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Este cartoon de Luc Vernimmen, denominado “Os ricos dividem o mundo” retrata as
desigualdades sociais que têm afetado a sociedade ao longo da história de todo o mundo.
Neste cartoon podemos observar um banquete que decorre num salão onde as cores fortes
dominam, entre as quais surge o vermelho e o verde, cores que simbolizam o poder e, como
tal, a riqueza. Subentende-se, portanto, que se trata de um baquete onde apenas participam
indivíduos mais abastados, com poder sobre os mais desfavorecidos. Esta afirmação é também
suportada pelo facto, de todas as personagens se encontrarem bem vestidas, formalmente,
destacando, mais uma vez, a sua riqueza e pelo facto de o salão ser decorado por elementos
luxuosos, entre os quais os candeeiros, as pinturas emolduradas e a própria mobília. Denota-se
também a particular existência de “criados”, um homem que serve as bebidas e outro homem,
vestido de cozinheiro, que serve a comida, segundo a ordem dos “superiores”. Para além da
longa mesa onde os indivíduos se sentam a comer, existe uma outra mesa igual, em primeiro
plano, ocupada apenas pela figura do planeta Terra. É deste planeta que os participantes do
banquete se vão servindo e alimentando.
Este cartoon destaca assim um dos maiores problemas atuais e mais remotos que a
humanidade enfrenta, o capitalismo.
Também Cesário Verde critica esta enorme adversidade, demonstrando uma simpatia pelas
classes oprimidas e até uma identificação para com os mais pobres. É também notável uma
revolta contra a sociedade pela miséria social, tudo isto, através de um deambular, que lhe
permite uma perceção dinâmica e um conhecimento mais completo da realidade urbana.
Destaca-se assim o carácter solidário deste poeta português para com as vítimas das injustiças
sociais, e também o repúdio pela vida burguesa das casas apalaçadas.
Temos vários exemplos destas ocorrências, por exemplo, no poema “O sentimento dum
Ocidental”, estudado em sala de aula.
Nós recolhemos um outro poema de Cesário Verde, que não foi trabalhado em sala de aula,
para comprovar esta sua empatia perante os grupos sociais mais desfavorecidos.
Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros, Bom tempo. Os rapagões, morosos, duros, baços,
Calçam de lado a lado a longa rua, Com que outros batem a calçada feita.
Como as elevações secaram do relento, A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!
E o descoberto Sol abafa e cria! Que espessos forros! Numa das regueiras
Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita, E nesse rude mês, que não consente as flores,
E uns quintalórios velhos com parreiras. Atiram terra com as largas pás.
Não se ouvem aves; nem o choro duma nora! Eu julgo-me no Norte, ao frio - o grande agente! -
Tomam por outra parte os viandantes; Carros de mão, que chiam carregados,
Ter ante mim lagoas de brilhantes! Toda abafada num casaco à russa.
E engelhem, muito embora, os fracos, os tolhidos, Donde ela vem! A atriz que tanto cumprimento
O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato! Caminha agora para o seu ensaio.
Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem E aos outros eu admiro os dorsos, os costados
Mal encarado e negro, um pára enquanto eu passo, Mas fina de feições , o queixo hostil, distinto,
Homens de carga! Assim a bestas vão curvadas! Como animais comuns, que uma picada esquente,
Que vida tão custosa! Que diabo! Eles, bovinos, másculos, ossudos,
Para que não lhes escorregue o cabo. Sobre as botinhas de tacões agudos.
Povo! No pano cru rasgado das camisas Porém, desempenhando o seu papel na peça,
Uma bandeira penso que transluz! Sem que inda o público a passagem abra,
A imaginação do poeta apodera-se das diversas sensações captadas da realidade, ao que nós
chamamos transfiguração do real, dando-nos a ilusão de vermos movimento, nas coisas,
lugares e até nas pessoas, denunciando as injustiças sociais da nossa sociedade (diferentes
classes sociais), tudo isto é conseguido através de recursos expressivos como a metáfora, a
tripla adjetivação, exclamação e comparação e através da técnica impressionista utilizada cujo
objetivo é mostrar a percepção do real por parte do observador.
Vejamos no entanto que é o tempo que acarreta consigo a mudança de espaço. Primeiro “faz
frio”, mas abaixo já está “Bom tempo”. Existe o fluir do tempo que arrasta consigo a mudança
do espaço físico e também do espaço psicológico do poeta. É assim que alternam os
calceteiros com os pensamentos do poeta a imaginar a dura condição dos trabalhadores, no
seu aspeto e no seu vestuário. A mesma alternância ocorre entre a observação invernal das
árvores despidas e a associação na mente do poeta, a “uma esquadra fundeada… mastros,
enxárcias, vergas”.
Até ao fim do poema, esta alternância entre o espaço psicológico e o espaço físico contribui
para a ideia de movimento.
Os primeiros tipos sociais representados neste poema são os calceteiros e os pedreiros, que
enfrentam os trabalhos mais sujos e duros, sendo referidos «De cócoras, em linha, os
calceteiros», «rapagões […] cuja coluna nunca se endireita» o que simboliza a humilhação
social/submissão perante as classes sociais mais elevadas. De seguida surgem ainda as
peixeiras as quais o poeta se refere como gente pobre. Em contraposição a estas classes
sociais aparece-nos a atriz que é caracterizada como elegante, de «rostinho estreito,
friorento» e «perfil direito».
É evidente que a simpatia do poeta vai para os trabalhadores que ocupam um trabalho mais
duro, a ponto de ele próprio, encarnar a revolta que eles deveriam experimentar: “Que vida
tão custosa! Que diabo!”. Sobre a burguesia, representada pela atriz, abate-se a ironia, não
deixando de relatar a realidade. A ironia, presente na utilização da palavra toca, em vez de
casa, e na expressão “Toda abafada num casaco à russa” ressalta do contraste entre a figura
estilizada da atriz e as “bestas curvadas” dos pedreiros. A certa altura, a ironia parece dar lugar
à crítica, quando o poeta a imagina “nestes sítios suburbanos, reles!” e quando a põe a
atravessar as “covas, entulhos, lamaçais, com os seus pezinhos rápidos, de cabra!”.
Novamente, o diminutivo e o designativo de “cabra” surgem carregados de conotações
pejorativas.
Depois de lançar a sua objetiva sobre a cidade mercantil, sobre as multidões, os telhados, o
poeta abre mais uma vez a sua visão sobre o campo, como que para matar um enjoo:
“Negrejam os quintais(…)/ O céu renova a tinta corredia;/ (…) os charcos brilham(…)/ (…)lagoas
de brilhantes!”. O poeta precisou de relembrar estes elementos campestres para se recompor
e continuar o seu passeio extrospetivo pela cidade. O campo funciona, assim como uma
antítese da cidade, que está enraizada na vivência do poeta, ou seja, o campo diz respeito ao
seu passado, à sua infância, e a cidade é o seu presente, a vida adulta. Quase como se o campo
fosse atração e a cidade repulsão.
Estes são apenas alguns exemplos que podemos interpretar através da análise do poema
“Cristalizações” e que justificam a crítica presente no cartoon.