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A CRIAÇÃO POÉTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO


POÉTICO*

Marcel Franco (Letras/UEPA)

1. POEMA VERSUS POESIA


É bom destacar a diferença entre poema e poesia. Apesar de serem tratadas por muitos
como sinônimos, o uso dos dois termos entre os estudiosos apresenta diferenças, a saber:

1.1 Poesia: Caráter do que emociona, toca a sensibilidade. Sugerir emoções por meio de
uma linguagem. (FERREIRA, 1993)
1.2 Poema: Obra em verso em que há poesia.

Se o poema é um objeto empírico e se a poesia é uma substância imaterial, é que o


primeiro tem uma existência concreta e a segunda não. Ou seja: o poema, depois de
criado, existe per si, em si mesmo, ao alcance de qualquer leitor, mas a poesia só existe
em outro ser: primariamente, naqueles onde ela se encrava e se manifesta de modo
originário, oferecendo-se à percepção objetiva de qualquer indivíduo; secundariamente,
no espírito do indivíduo que a capta desses seres e tenta (ou não) objetivá-la num poema;
terciariamente, no próprio poema resultante desse trabalho objetivador do indivíduo-
poeta. (LYRA, 1986)

O poema destaca-se imediatamente pelo modo como se dispõe na página. Cada verso tem
um ritmo específico e ocupa uma linha. O conjunto de versos forma uma estrofe e a rima
pode surgir no interior dessa estrofe. A organização do poema em versos pode ser
considerada o traço distintivo mais claro entre o poema e a prosa (que é escrita em linhas
contínuas, ininterruptas).

No Cruz e Sousa das obras iniciais, há esse poema, considerado um marco do Simbolismo
no Brasil, no qual o autor se vale das figuras de linguagens (aliteração, sinestesia), que
revela, então o uso da poesia, tão eloqüente no quarteto:

Vozes veladas, veludosas vozes,


volúpias dos violões, vozes veladas,
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

2. TIPOS DE POEMAS
Os poetas têm escrito poemas de vários tipos. Dois deles, entretanto, são considerados os
principais: o poema lírico e o poema narrativo. Alguns críticos e ensaístas acrescentam,
como um terceiro tipo, o poema dramático.

2.1 Poema lírico: É geralmente curto. Muitos carregam grande musicalidade: ritmo e rima
às vezes os fazem parecer canções. No poema lírico o autor expressa sua reação pessoal
ante as coisas que vê, ouve, pensa e sente. Alguns teóricos incluem nesse tipo de poesia
o poema satírico. Para conhecer os vários tipos de poesia lírica, veja BALADA; CANÇÃO;
ELEGIA; HINO; IDÍLIO; ODE; SONETO.
2.2 Poema narrativo: Conta uma história e geralmente é mais extenso que os outros. O
poeta apresenta os ambientes, os personagens e os acontecimentos e lhes dá uma
significação. Um exemplo de poema narrativo é Os Lusíadas, de Luís de Camões. As
epopéias e as baladas estão entre os principais tipos de poesia narrativa. Costumamos
pensar que as fábulas são trabalhos em prosa, mas muitas delas foram escritas
originariamente como poemas narrativos. Para maiores informações sobre essas formas
poéticas, veja: BALADA; EPOPÉIA; FÁBULA.

2.3 Poema dramático: Assemelha-se ao poema narrativo porque também conta uma
história e é relativamente longo. Mas, no poema dramático, essa história é contada
através das falas dos personagens. As peças de teatro escritas em verso constituem forma
de poesia dramática. Em sentido amplo, também pode ser considerado um exemplo o
"Caso do Vestido", de Carlos Drumonnd de Andrade. Através de uma suposta conversa
entre mãe e filhas, o leitor acompanha uma história de amor e traição e tem os elementos
para reconstituir o caráter e os sentimentos dos personagens principais.

3. AS TRÊS GRANDES VERTENTES DA CRIAÇÃO POÉTICA


Deve-se ter em mente é que o aspecto fundamental da criação poética está relacionado à
antologia de toda obra literária, que é uma obra de arte assentada na representação de
uma realidade, seja de natureza interior ou exterior. Entretanto, a forma como é feita essa
representação ou o próprio ato criativo, tem sido teorizado sob enfoques diferentes e que
podem ser alinhadas em três grandes vertentes: 

3.1 Teoria Mimética: da Antiguidade até a 1ª metade do século XVIII;


3.2 Teoria Expressiva: da 2ª metade do século XVIII até o século XIX;
3.3 Teoria Intelectualista: do século XIX ao século XX. 

TEORIA MIMÉTICA: “Um espelho para a natureza” 

Para Platão a palavra “mimesis” e as múltiplas gradações de sentido configuram, no livro X


da “República”, como um ato de divertimento em que se reproduz a aparência e não a
verdade profunda dos seres e das coisas. Para ele o pintor, o escultor e o poeta estão
afastados de 3 degraus da verdade e qualquer um deles é o terceiro poietes, pois:

1º: Deus: que cria a idéia


2º: Artífice: que fabrica um objeto segundo essa idéia
3º: Artista: que representa esse objeto ----------→; poietes 

Segundo Aristóteles, em “Poética”, na gênese da poética, encontra-se a tendência da


imitação, congênita nos homens. Para ele, arte é mimeses, no entanto, cada arte dispõe,
para imitar, de meios, objetos e maneiras que lhe são peculiares. 

TEORIA EXPRESSIVA: “Revelação do interior do poeta”

A partir da segunda metade do século 18 a teoria mimética entra em declínio, quando é


negado o caráter imitativo de todas as artes. Isso se deve a Lord Henry James na obra
“Elements of Cristicis” (1762) que subdividiu as artes em imitativas por natureza (pintura e
escultura), não imitativas (música e arquitetura) e de condição híbrida (poesia, quando a
linguagem poética imita som e movimento, como o teatro).

Nesse momento literário, eleva-se a personalidade do artista no ato criador e, com isso, a
atenção desloca-se do objeto (obra de arte) para o sujeito que cria (poeta). O ideário
poético deixa de se constituir na imitação da natureza para transformar-se na expressão
dos sentimentos, dos desejos, das aspirações do poeta. 

Na teoria expressiva o poema deixa de ser reflexo do real objetivo para tornar-se uma
revelação da interioridade do poeta, isto é, não é mais um espelho da natureza, mas uma
segunda natureza.

É nesse período de “Sturn und Drang” (“tempestade e ímpeto”) que se revela o poeta
possesso, inspirado, vidente, aquele que conhece o lado oculto das coisas e dos seres,
que desposa o mistério, penetra no absoluto e reinventa a realidade e o ato criador defini-
se pela sua liberdade e pela sua rebeldia perante os modelos da realidade diante da qual o
escritor é soberano.

TEORIA INTELECTUALISTA: “O reflexo da inteligência é fruto do trabalho”

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir
Que é dor A dor que deveras sente

O fingimento poético de Fernando Pessoa, que se contrapõe ao confessionalismo dos


românticos e, em suma, é a essência da teoria intelectualista, que almeja explicar o ato
criador. Nesse momento o poeta recusa o que pode degradar a consciência, dizendo que
“O entusiasmo não é um estado da alma do escritor [...] Escrever deve se construir, a
mais sólida e exatamente que se possa, essa máquina de linguagem.”

Carlos Drummond, João Cabral, Andre Gide, T. S. Eliot exprimem esta poética da lucidez e
do difícil rigor em muitos dos seus poemas, por meio da concepção intelectualista do ato
criador. Notadamente, o poeta deste período, nominado, então, de artífice, é um arquiteto
do poema e sua inspiração é movida muito pela objetividade, pelos problemas sociais,
existenciais do homem e do meio em que vive.

4. REFERÊNCIAS 
AUERBACH, Eric. Mimeses. São Paulo: Perspectiva, 1976

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio


de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

LYRA, Pedro. Conceito de Poesia. São Paulo: Ática, 1986.

SILVA, Vitor Manuel Aguiar e. Teoria Literária. 2. Ed. Coimbra: Almedina, 1968

WILLEMART, Philippe. Universo da Criação Literária. São Paulo: Edusp, 1999

*Palestra ministrada pelo escritor paraense e acadêmico de Letras (UEPA), Marcel


Franco, durante a Semana do Calouro da UEPA / 2009, no dia 10.02.2008, na sala 01,
do Castelinho (CCSE/UEPA)

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