos, os que levais os vasos do Senhor‖. Aqueles homens, como
Arão e seus filhos, deveriam se manter separados de tudo que poderia contaminá-los.
Neste mundo perigoso, o cristão precisa estar cônscio de quanta coisa há que não é
santa. Não podemos ficar perto da impureza sem sermos contaminados. A nossa
companhia pode nos contaminar, como vemos em II Coríntios 6:17, onde Paulo cita
Isaías 52:11. A ordem para cada cristão é ser separado daqueles que contaminam: ―por
isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor‖. Não é somente no Velho
Testamento que Deus diz: ―sereis santos, porque eu sou santo‖ (Lv 11:44; 19:2; 20:7);
isto é citado também no Novo Testamento em I Pedro 1:16, ―Sede santos, porque eu sou
santo‖. Deus é o Deus de quem Maria disse: ―.. . o Poderoso; e santo é o seu nome‖ (Lc
1:49).
Nós temos o mais nobre dos motivos para obedecer a este requisito apresentado no
Velho e no Novo Testamentos: ―sede santos, porque eu sou santo‖. Sabemos que a Obra
de Cristo nos santificou: ―E por isso também Jesus, para santificar o povo pelo seu
próprio sangue, padeceu fora da porta‖ (Hb 13:12). Quando nosso coração é comovido
pelo sofrimento de Cristo para que nós pudéssemos ser santos, nosso amor responde
com desejos por santidade. É o amor que nos leva para fora do arraial a Cristo. O amor
sabe que haverá desprezo, mas o amor está preparado para pagar o preço para ser santo.
A verdadeira consagração é o fruto do amor profundo para com Cristo, que se manifesta
em santidade de vida num mundo escarnecedor. A consagração guarda o cristão fora
dos prédios mundanos de prazeres abastecidos pelo álcool, e da imoralidade que tão
frequentemente acompanha este estilo de vida dissoluto. Mesmo nos nossos dias, a
consagração exige santidade, e é somente quando o santo de Deus respira
profundamente do ambiente do lugar Santíssimo que ele será santo na sua vida, uma
necessidade para todos que querem ser consagrados ao Senhor.
2. Consagração é separação para o Senhor
Um segundo grupo de palavras é usado no Velho Testamento em relação à
consagração. Um homem, ou uma mulher, podia fazer um voto voluntário, chamado o
voto do Nazireu, para ser separado ao Senhor, de uma maneira especial (Nm 6:2). Eles
se absteriam, por um período, de certas coisas que poderiam contaminá-los. Mesmo
aproximar-se do cadáver de um parente chegado era proibido. Naquela sociedade era
normal beber vinho, mas eles não podiam beber ―alguma beberagem de uvas‖, nem
comer ―uvas frescas nem secas … desde os caroços até as cascas‖ (Nm 6:3-4). Este voto
também exigia que deixassem crescer os cabelos (v. 5), para que os outros soubessem
que estes não somente eram separados de coisas que talvez pudessem prejudicá-los,
como vinho ou a morte, mas também que eram separados para o Senhor. Se, por acaso,
o voto fosse quebrado quando, por exemplo, alguém morresse subitamente ao seu lado,
também isso seria conhecido pelos outros, porque a cabeça teria de ser rapada e
consagrada novamente (Nm 6:9, 11). O nazireado era rigoroso, e geralmente as pessoas
somente o podiam manter por pouco tempo. Mas corações devotos tinham esta
oportunidade de se separarem para o Senhor.
O Novo Testamento não encoraja este tipo de voto. No período contido em Atos,
vemos que embora os judeus abandonassem seus caminhos tradicionais de adoração,
algumas práticas somente foram abandonadas lentamente, e o voto era uma delas. De
fato, lemos de Paulo ―tendo rapado a cabeça em Cencréia, porque tinha voto‖ (At
18:18), e também dele estar associado com quatro homens que ―fizeram voto‖, quando
entraram no templo ―anunciando serem já cumpridos os dias da purificação‖ (At 21:23-
27). Ambas estas passagens parecem descrever o voto do Nazireu, cujo período mínimo
era de 30 dias. Todavia, é notável que o Novo Testamento não legisle, nem fala com
aprovação sobre votos. Nosso Senhor Jesus fala de alguns que fizeram votos, mas no
sentido de condená-los porque seu motivo era somente mostrar sua piedade, enquanto
negligenciavam os assuntos mais importantes da lei (Mt 15:4-6; Mc 7:10-13). Demorou
alguns anos, talvez, para os cristãos judeus deixarem de fazer votos, mas Deus não
desejou, e não deseja hoje, que Seu povo se prenda legalmente a votos. O que Deus
deseja é a nossa consagração, ao sermos separados a Ele e assim separados do mundo
corrompido ao nosso redor.
Todavia, no tempo de Moisés, o nazireado era ―uma expressão sincera e correta da
antiga fé hebraica‖. Aqueles que faziam este voto, homem ou mulher, deveriam ser
respeitados e seu exemplo de separação ao Senhor observado. De fato, Amós lamenta a
terrível decadência que existia em Israel nos seus dias. Ele considerava que cada
verdadeiro profeta e cada Nazireu era o resultado de uma obra profunda de Deus nas
suas almas, para que Ele pudesse produzir neles um exemplo daquilo que O honrava.
Ele registra o que o Senhor tinha falado sobre eles: ―E dentre vossos filhos suscitei
profetas, e dentre vossos jovens nazireus‖. A nação, no entanto, mesmo sabendo que o
voto do Nazireu exigia abstinência total de vinho e de bebida forte e também de
qualquer coisa relacionada com o fruto da vinha, deliberadamente deu ―aos nazireus …
vinho a beber, e aos profetas ordenastes, dizendo: Não profetizareis‖ (Am 2:11-12). O
povo se esforçou para destruir o testemunho daqueles que Deus tinha levantado.
Aprendemos lições importantes nestas palavras de Amós:
i) Deus mesmo tocava nos corações dos Seus para tomarem voluntariamente o
voto do Nazireu (Nm 6:2).
ii) A disciplina evidente na vida do Nazireu teria um efeito nos outros; alguns se
oporiam, outros os apoiariam, até ao ponto de pagar o preço exigido do voto — o
custo dos sacrifícios — eles fariam ―por eles os gastos‖ (At 21:24).
iii) O voto traria prazer a Deus; seria ―ao Senhor‖ (Nm 6:2).
Os ritos de Números 6 pertencem a uma era que terminou com a morte de Cristo,
mas, como já notamos, houve um período de transição durante o qual alguns ainda se
apegavam a estes rituais antigos. Não obstante, o Senhor ainda deseja que nós O
agrademos com vidas, não temporariamente consagradas a Ele, mas caracterizadas por
esta mesma devoção, desde o momento da conversão em diante.
Até Cristo, somente poucos dos grandes homens e mulheres foram Nazireus. A
esposa de Manoá e seu filho Sansão (Jz 13:7, 14; 16:17), Samuel (I Sm 1:11) e João
Batista (Lc 1:15) eram Nazireus, e portanto separados ao Senhor. Mas, desde Cristo,
todos os grandes homens e mulheres são separados ao Senhor. Tendo nos dado a Sua
Palavra e o Espírito Santo que habita em nós, o Senhor tem providenciado tudo que é
necessário para que as nossas vidas sejam inteiramente consagradas a Ele. Ele não está
pedindo uma consagração periódica ou intermitente, e não ficará satisfeito com somente
um período de consagração. Ele exige ―nossos corações, nossas vidas, nosso tudo‖, para
o resto da nossa vida. Reconhecemos que poderá haver falhas nas nossas vidas, como
poderia acontecer na experiência do Nazireu (Nm 6:9-12), mas há provisão para nossa
recuperação, para que as nossas vidas possam ser, mais uma vez, caracterizadas por
consagração ao Senhor.
A separação do salvo precisa ser descrita tanto com negativos como positivos. Ele
(ou ela) absterá de tudo que estimula o mundo. O uso de álcool e drogas é parte disso,
mas o cristão inteligente também perceberá muitos outros estimulantes operando nas
vidas das pessoas ao seu redor. A imoralidade total é um vício de muitos, como também
a participação no ambiente social em eventos esportivos, cinema e teatro. Muitas outras
práticas também estimulam as pessoas mundanas. Estas coisas moldam a vida dos
incrédulos e continuamente mudam seus padrões mentais, até que toleram coisas que a
Palavra condena e, finalmente, estas coisas são aceitas como normais nas suas vidas.
Nenhuma geração precisou ouvir este chamado à separação mais claramente do que a
nossa geração presente.
Entretanto, o salvo consagrado saberá que há aspectos positivos também. O Senhor
deseja que a consagração seja expressa em pelo menos três maneiras distintas e
positivas:
• ―Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é
de Deus‖, João 7:17.
• ―Se alguém me ama, guardará a minha palavra‖, João 14:23;
• ―Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis
tudo o que quiserdes, e vos será feito‖, João 15:7.
Que grande exemplo este tipo de vida seria para qualquer observador salvo, e como
convenceria a geração incrédula! A consagração é a separação para o Senhor e de tudo
que O desonra. Requer o exercício da vontade (Jo 7:17); a energia do amor (Jo 14:23),
e a eficácia da comunhão contínua com o Próprio Senhor (Jo 15:7). No dia privilegiado
em que vivemos, é a expressão sincera e correta da nossa fé. Publicamente, pode
começar com o batismo e com associação com o povo do Senhor na comunhão de uma
igreja local. A sua realidade interior será demonstrada através de outras evidências
externas. Consagração é separação ao Senhor que afeta, não somente o comportamento
externo que os outros observam, mas também o mais íntimo do nosso coração. Também
traz grande prazer ao coração de Cristo, pois é para Seu específico prazer.
3. Consagração é estar ocupado com a obra do Senhor
A lição franca que aprendemos do terceiro grupo de palavras é que pessoas
consagradas nunca são pessoas preguiçosas. Isso é ilustrado claramente em Arão e seus
filhos: ―… e os consagrarás … para que me administrem o sacerdócio‖ (Êx 28:41). Esta
palavra ―consagrarás‖ literalmente significa ―encher as mãos‖ ou ―estar ocupado com‖.
No caso daqueles sacerdotes, havia tempos quando, ministrando perante o Senhor, suas
mãos, literalmente, estariam cheias. O ―carneiro das consagrações‖ (Êx 29:22, 26),
literalmente encheria as suas mãos. Mas, num sentido mais completo, sua consagração,
e a nossa, deve significar ocupação com o serviço e os interesses do Senhor. Para cada
sacerdote, depois de Arão, esta consagração significava estar ―cada dia ministrando e
oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios‖ (Hb 10:11). Também era necessário ter
compaixão daqueles que eram ―ignorantes‖ e daqueles que estavam ―errados‖ (Hb 5:2).
Pelos estatutos, eles também tinham outras incumbências, como cuidar do candelabro
no santo lugar (Êx 27:21; 30:7). Lemos do sumo sacerdote com a estola sendo chamado
à presença de Davi para que ele pudesse indagar do Senhor (Êx 28:30; Nm 27:21; I Sm
23:2, 4, 6). Além disso, tinham a responsabilidade de ensinar o povo ―todos os estatutos
que o Senhor lhes‖ tinha falado ―por meio de Moisés‖ (Lv 10:11). Assim lemos o que
Malaquias escreveu 1.100 anos mais tarde: ―Porque os lábios do sacerdote devem
guardar o conhecimento‖ (Ml 2:7). De fato, se em Israel surgisse um caso ―difícil
demais em juízo‖ para os cidadãos da terra, eles deveriam ir aos sacerdotes para um
julgamento e seguir a sua sentença de juízo (Dt 17:9-11). Os sacerdotes tinham muito
que fazer para que o serviço de Jeová continuasse e Seu povo fosse apoiado e guiado,
corretamente. Literalmente, com o carneiro da consagração, e metaforicamente com
seus variados deveres, suas mãos estavam cheias. Assim, também devem as nossas
estar!
Igualmente as mãos dos apóstolos estavam cheias quando eles convocaram a
multidão dos discípulos e disseram: ―Não é razoável que nós deixemos a palavra de
Deus e sirvamos às mesas‖ (Atos 6:2). Eles não estavam negligenciando a
administração da distribuição do sustento às viúvas ligadas à igreja em Jerusalém; antes
foi para que pudessem se entregar ―à oração e ao ministério da palavra‖. Eles sabiam
que a oração e o ministério os ocupariam totalmente. Olhamos em tudo que foi
conseguido pelos apóstolos naquela geração. Se avaliarmos pelas distâncias que
viajaram para alcançar os pecadores perdidos; se avaliarmos pelo número de almas
salvas no período curto descrito nos Atos dos Apóstolos; se avaliarmos pelas muitas
igrejas estabelecidas; se avaliarmos pelas cartas que escreveram, que compõem o nosso
Novo Testamento, chegaremos a uma só conclusão — suas mãos estavam cheias, cheias
demais para estarem servindo às mesas.
O exemplo de Atos 6:2 nos dá um modelo que devemos seguir. Observamos que a
consagração não somente requererá mãos cheias na obra de Deus, mas que sob a direção
de Deus façamos escolhas apropriadas. Há muitas maneiras em que podemos nos
ocupar, mas todos nós não devemos nos ocupar da mesma maneira. I Coríntios 12
ensina que existem muitos tipos de serviço e que nossos dons são diferentes. Devemos
trabalhar até cansar naquilo que o Senhor nos deu para fazer, para que Ele não tenha que
nos exortar a atentar ―para o ministério que recebestes no Senhor, para que o cumpras‖
(Cl 4:17). Para sermos úteis devemos procurar a direção do Senhor para sabermos o que
Ele quer que façamos. Então o nosso trabalho será frutífero.
Timóteo foi descrito por Paulo como alguém que trabalhava na obra de Deus, como
ele também (I Co 16:10). Que grande recomendação! Certamente as mãos de Paulo
estavam cheias. Ele carregou um tremendo peso de sofrimentos. Em II Coríntios 11, ele
lista não somente seus ―trabalhos, muito mais‖, mas também seus açoites, prisões,
chicotadas e privações, muito além dos limites normais de tolerância. E, tendo descrito
as suas aflições, ele acrescenta: ―Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o
cuidado de todas as igrejas‖ (II Co 11:28). Se Timóteo trabalhava como Paulo, suas
mãos certamente estariam cheias. Todos nós, quer sejam os mais velhos como Paulo ou
os mais novos como Timóteo, devemos ter as mãos cheias porque há muito para se
fazer. Sabemos que somente podemos trabalhar ―enquanto é dia‖ (Jo 9:4). Este é nosso
tempo de serviço, quando nossas mãos deveriam estar cheias. As mãos de Dorcas
estavam cheias e aquelas viúvas que lamentaram a sua morte, estavam vestidas por
causa da habilidade e persistência daquelas mãos (At 9:39). As mãos de Maria também
estavam cheias de muito serviço para ajudar os servos de Deus como Paulo (Rm 16:6).
Os cristãos consagrados sempre têm mãos cheias.
Quando viemos a Cristo para salvação, confessamos:
Nada em minhas mãos eu trago,
Somente à Sua cruz me apego.
A. M. Toplady (tradução literal)
Um pecador somente pode vir a Deus com mãos vazias. Ele não ousa trazer o fruto
do seu próprio trabalho, como Caim fez. Mas, no momento da salvação, o Senhor nos
consagrou a Si Mesmo para que nossas mãos purificadas pudessem estar cheias com o
Seu nobre trabalho. Para cada um de nós que o Senhor salvou há ―boas obras, as quais
Deus preparou para que andássemos nelas‖ (Ef 2:10). O exemplo perfeito de uma vida
assim foi vista no Próprio Cristo, ―o qual andou fazendo o bem, e curando a todos os
oprimidos do diabo, porque Deus era com ele‖ (At 10:38). Como eram bondosas
aquelas mãos, e quão cheias! Há trabalho para nossas mãos fazerem. Ouvimos a
exortação que foi primeiramente ouvida por Saul: ―Faze o que achar a tua mão‖ (I Sm
10:7). A consagração exige que as nossas mãos estejam cheias.
4. Consagração é dar a Deus com abnegação
O grupo final de palavras do Velho Testamento que vamos considerar trata com
coisas reais, como um campo ou animal sendo consagrado ao Senhor. Neste quarto
grupo, a palavra ―consagrar‖ significa ―excluir‖, e assim expressa a entrega total das
coisas consagradas a Deus ―de uma maneira irrevogável e permanente‖, que excluía as
coisas consagradas ―do seu uso e abuso por parte dos homens‖. Assim a palavra, como
usada neste grupo, enfatiza os direitos exclusivos de Deus sobre nossos bens. Em
Levítico 27 achamos as leis governando um campo ou animal consagrado a Deus. Este
campo ou animal se tornava propriedade do Senhor. Miquéias 4:13 também usa a
linguagem de consagração acerca dos espólios no dia futuro, quando o Senhor vencerá
seus inimigos e estabelecerá o Seu reino na Terra. Todos os espólios serão consagrados
ao ―Senhor de toda a terra‖. Naquele dia ninguém considerará os espólios como seus,
para serem usados para seu ganho ou prazer particular. Da mesma maneira hoje em dia,
não devemos considerar o que temos como nosso. Tudo que somos e temos deve ser
consagrado ao Senhor.
No momento da conversão várias coisas aconteceram simultaneamente. Naquele
momento recebemos o direito de nos alegrar porque nossos nomes foram escritos no céu
(Lc 10:20; Ap 20:15; 21:27); podíamos desfrutar da adoção como filhos (Ef 1:5); fomos
selados com o Espírito Santo da promessa (Ef 1:3); passamos a ser herdeiros de Deus e
co-herdeiros de Cristo (Rm 8:17), e recebemos muitas outras bênçãos. Naquele mesmo
momento também é verdade que cessamos de pertencer a nós mesmos, porque fomos
―comprados por preço‖ (I Co 6:19-20). Sabemos que nosso nome nunca será tirado do
livro da vida, e que nunca podemos anular a nossa adoção nem remover o selo do
Espírito Santo, nem nos deserdar a nós mesmos. Também, nunca podemos desfazer a
transação que nos fez irrevogavelmente a possessão de Deus e do Seu Cristo. Tudo que
somos e tudo que temos agora pertence a Outro, que nunca cederá os Seus direitos. No
momento da nossa conversão tudo foi consagrado a Deus. No contexto de I Coríntios 6,
isto significa que o nosso corpo, que poderia ser contaminado pela fornicação, agora
pertence a Deus como o templo do Espírito Santo. Neste contexto, os direitos exclusivos
que o Senhor adquiriu através da redenção, operam de tal modo que há práticas nas
quais o santo não ousa se ocupar. Sua consagração reconhece a necessidade de glorificar
o Senhor no seu corpo. Mas a consagração reconhece que estes direitos vão além do uso
do corpo.
Quando os apóstolos testemunhavam da ressurreição com grande poder, e em todos
eles havia abundante graça, lemos que ―ninguém dizia que coisa alguma do que possuía
era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns … não havia, pois, entre eles
necessitado algum‖ (At 4:31-35). A sua distribuição, para suprir cada necessidade dos
pobres entre eles, foi uma evidência de que reconheceram que seus bens materiais eram,
de fato, confiados a eles pelo seu Dono. Eles reconheceram que aquelas coisas eram
consagradas a Ele e, como despenseiros das Suas possessões, eles deveriam agir com
sabedoria e para a Sua glória, ao distribuir a provisão celestial aos necessitados. De fato,
quando dois deles agiram com hipocrisia para realçar a sua reputação entres os que
foram consagrados a Deus, Pedro expôs a sua mentira contra o Espírito Santo e os
lembrou: ―guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder?‖ (At
5:1-4). Pedro não os tratou de acordo com a sua profissão. Eles professaram reconhecer
os direitos do Senhor sobre tudo que anteriormente consideravam seu e que usavam
para o seu próprio bem. A sua ação foi uma negação da consagração exclusiva que
professavam. Eles não podiam dizer com verdade:
Toma minha prata e meu ouro,
Nem um centavo irei negar.
F. R. Havergal (tradução literal)
Deliberadamente, como parte do seu planejado acordo, Ananias e Safira ―retiveram
parte do preço‖. Não reconheceram que tudo que anteriormente consideravam seu agora
era consagrado exclusivamente ao Senhor. Mas nós, com razão, cantamos sobre nossa
consagração e nosso compromisso de nada reter. O filho pródigo, quando estava saindo
da casa do pai, disse: ―dá-me”. A alma redimida, tendo voltado do país distante,
observa que o Pai ainda dá, mas em resposta é capaz de dizer, como Naamã: ―… peço-te
que aceites uma bênção do teu servo‖ (II Rs 5:15).
A passagem em Miquéias 4:13 prevê os direitos do Senhor Jesus se estendendo além
desta dispensação. Revela o que acontecerá no dia em que Ele se levantar para julgar o
mundo, um acontecimento que não acontecerá até depois do Arrebatamento da Sua
Igreja e da Grande Tribulação, quando Ele derramará a Sua ira sobre esta Terra.
Miquéias registra a gloriosa promessa a Israel sobre o poder que aquela nação exercerá
depois da vinda do Senhor em poder. Durante a Grande Tribulação o mundo vai pensar
que a exterminação da nação, que tem sido tão procurada por muitos, é inevitável. Mas
aquela nação esmiuçará os seus inimigos, diz Miquéias. Israel será como um touro
selvagem com chifres de ferro e unhas de bronze, para que os muitos que têm
esmiuçado a nação sejam esmiuçados por ela. O que acontecerá com os espólios
daquela vitória?
Quando Jericó caiu houve muito espólio. Tudo que havia na cidade seria
―consagrados ao Senhor‖ (Js 6:19), e ninguém deveria levar nada dela (Js 6:17; 7:1, 11-
26). Mas Acã pereceu por causa da sua desobediência à ordem do Senhor. Esta
desobediência revelou que ele não levou em conta o direito do Senhor da terra de fazer
o que Ele queria com Jericó e a sua riqueza.
Quando, no dia mencionado por Miquéias, o Senhor exercer Seus direitos exclusivos
em Israel, Ele agirá como ―o Senhor de toda a terra‖ (Mq 4:13). ―Desde que houve
nação‖ (Dn 12:1), os grandes têm acumulado para si riquezas, a maior parte da qual é
dedicada à glória dos seus líderes.
Estes andam pelos seus palácios orgulhosamente, gloriando-se em tudo que têm
construído com as riquezas das nações que saquearam. Eles assumiram o direito de
adquirir riquezas e demonstrar seu esplendor com ostentação, nunca pensando que o
―Senhor de toda a terra‖ talvez desaprove. Naquele dia, o Universo admirado aprenderá
que Deus de fato desaprova. Também aprenderão que, no Calvário, o Senhor pagou o
preço, não somente da nossa redenção, mas para adquirir o mundo, como Ele ensinou na
Sua parábola do tesouro escondido no campo. Como Ele tem direito sobre estas nossas
almas redimidas, direito esse que confessamos na nossa consagração, assim também Ele
tem direito sobre este mundo, e Ele aparecerá para exercer estes direitos exclusivos
depois do Arrebatamento. Naquele tempo Ele reivindicará das nações ímpias ―seu
ganho … e seu sustento‖.
Zacarias também testifica deste grande acontecimento, enfatizando este ―ganho e
sustento‖ dos quais Miquéias fala. Ele diz: ―E também Judá pelejará em Jerusalém, e as
riquezas de todos os gentios serão ajuntadas ao redor, ouro e prata e roupas em grande
abundância‖ (Zc 14:14). Tudo que pertence exclusivamente ao Senhor será arrancado
daquelas mãos gananciosas. Uma resistência como esta não deve ser vista em nós.
Devemos reconhecer a grandeza da vitória do Senhor e alegremente ceder a Ele o que
Ele tem colocado em nossas mãos.
Nada que tenho chamo meu,
Guardo tudo para Quem me deu:
Minha vida e força, e meu coração,
Tudo são dEle, e sempre serão.
J. G. Small
Sabemos que consagração significa entregar a Deus o que Ele tem confiado a nós.
Significa recusar aprovar a ilusão mundana de que é justo ou correto satisfazer nossas
inclinações egoístas. Significa descobrir o gozo de dar, aprendendo que ―mais bem
aventurada coisa é dar do que receber‖ (At 20:35).
Consagração no Novo Testamento
Os quatro grupos de palavras do Velho Testamento que já consideramos nos ajudam
muito no nosso entendimento de alguns dos aspectos incluídos no que chamamos de
―consagração‖. Vamos agora considerar as duas referências no Novo Testamento onde a
palavra ―consagrar‖ ocorre na versão AV.
5. O Filho perfeito [consagrado] para sempre
Esta frase importante em Hebreus 7:28 não está descrevendo uma vida consagrada à
vontade e propósito de Deus no sentido em que temos visto até aqui. Sem dúvida,
somente o Senhor Jesus cumpriu absolutamente tudo que Deus procura numa pessoa
consagrada a Ele. Ele cumpriu todas as exigências da santidade. Ele era o Santo de Deus
que andou por este mundo, sem ser contaminado pelo seu pecado. Ele estava totalmente
separado de tudo que teria sido ofensivo ao Seu Deus, e firmemente separado para o Seu
Deus. Nenhum Nazireu poderia ter mantido a devoção de vida que Ele manteve. Suas
mãos estavam sempre cheias com o serviço de Deus; de fato, Ele completou a obra que
Seu Pai lhe dera para fazer (Jo 17:4). Ele deu tudo prontamente, nada retendo em vida
ou na morte, pois Ele ―derramou a sua alma na morte‖ (Is 53:12). Mas não julgamos
que a frase em Hebreus 7:28 esteja refletindo estes aspectos daquela vida.
O verbo ―aperfeiçoar‖ (teleeio, no grego) ocorre na carta aos Hebreus em 2:10 (VB);
5:9 (VB); 7:19 (traduzido ―perfeito‖), 29; 9:9; 10:1, 14; 11:40; o adjetivo cognato
ocorre em 5:14 e 9:11, e o substantivo em 6:1. Três destas ocorrências estão
relacionadas ao Senhor Jesus, pessoalmente:
―Aperfeiçoasse pelos sofrimentos ao autor da salvação deles‖ (2:10, VB);
―Tendo sido aperfeiçoado, tornou-se autor da salvação eterna‖ (5:9, VB);
―… o Filho perfeito para sempre‖ (7:28).
Nestes versículos a nossa atenção é dirigida a uma Pessoa gloriosa, por meio de
palavras infinitamente profundas. Este é ―o príncipe da nossa salvação‖, ―o autor [ou
causa] da eterna salvação‖, e ―o Filho‖. O assunto de Cristo sendo aperfeiçoado está em
consideração. O cristão sabe que estes versículos não estão sugerindo que houve
qualquer imperfeição, moral ou espiritual, em Cristo. Os versículos comentam as
experiências do Senhor como Homem. É evidente, em cada um dos três versículos, que
o Senhor não está ativamente criando as circunstâncias em que Ele está envolvido. Em
cada caso a Pessoa em atividade é o Seu Deus: Ele está tornando perfeito, ou
aperfeiçoando. Vemos também a ênfase em sofrimentos em cada uma das referências.
Os homens tiveram sua parte nestes sofrimentos do Salvador, mas isto não é
mencionado nestes versículos. Vemos que o Senhor conheceria sofrimentos antes do
Calvário, no Calvário e, tendo sofrido ali, Seu currículo de sofrimentos terminou. Que
visão panorâmica da vida, morte e exaltação de Cristo! O que estes versículos nos
ensinam é a importância de gloriar-nos em nosso Deus, que trouxe o Seu plano até a sua
perfeita consumação em Cristo. Este é o sentido do verbo ―aperfeiçoar‖.
O escritor se regozija em observar que a palavra do juramento estabeleceu o Filho
como sacerdote. Isto aconteceu depois do término dos Seus sofrimentos e da realização
da Sua oferta, uma única vez, pelo pecado do Seu povo (Hb 7:27-28). A palavra do
juramento não constituiu Cristo como Filho, mas fez o Filho sacerdote para servir ―com
o zelo perfeito da afeição e gozo filial‖. O v. 28 não identifica quem é beneficiado pelo
Seu sacerdócio, mas o próximo versículo esclarece quem é: ―… nós temos um sumo
sacerdote …‖ (Hb 8:1). O amor se regozija nesta Pessoa, ―o sumo sacerdote
aperfeiçoado‖, a quem Deus tem apresentado ―para confortar e sustentar o coração
contrito … Ele é apresentado pelo Espírito à nossa fé para o estabelecimento da nossa
confiança e a permanência do nosso gozo nEle‖.
Quando refletimos em consagração, aprendemos no Filho que Deus está operando
onde Seu prazer está garantido. Ele tem preparado um caminho para nós, um que pode
significar sofrimento. Temos de completar cada passo neste caminho antes de sermos
convidados a dar mais um passo no caminho da consagração. Enquanto assim fazemos,
devemos notar que cada passo pode trazer bênção a outros. Olhando para Jesus, vemos
como Deus é capaz de realizar isto.
6. O caminho consagrado
A outra ocorrência da palavra ―consagrar‖ no Novo Testamento está em Hebreus
10:20: ―Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é pela sua
carne‖. A palavra traduzida aqui ―consagrou‖ é traduzida ―dedicou‖ na versão RV. De
fato, o mesmo verbo grego é traduzido ―dedicou‖ em Hebreus 9:18. Obviamente este
verbo não nos ajuda, diretamente, a compreender o que a Bíblia ensina sobre
consagração. Entretanto, sem este caminho aberto à presença imediata de Deus, nós não
poderíamos entrar na presença de Deus para adorar, uma parte importante do serviço de
cada coração consagrado. O novo caminho, pela morte de Cristo, nos encoraja a nos
aproximarmos de Deus com confiança tranquila, sabendo que a obra de Cristo abriu
aquele caminho ―para nós‖ e nos deu a posição que precisamos: ―a inteira certeza de fé
… tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa‖
(Hb 10:22). Estes privilégios que pertencem a cada pessoa salva eram o desejo, não
cumprido, de corações sinceros desde Moisés até Cristo. Nosso gozo neles é um
indicador da condição da nossa alma. Quem é consagrado ao Senhor conhecerá muito
da Sua presença. Terá muita comunhão com Cristo e terá prazer em louvar Àquele que
deu aos Seus a oportunidade de viver ―no tempo que vos resta na carne, não … mais
segundo as concupiscências dos homens, mas segundo a vontade de Deus‖ (I Pe 4:2).
Conclusão
A consagração realmente começou com Deus: era o desejo do Seu coração ter um
povo capaz de ter comunhão com Ele. Foi a obra de Cristo que nos comprou para Deus,
para que pudéssemos ser um povo peculiar, um povo para Seu exclusivo prazer. Como
temos observado, somos consagrados à vontade de Deus no momento da conversão.
Mas no sentido prático, seus efeitos são vistos nas nossas vidas somente quando
fazemos o que fizeram as igrejas da Macedônia — nos damos a nós mesmos ao Senhor
(II Co 8:5). Somente quando nos ocupamos em serviço santo, ativo e abnegado ao
Senhor, é que poderemos verdadeiramente cantar as palavras de Fanny Crosby:
“A seguir-Te aqui, me consagro eu,
Constrangido pelo amor.”
(H. e C. nº 311; H. M. W.)
Cap. 12 — O pecado imperdoável
James R. Baker, Escócia
Encontramos este assunto em Mateus 12, Marcos 3 e Lucas 12. Cada um dos
escritores sinópticos revela que foi mencionado numa ocasião quando os judeus em
geral, e os seus líderes religiosos e civis em particular, estavam se opondo ao Senhor
Jesus Cristo. A influência pessoal e os ensinos de Cristo estavam produzindo
arrependimento, amor e trabalho devoto nos corações de alguns, ou então provocando
ódio em muitos outros corações humanos. Estes assuntos, como também o incidente
todo, são descritos mais abrangentemente no evangelho escrito por Mateus, e assim
trataremos com ele em mais detalhe.
Mateus 12:22-37
O tema geral do evangelho de Mateus é provar que Jesus é o Cristo, o único e
verdadeiro Messias de Israel. Este evangelho está dividido numa série de cinco partes na
forma de panfleto, que são precedidas por uma introdução e concluídas por um epílogo.
A ordem é a seguinte:
1:1 a 4:11 A introdução apresenta a vida particular do Rei
4:12 a 26:1 Esta parte extensa de Mateus contém os cinco
livros que apresentam a vida pública do Rei
1. 4:12 a 7:28 — A pregação do Rei;
2. 8:1 a 11:1 — O poder do Rei;
3. 11:1 a 13:53 — As parábolas do Rei;
4. 13:54 a 19:1 — O propósito do Rei;
5. 19:2 a 26:1 — As profecias do Rei.
26:2 – 28:20 O epílogo apresenta a paixão e presença do Rei.
Devemos notar que cada um dos cinco livros tipo panfleto começa com uma narrativa
e termina com um discurso que se encerra com as palavras: ―E aconteceu que,
concluindo Jesus este discurso‖ (veja 7:28;11:1; 13:53; 19:1 e 26:1).
O cap. 12 é um dos pontos críticos no relato de Mateus sobre a vida e ministério de
Jesus o Messias. Registra a Sua rejeição pela nação, apesar dos muitos aspectos de
evidências inegáveis que tinham recebido. Aqui Ele afirma a Sua superioridade ao
sistema sacerdotal do judaísmo: ―Pois eu vos digo que está aqui quem é maior do que o
templo‖ (Mt 12:5-6). Ele é também maior do que o maior e mais sábio rei da nação: ―E
eis que está aqui quem é maior do que Salomão‖ (12:42). Também, Ele é
preeminentemente superior a toda a habilidade e grandeza histórica profética da nação:
―Os ninivitas ressurgirão ao juízo com esta geração, e a condenarão, porque se
arrependeram com a pregação de Jonas. E eis que está aqui quem é maior do que Jonas‖
(12:41).
O pecado imperdoável (12:22-37)
Esta parte, que contém o nosso assunto, começa com a evidência específica do poder
de Cristo sobre poderes satânicos. Depois de ter curado o homem com a mão mirrada,
Ele se afastou da atenção dos fariseus, mas logo voltou a ser o centro de atração. O
próximo caso trazido a Ele foi de um endemoninhado cego e mudo, e o milagre que
seguiu provocou reações distintas e variadas.
i) Para o homem endemoninhado houve a cura imediata da possessão, que
resultou na sua capacidade de falar e ver.
ii) Quanto ao povo, eles podiam discernir que tal poder era uma evidência clara de
que Jesus era o Messias que a nação esperava, pois ―toda a multidão se admirava e
dizia: Não é este o Filho de Davi?‖ (v. 23).
iii) É fácil ver por que os fariseus ficaram irados quando ouviram estas palavras do
povo. Seus corações ímpios ficaram perturbados ao ouvir o povo comum novamente
reconhecendo publicamente que Jesus era o Messias. Entretanto, os fariseus sabiam,
nos seus corações, que algo absolutamente milagroso tinha acontecido naquele dia. O
fato de atribuírem o milagre aos poderes do mal do mundo invisível deixa bem claro
que sabiam que o que acontecera naquele dia era uma obra além do poder do homem
mortal; só poderia ser Divino ou satânico. Suas mentes obstinadas recusaram
reconhecer a divindade de Jesus de Nazaré e, portanto, disseram: ―este não expulsa os
demônios senão por Belzebu, príncipe dos demônios‖ (v. 24). Quanta blasfêmia
contra Cristo! Eles estavam atribuindo a Satanás o poder que tinha sido demonstrado
pelo Filho de Deus; e, muito pior ainda, estavam em efeito dizendo que, longe de ser
o Messias da nação, nosso Senhor Jesus Cristo era um mero homem sob o poder e
controle de Satanás. Vindo dos assim chamados ―líderes espirituais‖, isto era
realmente pecado. Foi o pecado de rejeição, já mencionado.
A resposta de Cristo é muito instrutiva. Suas palavras revelam que a Onisciência, um
atributo divino, estava nEle: ―Jesus, porém, conhecendo os seus pensamentos, disse-lhes
…‖ (v. 25). Ele sabia de tudo que tinham falado, e até mesmo o que estava em suas
mentes. Ele também sabia que o propósito Divino estava sendo cumprido em todas estas
circunstâncias, e que a Sua rejeição pela nação de Israel seria usada para trazer bênção
aos gentios, como também a Israel (veja vs. 18, 21). Suas palavras de repreensão aos
fariseus foram muito importantes: ―Todo o reino dividido contra si mesmo é devastado‖
(v. 25). Aqui o Senhor estava mostrando que os reinos deste mundo geralmente não
agem contra seus próprios interesses nacionais, e Satanás certamente nunca usaria os
poderes do mal da sua administração para agir contra seus próprios demônios. Isto seria
um divisor no seu reino mau, e deixa claro a tolice destas suas acusações. De fato, o
Senhor está dizendo que, se fosse assim, Satanás estaria expulsando Satanás e, portanto,
agindo contra si mesmo, para destruir o seu próprio reino (v. 26).
Além disso, Ele os lembrou dos ―vossos filhos‖ (v. 27). Isso, sem dúvida, se refere
àqueles judeus que ao invocar o nome do Deus Altíssimo, às vezes tinham expulsado
demônios. Esta atividade tinha sido, e estava sendo exercitada dentro da nação judaica.
Lemos de João dizendo ao Senhor Jesus: ―Mestre, vimos um que em teu nome
expulsava demônios, o qual não nos segue …‖ (Mc 9:38), e novamente o Senhor Jesus
disse: ―Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu
nome? E em teu nome não expulsamos demônios?‖ (Mt 7:22). Mais tarde lemos em
Atos 19:13: ―E alguns dos exorcistas judeus ambulantes tentavam invocar o nome do
Senhor sobre os que tinham espíritos malignos‖. Nestes casos, o Senhor não os proibiu,
e parece que também estavam livres da censura dos líderes judaicos. Assim, o Senhor
está dizendo, aqui: ―E se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expulsam
então os vossos filhos?‖ (v. 27) O Senhor está, novamente, chamando atenção à
incoerência deles. Eles nunca tinham acusado seu próprio povo como estavam acusando
o Senhor. Este argumento é extenso, mas é muito importante ao nosso assunto ao
chegarmos mais perto da sua conclusão. Tendo exposto a fraqueza e a inexatidão das
suas reivindicações, o Senhor Jesus agora começa a aplicar a verdade que vem surgindo.
O reino de Deus foi revelado
―Mas, se eu expulso os demônios … logo é chegado a vós o reino de Deus‖ (v. 28).
Houve evidência clara de que o Messias, o Rei, estava no seu meio. Todo o ministério
no livro de Mateus conduzia a este ponto, mas aqueles líderes religiosos estavam
rejeitando-O, apesar da verdade das Suas reivindicações. Na vida de Cristo eles estavam
observando as condições exatas que haviam sido profetizadas sobre as características do
reino. Anteriormente, João Batista, quando preso, tinha enviado seus discípulos a Cristo
com a pergunta: ―És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?‖ (Mt 11:2-6).
Realmente, ele estava perguntando: És tu o prometido Messias de Israel? À primeira
vista, parece estranho que o Senhor não lhe deu uma resposta direta, positiva ou
negativa; mas a resposta que Ele deu foi muito clara, quando considerada à luz do Velho
Testamento. Foi: ―Ide, e anunciai a João as coisas que ouvis e vedes: os cegos vêem, e
os coxos andam, os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são
ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho‖. João bem sabia que as profecias
do Velho Testamento continham promessas de que tais coisas acompanhariam o
ministério do Messias prometido (Is 35:5-6). Assim, aqui, Ele estava revelando aos
fariseus que o poder que Ele acabara de demonstrar sobre os espíritos maus que
habitavam no homem, era prova suficiente de que o Reino de Deus verdadeiramente
tinha chegado a eles.
O reino seria caracterizado pelo poder do Espírito Santo
―Mas, se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus … é chegado o reino de
Deus‖ (v. 28). Eles ainda pensavam que estavam tratando com um mero homem. É
neste ponto que o Espírito Santo é introduzido no trecho. As obras do Senhor não foram
feitas pelo poder de Satanás; antes, foram exercitadas no poder do Divino Espírito Santo
de Deus. Qualquer judeu que conhecia as Escrituras do Velho Testamento saberia que,
desde o princípio, o Espírito Santo tinha sido revelado como o poder ativo da Divindade
(Gn 1:2). Eles sabiam também que havia passagens que ensinavam que a presença e o
poder do Espírito Santo identificariam Aquele que viria (Is 11:1-2). Assim, havia
evidência de que a Divindade estava operando na Nação, no poder do Espírito Santo.