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25/04/2021 Acordão do Supremo Tribunal Administrativo

Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo


Processo: 02368/09.4BEPRT 0787/11
Data do Acordão: 08-04-2021
Tribunal: 1 SECÇÃO
Relator: JOSÉ VELOSO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REVOGAÇÃO
DECISÃO DA CAUSA PRINCIPAL NA PROVIDÊNCIA
Sumário: I - O artigo 124º do CPTA traduz-se na concretização, a nível
processual, da principal característica da «tutela cautelar», que é
a sua instrumentalidade relativamente à acção principal;
II - A ocorrência da hipótese prevista no nº3 desse artigo, leva a
uma reapreciação dos pressupostos do artigo 120º do CPTA à
luz da actual alteração a nível do fumus boni juris, sendo que o
forte esbatimento neste ocorrido só não imporá uma revogação
da providência decretada em casos excepcionais, em que seja
possível avançar um juízo dubitativo quanto ao mérito da decisão
da acção principal, ou em situações em que os demais requisitos
exigidos pelo artigo 120º do CPTA sejam particularmente fortes.
Nº Convencional: JSTA000P27520
Nº do Documento: SA12021040802368/09
Data de Entrada: 24-02-2021
Recorrente: A............... E MULHER
Recorrido 1: E…………., PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA DE MINDELO E OUTROS
Votação: UNANIMIDADE
Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral: I. Relatório


1. A…………………….. e B…………………. - identificados nos autos -
interpõem «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central
Administrativo Norte [TCAN], de 13.11.2020, que concedeu provimento ao
«recurso de apelação», interposto pela requerida INFRAESTRUTURAS
DE PORTUGAL, S.A. [IP], e revogou a decisão proferida pelo Tribunal
Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], de 03.08.2020, que tinha «julgado
improcedente o incidente de revogação da providência cautelar»
deduzido pela IP, e, por via disso, revogou a decisão cautelar que havia
decretado.

Culminam as suas alegações de revista formulando as seguintes


conclusões:
1- Não existe fundamento para julgar procedente o «pedido de revogação da providência
decretada», pelo seguinte [vertido infra nas conclusões 2 a 14];

2- Mesmo que ainda não tivesse sido fixado o efeito suspensivo ao recurso interposto da
causa principal [processo nº2878/09.3BEPRT], que foi julgada improcedente, o TAF
apreciou o pedido por considerar, e bem, que tal não é condição de apreciação do pedido
de revogação, atenta a própria letra do artigo 124º, nº3, do CPTA - advérbio
«designadamente»;

3- Decidiu o AC TCAS de 08.09.2011 [processo nº07916/11], que «tal resulta do nº3 do


artigo 124º do CPTA uma das situações que podem relevar para a revogação da
providência decretada, é a improcedência da acção principal, por decisão ainda não
transitada em julgado, ou seja, a verificação de tal situação determinando embora um
enfraquecimento do fumus boni juris, não leva à sua exclusão visto que o recurso
interposto da sentença que julgou improcedente a acção principal pode vir a ser provido»;

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4- Mantém-se parcialmente aplicável in casu a fundamentação do acórdão transitado em


julgado sobre o pedido de caducidade da mesma providência cautelar [AC TCAN de
24.03.2017, proferido no presente processo] que se transcreve:

«…no caso concreto o direito que aqui se pretende exercer no processo principal não é o
direito de propriedade nem a posse sobre a parcela de terreno em causa. O direito que se
pretende exercer é o de expurgar da ordem jurídica um acto que os recorrentes reputam
de ilegal. A existência ou não deste direito apenas pode ser decidido no processo principal
a que o presente processo cautelar está apenso, dado, desde logo, tratar-se de matéria da
exclusiva competência dos tribunais administrativos e não em qualquer processo a correr
noutra jurisdição designadamente, nos tribunais comuns, por lhes faltar, em absoluto, essa
competência. Não existe, por isso, fundamento para declarar a caducidade da providência
aqui decretada. Ainda que se pudesse declarar a caducidade com base na alteração da
situação de facto ou de direito ainda assim o incidente deveria ser julgado improcedente,
como foi. Os autores refutam o acto impugnado no processo principal com base em três
vícios: a ofensa do direito de propriedade, o vício da incompetência e o erro nos
pressupostos de facto por o terreno não ser do domínio público. O direito de propriedade
por parte dos autores […] apenas surge, neste contexto, como um dos pressupostos da
invalidade do acto impugnado. Vício que, em definitivo, não se verifica, dado o trânsito em
julgado da decisão que declarou os autores como não proprietários.

Mas mantém-se como possivelmente válidos os outros vícios, não se tendo verificado
qualquer alteração da situação de facto ou das normas jurídicas aplicáveis ao caso.

Em concreto não se encontra demonstrado nos autos que a parcela de terreno é do


domínio público. E nos actos [im]positivos como aqui sucede, o ónus da prova da validade
dos respectivos pressupostos cabe à entidade demandada […]. Não tendo a entidade
requerida cumprido o ónus que lhe cabia, ainda que indiciariamente, na presente
providência cautelar, de ser, ou mais correctamente, se ter entretanto revelado domínio
público a parcela de terreno em causa não se verificaria em todo o caso, na situação
determinante da alteração ou revogação da decisão cautelar aqui tomada»;

5- A impugnação da matéria de facto em sede de recurso [com efeito suspensivo]


designadamente, do facto provado relativo à parcela de terreno ocupado pelos autores de
que o mesmo integra o domínio público rodoviário, é suficiente para indeferir o pedido de
revogação, mantendo-se a providência cautelar concedida, de modo a acautelar a
possibilidade de procedência da acção principal em sede recursiva;

6- A acção principal não versa unicamente sobre a propriedade da parcela de terreno


ocupado pelos autores, mas, também, sobre um acto administrativo cuja ilegalidade é
alegada; acto que se baseia designadamente, na parcela ocupada pelos autores integrar o
domínio público rodoviário, que é contestado pelos autores, ficando-se assim na dúvida
sobre a titularidade da parcela de terreno, pelo que não houve alteração relevante nas
circunstâncias inicialmente existentes quanto a esta situação que motive a revogação da
providência cautelar concedida nos termos do artigo 124º, nº1, do CPTA;

7- Da sentença proferida na causa principal foi interposto recurso, com efeito suspensivo
[concedido] do qual pode resultar decisão desfavorável à recorrida não sendo de prever, a
final, a improcedência da causa principal;

8- O procedimento cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade [dependência da


acção principal], provisoriedade [não está em causa a resolução definitiva de um litígio] e a
sumariedade [através de um procedimento simplificado e rápido], e, por conseguinte,
sendo as providências cautelares instrumentais em relação aos processos principais,
como é o caso, inexiste fundamento para a revogação da suspensão da decisão de
11.08.2009 [neste sentido AC’s da RL de 29.01.2001, Rº6667/2003-8, e de 06.05.2004,
Rº3637/2004-6];

9- Não se encontra demonstrado e provado nos autos, com decisão transitada em julgado,
que a parcela de terreno é do domínio público e que o exercício do comércio no terreno
em questão é causador de acidentes rodoviários;

10- Nos actos [im]positivos, como aqui sucede, o ónus da prova da validade dos
respectivos pressupostos cabe à entidade demandada, in casu, a IP, ou seja, que a
parcela de terreno é do domínio público e que o exercício do comércio no terreno em
questão é causador de acidentes rodoviários;

11- Neste sentido decidiram o AC TCAN de 13.10.2011, Rº02258/05.0BEPRT e AC TCAN


de 01.04.2011, Rº01019/07/6.BEPRT e o proferido nos presentes autos datado de
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24.03.2017;

12- A entidade requerida [IP] não cumpriu o ónus que lhe cabia, ainda que,
indiciariamente, na presente providência cautelar, de o terreno em questão ser do domínio
público rodoviário e da actividade comercial aí exercida comprometer a segurança
rodoviária local;

13- A concessão de provimento ao recurso implica a prática de acto inútil, proibido por lei
ao juiz, nos termos do artigo 130º do CPC, já que, o recurso no processo principal foi
admitido com efeito suspensivo, e por conseguinte, a sentença recorrida é inexequível
enquanto não transitar em julgado, e será inexequível, por isso, a decisão que revoga a
suspensão da decisão de 11.08.2009, porquanto a providência cautelar é instrumental em
relação ao processo principal no qual foi atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto;

14- Manter o acórdão recorrido será conceder à recorrida que a mesma se possa arrogar
titular de um terreno sem o ser, já que, ainda não foi declarado por decisão transitada em
julgado como integrante do domínio publico rodoviário, e que, sem título legítimo se possa
apropriar ilegalmente do mesmo como, aliás, pretende a recorrida [conforme resulta do
documento adiante junto sob nº1], oferecendo-se, assim, à recorrida de forma ínvia um
direito que não tem, por não ser os presentes autos o meio próprio para tal judicialmente
declarar;

15- A decisão do TAF do Porto fez a correcta apreciação e aplicação do direito, que se
subscreve na íntegra;

16- A presente revista tem como fundamento a violação da lei substantiva e processual,
por parte do acórdão do TCAN, nos termos do artigo 150º, nº2, do CPTA, na redacção
aplicável;

17- Deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído por acórdão do STA que confirme
a decisão do TAF do Porto.

2. A recorrida «IP» veio apenas declarar que «[…] sem prejuízo de entender
que o recurso de revista não é admissível […] se abstém de apresentar contra-alegações,
uma vez que o douto acórdão ali posto em crise não merece qualquer censura ou reparo,
devendo ser mantido na íntegra, porque nele se fez correta interpretação dos factos e
adequada aplicação do direito […]». Requer, a final, que seja indeferido «o pedido
de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto pelos recorrentes, por falta de
fundamento legal, uma vez que já está assente que aqueles não são donos do terreno
[aliás confessado], e que a imediata desocupação não lhes causará qualquer prejuízo
tutelado pelo Direito, impedindo, isso sim, o enriquecimento daqueles à conta do Estado».

3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal - Formação a


que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso de


revista - artigo 146º, nº1, CPTA. As partes responderam a esta pronúncia
sublinhando as suas respectivas teses - artigo 146º, nº2, do CPTA.

5. Sem «vistos», por se tratar de processo de natureza urgente - artigo 36º,


nº2, do CPTA -, cumpre apreciar e decidir a revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos que nos vêm das instâncias:


1- Em 11.09.2009 A…………… e B…………….. deduziram, no TAF do Porto, providência
cautelar contra a «EP - Estradas de Portugal, S.A.» e o «Vice-Presidente do Conselho de
Administração da E.P.», na qual peticionaram a suspensão de eficácia de decisão de
11.08.2009 do «Vice-Presidente da EP - Estradas de Portugal - S.A.», Engenheiro
……………, de prosseguir com a ocupação do prédio dos requerentes, no caso de o
Comandante da GNR de Vila do Conde não ter dúvidas de o prédio identificado não ser
dos requerentes, ou, subsidiariamente, para o caso do comandante da GNR de Vila do
Conde entender que os requerentes são os donos e legítimos proprietários do prédio, de
que os requerentes cessem a venda no seu [dos requerentes] prédio, sob pena de

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incorrerem na prática de um crime de desobediência, previsto e punido no artigo 348º do


Código Penal, e detidos em flagrante delito [pesquisa ao SITAF];

2- Em 11.11.2009 A………….. e B……………. deduziram, no TAF do Porto, acção principal


[processo nº2878/09.3BEPRT] de que depende a providência cautelar instaurada, melhor
referida no sobredito ponto 1, na qual peticionaram, de entre outros pedidos, a declaração
de ilegalidade, por nulidade ou anulabilidade, do despacho de 11.08.2009 do «Vice-
Presidente da EP - Estradas de Portugal - S.A.», Engenheiro …………, melhor descrito no
sobredito ponto 1 do probatório [pesquisa ao SITAF];

3- Em 28.03.2011, o TAF do Porto proferiu sentença a julgar parcialmente procedente o


processo cautelar referido em 1, nos seguintes termos: «1. Procedente na parte relativa à
ocupação do terreno e remoção dos bens instalados no mesmo, consequentemente
devem manter-se os requerentes nas respectivas posses. 2. Improcedente no demais, o
que implica a cessação imediata do exercício da actividade de comércio ou venda que os
requerentes se encontram a realizar no local, conforme acima fundamentado […]»,
posteriormente confirmada por acórdão deste TCAN datado de 01.07.2011 [pesquisa ao
SITAF];

4- Em 08.05.2020, o TAF proferiu sentença a julgar improcedente a acção principal dita


em 2 [pesquisa ao SITAF];

5- Na acção principal de que depende a presente providência cautelar [processo


nº2878/09.3BEPRT], em 11.06.2020, foi deduzido o competente recurso jurisdicional,
tendo o mesmo sido admitido em sede de 1ª instância com a atribuição de efeito
suspensivo [pesquisa ao SITAF];

6- Em 25.06.2020, a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A, atravessou nos autos


cautelares apensos um pedido de revogação da providência cautelar decretada [pesquisa
ao SITAF];

7- Em 03.08.2020, o TAF, em pronúncia decisória ao requerimento dito em 6 julgou


improcedente o incidente de revogação de providência cautelar [pesquisa ao SITAF];

8- Sobre esta decisão judicial sobreveio este recurso jurisdicional de apelação [pesquisa
ao SITAF].

III. De Direito

1. Enquadramento da «revista», com base no que consta dos autos:

- Em 11.09.2009, A……………. e B…………….. deduziram a presente


providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia da decisão do
Vice-Presidente da EP, de 11.08.2009, que mandou prosseguir com a
ocupação do prédio em causa, no caso de o Comandante da GNR de
Vila do Conde não ter dúvidas de que ele não era dos requerentes, e,
caso contrário, que os requerentes cessassem a actividade de venda,
nesse prédio, sob pena de incorrerem em crime de desobediência. Entre
os contra-interessados demandados encontra-se a JUNTA DE FREGUESIA
DE MINDELO, C……………… e mulher D……………….;

- Em 11.11.2009, A…………… e B……………… intentaram a acção principal -


relativa à providência cautelar - pedindo a declaração de nulidade, ou a
anulação, do dito acto administrativo, apontando-lhe a violação do seu
direito de propriedade, incompetência do seu autor, e falta de
fundamentação;

- Em 28.03.2011, o TAF do Porto decidiu suspender a eficácia da referida


decisão administrativa apenas na parte relativa à ocupação do terreno e
remoção dos bens aí instalados, o que implica a cessação imediata da
actividade de venda;

- Em 01.07.2011, o TCAN negou provimento à apelação dos requerentes


cautelares, mantendo-se a suspensão de eficácia nos termos decididos
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pelo TAF do Porto;

- Em 06.10.2011, o STA decidiu não admitir o recurso de revista dos


requerentes cautelares;

- Em 20.07.2012, o Tribunal Judicial de Vila do Conde julgou procedente


a acção intentada pela JUNTA DE FREGUESIA DE MINDELO e apenas
parcialmente procedente a acção intentada por C…………… e sua mulher
D…………., ambas tendo como réus A………….. e B……………, e, em
conformidade, declarou, para todos os efeitos legais, que os réus «não
são donos nem legítimos possuidores do prédio em causa» - por não o
terem adquirido por usucapião - declarou ineficaz, e de nenhum efeito, a
escritura de justificação notarial respectiva, e ordenou o cancelamento
dos registos operados com base nela, sendo que esta sentença transitou
em julgado em 18.06.2015 após recurso para o Tribunal Constitucional;

- Em 22.11.2016, o TAF do Porto julgou improcedente o incidente de


caducidade da providência cautelar decretada, deduzido pelo IP [anterior
EP] no âmbito do processo cautelar referenciado;

- Em 24.03.2017, o TCAN negou provimento à apelação interposta pelo


IP da decisão proferida sobre o incidente de caducidade da providência
cautelar;

- Em 08.05.2020, o TAF do Porto julgou totalmente improcedente a acção


principal interposta em 11.11.2009, em que A……………… e B……………..
pediam a declaração de nulidade, ou a anulação, do dito acto
administrativo, apontando-lhe a violação do seu direito de propriedade,
incompetência do seu autor, e falta de fundamentação de facto;

- Em 13.07.2020, os autores da acção principal interpuseram recurso de


apelação para o TCAN, o qual foi recebido com efeito suspensivo;

- Em 03.08.2020, o TAF do Porto julgou improcedente o incidente de


revogação da providência cautelar decretada, deduzido pelo IP no âmbito
do processo cautelar referenciado;

- Em 13.11.2020, o TCAN concedeu provimento à apelação interposta


pelo IP, e revogou, como pedido, a providência cautelar decretada -
acórdão objecto do recurso de revista;

- Em 04.02.2021, o STA recebeu o recurso de revista desta decisão do


tribunal de apelação, o qual foi interposto por A…………… e
B…………………...

2. A norma legal aqui aplicável ao «incidente de revogação da


providência cautelar» é o artigo 124º do CPTA na versão vigente
aquando do início do processo cautelar. E é a seguinte:

Alteração e revogação das providências

1- A decisão tomada no sentido de adoptar ou recusar a adopção de providências


cautelares pode ser revogada, alterada ou substituída na pendência da causa principal,
por iniciativa do próprio tribunal ou a requerimento de qualquer dos interessados ou do
Ministério Público, quando tenha sido este o requerente, com fundamento na alteração
das circunstâncias inicialmente existentes.

2- À situação prevista no número anterior é aplicável, com as devidas adaptações, o


preceituado nos nºs 3 a 5 do artigo anterior [estes números do artigo anterior, relativo à

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«caducidade das providências», dizem assim: 3- A caducidade da providência cautelar é


declarada pelo tribunal, oficiosamente ou a pedido fundamentado de qualquer interessado,
com audição das partes. 4- Apresentado o requerimento, o juiz ordena a notificação do
requerente da providência para responder no prazo de sete dias. 5- Concluídas as
diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide sobre o pedido no prazo de cinco
dias].

3- É, designadamente, relevante, para os efeitos do disposto no nº1, a eventual


improcedência da causa principal, decidida por sentença de que tenha sido interposto
recurso com efeito suspensivo.

3. O acórdão recorrido concedeu provimento à apelação do IP, e revogou


a providência cautelar, que tinha sido concedida por decisão transitada
em Outubro de 2011, e fê-lo, essencialmente, por entender que a
improcedência da causa principal por sentença de que tenha sido
interposto recurso com efeito suspensivo, consubstancia alteração das
circunstâncias inicialmente existentes, sendo apta a alterar o juízo
formulado pelo julgador cautelar quanto ao «fumus boni juris» e que, no
caso, verificando-se, como se verifica, tal alteração, passa a faltar um dos
pressupostos indispensáveis para a concessão da providência - alínea b),
do nº1, do artigo 120º, do CPTA aplicável.

Os ora recorrentes pedem revista desta decisão, imputando-lhe erro de


julgamento de direito. Defendem que a verificação da hipótese que é
prevista no nº3, do artigo 124º, do CPTA, embora determine um
enfraquecimento do fumus boni juris não o exclui, e que no presente caso
tal pressuposto da concessão da providência não pode, efectivamente,
ser excluído, uma vez que para além da «violação do seu direito de
propriedade» eles imputaram à decisão administrativa impugnada «vício
de incompetência» e «erro sobre os pressupostos de facto» por o terreno
não ser do domínio público.

Mas não lhes assiste razão, como se passará a explicar.

4. O citado artigo 124º do CPTA - sobre a alteração e revogação das providências


cautelares - traduz-se na concretização, a nível processual, da principal
característica da «tutela cautelar», que é a sua instrumentalidade
relativamente à acção principal. Efectivamente, tal tutela existe em
função do processo em que se discute o fundo da causa e visando
assegurar a utilidade da sentença que nele vier a ser proferida, e a
«revisibilidade» prevista pelo dito artigo 124º visa manter operacional
essa sua função instrumental.

Isto significa, além do mais, que sendo a decisão cautelar um instrumento


provisório ao serviço da efectiva utilidade da decisão a proferir na acção
principal, em princípio todas as circunstâncias - de «facto» ou de «direito» [AC
STA de 04.04.2013, Rº01422/12, e AC STA de 24.04.2013, Rº01466/12, ambos com voto
de vencido] - que possam ter reflexos nesse processo principal não
deixarão de se reflectir também a nível cautelar.

É assim que o citado artigo 124º, nº1, permite revogar - ou alterar, ou


substituir - a decisão cautelar já tomada com fundamento na alteração das
circunstâncias inicialmente existentes. E o seu nº3, para retirar quaisquer
dúvidas a tal respeito, esclarece que é designadamente relevante - para
efeitos do disposto no nº1 - a eventual improcedência da causa principal,
decidida por sentença de que tenha sido interposto recurso com efeito
suspensivo. Ou seja, a decisão de improcedência da acção principal deve
ser tida em conta para efeito de se avaliar se a providência já decretada
deve ser mantida ou se, pelo contrário, deve ser revogada. E esta
avaliação - a fazer pelo julgador cautelar - passa pela reapreciação dos
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pressupostos do artigo 120º do CPTA mas agora à luz da realidade


actual, sendo que esta realidade, no caso do referido nº3, introduz uma
alteração relevante ao nível do pressuposto do fumus boni juris - ou do
fumus non malus juris -, que é o ter sido julgada improcedente a acção
principal, se bem que ainda dependente de recurso com efeito
suspensivo. O regime dessa norma - nº3 - compreende-se, assim,
levando em conta que - de acordo com o artigo 120º do CPTA - o fumus boni
juris constitui um dos pressupostos a considerar para a concessão ou
para a recusa das providências cautelares.

A verificação da hipótese legal desse nº3 do artigo 124º do CPTA -


eventual improcedência da causa principal, decidida por sentença de que tenha sido
interposto recurso com efeito suspensivo - é, pois, apta a determinar um
«enfraquecimento» do pressuposto do fumus boni juris, mas não leva à
sua «exclusão», visto que o recurso da sentença que julgou
improcedente a acção principal pode vir a ser provido. Não se trata,
assim, de uma hipótese legal cuja verificação induza, de forma
automática, a respectiva estatuição - ser relevante para efeitos do nº1. Mas a
verdade é que a sua expressa contemplação pelo legislador faz crer,
além do mais, que se trata de uma hipótese que abala fortemente o
requisito do bom direito. Na verdade, a decretação da providência
cautelar resultou de uma sumaria cognitio, e o decidido na sentença da
acção principal de prova e debate exaustivo.

Deste modo, e voltamos a sublinhar, a ocorrência da hipótese prevista


nesse nº3, leva a uma reapreciação dos pressupostos do artigo 120º do
CPTA à luz da actual alteração a nível do fumus boni juris, sendo que o
forte esbatimento neste ocorrido só não imporá uma revogação da
providência decretada em casos excepcionais, em que seja possível
avançar um juízo dubitativo quanto ao mérito da decisão da acção
principal - por exemplo, ser ostensivo que não foi considerado um documento de prova
plena, ou não ter sido atendida lei expressa -, ou em situações em que os demais
requisitos exigidos pelo artigo 120º do CPTA - o periculum in mora e
ponderação dos interesses em presença - sejam «particularmente fortes». Nas
palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha
«A revogação, alteração ou substituição terá lugar quando os novos dados trazidos ao
processo determinarem, no juiz, uma convicção diferente quanto ao preenchimento [e
conjugação entre si] dos critérios enunciados no artigo 120º, seja do ponto de vista da
existência do periculum in mora ou do fumus boni juris [ou fumus non malus juris], seja do
ponto de vista da aplicação do princípio da proporcionalidade na ponderação dos
interesses em presença, seja, enfim, do ponto de vista da identificação da solução que, de
entre as várias possíveis, se apresenta como menos gravosa» - in «Comentário ao Código
de Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina, 3ª edição, página 838.

Tendo tudo isto presente, voltemos ao caso que nos ocupa.

5. As instâncias - sentença do TAF do Porto de 28.03.2011 e acórdão do TCAN de


01.07.2011 - entenderam cindir o acto suspendendo na desocupação do
terreno e na cessação da actividade que aí era levada a cabo pelos
requerentes cautelares [actividade comercial de venda de produtos].

Entenderam ocorrer o requisito do bom direito - enquanto fumus non malus juris
- relativamente à ordem de desocupação da parcela de terreno em
causa, mas não relativamente à de cessação da actividade de venda.
Para tal efeito, consideraram que de «entre os vícios imputados ao acto
suspendendo» - violação do direito de propriedade dos requerentes, incompetência
dos requeridos, e falta de fundamentação - apenas se poderia considerar não ser
manifesta a falta de fundamento na invocação da violação do direito de
propriedade dos requerentes. A este respeito consideraram ser

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impossível saber, na altura, com segurança jurídica, a quem pertencia a


parcela de terreno em causa, situada junto à EN 13 - os requerentes
defendiam ser deles, a EP defendia ser do domínio público, e os contra-interessados
C………….. e D………….. afirmavam-se os legítimos donos -, e por isso mesmo
entenderam não dever ocorrer a desocupação dessa parcela predial por
parte dos requerentes cautelares enquanto não estiver decidido quem é o
dono da mesma. Questão diferente - continuaram as instâncias - é a relativa à
cessação da actividade de venda nela levada a cabo pelos requerentes,
já que, independentemente de quem seja o proprietário do terreno, esse
exercício sempre careceria de autorização da EP por confinar com a EN
13 [artigos 3º, 4º alínea m), 8º nº1 alínea n), do DL nº13/71, de 23.01].

No tocante ao requisito do periculum in mora e à ponderação de


interesses e danos - relativos à «desocupação do terreno» - as instâncias
consideraram, embora sem entrar em pormenores, que ambos impunham
decisão favorável à pretensão cautelar dos requerentes. E assim,
concluíram que a providência cautelar de suspensão de eficácia devia ser
parcialmente deferida, no sentido de não retirar a posse da parcela de
terreno aos requerentes, nem permitir que dela sejam retirados os seus
bens, sem prejuízo de terem de cessar, desde logo, a actividade
comercial de venda de produtos que nela vinham fazendo.

Entretanto - cerca de 8 anos e 5 meses após o «trânsito em julgado» da decisão


cautelar - foi proferida a sentença no processo principal [nº2878/09.3BEPRT],
que julgou a acção impugnatória como totalmente improcedente.

Nesta acção, foram apreciados e decididos os invocados vícios de


violação do direito de propriedade dos aí autores - requerentes cautelares -,
de incompetência, e ainda de falta de falta de fundamentação, que o
tribunal encarou também como de eventual erro acerca de pressupostos
de facto.

No relatório, dessa sentença, refere-se que os autores alegam serem


donos e legítimos proprietários do prédio rústico com a área total de 202
m2 denominado «………….», que confronta a nascente com a EN 13, e
que, por isso, o acto administrativo impugnado é nulo por violar o seu
direito de propriedade [artigo 133º, nº2, do CPA aplicável]. E no arrazoado,
conhecendo deste vício, diz-se na sentença o seguinte:
[…]

«Em primeiro lugar, alegam os autores que o prédio em apreço é sua propriedade e que o
mesmo não pertence ao domínio público.

No seguimento do que acima ficou referido na matéria de facto, e, como por fim os autores
reconhecem [no seu último requerimento, após alegações da ré], o prédio em questão nos
autos não é da sua propriedade. Nem nunca foi. Porém, continuam a referir tratar-se de
propriedade privada, sem identificarem quem seja o proprietário. O que só por si faz
soçobrar esta invocação.

No que concerne à alegada não pertença da parcela de terreno ao domínio público,


mostra-se provado, nos autos, que aquela parcela de terreno pertence ao domínio público.
Vide o que acima ficou dito sobre o assunto.»

[…]

E a sentença fundamenta o seu julgamento na matéria de facto apurada


em audiência de discussão e julgamento, realizada em duas sessões, e
na qual foram ouvidas várias testemunhas [com acareações] e juntos vários
documentos. Ao nível de direito, a sentença chama à colação, interpreta
e aplica as normas constitucionais, e legais, que entendeu como
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pertinentes [artigos 84º, nº1, da CRP; 4º, alíneas h) e p), DL nº477/80, de 15.10; 2º, nº1
alínea b), DL nº13/71, de 23.01], concluindo - além do mais - que «Atendendo a que a
parcela de terreno em questão servia para zona de descanso dos utentes da estrada e de
parqueamento, deve considerar-se que integra o regime de acessórios da estrada
nacional. Como tal é considerado um bem do domínio público por assim estar classificado
por lei».

6. O que temos nos presentes autos é, portanto, um pedido de


«reapreciação» de uma providência cautelar que foi deferida - relativamente
à desocupação da parcela de terreno - em Março de 2011, com vista à sua
revogação, mas agora à luz da realidade actual, ou seja, com as
vicissitudes por que passou a acção principal. E a verdade é que hoje
sabemos que a acção principal foi julgada totalmente improcedente, ou
seja, nela foram apreciados e julgados improcedentes os vícios que
também tinham sido invocados no requerimento cautelar: violação do
direito de propriedade dos requerentes, e autores; incompetência da
entidade que proferiu o acto suspendendo, e impugnado; e falta de
fundamentação que acabou dissecada pelo tribunal, também, em erro
sobre pressupostos de facto.

Actualmente, não só sabemos que cada um desses vícios sucumbiu «em


sede de acção principal» - cuja sentença foi objecto de «recurso com efeito
suspensivo» - como sabemos, e agora de forma definitiva - sentença do
Tribunal Judicial de Vila do Conde - que os requerentes cautelares, e autores,
não são donos nem legítimos possuidores do prédio em causa.

É certo que o fumus boni juris invocado pelos requerentes cautelares


envolvia, além da alegada violação do direito de propriedade pelo acto
suspendendo, os outros indicados vícios, incompetência, falta de
fundamentação/erro sobre pressupostos de facto, mas a verdade é que o
fumus non malus juris que justificou a concessão da suspensão de
eficácia da ordem de desocupação do terreno se reduziu à consideração,
pelo juiz cautelar, de que não era manifesta a falta de fundamento da
pretensão formulada no processo principal com aquela primeira
invocação: violação do direito de propriedade dos requerentes. E quanto
aos demais fundamentos de ilegalidade do acto suspendendo, invocados
pelos requerentes cautelares, entendeu o tribunal que não se verificava
aquela aparência de «bom direito».

Relativamente aos outros requisitos necessários à concessão da


providência - periculum in mora e ponderação de interesses -, mantem-se
inalterado, na actualidade, o julgamento «sobre eles» realizado pelas
instâncias, e que não ultrapassou as considerações genéricas.

É evidente, pois, que no momento actual a suspensão de eficácia do acto


administrativo em causa, na vertente da desocupação da parcela de
terreno pelos requerentes, que se arrogavam seus donos e legítimos
possuidores, nunca seria concedida pelo tribunal, e isto porque o fumus
non malus juris, indispensável a tal, está decididamente abalado. A
revogação da providência, que na verdade se impõe, assenta justamente
na alteração deste pressuposto essencial: no momento da concessão da
providência não era manifesta a falta de fundamento da pretensão
formulada na acção principal, e agora é manifesta essa falta de
fundamento.

Tem razão a IP quando alega que, actualmente, os recorrentes


pretendem manter-se no terreno não por serem donos do mesmo, mas
apenas «por ainda não ter transitado em julgado a sentença da acção

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principal», e na qual, além do mais, foi entendido que «o terreno em


causa integra o domínio público rodoviário do Estado».

Impõe-se, em conformidade, negar provimento ao recurso de revista e


manter na ordem jurídica o acórdão recorrido.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao recurso de revista.


Custas pelos recorrentes.

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, o Relator


atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros ANA
PAULA PORTELA e ADRIANO CUNHA - têm voto de conformidade.

Lisboa, 8 de Abril de 2021

José Veloso

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