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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS | DEPARTAMENTO DE DIREITO | FORMULÁRIO PARA FICHA DE LEITURA

Estudante: Vítor Cazumbá Azevedo


Registo 201720745 Data da Elaboração da Ficha 31/07/2020
Acadêmico: de Leitura:
Instruções:
A ficha de leitura deve ser digitada. Utilize fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12.
Espaçamento entre linhas simples. Alinhamento justificado. A ficha de leitura não possui limite de
laudas. No entanto, estima-se que uma boa ficha de leitura possui entre 3 (três) e 7 (sete) laudas. A
FICHA DE LEITURA DEVE SER POSTADA NO CAMPUSVIRTUAL EM FORMATO PDF.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; PEIXOTO, Erick Lucena Campos. Breves notas sobre a
ressignificação da privacidade. Revista Brasileira de Direito Civil (RBDCivil). Belo Horizonte. V. 16,
p. 35-56, abr./jun. 2018.

CNPQ. Currículo do sistema de Currículos Lattes. Informações sobre o Me. Erick Lucena Campos
Peixoto. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5929056794191111>. Acesso em: 31 jul. 2020.

CNPQ. Currículo do sistema de Currículos Lattes. Informações sobre o Dr. Marcos Ehrhardt Júnior.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/7254531183116373>. Acesso em: 31 jul. 2020.

NOTA BIOGRÁFICA DO AUTOR


Erick Lucena Campos Peixoto é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (2017).
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (2014). Vinculado ao grupo de pesquisas
Direito Privado e Contemporaneidade, da Faculdade de Direito de Alagoas (FDA/UFAL), onde
desenvolve estudos sobre privacidade e novas tecnologias. Professor de Direito na Faculdade de
Tecnologia de Alagoas (FAT/FAPEC). Professor no curso de especialização em Direito Processual na
Faculdade CESMAC do Sertão. Advogado.

Marcos Ehrhardt Júnior é Advogado, Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e Mestre pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professor de Direito Civil dos cursos
de mestrado e graduação da Universidade Federal de Alagoas. Professor de Direito Civil e Direito do
Consumidor do Centro Universitário CESMAC. Pesquisador Visitante do Instituto Max-Planck de
Direito Privado Comparado e Internacional (Hamburgo ? Alemanha). Líder do Grupo de Pesquisa
Direito Privado e Contemporaneidade (UFAL). Editor da Revista Fórum de Direito Civil (RFDC).
Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCIVIL). Presidente da Comissão Nacional
de Enunciados do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Membro Fundador do Instituto
Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont) e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade
Civil (IBERC).

OBJETIVO PRINCIPAL
 Tecer considerações acerca do possível conceito de privacidade, assumindo seu caráter
plurifacetado, entendendo a mesma a partir de três dimensões diversas, com o fito de identificar
problemas específicos a cada dimensão, sendo a localização do direito violado a melhor forma
de reparar o dano em um contexto da sociedade da informação.
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OBJETIVOS SECUNDÁRIOS
 Discorrer sobre a possibilidade de um conceito de privacidade, identificando-se seu caráter
plurívoco e geral, assumindo a privacidade um valor localizado para cada tempo e espaço;
 Abordar a privacidade como dividida em três dimensões distintas, mas correlacionadas,
objetificando delimitar os problemas de cada dimensão, assim como suas determinantes,
pretendendo, com isso, localizar com precisão o direito violado por uma lesão à privacidade;
 Defender ser a teoria tridimensional da privacidade idônea o suficiente para, através do
detalhamento do dano e do direito lesado, compor a extensão da lesão sofrida, conforme as
circunstâncias de cada caso;
 Defender a necessidade da atualização da abordagem acerca da privacidade na nova sociedade
da informação, baseada no processamento massivo de dados dos sujeitos, a partir da
hiperconectividade, do garimpo informacional e da vigilância ostensiva.
 Abordar, como primaz, a dimensão informacional da privacidade, considerando a importância
assumida por tal dimensão da privacidade na sociedade informacional contemporânea,
localizando nessa dimensão as condutas mais comuns e complicadas de violação da privacidade.

PALAVRAS-CHAVE
Teoria tridimensional da privacidade; controle de acesso; dados pessoais; autodeterminação
informativa.

SÍNTESE E PRINCIPAIS CONCEITOS


Os autores iniciam seu trabalho tecendo considerações acerca da ideia de privacidade. A mesma
não é um valor atemporal na história da humanidade, sendo que, em alguns períodos e lugares, fora
uma preocupação limitada a um escol de certas sociedades.
A privacidade, assim, além de temporal e historicamente localizada, é ainda plástica, posto que
varia nas conjunturas históricas, assumindo feições das culturas nas quais está inserida.
A privacidade, nesse contexto, ganha sentindo a partir do momento em que se sedentariza o
homem, assumindo uma dimensão física na medida em que uma pessoa buscava constituir sua
privacidade a partir do afastamento com outra.
No século XIX, por outro lado, o desenvolvimento de tecnologias específicas, como a
fotografia, amplifica o poder de disseminação da informação, gestando, então, problemáticas
relacionadas à privacidade tal como se conhece hoje.
Já nos momentos históricos do Pós-Guerra, a invenção dos computadores modifica a forma pela
qual se processa dados e informações. Nesses limites, a preocupação com a privacidade direciona-se, aí,
com a tutela de dados informáticos, principalmente os correlacionados com a gestão governamental de
sensos da população.
Com o tempo, a privacidade espacial/física encontrará lugar ao lado de outras dimensões da
privacidade, tais como a privacidade relacionada à tomada de decisões sob aspectos vários da vida, na
privacidade informacional, os direitos da intimidade etc.
No contexto do trabalho dos estudiosos em comento, busca-se uma nova abordagem da
privacidade enquanto conceito, entendendo a mesma como ínsita em um rol de direitos de feições
próximas, cujo elo dar-se-á na lógica da importância do controle de acesso.
Este controle de acesso, em seu turno, desaguará em várias dimensões da privacidade,
principalmente de duas formas: 1. O controle de acesso físico, tangível, relacionado à dimensão
espacial da privacidade; 2. O acesso intangível, virtual, correspondente às dimensões decisional e
informacional da privacidade.
O vocábulo privacidade, transmitindo a ideia tal como se conhece hoje, deriva do inglês privacy,
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palavra que se liga, por fim, ao adjetivo privatus da língua latina. Na sociedade romana, o termo
caracterizava aquilo que era adverso ao publicus, o público, pertencente ao povo romano.
Privatus, ainda, dizia daquele cidadão romano cuja atividade não se referia a uma função estatal
romana. Esta condição, por sua vez, não era bem vista à época antiga, sendo digna de desaprovação a
conduta não orientada para o exercício de funções públicas.
Assim, vê-se que o conceito de privacidade gera-se no Ocidente, de maneira singular. A
privacidade, nessa monta, não é universal, assumindo os contornos com os quais se apresenta na
contemporaneidade a partir do tratamento do caso Olmstead v. United States pela Suprema Corte dos
Estados Unidos da América.
Cabe ressaltar, de toda forma, como a privacidade, mesmo no séc. XIX, colocava-se como
restrita às camadas mais privilegiadas da sociedade. Nos anos do reinado da Rainha Victoria, gozar de
um espaço restrito para si era prerrogativa de grandes senhores, enquanto era regra a impossibilidade de
desfrutar de mínima privacidade em meio à pobreza.
Como já abordado em outros trabalhos da corrente disciplina, a Warren e Brandeis deve-se o
pioneirismo teórico nos assuntos da privacidade. Ambos compilaram decisões antigas acerca do direito
de estar só, calcadas na violação de direitos como da propriedade e sobre situações de difamação,
elaborando, depois, o artigo o qual entraria para a posteridade como marca da retomada teórica acerca
do right to be let alone.
Para ambos, havia um princípio histórico e amplo na commow law cuja existência respaldava a
proteção da privacidade, a partir de uma salvaguarda do indivíduo em seus mais verdadeiros direitos
fundamentais.
O direito da privacidade, identificado por Warren e Brandeis estaria relacionado à proteção do
indivíduo na dimensão de seus pensamentos, sentimento e emoções serem mantidos de forma segura.
Cuidava-se, assim, da possibilidade de uma tutela abusiva acerca de determinadas informações do
sujeito causar danos profundos a seus direitos fundamentais.
Dessa maneira, a abordagem dos autores evidencia um tratamento psicológico/espiritual de um
instituto jurídico, o que não era corrente à tradição jurídica da época, acostumada que estava a institutos
exteriores ao indivíduo, como a propriedade ou a liberdade.
Na Europa, a Alemanha Ocidental inaugura a proteção de dados de maneira legislativa, em
1970, por meio da Hessisches Datenschutzgesetz. Em 1973, a Suécia passa a ser o primeiro país na
Europa a ter uma legislação nacional de proteção de dados, sendo esta a base para o desenvolvimento
de outras legislações nesse sentido no continente europeu.
Há uma diferença de aspecto temporal entre o tratamento da privacidade na Europa e nos
Estados Unidos. Nos EUA, já havia uma preocupação com a privacidade desde o séc. XIX, enquanto
que na Europa a privacidade será eleita como alvo determinante apenas após o fim do período das
grandes guerras, mormente depois da invenção do computador.
Vê-se, nesse sentido, ser a privacidade ao estilo americano mais direcionada ao direito de não
ser incomodado, direito este a derivar do próprio direito à vida ou à integridade corporal, os quais, em
tal aspecto,, expandem-se para assumir faceta moral. Já na Europa, o aspecto físico ressaltado na
vertente da privacidade americana perde espaço em razão da preocupação com a potencialização das
forças tecnológicas.
Com a invenção do computador, estava-se diante de uma maximização da capacidade de
processamento e coleta de dados individuais. Ademais, no Velho Mundo, a proteção à privacidade
direcionava mais à proteção das informações individuais contra o Estado, a partir de uma tutela
protetiva vertical, enquanto que nos EUA, busca-se desenvolver uma proteção do direito da privacidade
mais atrelada à segurança do indivíduo contra intervenções de particulares.
Nos EUA, ainda, observa-se emanar o direito de privacidade dos direitos individuais,
possuidores de caráter negativo. Já na comunidade europeia, a proteção da vida privada advém de
valores coletivos, sendo marcada por aspectos de direito público, arguindo proteção positiva estatal para
salvaguarda de dados. Na Europa, assim, há uma razão positiva da proteção da privacidade em seus
mais diversos aspectos. Busca-se estabelecer, aí, proteção contra os órgãos estatais de controle, em
especial, proteção de minorias em face desses órgãos. Há, portanto, um “aspecto social da privacidade”
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(Pág. 42).
Os anos 70 serão marcados pelo debate aguerrido tanto na doutrina quanto na legislação acerca
da proteção, da coleta e do uso de dados pessoais. Nesse momento, deu-se tal amplificação das
discussões devido aos desdobramentos da tecnologia. Neste contexto, o fluxo de dados tornou-se maior,
não se limitando às fronteiras dos Estados, principalmente, através da criação de diversos bancos de
dados.
Em 2013, a OCDE, por sua vez, atualizará as diretrizes legais determinadas em 1980 sobre a
gestão de riscos na proteção da privacidade, visando empolgar uma abordagem ampla da privacidade,
mediante o tratamento de suas mais diversas dimensões.
Nessa conjuntura, elaborou-se o direito à privacidade como direito à autodeterminação
informativa, considerando os aspectos da sociedade da informação, os quais conformam a informação
como um bem autônomo de estratégico espaço na vida humana.
Em semelhante conjuntura, tornou-se comum a massificação das informações compartilhadas
entre universos infinitos de sujeitos, assumindo a coleta de informação um caráter abstrato. Destarte, a
coleta e o processamento de dados diversos assumiu, também, um aspecto deletério, considerando a
possibilidade mau uso das informações garimpadas. Cunhou-se, portanto, o conceito de tecnologias
sujas, na medida em que se torna possível fazer uma analogia entre as mesmas e severos poluentes
industriais. Mais determinante, ainda, para o contexto marcado por essas tecnologias sujas é sua
inserção e difusão na vida privada, atuando, inclusive, para dissolver a separação palpável entre a esfera
privada e pública da vida.
Utilizando-se dos pressupostos levantados por Rodotà, os autores concluem para identificação
de alguns paradoxos nessa sociedade informatizada. Primeiro, o aumento da coleta e do processamento
de dados e informações possibilitou mais transparência nas atividades dos coletores de dados, sejam
eles públicos ou privados.
Depois, informações de caráter público passaram a receber a proteção oferecida outrora
somente a dados privados, indicando, assim, uma preocupação para que não se use esses dados de
maneira discriminatória. Como resultado, a privacidade assumirá um aspecto social e político para além
da vida individual, constituindo, dessa forma, uma das dimensões da própria cidadania.
Para os mesmos autores, a privacidade, como direito, abrange as garantias de proteção de um
conjunto de dados pessoais, assim como um controle individual das informações e dados concernentes a
si.
Um direito fundamental é erigido, nesse diapasão, um direito à autodeterminação informativa,
encaixado como pressuposto da cidadania, impossibilitada, então, sua tutela relegada à
autodeterminação pessoal ou à autorregulamentação mercadológica e negocial.
Nesse contexto, algumas estratégias são reputadas como mecanismos reais de proteção à
privacidade na sociedade da massificação da produção e da coleta de dados. 1. Há que se falar de um
“direito de oposição” (Pág. 44), isto é, uma garantia de viés negativo contra a coleta e a circulação de
informações pessoais; 2. Há um “direito de não saber” (Pág. 44), fluindo do direito de oposição,
consubstanciando, assim, proteção contra as formas de marketing abusivo, a proteção de dados de saúde
e contra informações não solicitadas ou desejadas; 3. Direito à soberania acerca da finalidade dos dados
coletados, estabelecendo uma salvaguarda preventiva da privacidade informacional, exigindo-se o
controle sobre o motivo e o destino da coleta de dados pessoais por terceiros; 4. Existe um “direito ao
esquecimento” (Pág. 44), significando a necessidade da destruição de certas informações, uma vez que
sua finalidade seja alcançada ou que se compute determinado lapso temporal de seu primeiro
processamento.
De toda maneira, as estratégias exemplificadas supra necessitam ser solidificadas em
mecanismos concretos de proteção. Nessa situação, porém, discute-se a natureza dessa proteção devida,
se levada a diante por mecanismos públicos ou privados de ação? Seria a tutela por meio desses
instrumentos confiadas à coletividade ou ao próprio indivíduo?
Concluem os autores pela necessidade de conjugação dos mais diversos mecanismos de tutela da
privacidade informacional, assumindo os instrumentos já utilizados na proteção aspectos dinâmicos de
abordagem e se descobrindo novos mecanismos para concretizar a proteção da informação nas suas
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novas roupagens. Aumentando-se o fluxo do processamento da informação, assim, deve-se desenhar


princípios novos, capazes de adaptarem-se às mais diversas situações.
Resgatando as abordagens de Rodotà, os autores chamam atenção para a positivação da proteção
de dados como direito fundamental já nos anos 2000, no contexto da Carta de Direitos Fundamentais da
União Europeia (art. 8º). Nessa situação, buscou-se desvincular esse direito do direito à vida privada e
familiar (art. 7º), já tradicionalmente protegido. Embora de fácil constatação após a positivação, a
distinção entre essas duas esferas de garantias não é simples, posto ser a tutela familiar baseada em um
tipo estático de proteção, de aspecto negativo e individualista, impedindo a intervenção de terceiros na
vida doméstica.
Os autores do artigo lido não concordam, todavia, com a colocação da proteção de dados como
um direito fundamental autônomo, já que tanto elegeria apenas uma das dimensões da privacidade para
ser digna de proteção positiva (uma dimensão informacional). Por outro lado, os autores não rejeitam de
toda essa manobra de positivação, considerando ser a mesma incentivadora da distinção entre espécies
diversas do gênero privacidade.
Para Ehrhardt e Peixoto, pode-se, de modo geral, distinguir-se entre duas escolas díspares na
proteção da privacidade, uma escola americana e outra europeia.
A privacidade, quando ofendida, significa uma violência contra a autonomia pessoal
consubstanciada no direito de cada sujeito determinar as próprias identidades, moldando seus estilos de
vida.
Uma ofensa à dignidade, em outro contexto, gera um atentado contra o dever de respeito e
tolerância entre as pessoas, vindo a dignidade representar amplo campo de atuação das relações
intersubjetivas.
Assim, observa-se a diferença entre a ofensa à privacidade e à dignidade. De toda forma, a
privacidade pressupõe um contexto de relações intersubjetivas estabilizado, em uma comunidade de
contornos específicos, isto é, uma comunidade na qual as pessoas estão vinculadas por normas
aplicáveis a todos. Porém, se observada pela lógica da autonomia individual, a privacidade pressupõe a
pessoa como diferente, alocada como um ser autônomo detentor de garantias.
Em consequência, vê-se que o contexto europeu de proteção à privacidade entende-se a partir de
aspectos socializados da personalidade e, de seu modo, a abordagem norte-americana da privacidade
usa como lente a lógica da liberdade individual, colocando a privacidade em relação direta com
aspectos individuais e autônomos de cada sujeito.
Sem prejuízo a tanto, pode-se dizer que a privacidade é uma “umbrela word” (Pág. 47),
abrigando diferentes direitos de um mesmo gênero (direito ao sigilo, à intimidade, da privacidade etc.).
Para Dworkin, ainda, a privacidade pode assumir aspectos territoriais, confidenciais e, também, aliados
às decisões pessoais, todos ao mesmo tempo.
Privada é a coisa cujo acesso pode ser limitado a terceiros. A privacidade, portanto, seria a
proteção contra o acesso indesejado de terceiros. Acesso, por sua vez, pode ser configurado de modo
físico, direto e concreto ou de maneira metafórica.
De modo metafórico, o acesso faria sinal ao controle do acesso de informações por parte de
terceiros e também à capacidade do sujeito impedir que outras pessoas atuassem para interferir sobre
decisões relevantes para si.
Entendendo o controle de acesso à coisa, esta pode ser entendida como um eixo cuja dimensão
será determinada a partir dos valores atribuídos ao mesmo, os quais se limitam a três. A dimensão da
coisa seria retirada da física clássica por Ehrhardt e Peixoto para servir à abordagem tridimensional da
privacidade.
Para além de uma dimensão física ou espacial, faz-se referências ao controle de acesso a coisas
intangíveis, o que pode se dar: 1. Proteção de acesso contra interferências indesejadas ou contra à
heteronomia nas decisões, evidenciando uma dimensão decisional da privacidade; 2. Proteção da
informação, em uma dimensão informacional da privacidade.
As dimensões da privacidade correlacionam-se, coexistindo em mútua influência. Há situações
nas quais a privacidade apresenta-se em uma única dimensão, são as chamadas “situações puras” (Pág.
48). Há situações, contudo, nas quais se opera uma intersecção de duas ou mais dimensões da
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privacidade. São as chamadas “situações mistas ou impuras”, configurando “situações complexas”


(Pág. 48) nas quais é difícil até se identificar qual a dimensão da privacidade é operada.
A privacidade na dimensão decisional atrela-se ao modo de vida do indivíduo, incluindo suas
escolhas, gostos, seus projetos e características. Há uma proteção sobre as escolhas do indivíduo acerca
de seu comportamento público, seu estilo de vida e suas ações mais fundamentais. Na tradição da
jurisprudência norte-americana, apresenta-se na discussão de casos de liberdade reprodutiva, por
exemplo. Assim, nesse contexto, é fácil a confusão entre a privacidade nessa dimensão com as
liberdades civis.
É uma dimensão que comporta o limite de ação do sujeito no corpo social. O indivíduo atua e
espera dos outros moderação, reserva ou indiferença, não podendo se sentir intimidade na composição
de suas escolhas de vida.
A dimensão decisional da privacidade implica, com efeito, na impossibilidade da pessoa ser mal
interpretada ou julgada fora de um contexto, na medida em que fica vedado julgamento superficial da
vida alheio por terceiros. Trata-se da proteção de um aspecto da privacidade escalonado em graus,
abrindo-se a vida privada do indivíduo na medida em que mais se configuram próximas e íntimas as
pessoas com as quais o mesmo se relacione.
Além de exigir uma postura negativa por parte de terceiros, a dimensão decisional insta por uma
interferência positiva, isto é, de encorajamento. A privacidade decisional liga-se à dimensão
informacional, considerando a possibilidade de certas informações sobre o modo de viver da pessoa
serem transmutadas em dados, “dados sensíveis” (Pág. 51).
Trabalhando a abordagem de Solove, Ehrhardt e Peixoto entendem a necessidade da privacidade
ser entendida a partir do contexto individual. Solove estabeleceu uma taxonomia da privacidade,
possibilitando uma abordagem mais pluralista da privacidade.
Existiriam quatro tipos de atividade danosas da privacidade: 1. Coleta de informação; 2.
Processamento de informação; 3. Disseminação de Informação e 4. Invasão.
A coleta de informação pode ser dividida em “surveillance” e “interrogation” (Pág. 51-52). O
processamento de informação ligar-se-ia às formas pelas quais a informação é armazenada, manipulada
e utilizada, dividindo-se em “aggregation, identification, insecurity, secundary use e exclusion”.
O terceiro grupo de atividades danosas, o da disseminação de informação, envolveria a breach
of confidentiality, disclousure, expoure, increased accessibility, blackmail, appropriation e distortion,
englobando formas de propagação de dados pessoais ou a ameaça de fazê-lo.
Por fim, o grupo da Invasão faria referência a invasões e assuntos particulares, por meio da
intrusion e da decisional interference.
Conforme a abordagem de Solove, verifica-se um único indivíduo ao qual dizem respeito as
informações e dados que seriam manejados, das mais diversas formas, por diferentes entes, individuais,
coletivos ou governamentais. É necessário ressaltar que embora a simples coleta de informações possa
configurar-se como uma atitude ilícita, nem toda atividade de coleta é danosa ou perigosa.
De toda maneira, chama-se de data holders aqueles que coletam dados e informações diversas,
processando-os, armazenando, combinando e manipulando os mesmos. Trata-se de fase intitulada como
de “Processamento de Informação” (Pág. 53) por Solove.
Após esse momento, os data holders transferem a outros a informação processada, em uma
segunda fase de “Disseminação de Informação” (Pág. 53). Já nessa situação, o indivíduo afasta-se cada
vez mais da tutela direta de seus dados, perdendo, progressivamente, o controle sobre o manejo dos
mesmos.
Na maioria dos casos, contudo, opera-se a violação não apenas de um direito ou dimensão da
privacidade. Ocorre de um só ato determinar a infringência de vários direitos da privacidade, operando-
se em dimensões distintas da mesma. Exige-se respostas complexas para problemas cuja extensão
ultrapassem os limites de uma única dimensão.
A dimensão espacial é aquela relacionada ao modelo mais tradicional de proteção da
privacidade. Seria uma “dimensão original” (Pág. 54), envolvendo a chamada privacidade doméstica,
atrelada a um lugar físico em específico. Como proteção de uma privacidade mais fundamental, a
liberdade do lar é vista como uma liberdade necessária, básica. A vida doméstica, com efeito, não
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assume apenas uma figura física no contexto ora trabalhado, mas uma interseção, tendo em vista a
consubstanciação de duas dimensões, de caráter decisional e também espacial da privacidade.

CITAÇÕES EMBLEMÁTICAS
“As raízes da privacidade nos Estados Unidos estão em um direito do indivíduo, de caráter negativo, enquanto
que as raízes europeias estão também na sociedade, apresentando características de direito positivo, no qual se
exige do Estado que se tomem medidas para garantir a proteção de dados pessoais, como a instalação de órgãos
de controle, além de a proteção visar grupos minoritários que podem sofrer discriminações com a exposição de
seus dados pessoais. Na Europa se desenvolve o aspecto social da privacidade” (Pág. 42).

“[...] A privacidade, segundo o professor italiano, passa a se impor como um direito fundamental, especificando-
se como ‘direito à autodeterminação informativa’, e, mais especificamente ainda, ‘como direito a determinar as
modalidades de construção da esfera privada na sua totalidade’. Apresenta-se, também, ‘como precondição da
cidadania na era eletrônica’, não podendo ser confiada à lógica da autorregulamentação ou das atividades
contratuais” (Pág. 44).

“Na maioria das vezes, quando se diz que um indivíduo sofreu uma violação da privacidade, na verdade, o que se
está querendo dizer é que ocorreram várias violações em vários direitos da privacidade, e até em dimensões
diferentes desta. Uma pequena postagem em uma rede social pode facilmente ferir o direito à honra, à imagem, à
proteção de dados pessoais, à intimidade etc. Por conseguinte, determinada violação à privacidade, alcançado
mais de uma dimensão, exige uma resposta mais complexa, compreensiva de todos os matizes da violação” (Pág.
53).

EVENTUAIS DÚVIDAS
Sendo o texto em questão claro, conciso e preocupado em tecer classificações de maneira organizada,
não restaram dúvidas significativas acerca do mesmo após sua leitura e análise, pedindo o aluno
permissão para que calado permaneça.

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