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A qualidade de vida de pacientes com insuficiência renal crônica em hemodiálise
físico, emocional e social de suas vidas. A depressão é pontuação: 0 a 11 – sem depressão ou depressão mí-
a complicação do humor mais comum entre estes pa- nima (População A); 12 a 19 – leve; 20 a 35 – mode-
cientes, e geralmente significa uma resposta a alguma rada e 36 a 63 – grave (População B).
perda real ou imaginada, na qual se configuram hu- Em relação ao cálculo do WHOQOL-bref, as res-
mor depressivo persistente, autoimagem prejudicada postas foram obtidas por uma escala do tipo Likert
e sentimentos pessimistas, além de queixas fisiológi- de cinco pontos e, dependendo do conteúdo da per-
cas como distúrbio de sono, alterações de apetite e gunta, foram avaliadas por meio de quatro tipos de
peso, diminuição de interesse sexual, entre outros3. escalas: intensidade, capacidade, frequência e nível de
Este estudo ressalta a importância de se avaliar a satisfação2.
qualidade de vida (QV) entre os pacientes renais crô- Para o cálculo dos escores dos domínios, os ín-
nicos que utilizam a hemodiálise como tratamento. O dices das facetas componentes resumem os domínios
objetivo do presente estudo foi comparar a QV entre ao quais pertencem. Tanto os domínios quanto a QV
os pacientes sem depressão ou depressão mínima com geral são medidos em direção positiva, ou seja, esco-
aqueles que possuem algum grau de depressão (leve, res mais altos denotam melhor QV. Para esse cálcu-
moderado ou grave). lo, utilizou-se a sintaxe do software SPSS (Statistical
Package for Social Science) que automaticamente che-
Métodos cou, recodificou e estabeleceu os escores dos domínios
e das questões de QV em geral4, optando-se por uma
Foi realizado um estudo transversal e descritivo. Este
escala de 0 a 100 por se referir a valores mais fáceis
estudo foi desenvolvido no setor de hemodiálise da
de serem interpretados pelo leitor em geral, dada a
Santa Casa de Misericórdia de Marília, em São Paulo,
associação com percentuais.
que é um centro de referência ao tratamento dialítico
na região da IX Direção Regional de Saúde de São
Análise estatística
Paulo.
A seleção da amostra da população estudada foi Para atender aos objetivos propostos neste estudo, re-
constituída por todos os pacientes que realizaram tra- alizou-se uma análise estatística descritiva dos dados
tamento hemodialítico entre os cinco primeiros dos sociodemográficos e clínicos, por meio do cálculo da
12 meses desta pesquisa. média, do desvio padrão, das proporções e da análise
Foram selecionados pacientes que apresentavam inferencial dos demais dados por meio dos seguintes
doença renal crônica (n = 167), com no mínimo 60 procedimentos estatísticos: teste t de Student; análise
dias de início do tratamento hemodialítico, maiores de variância (ANOVA) e o coeficiente de correlação
de 18 anos, em condições clínicas estáveis e capaci- linear de Pearson com intervalo de confiança de 95%
dade de compreensão adequada para responder aos e significância assumida de p < 0,05.
questionários, excluindo-se pacientes em outros trata-
mentos dialíticos, ou que foram incluídos em outras Resultados
modalidades de tratamento durante a realização do A população total estudada foi formada por 130 pa-
estudo (n = 148). Dezoito pacientes se recusaram a cientes renais crônicos em hemodiálise. Houve pre-
participar da pesquisa. valência da População A no Grupo de População
Quanto aos instrumentos para coletas de dados, Total (65,15%) sobre a População B, corresponden-
primeiramente, caracterizou-se os dados sociodemo- te a 33,84% da População Total (Tabela 1), sendo
gráficos e clínicos. A segunda parte constituiu-se dos que, dos 33,84% que correspondem à População B,
seguintes instrumentos: Inventário de Depressão de 21,54% era composta por pacientes com depressão
Beck (BDI), versão em português, contendo 21 afir- leve; 11,54%, depressão moderada e 0,76%, grave.
mações, cada qual com quatro alternativas, e a Escala Em relação à variável sexo, na população total,
WHOQOL-bref, versão em português, contento 26 houve prevalência do sexo masculino (63,07%) sobre
questões, cada qual com cinco alternativas. o feminino (36,92%), assim como entre a A: 65,12
Para a análise dos dados, comparou-se a QV dos versus 34,88% e B: 59,10 versus 40,9%. A média de
pacientes renais crônicos em tratamento hemodialíti- idades entre a População Total foi de x 49,7 anos (18-
co sem sintomas depressivos ou mínimos com aqueles 80), a da População de A: x 49,09 anos (18-75) e da
com sintomas depressivos leves, moderados e graves. População B: x 50,9 anos (22-80) (Tabela 1).
Quanto ao cálculo do BDI, a soma dos escores Em relação à situação conjugal, observa-se a
que identifica o nível de depressão teve a seguinte prevalência de pacientes “com companheiro” entre
todas as populações, tanto na Total (58,46%), na A cinco anos e 20,76% a menos de um ano. Entre a
(53,48%) e na B (65,90%) (Tabela 1). População A, a prevalência de um a cinco anos es-
Ao que se refere ao nível de escolaridade, o tá entre 39,54%, sendo que 25,57% encontra-se a
Ensino Fundamental prevalece entre todas as menos de um ano e 34,87%, acima de cinco anos.
populações: total com 53,08%; A, 51,16% e Referente à B, 52,26% desta população encontra-se
56,82% da B. O nível de escolaridade “Acima do acima de cinco anos, 36,37% está entre um a cinco
Fundamental” se apresenta em 30,77% da Total, anos e 11,47% a menos de um ano (Tabela 2).
36,04% da A e em 20,45% da B. Tem-se que o Em relação às principais causas de doença renal
analfabetismo é o nível de escolaridade de 16,15% crônica, é possível destacar que grande porcentagem
da Total, 12,8% entre a A e 22,73% entre a B das causas se vincula à hipertensão arterial sistêmi-
(Tabela 1). ca (HAS), com 55,38% da População Total, seguido
Quanto à religião das populações em estudo, o da associação multifatorial de diabetes melito e HAS,
Catolicismo prevalece, sendo declarado em 64,61% correspondente a 22,3%.
dos pacientes da Total, 66,28% da A e 61,36% da Os escores médios em uma escala de 0 a 100 do
B. O Protestantismo foi declarado como religião de WHOQOL-bref obtidos para a População Total de
25,38% da Total, 22,09% da A e 31,82% da B. renais crônicos em hemodiálise identificam a seguinte
Outras religiões foram declaradas por 10,01% da ordem decrescente de médias dos domínios: Relações
Total, 11,62% da A e 6,82% da B. Entre elas, desta- Sociais (RS) – que envolve relações pessoais, suporte
ca-se o Espiritismo, o Budismo e as Testemunhas de ou apoio social e atividade sexual (67,63); Psicológico
Jeová (Tabela 1). (PS) – que envolve sentimentos positivos, autoesti-
Foi evidenciado que, entre a População Total, o ma, imagem corporal e aparência e espiritualidade
tempo de tratamento hemodialítico configura-se pre- (62,72); Meio ambiente (MA) – que envolve ambien-
valente acima de cinco anos nesta população, ou seja, te no lar, recursos financeiros, lazer, informações e
40,76% está neste período, 38,46% está entre um a transporte (59,59) e Físico (F) – que se relaciona à
dor e desconforto, energia e fadiga, mobilidade, ati- em todos esses domínios comparados com os pacien-
vidades da vida cotidiana e capacidade de trabalho tes da População B.
(55,99) (Tabela 3). Foi realizado um teste estatístico quanto à situa-
Para a População A, tem-se a seguinte ordem de- ção conjugal dos pacientes, e não foi evidenciada dife-
crescente de médias dos domínios: RS (72,61), PS rença das médias dos escores das populações em estu-
(69,40), MA (63,58) e F (62,81). Já na População B dos estatisticamente significativas entre os domínios
tem-se a seguinte ordem decrescente de médias dos verificados. Não houve diferença estatisticamente sig-
domínios: RS (57,56), MA (51,53) PS (49,22) e F nificativa quando se relacionou QV entre as variáveis
(42,19) (Tabela 3). idade e escolaridade.
Quanto ao escore médio de QV Geral para a Destaca-se, também, que as médias dos escores
População Total, encontra-se uma média de 57,98 dos domínios do WHOQOL-bref comparadas quan-
e, para as Populações A e B, os respectivos valores: to à idade não apresentaram diferenças estatistica-
63,36 e 47,09 (Tabela 3). mente significativas (p = 0,37), assim como quanto à
Na Tabela 4, evidencia-se, pelo teste t de Student, escolaridade, não houve diferença entre as médias dos
que comparou as médias entre os escores médios e a escores dos domínios.
QV geral da População A e B, haver diferença signi- Em relação aos domínios, há correlação direta. À
ficativa entre as médias dos domínios da escala e QV medida que um determinado domínio aumenta o seu
geral do WHOQOL-bref, indicando que os pacientes escore, há moderada tendência que os demais domí-
da População A apresentam escores médios maiores nios correlacionados também aumentem e vice-versa,
Tabela 2 Distribuição dos pacientes, população total, População A e População B, quanto ao tempo de
tratamento hemodialítico, em meses e anos
Tabela 3 Escores médios, desvio padrão e variação dos domínios e qualidade de vida geral do WHOQOL-
bref, segundo a população total e as médias dos escores da População A e B
todas com p = 0,0; portanto, estatisticamente signifi- próxima de dados obtidos na literatura, em que a
cantes (Tabela 5). prevalência de depressão oscila entre 5 e 25% em
Assim, é possível ter as seguintes correlações de hemodialisados5.
média intensidade entre os escores médios: Domínio A média de idades da População Total foi de 49,7
F com PS (r = 0,66) e com MA (r = 0,51), PS com RS anos, que se encontra em consonância com outro es-
(r = 0,58) e com MA (r = 0,59), assim como Domínio tudo, o qual teve amostras com a média de idade de
RS com MA (r = 0,56), além de QV Geral com PS (r 53,1 anos, variando entre 18 e 81 anos6. Em relação
= 0,54). As correlações fracas são evidenciadas pelas ao nível de escolaridade, o Ensino Fundamental pre-
correlações entre Domínio F com RS (r = 0,47), QV valece entre todas as populações, também de acordo
Geral com F (r = 0,41), com Domínio RS (r = 0,22) e com estudo realizado6.
MA (r = 0,43) (Tabela 5). Quanto à variável “perfil ocupacional”, cerca de
36,92% da População Total declara-se como catego-
Discussão ria “aposentada”, sendo visto esta expectativa laboral
O modo como cada paciente vive e se relaciona em outro estudo6, no qual se identifica que 52,8% dos
com a doença renal crônica é único e pessoal, já pacientes estão inativos (aposentadoria ou licença-
que é dependente de vários fatores como o perfil saúde); situação esta, que, segundo os autores, dete-
psicológico, as condições ambientais e sociais e o riora os aspectos físicos desses pacientes quando suas
apoio familiar. atividades laborais são reprimidas6.
O enfrentamento da doença é influenciado pelas Neste sentido, deve-se ressaltar que, no proces-
percepções da QV de cada indivíduo; as positivas es- so de adoecer, algumas pessoas manifestam ser mais
tão mais relacionadas às estratégias racionais, como confortável e menos comprometedor atribuir a outras
traçar uma meta ou conhecer mais sobre a doença; pessoas a capacidade de lhes promover a saúde, as-
enquanto que as negativas se relacionam à negação da sim, os renais crônicos permitem esta dinâmica psico-
mesma, agindo como se ela não existisse. lógica, em que o diagnóstico se torna sinônimo de in-
Neste estudo, os pacientes renais crônicos com capacidade, interrompendo seus trabalhos ou mesmo
algum grau de depressão apresentam porcentagem a busca para melhorar suas condições de vida7.
Tabela 4 Teste de hipótese estatística t de Student para as médias dos escores médios e qualidade de
vida geral do WHOQOL-bref entre as Populações A e B
Tabela 5 Correlação linear de Pearson entre os escores médios dos domínios do WHOQOL-bref para a
população total
Identifica-se, também, neste estudo, que os pacien- destaca que isso contribui positivamente para seus
tes renais crônicos com maiores níveis de depressão se estados de humor depressivos e que as diferenças
encontram há mais tempo em tratamento hemodialí- deste suporte podem estar implicadas nas diferen-
tico, como nos referencia a literatura8. ças das taxas de mortalidade entre os pacientes,
Os escores médios apresentados com melhores uma vez que melhora a adesão ao tratamento; assim
médias para RS, seguido do PS e apresentando a como afirma Shidler et al.1, os quais, ao estudarem
pior média para o domínio F estão de acordo com 50 pacientes com insuficiência renal crônica, ob-
um estudo6, no qual se observou, entre os renais servaram que o suporte social tem ação protetora
crônicos, o domínio Psicológico com melhor média contra os efeitos negativos em situações de estresse
e o domínio Físico, com a pior. elevado.
Este estudo traz a População A com a seguin- Quanto aos testes de significância, envolvendo a
te ordem decrescente de médias dos domínios: RS, variável sexo com as médias dos domínios, e que não
PS, MA e F; os domínios apresentam médias acima identificaram diferença estatisticamente significante
de 60, identificando-se boas médias de RS entre os quanto à percepção da QV, eles diferem de outro es-
pacientes da População A, relacionadas, provavel- tudo12 que evidenciou a variável sexo como preditor
mente, ao apoio social que os mesmos recebem, para melhor QV das mulheres renais crônicas.
segundo a literatura9. Este suporte emocional afe- Neste estudo, o Domínio F está correlaciona-
ta diferentemente a saúde dos indivíduos, já que a do com os Domínios PS, MA (correlação de média
rede de apoio familiar, de amigos e companheiros intensidade – r = 0,51) e RS (correlação de fraca
frequentemente tem gerado melhores condições de intensidade – r = 0,47), podendo-se, assim, sugerir
saúde física e mental entre os renais crônicos, tendo que os fatores ligados a estes domínios exercem in-
em vista os recursos emocionais que dela se obtém, fluência na percepção do indivíduo quanto ao do-
melhorando seus estados de humor depressivo9. mínio Físico.
No que se refere à População B deste estudo,
tem-se a seguinte ordem decrescente das médias Conclusões
dos domínios: RS, MA, PS e F, todas abaixo de 60,
observando-se que as médias para os domínios do Neste estudo, que comparou a QV dos pacientes
WHOQOL-bref para a População B são inferiores sem depressão ou mínima com aqueles com algum
aos da População A, destacando-se PS (69,40 con- grau de depressão (depressão leve, moderada ou
tra 49,22) e F (62,81 contra 42,19). grave), conclui-se que, no serviço de hemodiálise da
Neste sentido, os fatores estressores, como as região de Marília, houve menor prevalência depres-
condições que levam os pacientes aos níveis de de- siva entre os renais crônicos em hemodiálise, desta-
pressão crescente, abarcam aspectos fisiológicos e cando-se domínios da QV que se inter-relacionam
psicológicos presentes no tratamento. Estes alteram e que demonstram a importância de se investir em
a QV do pacientes, assim como a própria doença e questões como suporte social na melhora da saúde
seu tratamento, que ocasionam sintomas, os quais biopsicossocial destes pacientes.
alteram de forma radical o funcionamento global Neste quesito, deve-se intervir não só no supor-
da pessoa10. te social, mas também psicológico e físico para me-
O domínio RS se encontra evidenciado por ser lhorar a QV destes pacientes em terapia substitutiva
a melhor média na População Total (67,63), na renal, notadamente entre os depressivos, já que a re-
População A (72,61), e na População B (57,56), alização de novas abordagens terapêuticas, as quais
como pelas suas correlações com todos os demais ultrapassem as tecnologias das máquinas de diálise,
domínios, PS (r = 0,58), MA (r = 0,56), destacan- contribui para diferentes modos de assistir e cuidar de
do a importância do que nos referencia Kimmel11 um paciente crônico.
o qual mostra a necessidade de um suporte social Destaca-se, também, que não há estudos recentes
adequado a esses pacientes na melhora de sua QV na literatura envolvendo a QV comparada entre renais
e coloca o suporte social, percebido e recebido de crônicos com e sem depressão; portanto, o presente
amigos, relacionado ao melhor comparecimento a artigo contribui para oferecer uma informação com-
sessões de hemodiálise, ou seja, à melhor adesão ao plementar visando o aprimoramento da assistência
tratamento. adequada às suas necessidades de saúde, ao subsidiar
Além disso, ao relatar o suporte social que os ações e fomentar intervenções adequadas às políticas
pacientes receberam de seus familiares, o autor de saúde da terapia substitutiva renal.