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Os ricos dividem o Mundo

Este cartoon de Luc Vernimmen, denominado “Os ricos dividem o mundo” retrata as
desigualdades sociais que têm afetado a sociedade ao longo da história de todo o mundo.

Neste cartoon podemos observar um banquete que decorre num salão onde as cores fortes
dominam, entre as quais surge o vermelho e o verde, cores que simbolizam o poder e, como
tal, a riqueza. Subentende-se, portanto, que se trata de um baquete onde apenas participam
indivíduos mais abastados, com poder sobre os mais desfavorecidos. Esta afirmação é também
suportada pelo facto, de todas as personagens se encontrarem bem vestidas, formalmente,
destacando, mais uma vez, a sua riqueza e pelo facto de o salão ser decorado por elementos
luxuosos, entre os quais os candeeiros, as pinturas emolduradas e a própria mobília. Denota-se
também a particular existência de “criados”, um homem que serve as bebidas e outro homem,
vestido de cozinheiro, que serve a comida, segundo a ordem dos “superiores”. Para além da
longa mesa onde os indivíduos se sentam a comer, existe uma outra mesa igual, em primeiro
plano, ocupada apenas pela figura do planeta Terra. É deste planeta que os participantes do
banquete se vão servindo e alimentando.

Este cartoon destaca assim um dos maiores problemas atuais e mais remotos que a
humanidade enfrenta, o capitalismo.

O capitalismo é dividido em duas classes, formadas pelos capitalistas e pelos proletários. Os


capitalistas são os detentores dos meios de produção e empregam os proletários a fim de
obter lucros e acumular riquezas. Os proletários, ou trabalhadores, detêm apenas a sua força
de trabalho e precisam de a “vender” aos capitalistas em troca de um salário. Num sistema
capitalista há uma busca pela maximização dos lucros e acumulação das riquezas.

Também Cesário Verde critica esta enorme adversidade, demonstrando uma simpatia pelas
classes oprimidas e até uma identificação para com os mais pobres. É também notável uma
revolta contra a sociedade pela miséria social, tudo isto, através de um deambular, que lhe
permite uma perceção dinâmica e um conhecimento mais completo da realidade urbana.
Destaca-se assim o carácter solidário deste poeta português para com as vítimas das injustiças
sociais, e também o repúdio pela vida burguesa das casas apalaçadas.

Temos vários exemplos destas ocorrências, por exemplo, no poema “O sentimento dum
Ocidental”, estudado em sala de aula.

No primeiro andamento, “Ave Marias”, destacam-se os carpinteiros, os calafates, as obreiras e


as varinas por oposição aos dentistas, que, embora desempenhem um trabalho mais ligeiro,
não deixam de ser mais abastados. A visão das varinas, com a sua força hercúlea, não obstante
a vida penosa que levam, encerra esta primeira secção de forma bastante sensorial, com a
referência ao “peixe podre” que “gera os focos de infeção”, destacando a ideia de doença.

No segundo andamento, “Noite fechada”, na estrofe 7, ocorre a referência a um palácio que


expressa de forma conotativa a visão crítica do narrador perante esta sociedade em que
grandes edifícios coabitam com casebres. Mais à frente, o olhar de Cesário também se detém
nas figuras femininas, realçando o contraste entre as mulheres do mundo artificial da moda e
as empregadas, entre as quais as costureiras e as floristas, que mal conseguem, elevar os seus
pescoços.
Já no terceiro andamento, “Ao gás”, por oposição à visão doentia das impuras, surge o forjador
e o cheiro do pão no forno transmite vigor, honestidade, saúde, numa clara referência à
dicotomia cidade/campo, com a elevação deste último espaço, para onde o sujeito poético
gostaria de se evadir. Contrariamente áquilo que Cesário pretende ver numa cidade diferente,
a cidade que este observa é cumpridora de agudas diferenças sociais, numa sociedade em que
o comércio atrai a cobiça do pobre “ratoneiro”, enquanto os ricos fazem as suas compras.

Nós recolhemos um outro poema de Cesário Verde, que não foi trabalhado em sala de aula,
para comprovar esta sua empatia perante os grupos sociais mais desfavorecidos.

Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros, Bom tempo. Os rapagões, morosos, duros, baços,

Vibra uma imensa claridade crua. Cuja coluna nunca se endireita,

De cócoras, em linha os calceteiros, Partem penedos; cruzam-se estilhaços.

Com lentidão, terrosos e grosseiros, Pesam enormemente os grossos maços,

Calçam de lado a lado a longa rua, Com que outros batem a calçada feita.

Como as elevações secaram do relento, A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!

E o descoberto Sol abafa e cria! Que espessos forros! Numa das regueiras

A frialidade exige o movimento; Acamam-se as japonas, os coletes;

E as poças de água, como um chão vidrento, E eles descalçam com os picaretes,

Refletem a molhada casaria. Que ferem lume sobre pederneiras.

Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita, E nesse rude mês, que não consente as flores,

Disseminadas, gritam as peixeiras; Fundeiam, como a esquadra em fria paz,

Luzem, aquecem na manhã bonita, As árvores despidas. Sóbrias cores!

Uns barracões de gente pobrezita Mastros, enxárcias, vergas! Valadores

E uns quintalórios velhos com parreiras. Atiram terra com as largas pás.

Não se ouvem aves; nem o choro duma nora! Eu julgo-me no Norte, ao frio - o grande agente! -

Tomam por outra parte os viandantes; Carros de mão, que chiam carregados,

E o ferro e a pedra - que união sonora! - Conduzem saibro, vagarosamente;

Retinem alto pelo espaço fora, Vê-se a cidade, mercantil, contente:

Com choques rijos, ásperos, cantantes. Madeiras, águas, multidões, telhados!


Negrejam os quintais, enxuga a alvenaria: De escuro, bruscamente, ao cimo da barroca,

Em arco, sem as nuvens flutuantes, Surge um perfil direito que se aguça;

O céu renova a tinta corredia; E ar matinal de quem saiu da toca,

E os charcos brilham tanto, que eu diria Uma figura fina, desemboca,

Ter ante mim lagoas de brilhantes! Toda abafada num casaco à russa.

E engelhem, muito embora, os fracos, os tolhidos, Donde ela vem! A atriz que tanto cumprimento

Eu tudo encontro alegremente exato. E a quem, à noite na platéia, atraio

Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. Os olhos lisos como polimento!

E tangem-me, excitados, sacudidos, Com seu rostinho estreito, friorento,

O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato! Caminha agora para o seu ensaio.

Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem E aos outros eu admiro os dorsos, os costados

De tão lavada e igual temperatura! Como lajões. Os bons trabalhadores!

Os ares, o caminho, a luz reagem; Os filhos das lezírias, dos montados;

Cheira-me o fogo, a sílex, a ferragem; Os das planícies, altos aprumados;

Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura. Os das montanhas, baixos, trepadores!

Mal encarado e negro, um pára enquanto eu passo, Mas fina de feições , o queixo hostil, distinto,

Dois assobiam, altas as marretas Furtiva a tiritar em suas peles,

Possantes, grossas, temperadas de aço; Espanta-me a atrizita que hoje pinto,

E um gordo, o mestre, com um ar ralaço Neste dezembro enérgico, sucinto,

E manso, tira o nível das valetas. E nestes sítios suburbanos, reles!

Homens de carga! Assim a bestas vão curvadas! Como animais comuns, que uma picada esquente,

Que vida tão custosa! Que diabo! Eles, bovinos, másculos, ossudos,

E os cavadores pousam as enxadas, Encaram-na sangüínea, brutamente:

E cospem nas calosas mão gretadas, E ela vacila, hesita, impaciente

Para que não lhes escorregue o cabo. Sobre as botinhas de tacões agudos.

Povo! No pano cru rasgado das camisas Porém, desempenhando o seu papel na peça,

Uma bandeira penso que transluz! Sem que inda o público a passagem abra,

Com ela sofres, bebes, agonizas; O demonico arrisca-se, atravessa

Listrões de vinho lançam-lhe divisas, Covas, entulhos, lamaçais, depressa,

E os suspensórios traçam-lhe uma cruz! Com seus pezinhos rápidos, de cabra!


Este poema é constituído por 20 quintilhas com rima cruzada, interpolada e emparelhada
(ABAAB), tendo o primeiro verso de cada quintilha 12 sílabas métricas e os restantes 10 sílabas
métricas.

A imaginação do poeta apodera-se das diversas sensações captadas da realidade, ao que nós
chamamos transfiguração do real, dando-nos a ilusão de vermos movimento, nas coisas,
lugares e até nas pessoas, denunciando as injustiças sociais da nossa sociedade (diferentes
classes sociais), tudo isto é conseguido através de recursos expressivos como a metáfora, a
tripla adjetivação, exclamação e comparação e através da técnica impressionista utilizada cujo
objetivo é mostrar a percepção do real por parte do observador.

O poeta observa, primeiramente os calceteiros a “calçar de lado a lado a longa rua” e o


primeiro espaço observado é a rua por onde o poeta passeava. Este espaço vai-se alargando,
como se estivesse a deslizar pelos seus olhos, estendendo-se já por toda a rua e pela casaria. O
espaço continua a alargar-se quando surgem as peixeiras. Por vezes, quase nos esquecemos do
espaço físico, pois o poeta acaba por trazer ao de cima os seus pensamentos: é como se o
sujeito poético fechasse os olhos, para se recordar da suavidade do campo, em contraste com
o rigoroso martelar dos calceteiros que agora ouvia.

Vejamos no entanto que é o tempo que acarreta consigo a mudança de espaço. Primeiro “faz
frio”, mas abaixo já está “Bom tempo”. Existe o fluir do tempo que arrasta consigo a mudança
do espaço físico e também do espaço psicológico do poeta. É assim que alternam os
calceteiros com os pensamentos do poeta a imaginar a dura condição dos trabalhadores, no
seu aspeto e no seu vestuário. A mesma alternância ocorre entre a observação invernal das
árvores despidas e a associação na mente do poeta, a “uma esquadra fundeada… mastros,
enxárcias, vergas”.

O uso sistemático do presente do indicativo (“Carros de mão chiam carregados”; “negrejam os


quintais”) dá-nos também a sensação do tempo a fluir.

Até ao fim do poema, esta alternância entre o espaço psicológico e o espaço físico contribui
para a ideia de movimento.

Os primeiros tipos sociais representados neste poema são os calceteiros e os pedreiros, que
enfrentam os trabalhos mais sujos e duros, sendo referidos «De cócoras, em linha, os
calceteiros», «rapagões […] cuja coluna nunca se endireita» o que simboliza a humilhação
social/submissão perante as classes sociais mais elevadas. De seguida surgem ainda as
peixeiras as quais o poeta se refere como gente pobre. Em contraposição a estas classes
sociais aparece-nos a atriz que é caracterizada como elegante, de «rostinho estreito,
friorento» e «perfil direito».

É evidente que a simpatia do poeta vai para os trabalhadores que ocupam um trabalho mais
duro, a ponto de ele próprio, encarnar a revolta que eles deveriam experimentar: “Que vida
tão custosa! Que diabo!”. Sobre a burguesia, representada pela atriz, abate-se a ironia, não
deixando de relatar a realidade. A ironia, presente na utilização da palavra toca, em vez de
casa, e na expressão “Toda abafada num casaco à russa” ressalta do contraste entre a figura
estilizada da atriz e as “bestas curvadas” dos pedreiros. A certa altura, a ironia parece dar lugar
à crítica, quando o poeta a imagina “nestes sítios suburbanos, reles!” e quando a põe a
atravessar as “covas, entulhos, lamaçais, com os seus pezinhos rápidos, de cabra!”.
Novamente, o diminutivo e o designativo de “cabra” surgem carregados de conotações
pejorativas.

Depois de lançar a sua objetiva sobre a cidade mercantil, sobre as multidões, os telhados, o
poeta abre mais uma vez a sua visão sobre o campo, como que para matar um enjoo:
“Negrejam os quintais(…)/ O céu renova a tinta corredia;/ (…) os charcos brilham(…)/ (…)lagoas
de brilhantes!”. O poeta precisou de relembrar estes elementos campestres para se recompor
e continuar o seu passeio extrospetivo pela cidade. O campo funciona, assim como uma
antítese da cidade, que está enraizada na vivência do poeta, ou seja, o campo diz respeito ao
seu passado, à sua infância, e a cidade é o seu presente, a vida adulta. Quase como se o campo
fosse atração e a cidade repulsão.

Estes são apenas alguns exemplos que podemos interpretar através da análise do poema
“Cristalizações” e que justificam a crítica presente no cartoon.

As desigualdades sociais colocam alguns indivíduos em condições estruturalmente mais


vantajosas do que outros, o que nos leva a intensificação da pobreza. A desigualdade tende a
acumular-se. Logo, determinados grupos de pessoas de classes sociais e económicas mais
favorecidas têm acesso a boas escolas, boas faculdades e, consequentemente, a bons
empregos. Ou seja, vivem, convivem e crescem num meio social que lhes está disponível.

É um ciclo vicioso: esses grupos restritos mantém-se privilegiados, relacionando-se


socialmente e economicamente por gerações a fio. A grande questão é: o que fazem aqueles
que estão à margem dessa bolha social? Desde muito cedo este problema tem sido
questionado levando vários pensadores a tentarem adotar uma medida para ter uma
sociedade mais equitativa quer em oportunidades quer em bens materiais, chegando à
conclusão de que não existe solução para este problema, vão sempre existir diferenças sociais,
a única coisa que podemos e devemos fazer é tentar que estas não se intensifiquem muito,
fazendo com que haja pessoas extremamente ricas e outras extremamente pobres. E a
verdade é que, mesmo este problema sendo tão difícil de ultrapassar, não se tem verificado
uma grande tentativa ao redor do mundo de o ultrapassar. As atitudes têm de partir de cada
um de nós! E é por isso, que consideramos cartoons como este tão importantes. Trata-se da
sensibilização da sociedade para que esta opte por tomar medidas mais ponderadas. A nossa
sociedade precisa de ser urgentemente reeducada: os jovens e crianças que serão o futuro
necessitam de ter consciência deste problema para que possam passar às gerações seguintes
hábitos e pensamentos conscientes e responsáveis.

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