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RACIONALIDADE ECOLÓGICA – ALGUMAS REFLEXÕES

Carlos Alberto Molinaro 

RE S UM O : B r e ve s r e f l exõ es so b r e o p e n sa m en to e s tr ut ur a nte d e u ma rac io na lid ad e


eco ló g ica q u e se mo d e lo u e m u m p ro ce s so h i stó r ico c uj o s e fei to s sã o reco rre n te s no s
no s so s d ia s.
P al a vr a s - c h av e : R AZ Ã O . R AC I O N A L I D A D E . E C O L O GI A .

AB S T RA C T: B r i e f r e fl e ctio n s o n t he t ho u g ht o f str uc t uri n g t he eco lo gi cal ra tio n al it y t h at


is mo d el ed o n a hi sto r ic al p r o c es s wh o se e ffec t s are ap p li ed to d a y.
K ey w o rd s : R E ASO N. R AT I O N ALIT Y . E C O LO GY

SUM ÁR IO : I – CO N SI DE R AÇ ÕE S P RÉV I AS. II – R ACIO N ALID ADE EC O LÓ GI C A. I I I –


D A R AZ ÃO M ODE R N A – LI NG U AGE M E CO NS CIÊ N CI A: D A E X AU ST ÃO D A R AZÃO
MOD E RN A CO NDI Ç ÃO P AR A A R ACI ON ALI D ADE E C O LÓ GI C A. I V – UM P O UC O D E
HIST Ó RI A. V – A R AZÃO E M S EDE AMB I EN T AL ( NÚ C LEO E S SEN CI AL). VI – U M A
R ACI O AN ALI D AD E E C O LÓ GI C A. VII – CO N C LUS ÕE S.

[ . . . ] d e q u a l q u e r mo d o , t u d o o q u e d e fa t o
é contra a natureza é contrário à razão, e o que
contraria a razão é absurdo e assim, deve ser
r e fu t a d o
S pi n o z a 1

– D e v e mo s r e fu t a r o q u e c o n t r a r i a a r a z ã o ?

I – CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

Spinoza concebia que tudo o que existe, tudo o qu e se apresenta como


realidade, encontra-se organizado segundo uma concatenação ( concatenatio )
de causas e efeitos. Por isso mesmo, afirmava que a ace ssibilidade ao “real”
somente é possível quando somos capazes de entender as interações
estruturantes entre a razão e a proporção do “real” nela incorporada.
Devemos, pois, inteligibilizar o “real”, o que levou Spinoza a afirmar: “[...]
Para cada coisa deve ser atribuída uma causa ou razão determinada, tanto
quando ela exista ou não exista ”. 2 É desde este pressupo sto que nos propomos
a pensar sobre a racionalidade ecoló gica de nossos dias.
Razão e proporção nos animam a tornar inteligív el uma crítica do “real”
contido no Ambiente, vale dizer, este “lugar de encontro” como alhures o


Do u to r e m Di r ei to , s u m ma c u m la ud e, me n çã o d e “Do cto r E uro p eo ” p ela U ni v ers id ad e
“P ab lo d e Ola v id e ” d e S ev il h a, E sp a n ha . Me s tre e Esp eci al is ta e m D ire i to p el a P o n ti fíc ia
U ni ver s id ad e Ca tó l ica d o R io Gra nd e d o S u l. P ro fes so r na Grad u ação e P ó s - Grad u ação ,
Me str ad o e Do uto r ad o , d a F ADI R -P UC R S.
1
SP IN O ZA , B . , T r ac tat u s T h eo lo g ic u s P o li tic u s, i n, Op e ra, v o l. III, p . 9 1 , a car go d e C ar l
Geb hard t, Heid elb er g: Car l W i nter , 1 9 7 2 : [... ] q u icq u id e n i m co n tra n at u ra m e st , i d
co n tra r a tio ne m es t, & q uo d co ntr a rat io ne m, id ab s urd u m e st , ac p ro i nd e etia m r e fut a nd i
(o b ra co ns u lt ad a na B ib l io te ca Ce nt ral d a U ni v er sid ad e d e Co i mb r a, p ri m eiro s e me s tre d e
2 0 0 3 - tr ad u ção li vr e d e no s sa a uto r ia).
2
SP INO ZA , B ., E th ica , in , Op e ra , vo l . II, p . 5 2 , a car go d e C arl G eb hard t, H eid e lb er g :
Car l W i nt er , 1 9 7 2 : Cu j u scu n q u e re i a s sig n a ri d eb et ca u sa seu ra tio , ta m cu r ex i st it ,
q u a m n o n exi st ( d e s taca mo s. Ob r a co ns u lt ad a n a B ib lio tec a C e ntr al d a Un i ver sid ad e d e
Co i mb ra, p r i me ir o se me str e d e 2 0 0 3 - tr ad ução l iv re d e no s sa a uto ria) .
2

conceituamos. 3 Nossa argumentação, por tanto, vai colocar a ratio jurídico-


socioambiental no agir humano – ou, nas palavras de Spinoza, uma “recta
ratio vivendi ” 4 – e na proporção, entendida não no análogo („ ανάλογος)
aristotélico , 5 sim na dieta ( δίαιτα) pitagórica 6 ou a justa medida ou moderação
(mesmo numa assembléia política) que deve con formar esse agir humano 7.
Como dizia Warren Monta g, 8 Spinoza desenvolveu uma estratégia
retórica que denominou de “operação do sive”. Como sabemos, sive é uma
conjunção latina, como no léxico pátrio “ ou”, e Spinoza a utilizou como uma
estratégia crítica de “tradução ou d e deslocamento”, por vezes a empregou
como subordinativa condicional, outras como coordenativa disjuntiva. Montag
nos revela que Spinoza dela serviu -se de modo mais reconhecido na frase
“Deus, sive Natura ” (Deus, ou Natureza) aí, ele, simult aneamente, afir ma e
nega a abolição radical da transcendência . 9 Em outras palavras, conta três
histórias ao mesmo tempo: a história de Deus, a história da Natureza e a
história de Deus -como-Natureza, ou a história da transcendência, a história da
imanência e a história da trans cendência como imanência. Mutatis mutandi,
podemos discorrer sobre o Ambiente desde uma perspectiva teológica, ou
biológica, ou ainda desde uma perspectiva cosmológica; vale dizer, podemos
percebê-lo como supera ção da realidade material que podemos compreender,
ou senti-lo em sua concretude e, ainda, entende -lo como uma relação
complexa do que podemos apreender e do que podemos intuir confrontados
com o até então desconhecido.

3
MO LIN AR O , C . A. , D i re ito Amb ien ta l – Pro ib i çã o d e R et ro c es so , P o rt o Al e gre: Li v rari a
d o Ad vo gad o Ed ito r a, 2 0 0 7 , p .
4
C f. SP I N O ZA , E th i ca , Op e ra ... , vo l. II , p . 1 3 7
5
C f. AR I ST ÓT ELE S , Me ta f ís ica , XII, 4 , q . 1 0 7 0 a, i n, Ob ra s Co mp le ta s , M ad rid :
Ag u i llar , 1 9 7 7 , p . 1 0 5 1
6
C f. SOT O RI VE R A , R . , Ka iro - teo - o n to lo g ía e n a lg u n o s p en sa d o re s g reco r ro ma n o s , i n,
Ko n ver ge n cia s, B a ya mó n [ P uer to Rico ]: I mp r e so s G LAE L, a ño II - E d ició n Di cie mb re
2 0 0 3 /E ner o 2 0 0 4 , p . 2
7
Aq ui cab e m tr ê s e sc lar eci me n to s: o q ue e nt e n d e mo s p o r “r ac io nal id a d e eco ló gi ca”, p o r
“teo r ia cr ít ica ”, e p o r “a g ir h u ma no ” . P o r “racio n al id ad e ec o ló gi ca ” es ta mo s mu i to
p ró x i mo s d o p en sa me n t o d e B o ave n t ura d e So u s a S a nto s e m se u trab al ho A cr ít ica d a
ra zã o in d o len t e. Co n t ra o d esp e rd íc io d a exp e ri ên cia (P o rto : Afro nt a me n to , 2 0 0 0 ; S ão
P au lo : Co r tez , 2 0 0 0 ) , v ale d iz er , u ma ra zão s u b st a n t i va, p r eo c up ad a c o m o o utro co m o
ig u al e não co mo u m o b j eto . U ma rac io nal id ad e q ue s e c red i ta d e p ro vi so r ied ad e e, p o r
is so me s mo , r eco n he ce a co m p le xid ad e d e to d a s a s co i sa s. F u nd ad a n u ma ra zão q u e nã o
an tec ip a e q u e i n t ui a i n ev it á vel co n vi v ê nci a d a o rd e m co m o cao s (B o a ve n t ura d e So u s a
Sa n to s, o p . c it. , p . 7 5 ) , lo go , é p rud e nte e d i alo ga l, ad e ma i s d e co s mo c ê ntr ic a. U ma
racio n al id ad e q ue s ab e d a i n fl u ê nci a d o a m b ie nt e e s ua s tr a ns fo r ma çõ e s so b re a
so c ied ad e, b e m co mo lev a e m co ns id er açã o o utra s d i me n sõ e s d a real id ad e s o ci al
no t ad a me n te a c u lt ur al, e aí cab e t ud o : o rga ni zaç ão so c io a m b ie nt al, va lo re s ,
co n h eci me nto s, tec no lo gi a s, et c. P o r “teo r ia c rí ti ca” cred i ta mo s to d o o co n hec i me n to
si s te ma ti zad o c uj o f u n d a me nto se a ss e nt a se j a e m o b s er vaçõ es e m p í ric as , sej a e m
p ri ncíp io s o u p o s tu lad o s r acio na i s, c uj o o b j eti vo é d es ve lar u m co nj u nto no r ma ti vo o u d e
cate go ria s g er ai s co m o f i m d e o rd e nar e cl as s i ficar o s fato s d ad o s d e sd e u ma ap r eci ação
ep i ste mo ló g ica, es té tic a, ét ica, eco nô mi ca, j ur íd ic a o u p o l í ti ca so b re o o b j eto d a
in v e st i gaç ão . P o r “a gir h u ma n o ”, tr ib ut a mo s to d o o a to d o s er h u ma no o b j et i va nd o
p ro vo c ar u ma r ea ção o u p r o d u zir u m e feito n o se u e nto r no , a s si m m es mo , to d o o a gir
h u ma no e st á i mp r e g nad o p ela co n str uç ão d a s n ece s si d ad es (ab u nd â n ci a o u i n s u fic iê n cia
são o s li mi t es , d ad o s o s b e ns) e p o r narr a çõ e s ( mi to s , cre n ças , sab er es e p ré -
co mp ree n sõ e s p r é -c ie nt í f ica s, cie n tí fic as , e tc.).
8
MO NT AG, W ., Bo d ie s , Ma s se s, Po w e r: S p in o za a n d h i s Co n t emp o ra ri es , Lo nd o n /Ne w
Yo r k: Ver so , 1 9 9 4
9
MO NT AG , W . , Bo d ie s, Ma ss es … , p . 4
3

Ambiente, pois, é um “lugar de encontro”, um lugar ond e nos


encontramos com o nosso ambiente interior, onde nos encontramos
exteriormente com os demais e a natureza, e onde somos o “encontro” , 10 onde
tem lugar a narração da história multitudinária do planeta, vale dizer, a
história dos seres (pessoas, animais ou coisas) considerados ou não em seu
conjunto, e a his tória da soberania-antropomórfi ca-como-multidão
(assemelhada aqui às espe culações de Deleuze, Guattari , Negri e Hardt), vale
dizer, todo o conjunto de indi víduos humanos, agrupa mento heterogêneo e
plural que reage nos diversos círculos sociais onde estão dispostos os
indivíduos, de modo impul sivo ou não, premidos por uma conjugação de
estímulos: contatos físicos, ideologias, subordinaç ão, etc.
Esta multidão antropomórfica e também, não -antropomórfica
(conjunção biótica e abiótica), constituída pelo “encontro” e reunida em um
lugar de encontro, vai refletir, na sua antropomorfia conceitos tanto mate riais
físico-químicos, como filosófi cos e políticos. Revela -se num corpo sem
órgãos políticos e diferencia -se do Estado. Se a multidão existe dentro do
Estado, e em contra o Estado, sempre vai existir um exceden te: uma estrutura
jurídica e um poder constituído, criado, dizia Foucault, pela máquina do
mando bio-político. Este é o poder sobe rano contem porâneo. A multidão
desbordada num plural de subje tividades produtivas, criadoras dos círculos
sociais desde locais até globais, está em movimento contínuo e conformando
uma constelação de singu laridades e eventos coletivos que impõem
resignificações e reconfi gurações contínuas ao sistema.
Ela, a multitudo, não é um poder negativo, ela se desenvolve
positivamente em seus próprios projetos constituintes, atua com o objetivo da
liberação. Por vezes está sempre invisi bilizada, pois a multidão é o poder
político (historicamente) dominante, e o Estado é apenas uma “rede de
captura” que vive da vitali dade que encontra na multidão. Portanto, vê -se aí,
que ao Estado falta verdad eiramente um suporte ontológico, pois como “poder
constituído”, ele revela -se apenas abstratamente no poder constituinte
concreto da multidão. Deleuze e Guattari, bem poderiam ter agregado, aqui,
sua “versão do fetichismo ”, sugerindo que o poder do Estado também se
redobra sobre a multidão para “criá -lo milagrosamente”, vale dizer, desenhar
seus Standards jurídico-políticos e assim “ontologizar-se” na apropriação e
transformação do poder constituinte da multidão na cons tituição do biopoder
estatal. 11 Pois, de passo em passo, quando se desenvolve a Administração, se
inverte a relação entre socie dade e poder, entre a multidão e o Estado -
soberano, tanto que agora é o P oder e o Estado que produzem a sociedade.
Este é o dil ema em que nos encontramos. A soberania da multidão
traspassou-se 12 para o Estado. Como reapropriar o poder constituinte da
multidão? Como reescrever a história da transcendência como imanência?
Uma releitura desde outros parâmetros e contextualizada de Spinoza, muito
nos vai ensinar, especialmente desd e duas gnomas: (1) do corpo coletivo ou

10
Es ta mo s no s r e fe r i nd o ao s ub s ta n ti vo “e nco n tr o ”, ma s n ão p o d e mo s e s q ue cer a fle xão d o
verb o “e nco n tr ar ” : to m o co n sc iên c ia d e... ; e st o u em u m lu g a r , so b c o n d içã o , e m u ma
si tu a çã o o u e sta d o d e... ; si tu o - me, me lo ca li zo ...
11
DE LE U ZE , G. , e GU AT T AR I , F., An ti - Oed i p u s: Ca p i ta l i sm a n d S c h izo p h ren ia , Ne w
Yo r k, ( 1 9 7 2 ) 1 9 7 7 , p . 1 0 e 1 1
12
Aq ui no se n tid o j ur íd ic o st r icto , i sto é, ced er a fa vo r d e o utr e m o d ir ei to o u o d o mí n io
d e al g u ma co i sa.
4

da multitudinis potentia (a multidão como modalidade específica da realidade


política na tensão por constituir -se como “povo”, como “nação” ou como
“Estado”); e, (2) a estratégia do conatus, 13 vale dizer, o esforço de persistir
em sua própria natureza, em persistir no ser, de perseverança e resistência que
está em tudo o que existe e homogeneíza o real.
Com estes pensamentos expressivos , pretendemos inves tigar nesta
argumentação, mediante o desenho de uma pretendida racionalidade
ecológica, um exercício crítico em direito ambiental. Intentaremos
caracterizar os diferentes sentidos “do” jurídico em sede socio ambiental,
contrastá-los e extrair conclusões m ediante uma crítica que inclua o manejo
de “situações exemplares” contra outras “situações exem plares” ou canônicas
numa autêntica diatopia paradigmática.
Ademais, quando pensamos uma racionalidade ecológica, pensamos na
existência de um Estado Socioambiental e Democrático de Direito , o que
implica em revelar de um direito impuro, periférico, mas participativo,
pluralista e aberto, fundado numa Constituição sistemática, cujos sub sistemas
albergam a alopoiese necessária para a sua concretização nos es paços que
regula. 14 Nesse paradigma, a relevância reside nos chamados interesses ou
direitos difusos, como os direitos am bientais. A característica primordial do
Estado Socio ambiental e Democrático de Direito , na perspectiva da teoria
discursiva e culturalista do direito ambiental e da democracia, é a
institucionalização das vias de comuni cação público/privada através das quais
os cidadãos, de fato, par ticipam das decisões que irão lhes afetar , 15
especialmente aquelas relativas ao mínimo existencial eco lógico e a vedação
da degradação ambiental.
Assumindo um viés procedi mental, a Constituição do Estado pode ser
entendida como um instrumento que con forma as condições para o
estabelecimento de uma heteronomia da vontade popular, na tomada de
decisões públicas, especial mente, também, com relação aos problemas
ambientais, notadamente porque traz normas (princípios e regras) relativas ao
ambiente, em texto expresso na CF/88, no artigo 225, cabeça:

13
T er mo la ti no q ue si g n i f ica e s fo r ço d e , o u e sfo rço p a ra ; na filo so fia d o séc u lo X VII, é
ut il iz ad o a p ar t ir d a no va fí si ca q u e, ao d e mo n str ar o p ri nc íp io d e i n érci a ( u m co rp o
p er ma ne ce e m mo vi me n to o u e m r ep o uso se ne n h u m o u tro co rp o at ua so b re ele mo d i -
fica nd o se u e stad o ) , to r na p o s sí v el a id é ia d e q ue to d o s o s s ere s d o u ni ver so p o s s ue m a
te nd ê nc ia nat u r al e esp o nt â nea p ar a a a uto co ns erv ação e se e s fo rç a m p ara p er ma ne ce r
o u p er s is tir co mo e xi s te nt e s ( C r., M ari le na C ha uí , S p in o za , u ma fi lo so f ia d a lib erd a d e .
São P a u lo : Ed ito r a Mo d er n a, 1 9 9 5 , p . 1 0 6 ; c f. t a mb é m, A n e rvu ra d o re a l . Ima n ên c ia e
Lib erd a d e e m S p in o za , Vo l. 1 I ma n ên cia , S ão P au lo : Co mp a n hi a d a s Le tra s, 1 9 9 9 )
14
O q ue p r et e nd er e mo s d ef e nd er é u ma p o s ição q ue se a fa ste d a ló gi ca b i ná r ia c lá s si ca d e
Ari stó te le s A( ~ A) , e se ap r o x i me d a ló gi ca d a “teo ri a d o s co nj u n to s ” (c o mo co l eção d e
o b j eto s, d e fi n id o s o u d ef i ní v ei s, n u ma to tal id ad e at rib u ti va) , c uj o o b j eti vo e st á e m
d ese n h ar u ma e str até g ia q ue me l ho r a te nd a a r eso l ução d e co n fli to s, s e mp re p re s e n tes
en tre o s ato r es q u e at ua m co m d i fere n te s o b j et i vo s, no s d i ver so s s ub si s te ma s d o s i ste ma
j uríd ico . As s i m, a co nc ep ção d e Har t so b re a r ela ti va i nd e ter mi n aç ão d as no r ma s g ra -
d ua nd o e s ta i nc er te za n u ma r ela çã o i n tere sc al a r d e p rin cíp io s e re gr as (cf. Po si ti vi sm
a n d th e S ep a ra tio n o f La w a n d Mo ra l s , i n, E s sa y s in Ju ri sp ru d en c e a n d Ph i lo so p h y .
O x fo rd : C lar e nd o n P r es s, 1 9 8 3 , p . 6 1 e s. ; e, Th e Co n cep t o f La w . 2 ª ed . O x fo rd :
Cl are nd o n P r e s s, 1 9 9 4 , p . 2 5 9 e s.)
15
H AB E RM AS , J ., Di r ei to e d emo cra cia : en t re fa ct icid a d e e va l id a d e . Rio d e J a n eiro :
T e mp o B r a si le ir o , 1 9 9 7
5

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo -se ao poder público e à coletivi -
dade o dever de defendê -lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações .

Por certo, o direito moderno, no paradigma do Esta do Democrático de


Direito, esgota-se na formalidade legalista e positivista do ordenamento
jurídico estatal, tal circunstância aponta, desde logo, a sua limi tação para a
resolução dos problemas e conflitos gerados no âmbito socio ambiental, seja
no nível institucio nal do poder judiciário, seja no nível da legislação positiva
estatal. A ideologia liberal -capitalista (encerrada no prin cípio da acumulação
– uma perspectiva crematística – e seu corolário da eficiência) que sustenta
esse paradigma acredita num tipo de democracia exclusivamente
representativa, do mesmo modo, credita à cidadania apenas o poder de
representação, assegurando aos indivíduos direitos abstratamente conside -
rados.
Por isso, pensamos num Estado Socioambiental e Democrático de
Direito – numa perspectiva sociopositivista renovadora e policêntrica – do
qual flui a emergência de um novo sentido de cidadania, que aponta para uma
democracia socio ambiental fun dada em direitos e deveres concretos, na
participação real e consciente dos indi víduos singulares e plurais,
conformando uma ecocidadania responsável em assegu rar as condições que
possibilitem afirmar que um mínimo exis tencial ecológi co, núcleo material do
atributo dignidade conferido ao humano e que deve ser um máximo de
concretização dos direitos humanos e funda mentais. Aí temos uma porta
aberta para a regulação e garantia das conquistas sociais (lutas pelos direi tos
humanos), enfim, uma afirmação consciente da supremacia do prin cípio da
dignidade humana, induzindo a concretização d e um direito fundamental à
segurança que este Estado de Ambiente deve produzir para as presentes e
futuras gerações, enten dendo, esta última, como um dos resultados da garantia
de regulação eficaz que atenda a suprema cia dos interesses
constitucionalmente albergados; de modo especial, o princípio da dignidade
da pessoa humana, que só se realiza com a proteção de um mínimo
existencial ecológico, forte na vedação da degradação ambiental. Uma razão
assim articulada, não pode ser refutada.

II - RACIONALIDADE ECOLÓGICA

N ã o a p e n a s c a d a p a r t e d o m u n d o s e f a z c a d a v e z m a i s p a r t e d o mu n d o , ma s o m u n d o
e n q u a n t o u m t o d o e s t á c a d a v e z m a i s p r e s e n t e e m c a d a u m a d e s u a s p a r t e s . I s t o s e ve r i fi c a
n ã o s ó p a r a a s n a ç õ e s e p a r a o s p o vo s , m a s t a mb é m p a r a o s i n d i ví d u o s . D a m e s m a fo r m a
q u e c a d a p o n t o d o h o l o gr a m a c o n t é m a i n fo r m a ç ã o d o t o d o d e q u e f a z p a r t e , d e a go r a e m
d i a n t e , c a d a i n d i ví d u o t a m b é m r e c e b e o u c o n s o m e a s i n fo r m a ç õ e s e a s s u b s t â n c i a s v i n d a s
de todo o universo.

E dg a r M or i n 16

Pensamos um modelo de racionalidade ecológica, desde uma


perspectiva ecocêntrica moderada , 17 com o objetivo de construir uma crí tica

16
MO RI N , E. , T e rra - Pá t r ia . P o r to Al e gre : S u li n a, 1 9 9 5 , p . 3 5
6

ética e jurídico-ambientalista. Enten demos por racionalidade ecológica, todo


o exercício da razão que privilegia as formas impuras e periféricas do
pensamento 18, desde fo rmas argumentativas, empíricas e procedimentos
indutivos para a indagação e compreensão da realidade socioambiental,
privilegiando a intuição e a emoção, identificando -a com a relação
substantivos natureza/cultura, im anente em todo o vínculo pre sencial
biótico/abiótico.
Perceber-se-á, assim, que uma racio nalidade ecológi ca está, na verdade,
integrada por muitas visões mesoló gicas: uma ecologia que pode aceder ao
irracional ; 19 uma ecologia dos saberes, científicos ou não cien tíficos, dos
tradicionais, mesmo daqueles emer gentes de crenças e práti cas ancestrais;
uma ecologia da relação natureza e cultura e da relação adjeti vada: natural e
cultural; uma ecologia da religião, da estética, da ética, da política, da
economia, do direito, e da ciência; uma ecologia global, regional, local; uma
ecologia urbana, rural; uma ecologia do indivíduo, do gremial, do social; uma
ecologia energética, industrial, comer cial e incrustada nos servi ços de
qualquer tipo; uma ecolog ia humana, inte rior, e que privilegia o alter; uma
ecologia profun da, transpessoal e com agu da consciência holística. Uma
racionalidade ecoló gica deste tipo aposta na convivência harmônica com a
natureza, intenta por todos os meios preservar as espécie s (ameaçadas ou
não), já que essas são valores humanos.
De outro modo, ninguém mais duvida que atualmente experimenta -se
uma crise ecoló gica que põe em sério risco o agora frágil equilíbrio natural e
cultural de todas as formas bióticas e abió ticas, 20 fato que afirma a
necessidade de uma racionalidade ecológica conseqüente. Atente -se ainda,
que uma racionalidade ecológica, ainda que se dirija numa perspectiva
ecocêntrica, não repudia o antropocentrismo e o antropomorfismo para fazer
sua, a defesa da di versidade no seu mais amplo sentido. Ademais, uma
racionalidade ecoló gica privi legia o fator humano revelado pela “dignidade”

17
U ma p er sp e ct i va eco cê ntr ica mo d er ad a não re fut a u m a n t ro p o lo g is mo d e meio s ,
e mp re ga nd o - se aq ui a n t r o p o lo gi s mo , n ão co mo o faz o ma ter ial i s mo q ue co n sid e ra o
ho me m ap e n as co mo u ma p ar t e d a na t urez a , se nd o d e la u m p ro d uto ; não , o q u e
p rete nd e mo s co m a e xp r es são a n tro p o lo g i s mo d e me io s é s i g ni fica r o s m eio s rac io n ai s d o
ho me m ao p er c eb er a r eal id ad e q ue p o d e co m p ree nd er ; as s i m, u m a n tro p o lo g is mo d e
me io s, não s up õ e u m a nt r o p o ce n tri s mo d e re s ul tad o s , a nte s, a fir ma u ma ho lo vi s ão d o
mu n d o d a na t ur ez a e d a cu lt ur a. Va mo s d e se n vo l ver e sta id é ia mai s ad i a nt e.
18
U ma r az ã o q ue p r i v il eg ia a s fo r ma s i mp ur a s e p er i fér ic as d o p e n s a me n to r e ve la u m
co mp ro mi s so d e a p ren d er a a p re en d e r , p e n et rar na d i me n são e s té tic a e na d i me n sã o
p aid é tic a d o p en sar e d o agir , co m a p o s sib il id a d e si n g u lar d e d e se n vo l ver a p a s sa ge m d o
p en sa me nto l i nea r ao p en sa me nto si st ê mi co e co mp le xo p o r i n ter méd io d o u so d e
rec ur so s e xp r e ss i vo s q u e no s fo r nec e a ra zã o s en s íve l , val e d iz er, a c a p acid ad e h u ma na
e m c ap tar e r ep r es e nta r a s fo r ma s co g n it i va s d a re al id ad e, d e sd e u m a p ro p o r çã o q ue
reco n heç a si mi l it ud e s e d i f er e nç as , d ir ia Ar i stó te le s, a p e rcep çã o q u e n ó s p e rc ep -
cio n a mo s – at u al id ad e d o se n sí v el e d o se n si ti v o ( c f., AR IST ÓT E LE S , Del Al ma , 4 2 5 b ,
in , Ob ra s Co mp le ta s . 2 a ed . M ad rid : Ag u il ar, 1 9 6 7 , p . 8 6 0 ).
19
Ate n te - se, n a r ea lid ad e não h á o rac io na l e o irr acio na l fo ra d o co n hec i me n to , p o is co mo
d izi a P o n te s d e M ir a nd a , “a ir ra cio n a lid a d e já é co n h ece r, e h á ca min h o s p a ra co n h e cer-
se o i r ra c io n a l co mo ta l: o q u e n ã o co n h ec emo s é o co n t eú d o , d ig a mo s, d o i r ra cio n a l,
ma s p o r v ez es e p ro va v elm en te semp r e é o q u e o co rr e co m o n o s so c o n h e ci men to ” ( O
p ro b l ema fu n d a men ta l d o co n h eci men to . 2 . a ed . Rio d e J a nei ro : Ed i to r B o rso i, 1 9 7 2 p .
9 3 ).
20
E aq ui não fa la mo s d o s r i sco s p ro d u zid o s p ela p ro b ab il id ad e d e p eri go cri ad a p elo
“i ma g i nár io ” i nd i v id ual o u so c ia l.
7

emprestada ao ser humano, valor este que se estende a todas as coisas e as


criaturas vivas, pois todas estão presentes no huma no do ser. 21 Uma
racionalidade ecológica, por preo cupar-se em manter contra balançada a
relação biótico/abiótico, desde uma substantiva relação inte gral
natureza/cultura compromete-se com as futuras gerações ameaçadas com uma
funesta herança, consistente em receber um pla neta inabitável pela agressão
sistemática ao ambiente: envenenamento da biosfera com suas con seqüências,
desequilíbrios climáticos e efeito estufa, deterio ração da camada de ozônio,
desflorestamento, contaminação das águas, extin ção de espécies vivas,
desorganização urbana, enfim, um entorno depre ciado para a vida em qualquer
de suas manifestações.

III - DA RAZÃO MODERNA – LINGUAGEM E CONSCIÊN CIA: DA


EXAUSTÃO DA RAZÃO MO DERNA CO NDIÇÃO PARA A RACIONALIDADE
ECOLÓGICA

[ . . . ] a r a z ã o é u m a c a p a c i d a d e n e u r o b i o l ó gi c a q u e a e s p é c i e h u ma n a p o s s u i
d e fi n i d a e m s u a b a g a g e m ge n é t i c a [ . . . ] d e n t r o d e s e u s l i m i t e s n a t u r a i s ,
d e s e n vo l v e n d o t o d a u m a a b s t r a ç ã o q u e o c o l o c o u a s s u s t a d o r a m e n t e a d i a n t e d a s
outras espécies animais.
G l a ds o n M a me d e 22

Aqui entendemos racionalidade como domínio consciente da realidade.


Pensamos numa racionalidade funcionalista que reconstrói a razão,
pressupondo que certas práticas, apa rentemente irracionais, podem ser
inteligíveis quando se captam suas funções sociais. Construir mo delos para
dar sentido à realidade, por vezes caótica, sempre levando em consideração

21
P o r fa to r h u ma n o e n te nd e mo s a mu l t ip l ica ção d o q ue é p ró p rio d o se r no jo g o h u ma n o
na p er sp e ct i va d e G ad a me r ( La a c tu a l id a d d e l o b el lo . B a rce lo na : P aid ó s, 1 9 7 7 , p . 6 6 - 6 8
– a liç ão d e G ad a me r v e m a ca l har , p o i s to d o s sab e m q ue o “j o go ” ve s te u m s í mb o lo d e
u ni v er sal id ad e, p o i s as s o cia às no çõ e s d e re gra , lib e rd ad e e to ta lid ad e, q ua lq uer q u e sej a
a o rd e m d e st es t er mo s, ao me s mo te mp o , no “j o go ” s ub s ti t uí mo s u m es t ad o a ná rq uico p o r
u m e stad o d e o r d e m, me ta fo r i ca me n te se p o d e d izer q ue v i nc u la u m e st ad o d e n at ur eza a
u m es tad o d e c u lt ur a, o u d e u m es tad o e xp o ntâ neo p ara u m e st ad o d e o rd e m. T al ve z a
id éi a mai s i mp o r t a nte d e Gad a me r ne st a o b ra s e j a a d e q ue não p o d e mo s p en sar o c u lt ur al
h u ma no se m p e n sar mo s no l úd ico . De o utro m o d o , atra vé s d o “j o go ” en co ntr a mo s u ma
hi s tó ri a d o “mo v i me n to ”, u m a u to mo vi me n to co mo d i z Gad a me r, q ue se reve la no “j o go ”
e n a “a r te ”. Ad e ma is , Gad a me r no s e n si n a q u e n a p rá tic a h u ma n a o “j o go ” i nc l ui a
“r azão ”, p o is o ho me m d is c ip li na e o rd e na se u s p ró p rio s mo v i me n to s “ co mo se ti ve s sem
fin s”, d i z e le ; is to é, u ma r a cio n ali d ad e l i vre d e fi n s. No “j o go ” – a fi r ma Gad a me r – se
ex i ge u m “j o gar co m... ” n u ma ma n i fe s taç ão co mu n i ca ti v a ), va le d iz er, u m j o go q ue p o d e
in cl u ir e m s i me s mo a r azão , o c ará ter d i s ti nt i v o mai s p ró p rio d o ser h u ma no , co n s is te n te
e m p o d er d ar - se f i ns e a sp ir ar a e le s co n sci e n teme n te, e p o d er iro n i zar o car act erí s tico d a
razão co n f o r me a fi n s. Po i s a h u ma n id a d e d o j o g o h u ma n o te m sed e e m q u e e s se jo g o d e
mo vi men to s o rd en a e d i sc ip l i n a , p o r d iz e r a s si m, s eu s p ró p rio s mo vi m en to s ; mo v i me n to s
es se s e xp l et i vo s n a co m b i n ação d e d o is o u tro s f a to r es , o a b ió ti co e o b i ó tico , o p ri meiro ,
rep re se nt a nd o o s a g e n tes fí s ico s, q uí mi co s, g eo ló gi co s , etc ., d o a mb ie nt e; o s e g u nd o ,
rela ti vo a cad a u m d o s ser es v i vo s d a eco s fe ra ; ad e ma is , o fato r h u ma no re v el a -s e n u m
p ro ce sso c uj o s p r e s s u p o sto s fí si co s, b io q uí mi co s e fi sio ló gico s vão i n te gra r meca n is mo s
q ue e s tão na b a se d e u m p r o c es so hi s tó ri co e cu lt ur al, e s te e s se nc ia lí s si mo d o ho me m e
d a mu l he r , não e nco n tr a d o e m q ua lq uer o u tro se r v i vo .
22
M AMED E , G ., S e mio lo g ia e Di re ito : tó p i co s p a ra u m d eb a t e re fe ren c i a d o p ela
a n ima lid a d e e a cu ltu ra . B elo Ho riz o nte : Ed ito r i al 7 8 6 , 1 9 9 5 , p . 2 4
8

que o real é um constructo, que talvez nunca se alcance – apesar de ser


construída – uma conclusão, revela -se como soma e resultado do pa ssado
(totalidade). O real hoje que se nos apresenta como verda deiro (um verda deiro
normativo que nos permite entender e pactuar com o nosso tempo e nosso
espaço), amanhã será apenas parte de outra verdade (própria de um novo
espaço-tempo). Podemos breve modo, distinguir dois tipos de racionalidade
ou de ações racionais: uma, de acordo com os fins e, outra, de acordo com
valores (em Weber: Zweckrationalität e Wertrationalität, respectivamente).
No primeiro caso estamos frente ao sujeito que define os fins que deseja
alcançar e avalia os meios para alcançá-los, carrega consigo, o resultado da
avaliação que fez das condições previsíveis da sua ação. Já no segundo caso,
o sujeito credita -se num valor e por ele pode dar a sua vida. Ao definir o
valor ele age para con cretizar o mesmo, independentemente dos meios e das
conseqüências. É o valor o “farol” que ilumina a sua ação. Assim, quando um
sujeito funda seu agir em um valor previa mente eleito sem que lhe importem
as conseqüências de sua a ção, Weber apontava para uma “ética da convicção”;
e, quando age de acordo com os fins objeti vados – o que implica ter
consciência dos efeitos colaterais derivados – assumindo os eventuais riscos e
a responsabilidade perti nente, estamos frente ao que, o mesmo Weber,
denominou de “ética da responsa bilidade”. 23
Podemos, com razoável acerto, afirmar que toda a ação humana está em
permanente conflito com faticidades que não pode superar. Assim, apre ender
a realidade, por um ser humano que objetiva ir mais além que o presente
imediato, marca um processo que constitui uma tentativa de trans cender o
“real”. Contudo, todas as práticas fundadas no pensamento teó rico estão
encapsuladas nos limites da ação desse ser, são esses limites que irão
determinar as f ormas do pensamento. O espaço intersticial entre limites é
ocupado pela ra zão (uma razão fronteiriça na expressão de Trías 24). Mas, uma
“razão ociden tal” com mais de dois mil e quinhentos anos! Uma razão que
tem seu próprio mapa genético, su a história, seu desenvolvi mento e suas
inevitáveis contra dições. Desde o ances tre λόγος dominador (e dominado) do
pensamento ini ciou-se – na filosofia ocidental – o campo semasiológico da
razão, culminan do com a “razão moder na”, onde ao largo dos séculos XV-
XVIII procedeu a uma “revolução” extra ordinária, desde a “revolução
copérnica”, inaugurando a “razão técnico -científica”. Impera, então, o lema
baconiano: “conhecer é poder” (o que se mostra, ainda com vigor, naqueles
que dominam a tecno logia contem porânea). A redução da realidade ao poder
marca a ação huma na com o objetivo de dominação das forças da natureza.
Agora a natureza, o mundo, está de cócoras para o onis ciente agir humano, 25

23
W EB ER , M a x, E l Po lí ti co y e l c ien tí fico . B arc e lo n a: P e n í n s ul a, 1 9 8 9 , p . 6 9
24
U ma r az ão d e u m s uj eito fr o nt eir iço q ue ac ab a p o r r e vel ar - se u m s uj ei to narr at i vo :
“En t re el se r fí si co y el me ta f ís ico , o en t re e l se r y la n a d a , o en t r e e l sen tid o y el
sin sen tid o , h a lla e l h o mb r e su ra zó n y su sig n ifi ca c ió n a l co n st itu i r se co mo có p u la y
co mo d i syu n ció n . Y la f o rma éti ca , o e l i mp e ra tivo ét ico (Lleg a se r lo q u e vi rtu a lm en te
ere s, h a b ita n te d e la fr o n te ra d el se r y d e l s e n tid o ), e s lo q u e p er mi te d et e rm in a r la
vo lu n ta d , y la co n s ig u i en te a cc ió n , h a c ia el a ju s te d e la ma t ri z h u m a n a co n su p len a
co n se cu c ió n (o fin a lid a d ), q u e e s la vid a b u e n a q u e a la h u ma n id a d le co r r esp o n d e ”
(T RÍ AS, E., É tica y co n d ició n h u ma n a . B arce lo na : P e ní n s u la, 2 0 0 0 , p . 6 3 -6 4 ) .
25
Ci nd e - se a r e la ção s ub st a nt i va nat ur eza /c u lt ur a, co m co ns eq üê nc ia s q ue p erd u ra m a té o
p res e nte.
9

situação que vai atingir mais tarde, em Kant , sua pleni tude desenhada numa
“razão prática”.
Certamente, é com Maquiavel 26 que se dá o pri meiro trunfo da razão
moderna no campo da filosofia política . 27 O “racionalismo” surgido na
alvorada da Idade Moderna teve por preocu pação encontrar as circunstâncias
que haviam logrado cons tituir os diversos reinos existentes. De outro lado, os
filósofos empiristas dessa época trataram de analisar a evo lução do Estado a
partir de uma dialé tica da historia, que explicasse a origem e a práxis do
poder dos governantes, para encon trar uma resposta para a existên cia social. 28

IV – UM POUCO DE HISTÓRIA

No decorrer dos séculos XVI e XVII, o racionalismo aproxima -se do


herético, na formulação política, como a heterodoxia religiosa repres entada
por Pascal e o jansenismo. 29 Perseguem-se a ambos; ademais, Tomas Moro
(1478) é decapitado; em 1535, Galileu (1564-1642) é condenado pela
Inquisição; Descarte s (1596-1650), em busca de mai s liberdade, preferiu

26
Nic co lò Mac c hia v el li é co n s id erad o o p ai d a T eo ria d o Es tad o e d a Ci ên cia P o lí tic a. De
o ri ge m f lo r e nt i na v i ve u en tr e o s a no s d e 1 4 6 9 e 1 5 2 7 . S ua p r i nc ip al e ma i s ci tad a o b r a
p o lí tic a é O P rín c ip e ( m as va le a p e na l er s e u D is co r s i so p ra la p ri ma d eca d i T ito Liv io
e Ma n d rá g o ra , ne sta úl ti ma fi ca cl ara a no ç ão j á d ec larad a e m O P rí n cip e d e q u e o s
ho me n s fo r a m s e mp r e e e m to d a p ar te o s me s mo s : “t r is ti ”, is to é p er v er so s, p ro p en so s ao
ma l, i n gr a to s, vo l ú vei s e se mp r e p ro nto s a m o str ar s ua n at ur eza vi l e co rr up ta) q ue
d ed ico u a Ce sar B o r gi a co m a ó b v ia i n te nç ão d e o b ter d o mes m o , vár io s fa vo re s
p o lít ico s. Maq ui a ve l ut i liz a p e l a p ri meir a vez o ter mo “Es tad o ” p ara r e fer ir a s ti r a nia s,
p ri ncip ad o s e r ei nad o s e m q ue se e nco n tra va d iv id id a a E uro p a. Ao la rgo d ‟ O P r ín cip e ,
se e vid e n ci a q ue a p a la vr a E stad o é u ti liz ad a e m se u s e nt id o l at i no sta tu m q u e ad vé m d o
verb o e s ta re e c uj o s i g n i fic ad o s e red uz a si tu a çã o o u co n d içã o . O o b j e to d e d ito li vro é
co mp il ar to d a u ma sér ie d e no r ma s p o lí tic as , o rga n izad a s co n fo r me u ma ló gi ca q ue
p er mi ti s se ao mo na r ca ma n ter a s it ua ção q ue a té e nt ão ha vi a car ac teri zad o s e u p o d er, e
me s mo , p ar a a u me n tá - l o e r ea fir ma r s u a so b e r an ia e p re se n ça na na çã o , se m ne ce ss it ar
mo d i fi car a s co nd i çõ e s d e se u r e g i me d e go ver n o . Maq uia v el p ro c u ra va d e mo n s trar q ue a
mo r al n ão te m l u gar na p o lít ic a ne m n a art e d e go ver n ar, e i s to er a i mp o rta nt e sab e r p ar a
a ma n u te nç ão no p o d e r . Maq ui a vel não se o c up a d e d e fi n ir o q ue se d e ve co n s i d erar co mo
Est ad o , não o b st a nte , el e é o p r i me iro a ut il iza r a exp r e ss ão p ara re feri r as o r ga n i zaçõ e s
p o lít ic as d a b a ixa id a d e méd ia , c uj o p o d er era e xer cid o e m p art e p elo s r ei s e p rí n cip e s, e
e m o utr a fac ção , atr a vé s d e te r ra s- t en en te s , o s s en ho r e s fe ud a i s.
27
E m O P r ín cip e fic a b e m d es e n had o o s i g ni ficad o d o p o d er e o p a p el q ue e xer ce o
go ver n a nt e d e u m E st ad o . Ate n te - se, q ue na Id a d e Med ia se ha vi a s i nte tiz ad o a id éi a d o
Est ad o , co mo a e x i s tê n cia d e u ma o rd e m n a t u ral p ro p o r cio n ad a p o r De u s ao s ho me n s.
Dit a o rd e m er a, e m p r i n cíp io , i nq ue st io ná v el e s e acred it a va q ue só s e p o d ia ac ed er a se u
co n h eci me nto at r a vé s d e n í ve is d e co n te mp la çã o .
28
Daí, a s teo r ia s d o “co nt r ato so c ia l” q ue p re s s up u n ha m u ma n at ur eza h u ma n a i n ve s tid a
d e d ir ei to s e p o d er es na tu r ai s, d e mo d o ta l q ue o “co n tra to ” p as s a a ser ce leb rad o e n tre
p es so a s fo r ma l me n te ig u ai s. T o d o o iu s na tu ral i s mo , e me r ge nt e en tão , le va e m
co n s id er a ção u m mo d o d e “r a cio na li zaç ão d o E s t ad o ” – u m r ac io nal i s mo es tat al – q ue fa z
co m q u e so b o d o mí n io d a lei – co mo no r ma d o Est ad o – es se p o s sa vi v er o rac io nal ,
fo me n ta nd o - s e à l ib er d ad e. É a s si m q ue a r ac io n al iza ção d o a g ir h u ma no s e vi nc u la a
o rga n iz ação p o lí ti ca d a so c ied ad e. O q ue se v ê, p o rta n t o , é u ma re no v a d a s ec ul ari zaç ão ,
o nd e Ka nt r ec up er a a fó r mu l a d o co nt rato so cia l co mo u ma id éia r eg u la ti va . P ara a
sec u lar iza ção d o sab er fo i u m p a s so , p ro mo v id a p el a ci ê nc ia q ue mu n icio u, i nc l u si ve ,
no va s co ncep çõ e s p o lí t ica s q u e, p o r s u a v ez , p ro d u zir a m a s ec u lar i zação d o p o d er
si mu l t a nea me n t e co m a d o d e ver co m a s se nto na filo so fia mo r al d o mi n a nt e
29
Diz - se d o p e ns a me n to d e Co r n él io J a ns e nio (1 5 8 5 -1 6 8 3 ), b i sp o co nd e nad o co mo here g e
p ela I nq u i siç ão , e m s e u s p r i n cíp io s, ad e mai s d e ne gar o l i vre -arb ít rio , e st a va co mo
n úc leo à a f ir ma ção q ue a n at ur eza h u ma na era p o r s i só , i n cap a z d o b e m .
10

emigrar para a Holanda. As matemáticas e , sobretudo, a física ao refutar as


concepções teoló gicas têm também um caráter perturbador e subversivo.
O século XVII marca bem o desenvol vimento da razão desde posturas
empiristas e racio nalistas, estabelecendo novos fundamentos por via
epistemológica e metafísica. Assim, a postura empirista vai caminhar para
fundar um tipo de racionalidade que, em ordem epistêmica, elege a natureza
humana como foco de estudo. A ordem é tematizar o real com o material que
os sentidos possam oferecer. A razão se humaniza e subjetiviza no delimitado
espaço da expe riência; aí, o humano de igual a igual do não -humano se
concreta e se subs tantifica na natureza. A postura racionalista elege a via da
metafísica da razão para subs tantificar o mundo, assim, pro duz diferentes
perspectivas metafísi cas: uma ontologia e uma episte mologia; postula -se a
exigência de um discurso metó dico (Descartes).
Sobressai -se Spinoza (1632-1677) com sua Ética, cujo núcleo reside no
estabelecimento de um link entre as ordens das idéias e das coisas, como
ordem da razão. Logo, vai conceber uma substância única ( Deus, sivi Natura)
como produto de uma racionalização da “mente”, a semelhança da razão que
reflete o processo e a ordem do mundo. A perspectiva episte mológica do
racionalismo estava imersa num mate maticismo vigente durante parte do
século XVI e mesmo do XVII, onde se cons trói uma idéia de mathesis
universalis como uma moldura de sabença apta a enquad rar todo o
conhecimento.
O século XVIII – herdeiro de Descartes – concretiza com a Ilustração o
triunfo de racionalismo. É o século da razão com seu brilho a iluminar a
crença na evolução e no progres so. Uma nova ordem está em gestaçã o e
confronta os ideais impostos pela Igreja e pelo Estado no século XVII. Toda a
crítica ao abso lutismo (Estado e Religião) se faz no nome insuspeito da razão.
Por todo o século XVIII segue o paradig ma da razão moderna, momen to em
que atinge o seu ápi ce. Pensadores como Kant 30 e Hegel 31 pontificam. Com o

30
É d esd e Ka n t ( 1 7 2 4 -1 8 0 4 ) , p ai d o id eal i s mo , e d e su a “crí ti ca d a razã o ” q ue se i mp õ e a
p er g u n ta q u e fe z: “ Qu e p o s so sa b e r? ” . A re sp o sta ci nd e o s ub sta n ti vo “raz ão ” e o
ad j eti vo “r ac io nal ”: a í e st á ab er ta a p o r ta p ar a t ran s fo r mar a cr ít ic a d a r azão mo d er n a e m
me ta crí tic a. T o d o o d es en vo l vi me n to p o st erio r d o p en sa me n to d e Ka nt – q ue aq u i n ão
p o d e mo s o u d e ve mo s e n fr e ntar – o l e va p e n s ar q u e, co m a s ua d e s co b ert a d as lei s
u ni v er sai s d o p e n sa me nto , a s e s tr ut ur as d o a p rio r i a s se g ura m a o b j eti vid ad e d o
co n h eci me nto . Co nt ud o , q ua nd o faz a se g u n d a e terc eira p er g u nt as : “ Qu e d evo fa z er? ” e
“O q u e me e s tá p er m iti d o esp e ra r? ”, p ro c ur a e st ab el ecer o s uso s d a ra zão : ra zão teó ric a
e raz ão p r á ti ca. S e u ma i mp õ e s u as co nd içõ e s p ara o co n hec i me n to , o ut ra es tab e le ce a s
co nd i çõ es p ar a o a gir .
31
É co m H e gel ( 1 7 7 0 -1 8 3 1 ) q ue s e d á a ma rca c o mp letó ria d a raz ão mo d ern a. Co m e le e
ap ó s el e s e i na u g u r a a f i lo so f ia co nte mp o râ ne a. Co m ele al tera - s e a p ers p ect i va d a r a zão ,
ago r a co mo r azão d ial ét ica ( He ge l, gra nd e co n h eced o r d o p e n sa me nto g rego , d el e mu i to
se ap ro ve ito u , cer ta me n te, mu i to d e Her ácl ito , o n d e no s s e us fra g me nt o s j á se d el i ne i a
u ma “r azão d ia lé ti ca” ( cf . KI RK , G. S ., R AVE N , J . E. e S CH OFI E LD , M., O s Filó so fo s
Pré- S o c rá ti co s – Hi s tó ria C rí ti ca co m S ele çã o d e Te xto s , 4 .a ed . Lis b o a: F u nd a ção
Ca lo u ste G ulb e n k ia n, 1 9 9 4 , p . 1 9 3 e ss.) . E m s eu fa mo so ap o te g ma , fr o n ti s p ício d e se u s
Pri n cíp io s d e fi lo so f ia d o d ire ito , a fir ma v a: “ O q u e é ra c io n a l é rea l , e o q u e é rea l é
ra c io n a l ” . A a f ir ma ção , se m d ú vid a , p o d e p ro p o rcio nar u ma s éri e d e cr íti cas , ma s não é o
lu g ar aq ui p ar a d es e n vo lv ê -l as e, p o r i s so , v a m o s ap e na s a no tar o se g u in te (s e g ui nd o a s
acla raçõ es d o p r ó p r io He ge l) : p ri me iro , t ud o é r acio n al p o rq ue to d o s o s a sp ec to s d a
real id ad e cab e m d e n tr o d a r azão , d ad o q u e a raz ão – p ara He g el – é t e m p o ral, co n cret a e
mu n d a n a ( a te n te - se q ue p ar a He ge l a raz ão não es tá d i vo rc iad a d o mu n d o , ao co n trár io ,
es tá no mu n d o , na na t u r eza e no e sp íri to , e st á no p a s sad o e se d e s ve la n u m p re se n te
11

pensamento hege liano de constituição da razão moderna (que adentra o século


XIX, e ainda hoje persiste) firma -se o processo através do qual se intentou
amplificar a razão a todo o saber, do poder e do fazer, encharcando com isso
todas as di mensões da vida.
Conclui-se uma etapa da história; então, nada mais fica de fora ao
adotar-se a perspectiva da tota lidade, dialetica mente demonstrada por uma
razão que se basta a si mes ma, ou melhor, que se sabe consciente de si
mesma. Portanto, é a partir de Hegel que tem início outra história, mati zada
pela crise da razão moderna. Contudo, o estupendo da filosofia h egeliana está
em ultrapassar a razão mecanicista, sua filosofia dialética vai tratar de
processos e não de “aconteci mentos solitários”, trata de inter -
relacionamentos, e não de situações isoladas umas das outras. Este sim é,
verdadeiramente, um modo moderno e científico de interpretar o mundo. No
entanto, seu Achilles’ heel consistiu nas correntes idealistas que o alge mavam
ao encarcerado de uma idealida de que impediu a aplicação efeti va do método
dialético ao “mundo real” de modo con seqüente, pois em lugar da “matéria”,
do físico e suas implicações, acolhe o mundo da “Idéia Abso luta”, mundo em
que as “coisas reais”, os processos e procedimentos da vida, as pessoas e as
instituições são sujeitos/objetos substituídos por insubstanciais enti dades
ideadas. A crítica de Engels (1820-1895) foi cáustica ao dizer que a filosofia
de Hegel foi o aborto 32 mais colossal do pensamento filosófico, pois suas
idéias estavam de “cabeça para abaixo”, assim procurou inverter a posição
hegeliana transformando a dialética idealista em um m aterialismo dialético . 33

co n tí n uo , i mp r e g na o s uj ei to e as i n st i tu i çõ es , es tab e le ce nd o p ar a i s so u ma s érie d e
co n fi g ur a çõ e s ( C f . He g el, i n, K EN NY , A., Th e Oxfo rd Il lu st ra t ed Hi sto ry o f We st e rn
Ph ilo so p h y. O x fo r d : O x fo r d U ni v ers it y P r es s, 1 9 9 4 )); se g u nd o , o r eal é rac io nal p o i s o
real é id é ia – r az ão – p a r a u ma me n te, va le d i ze r, p ara u m s uj e ito q ue p en sa : a re al id ad e
é a re a l id ad e p e n sad a.
32
C f. EN GE LS , F ., Lu d w ig Feu e rb a ch e o fi m d a filo so f ia clá s si ca al e m ã, i n, M AR X , K. ,
ENG E LS , F. Te xto s Fi lo só fi co s . Li sb o a : Ed i t o rial P re se n ça, B ib l io t eca d e C iê nc ia s
H u ma na s, s/d ., p . 2 4 ; 2 7 e s.; 3 3 e s. ; c f., e sp ec i al me n te, E l An ti - Dü h rin g – In tro d u cció n
a l e stu d io d el so cia li s mo . 4 ª ed . B u e no s Air es : Ed i to ri al C lar id ad , 1 9 7 2 , p . 3 2 : E l
si s tema d e Heg el fu e u n a b o rto co lo sa l, e l ú lti mo d e su g én e ro . Ad emá s, a d o l ec ía
ta mb ién d e u n a co n t r a d icc ió n in te rn a e in cu ra b le; d e u n a p a r t e, su p o s tu la d o
fu n d a men ta l e ra la co n cep ció n h i stó ri ca seg ú n la cu a l la h i s to r ia d e la h u ma n id a d e s
u n a evo lu c ió n q u e en r a zó n d e m i sma n a tu ra l eza n o p u ed e h a lla r su co n clu sió n en el
d escu b r im ien to d e u n a ve rd a d a b so lu ta y, d e o t ra p a rt e, e s te si s t ema p re ten d e s er
ju s ta m en te la exp re s ió n d e es ta ve rd a d a b so lu t a . Un s is te ma d e la n a tu ra le za y d e la
h is to ria q u e a b a r ca t o d o y co n t ien e to d o , es tá en co n t ra d i cció n co n la s l eye s
fu n d a men ta l es d el p en s a mien to d ia lé ct ico ; p e r o es to n o se o p o n e , d e o t ra p a rte , d e
n in g u n a ma n e ra , s in o p o r lo co n t ra rio , imp li ca q u e el co n o c im ien t o si st emá tico d e l
co n ju n to d el mu n d o ext e rio r h a g a p ro g re so s g ig a n te sco s d e g en e ra c ió n en g en e ra c ió n .
33
Ai nd a q ue lar g a a ci taç ão va le r ep ro d u zir E n ge ls : De sd e e l mo men to q u e se co mp r en d í a
el e rro r to ta l d e l id ea l is mo a le má n , n ec esa r ia men t e se lleg a b a a l ma te ria li smo , p ero ,
en ti én d a s e b ien , q u e n o a l p u ra m en te m eca n ici s t a , ex clu si vo y m e ta fí si c o d el sig lo XV III.
En lu g a r d e co n d en a r p u ra y si m p l em en te to d a la h i sto r ia p a sa d a , a l a ma n e ra d e lo s
revo lu c io n a rio s in g e n u o s, el ma t er ia l i smo mo d e rn o v e en la h i sto ria la evo lu c ió n mi s ma
d e la h u ma n id a d cu yo mo vi mi en to se h a lla so met id o a l eye s q u e es f u er za reco n o ce r.
Heg e l , co mo lo s f r a n c es es d e l sig lo XVIII, se re p re sen ta la n a tu ra le za c o mo u n to d o q u e
p er ma n ec e id én t ico a s í mis mo , s e mu ev e en u n mo vim ien to ci rcu la r d e n tro d e e st re ch o s
lím it e s, u n mu n d o d e a s tro s e te rn o s, co mo lo s d e N e wto n , y en q u e lo s s ere s o rg a n i za d o s
es tá n c la si f ica d o s en e s p ecie s in va r ia b le s, co m o lo en s eñ o Lin n eo ; p o r e l co n t ra rio , el
ma te r ia l is mo s in te ti za l o s p ro c eso s rec ien te s d e la s ci en c ia s n a tu ra le s , seg ú n lo s cu a le s
la n a tu ra le za ta mb ién t i en e su h i sto ria en e l t ie mp o : lo s p la n eta s co mo la s e sp ec ie s vi v a s
q u e lo s h a b i ta n , s i la s c o n d icio n es e xt er io re s le s so n fa vo ra b le s, n a c en y d esa p a rec en , y
12

V – A RAZÃO EM SEDE AMBIENTAL ( NÚCLEO ESSENCIAL)

A relação entre uma incipiente “razão” e “ambiente” passa,


inicialmente, por um determinismo ambiental através uma tríade conceptual:
(1) uma concepção de mundo e de criação deste mesmo mundo; (2) influxo do
entorno físico sobre o homem e a mulher; e, (3) a transfor mação do mundo
pelos seres humanos . 34
Os pensadores pré -socráticos preo cupados com uma teogonia e uma
cosmogonia homogênea intentaram dar uma explicação para a criação do
mundo e sua perma nência; o primeiro período do pensamento grego estava
profundamente imerso na miti ficação teogônica da criação do mundo; aí
importava a cosmogonia fundada em Okeanos (um vasto rio que circundava a
orla do disco terrestre) 35 e Nyx (à noite, dominadora dos deuses e dos
homens). 36 As cosmogonias órfi cas, faziam da Noite, a origem de todas as
coisas. Todavia, é com Hesíodo que se pensa a sepa ração da terra e do céu.
Para Hesíodo, o problema cosmo lógico t em já um aceno de impostação filo -
sófica, uma ten tativa de investiga ção; por isso, sua teogonia incorpora uma
cosmogonia implícita, pois o problema da origem do mundo e da causa de
todas as coisas está vinculad o ao da geração dos deuses 37, porquanto no
pensamento político de Hesíodo, os deuses não são mais que representações
míticas de forças naturais e assim encarnam os mais elevados ideais da vida
grega de então; desta circunstância, flui a necessidade de conciliação dos
homens com os deuses, harmonizan do-se com a natureza. Para Hesíodo,
primeiramente surgiu o Chaos, entendido objetiva mente como um “espaço”,
ou intervalo deli mitado, vale dizer o “lugar” determi nante da separação entre
a terra e o céu, pois a terra surge assim que o espaço está constit uído (também
se pode introduzir aí Eros, na sua representação de “chuva/ sêmen”, que flui
entre a terra e o céu) . 38

la s ó rb ita s q u e reco r ren , s i a ú n h a y ra zó n p a ra cre e r sea n c i rcu la r es , t i en en d i men s io n e s


in fin ita men te má s co n sid era b le s d e cu a n to se su p o n ía . En u n o y o tro ca so , ta l
ma te r ia l is mo , e sen cia lm en te d ia lé ct ico , n o i mp l ica n in g u n a fi lo so fía s u p erp u e s ta a la s
d emá s cien cia s. D e sd e e l mo men to q u e se p id e a ca d a cien c ia s e d é cu en ta d e su p o sic ió n
en el co n ju n to to ta l d e la s co sa s y d el co n o c im ien to d e la s co sa s, to rn a se su p e rf lu a u n a
cien c ia e sp e cia l d el co n ju n to ; lo q u e su b si s te d e to d a la a n t ig u a f ilo so f ía y co n se rva u n a
exi st en c ia p ro p ia e s l a teo ría d e l p en sa mie n to y su s ley e s – la ló g ica fo r ma l y la
d ia lé ct ica – . To d o lo d e má s se r esu el ve en la c ien c ia p o si ti va d e la n a tu ra le za y d e la
h is to ria ( EN GE LS , F., E l An t i - Dü h r in g – In tro d u cció n a l e s tu d io .. . , p . 3 2 -3 3 ).
34
Al iá s, C lar e nce G lac k e n , e m li vro ma g n í fi co , co m p re ci são a no t a: “ N a h i stó ria d o p en -
sa m en to o cid en ta l, o h o mem t em s e p e rg u n ta d o so b re su a r ela çã o co mo a te r ra h a b i tá vel.
É a ter ra u ma c ria çã o f eita d e p ro p ó s ito ? Te m seu s cl ima s, seu s r ele vo s e a co n fig u ra çã o
d e seu s co n t in en t es a lg u ma in flu ên cia so b re a s ca ra c te r ís ti ca s mo ra i s e so c ia i s d e s eu s
h a b ita n t e s, e ta mb é m s o b re o ca rá te r r n a tu re z a d a cu ltu ra h u ma n a : e m su a la rg a p o s se
d a ter ra , e d e q u e ma n e ira a te m t ra n s fo rma d o o h o mem? (G LAC K EN , C. J ., T ra c es o n
th e Rh o d ia n S h o re. B er k ele y: U n i ver si t y o f C al i fo rn ia P re s s, 1 9 6 7 , p . 1 4 ) .
35
C f. , KI RK , G. S. , R AV EN , J . E. e SC H OFI E LD , M., O s F iló so fo s P ré - S o crá tico s. .. , p . 3
a 1 5 : a té o s d eu s es sã o ven cid o s p elo so n o (p . 1 2 ).
36
P latão ap r e se n ta a se g u in te g e nea lo gi a: “ O cea n o e T ét is fo ra m fil ho s d e Ga ia e Ur a n o s ,
e d el es na scer a m P ho r k u s, C hr o no s, Re a e o s q ue v ão co m el es (P LAT ÃO , T imeo , o d e la
n a tu ra le za , i n Ob ra s , 4 0 a -d . 2 ª ed . M ad rid : Ag u i lar, 1 9 6 9 , p 1 1 4 1
37
C f., S CI AC C A , M. F., Hi stó r ia d a Filo so f ia . V o l. I., 3 ª ed . São P a ul o : Me stre J o u, 1 9 6 7 ,
p . 2 4 e s.
38
C f. KI R K , G . S ., R AVE N , J . E. e S CH OFI E LD , M., O s Fi ló so fo s P ré - S o crá tico s. .. , p . 3 3
13

A separação da terra e do céu na literatura grega pode ser encon trada


em Eurípedes, em Diodoro e em Apolonio de Rhodes. De outro modo, em
fontes não gregas, a versão semítica é eloqüente no Gênesis i, 6-8 [...] no
princípio Deus criou o céu e a terra. E a terra era informe e vazia ... Ainda,
no primeiro período grego, o primeiro pensador a abandonar uma concepção
mitológica do cosmos, foi Ta les de Mileto . Para ele todas as coisas estão
impregnadas de um “princípio vital”, sendo a água ( hidor) o princípio e a
substância de todas as coisas, a água está sob a terra e a sustenta. A
contestação vem com Anaximandro de Mileto, e sua dimensão de “o
indefinido” (τò άπειρον – o apeiron) como princípio de todas as coisas, “ como
tal, não é água nem qualquer outro dos chamados elementos, dele [do
indefinido] provém todos os céus e os mundos neles contidos ; [...] como fonte
de geração de todas as coisas é também aquela em que se verifica a
destruição “segundo a necessidade ”...”. 39 Kirk et alli, sustentam que “o
indefinido” de Anaximandro revelava-se numa “extensão espacial enorme e
indefinida”, vale dizer, uma substância que “ envolvia todas as coisas”. 40 Num
estádio intermediário de sua cosmogonia, Anaximandro creditava “aos con -
trários” um importante papel no equilíbrio da “substância” natural, e desenha
um paradoxo “discórdia é injustiça ”, dizia:
[ ...] a p re val ê nc ia d e u ma s ub stâ n ci a à cu s ta d o se u co ntr ário
é „i nj us ti ça ‟, e a re ação v eri fica - s e a tra vé s d a a p lic ação d o c as ti go ,
co m a r e s ta ura ção d a ig u ald ad e – d e al go mai s q ue i g uald ad e ,
p o r q ua n to o p rev a ricad o r fi ca, ta mb é m, p ri v a d o d e p arte d a s ua
s ub stâ n cia o ri g i nal . Es t á é d ad a à v ít i ma , al é m d aq u ilo q u e l he
p er te n cia , e p o r s u a vez co nd u z ao κό ρο ς 41, ao e xc es so , p o r p ar te d a
p r i me ir a ví ti ma , q ue p a s sa a co me ter u ma i nj us tiç a co ntr a o a nt i go
agr e sso r .

Logo, tanto a conti nuidade como a estab ilidade da mudança natural estavam,
para Anaximandro, motivados por meio desta metá fora antropo mórfica. É com
Anaximandro, também, que se desenha pela primeira vez uma zoogonia e uma
antropogonia, uma tentativa de explicar racionalmente a origem do homem e
do mundo. 42
De outro modo, Heráclito , de certa forma, inaugura uma “unidade de
pensamento sistemático” inovadora para o seu tempo. No seu pensamento, o
mundo é interpre tado de forma sistemática, pois vi vemos no universo que nos
permitiu e permite existir , esse universo está também, no logos, como
entendido pelo gr ego, que afirmava: “[ ...] a sabedoria consiste numa só coisa,
em conhecer, com juízo verdadeiro, como todas as coisas são governa das

39
Fr a g. d e S i mp l íc io , Pg ys. 2 4 , 1 3 , ci tad o p o r KI RK , G . S., R AVE N , J . E . e S CH OFI E LD ,
M., O s Fi ló so fo s P ré - S o crá tico s. .. , p . 1 0 5 -1 0 6
40
Aut s. ci t s., o p . ci t., p . 1 1 8
41
No te x to , κό ρο ς, q u er e xp r e s sar sa cied ad e , fart ur a, t a mb é m, arr o gâ n cia , al ti v ez,
in so lê nc ia ( c f., Di cc io na r io M a n ual Gr ie go C lá ss ico . B ar ce lo na: Vo x, 2 0 0 0 )
42
No fra g. d e Ce n so r i no : “An a x i ma nd ro d e Mi le to p en so u q ue d a á g ua e d a terr a a q uec id a s
s ur gir a m o s p e i xe s o u ser e s mu i to se mel h a nt es ao s p ei x es ; e ntr e e st es se fo r mo u o
ho me m, so b a fo r ma d e e mb r ião r et id o d e n tro d ele s a té a p ub erd ad e ; q u and o , p o r fi m, o s
ser es s e me l ha nt es a p e i x es se r o mp er a m, d e le s s aíra m o s ho me n s e a s m ul h ere s j á c ap az e s
d e s e a li me n tar e m” ( ci ta d o e tr ad uzid o p o r K ir k et a ll i, o p . ci t., p . 1 4 2 -1 4 3 ).
14

através de tudo ”. 43 Heráclito fundava a sabedoria no λόγος, o verdadeiro


constituinte das coisas; e, é neste sentido que o aproximava do metro
(μετρόν), da proporção (ανάλογον), pois ele entendia que a vida do homem
está indisso ciavelmente ligada a tudo que o rodeia 44. É através da proporção e
do equilíbrio que o mundo se mantém pensava Heráclito, e afir mava:
“[ ...] e st a o rd e m d o mu nd o (a me s ma d a s co is a s) não a crio u
ne n h u m d o s d e us e s, ne m o s ho me n s, ma s s e mp re e xi s ti u e e xi st e e
há d e e xi s tir : u m fo go se mp r e vi vo q ue se ace nd e co m med id a e
co m med id a se e xt i n g ue ” . 45

De qualquer forma, todas as cosmo gonias gregas apontavam o entor no


como determinante da natureza humana, ademais de sua atividade e
organização social. No pensamento grego a mais notável contribuição para
este paradigma determinista veio com Hipócrates de Cos, no quinto século
(a.C); com ele, pela primeira vez têm -se insertas as influências “dos ares, das
águas e dos lugares ” sobre o comportamento humano, explicando sua di ver-
sidade e especialmente a etiologia das doenças. Ainda que num primeiro
momento, suas explica ções pareçam insubsistentes, devemos contextualizar o
espaço, o tempo e o estágio do conhecimento em que foram expendidas,
assim, vejamos o que afirmava Hipócrates :

Q ua nd o u ma r aça hab ita e m u m e s carp ad o p a ís mo n ta n ho so , a


u ma a lti t ud e co n sid e rá v el, co ns ta n te me n te c h u v o so e co m u ma b e m
d e mar c ad a d i fere n ça e n tre a s e sta çõ e s, e ntão s ua p o p ula ção ser á,
ger al me n t e, d e es ta t ura ele v ad a, n it id a me n te a ud a cio sa e va le n te,
co n t ud o , d o t ad a d e p o u ca a gre s si v id ad e e m se u c ará ter. De o ut ro
mo d o , e m t erra s b a i x as, s u fo ca nt es , ab a fad i ças , co m p r ad o s ...
ap r e se nt a -s e ma i s fl e u m áti ca e co l éric a. A val e nt ia e a a ud ác ia não
fo r ma p ar t e d e s e u cará ter, a i nd a q ue a s p o ss a m ad q u irir co m u ma
fo r ma ção ed uca cio n al a d eq u ad a . 46

Séculos depois a Geografia de Strabo, 47 dispunha ao lado do


determinismo que implica o ambiente na formação dos caracteres dos povos,
outros fatores lhes são atribuídos, como as condições sociais, a educação e a
sua forma de organização, assim:

43
C f. Fra g. 4 1 , Dió ge n e s Laér c io IX, 1 , i n, KI R K , G. S. , R AV EN , J . E. , S CH OFI E LD , M. ,
Os f iló so fo s p r é - so c rá t i co s – H i stó ria C rít ica co m S ele çã o d e Tex to s . 4 . a ed ., trad . d e
Car lo s A. Lo ur o Fo n sec a. Li sb o a : F u nd aç ão Ca l o u st e G u lb e n k ia n, 1 9 9 4 , p . 2 1 0
44
C f. , o p . c it . , p . 2 1 0
45
C f. Fr a g. 3 0 , C le me n te V, 1 0 4 , 1 , i n, o p . c it., p . 2 0 4 -2 0 5
46
HIP OC R ÁT E S , On Ai r s, Wa te r s a n d Pla c es , in Llo yd , W . F., H ip p o cra tic Wr i tin g s.
Har mo nd s wo r t h: P e n g ui n s B o o k s, 1 9 8 4 , p . 6 7
47
S trab o ( o gr e go ) ( 6 3 /4 a. C – 2 4 d . C), h i sto r ia d o r, geó gra fo e fi ló so fo . E m filo so fia era
u m e s tó ico e p o li ti ca m en te u m d e fe nso r d o i mp e r ia li s mo ro ma n o . E scr e ve u u m tr atad o
i mp o ne nt e d e g eo gr a f ia, u ma hi stó r ia d es cri ti v a d as p e s so a s e d o s l u ga res d e d i fe re nt es
reg iõ e s d o mu nd o co n he cid o d e s u a ép o ca ( cf. T he Co l u mb i a En c yc lo p ed ia, S i xt h
Ed it io n. 2 0 0 1 -0 5 , B ar leb y.co m – Gr ae t B o o k s o nl i ne : www. b ar tleb y. co m/b r6 5 . h t ml ).
S ua Geo g ra f ia p o d e s er co n s u ltad a o nl i ne, no s s eg u i nt es e nd er eço s:
h ttp :/ /p e ne lo p e. u c hi ca go . ed u/T h a yer/ E/ Ro ma n /T ex ts /S trab o / ho me . ht ml ;
ht tp : // www. p er s e us .t u f ts .ed u/c g i -b i n /p t e xt? lo o k u p =S trab .+ to c ; e,
ht tp : // me mb e r s. ao l. co m / sp o t h ecar y/ ed it io ns . ht ml
15

[ ...] A fo r ma d e go v er n o , mo d o d e v id a e a s art es, e d e cer ta s


fo n te s f lo r e sc e m so b q ua lq uer sej a o cl i ma e m q ue se e nco n tra m;
co n t ud o , o c li ma t e m s ua i n fl uê n ci a, e p o r co n s eq üê nc ia, se
al g u ma s p ec u li arid ad e s se d e ve m à na t urez a d o p aís, o utr a s são o s
r es u ltad o s d a i n ter ação so c ial , d a s i n s ti t ui çõ e s e d a ed u caç ão . N ão
é ta n to p e la n at ur eza d e s e u p a ís co mo p o r s ua ed uca ção q u e o s
ate n ie n se s c ul ti v a m a elo q üê nc ia , e nq ua n to o s mac ed ô nio s não o
fa ze m, ne m ta mp o u co o s teb a no s, q u e e s tão mu i t o mai s p ró x i mo s . 48

Como se pode observar da cita ção acima, ademais do determinismo do


meio, o “social se explica pelo social ”, antecedendo em dezoito séculos ao
pensamento Durkheim. Este mesmo determinismo em forma débil vai se
encontrar em Santo Tomás de Aquino . Com efeito, o a quinate, dez séculos
depois de Hipócrates assim se manifestava:
[ ...] o co rp o não [é] al h eio às l ei s nat ur ai s, [p o d e m] , p o rta n to ,
o s a g e nte s e xt erio re s ser v ir -l h es d e ma io r o u me n o r aj ud a o u
ut il id ad e, d ad o q ue s ua vid a se s u st e nta v a co m ali me n to s. E a s si m
não h á i n co n ve n ie nt e e m d ize r q ue u n s fo s se m ma i s ro b u s to s, d e
ma io r al t ur a, d e ma io r b elez a o u co mp le xão q ue o utro s d e vid o à s
in f l uê n ci as d a a t mo s fer a [cl i ma] o u d o s a stro s [. ..] . 49

Fora da manifestação cultural do ocidente, um pen sador islâmico de


relevo, apostando pelo determinismo ambiental, foi Ibn Khaldoun . 50 No seu
Maqadimah, Ibn Khaldoun objetivava o estudo da distribuição das culturas no
mundo, desde a base geográfica destas culturas, para tanto incluía, entr e
outros fatores, o clima, como uma variável importante para definir o caráter
moral dos homens; 51 ademais, Ibn Khaldoun, analisava as conseqüên cias do
uso dos “recursos ambientais” – com forte acento nos alimentos – sobre os
hábitos sociais e as condiçõe s sanitárias e médicas.
No Renascimento, o politólogo Maquiavel no seu célebre Discorsi
sopra la prima Deca di Tito Livio comentando sobre o “caráter dos povos”,
também manifesta o determinismo ambiental que o constituía . 52

48
Strab o , ci tação q u e c o lh e mo s e m G LAC K EN , C. J ., T ra c es o n th e Rh o d ia n S h o re.
B erk ele y: U ni ve r s it y o f Ca li fo r n ia P re s s, 1 9 6 7 , p . 1 9 8
49
T OMAS D E AQUI NO , S., S u ma Teo lo g ica . T ra ta d o d e l Ho mb r e. 1 q , 9 6 a.3 . T o mo III.
Mad rid : B ib lio te ca d e Auto r e s Cri s tia no s, 1 9 5 9 , p . 6 5 8
50
IB N K H ALD OU N ( 1 3 3 2 -1 3 9 5 ), é re co n hec id o u n i ver sa l me n te, co m o o fu nd ad o r d a
So c io lo gi a e d a s C i ên cia s Hi stó ric as , s u a o b ra ma is fa mo sa, o Mu q a d d i ma h
(P ro le go me na ) . S e us a n tep a s sad o s era m árab es ie me n it as (d o I ê me n, s ud o e s te d a Ás ia)
q ue se es tab ele cer a m n a Esp a n ha no co me ço d o séc u lo o i ta vo , n a Se v il ha mu ç u l ma n a.
Gra nd e p e n sad o r i nc ur sio no u p el as ma is d i v ers as ci ê nci a s d e s ua ép o ca, es t ud o u o
Q ur 'a n, a s tr ad içõ e s d e Mao mé o p ro fet a, e o u tro s e s t ud o s i sl â mi co s, ta i s co mo a
d ial ét ica te leo ló gi ca, a s ha r i 'a ( no r ma is lâ mi c a j ur i sp r ud e nc ia l d a e s co la d e Mal i ki) .
Est u d o u ta mb é m li ter at u r a, fi lo so fia , ma te má t ica e a a s tro no mi a ár ab e s.
51
En si na v a I b n K hald o u n , so b r e o esp aço fí si c o asi áti co : “A s zo n a s q u in ta , q u a rta e
te rce ira o cu p a m u ma p o si çã o in te r méd ia . Tê m mu i ta mo d e ra çã o , q u e é ju sto me io . A
q u a rta zo n a , a ma is p e rto d o cen tro , é a ma i s t emp era d a q u e p o d e se r... O fí si co , o
ca rá te r d e seu s h a b it a n t e s é temp era d o e m rela çã o a o a lto n í ve l req u e r id o p ela
co mp o siçã o d o a r em q u e v iv em ” ( Th e Mu q a d d ima h , An In t ro d u ctio n to H is to ry .
P rin ceto n : P r i n ceto n U n iv er si t y P re ss , 1 9 6 7 , p . 3 1 0 ).
52
[...] e p elo q u e co n ce r n e a la s sid ã o q u e a si t u a çã o p o d er ia en g en d r a r, d ev e ve la r - s e
p a ra q u e a s á rd u a s ta r efa s q u e o “ lu g a r ” n ã o fa z cu mp r ir s e a p l ic a m p o r le i; a s si m
co mo i mi ta r o e xemp lo d a q u ela s n a çõ e s b em fo r ma d a s q u e, viv en d o n o s p a í s es ma i s
fé rte i s e a g ra d á ve i s q u e co mo ta i s d ev er ia m p ro va vel men te d a r lu g a r a ra ça s a p á t ica s e
a fem in a d a s, in ep ta s p a ra to d a s a s a t ivid a d es h u ma n a s , p a ra co mp en sa r o a g ra vo
16

Dois anos após da morte de Maquiavel , nasce Jean Bodin (1529-1596),


talvez o pensador mais importante do Renacimento ao tratar da relação entre
história e entorno (ambiente) social. Bodin pela primeira vez intenta analisar
os sistemas legais e os processos históricos desde a astrologia e o meio
ambiente, Bodin foi o autor de duas obras decisivas para assentar a tradição
ambientalista moderna. Em Methodus ad facilem historirum cognitionem
(1566) 53 realizou um autêntico tour de force com o saber de seu tempo para
sistematizar os princípios gerais da teoria climática. Em Les six livres de la
République, 54 publicado dez anos depois, levou explicitamente à reflexão
sobre o clima, o temperamento, o caráter moral e a condição dos ho mens ao
terreno da política e das formas de governo. O problema essencial para Bodin
é o do caráter nacional. Dada a diversidade de povos e culturas, ele
perguntava, podemos governar do mesmo modo todas as nações (?), ou devem
adequar-se as l eis à natureza dos povos (?). Estas questões aparecem
nitidamente investigadas no livro quinto da República, que constitui um
pequeno tratado de pedagogia política dirigido a expor as regras da arte de
governar. Segundo Bodin , da conjugação de fatores geográficos, como a
latitude, a longitude, o regime dos ventos, a altura e a fertilidade do solo,
resultam inclinações naturais dos povos. O meio geográfico opera assim como
um elemento inercial na historia das sociedades humanas. A aplicação des ta
tese aos problemas práticos de governo é a lógica, dadas as premissas da
teoria dos climas: a variedade de temperamentos e caráter dos povos explica
e justifica a diversidade de suas instituições, leis e formas de governo . 55
Mais tarde, Montesquieu (1689-1755) retoma o determinismo ambiental
inaugurado com Hipócrates. Em verdade, de ordinário, Montesquieu
contribuiu notavelmente com o determinismo ambiental, sendo dele o seu
maior expoente. Ele se apropria das afirmações de Bodin no s entido que o
clima e especialmente o tipo de solo são os vetores primordiais da
personalidade de um povo ou de uma nação dados. Essas características, por
sua vez, vão determinar a estrutura social que decide sobre tipo de legislação
desse povo ou nação. Em seu De l’esprit de les lois , Montesquieu vai
afirmar que as leis:

[ ...] d e ve m e sta r re lac i o nad as co m o e n to r no fís ico d o p aí s;


co m o cl i ma gel ad o , ab ras ad o r o u te mp erad o ; co m a q ua lid ad e d o
ter r e no , s u a si t uaç ão o u e x te n são . [...] o s c li ma s d i st i nto s q ue
d er a m l u gar ao s d is ti n to s mo d o s d e v id a fo r mar a m o s d i v erso s t ip o s
d e le i s . 56

a p o rta d o p e la a men id a d e e a in flu ên c ia re la xa n te d o so lo e d o cli ma ” ( M ACHI AV E LLI ,


N., Di sco r si so p ra la p r ima De ca d i T ito L iv io . T utt e l e Op ere d i N icco l ò Mac h ia v el li. A
cur a d i M ar io M ar t el li. Fir e n ze : Sa n so n i Ed i to re, 1 9 7 1 , E DI ZI ONE ELET T RONI C A
DE L: 1 0 ge n na io 1 9 9 8 – e m I nt er ne t:
http :/ / ww w. l ib er lib er . it/b ib l io t e ca /l ic e nze / ; ac es sad o e m 1 1 /0 3 /2 0 0 4 )
53
B ODI N , J ., M et ho d u s ad f ac ile m hi sto r iar u m co g n it io ne m, Ams t erd a m: Aaal e n S ci et ia,
(1 6 5 0 )1 9 6 7 ( ed i ção f ac - sí mi l e) .
54
B ODI N , J ., Lo s S e i s l ib ro s d e la rep ú b l ica . S el eção , es t ud o p re li mi na r e trad u ção d e
P ed ro B r a vo Gal a. 2 . a ed . Mad r id : T ec no s , 1 9 9 2
55
B ODI N , J ., o p . c it., p . 6 7
56
MONT ES QUI EU , ( C ha r le s d e Se co nd at ) B arã o d e, De l ‟E sp ri t d e s Lo i s, i n, Ou v r es
Co mp lè te . P a r i s: B ib l io t hèq u e d e la P l éi ad e, 1 9 5 1 , p 2 4 8
17

Montesquieu acreditava firmemente que – segundo o cien tificismo de sua


época – o frio e o calor tinham um efeito decisivo sobre os órg ãos mais
importantes do corpo humano que determinavam sua conduta individual.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), com Emile (1762) vai contra por ao
determinismo montesquiniano com a educação; é a educação que propor ciona
a transformação da sociedade e do ambiente. Portanto, a diferença entre as
nações está na educação
[ ...] é p o r is so q ue na s an ti ga s d i s ti nçõ es d e r aça, o s e fe ito s
d o cli ma e d o so lo mar ca va m ma io r es d i fer e nç as e n tre n açõ e s no
se n tid o d e t e mp era me n to , asp ec to , co s t u me s e cará ter, q ue e m
no s so te mp o , e m q ue a i nco n st â nci a d a E u ro p a n ão d e i xa te mp o
p ar a q ue a t ue m o s fa to re s nat u rai s, e e m q ue se c o rta m o s b o sq u es e
se e s go ta m a s várz ea s, e m q ue a terr a é ma i s g eral me n t e c u lt i vad a
ai nd a q u e me no s cab a l me n te p ro d ut i va; d e ma ne ira q u e a s me s ma s
d i fer e n ça s e ntr e naçõ e s j á n ão se p o d e m d etec tar - s e só na s
car ac ter í st ica s fís ic as . 57

Deste recorrido podemos concluir que a razão ecológica, determinista,


que percorreu dois milênios começa somente no final do século XVII e inícios
do XVIII a mudar, pois se desenvolve uma percepção crescente entre os
pensadores do século XVIII que a relação entre os seres humanos e o
ambiente é uma relação complexa, onde se o ambiente tem um papel
importante, não menos importante era a atuação dos seres humanos sobre o
ambiente, gerando -se impactos apreciáveis neste mesmo ambiente. Um novo
discurso ambiental vai ser produzido, resultado, especial mente, das
conquistas científicas que se vão acumulando.
No século XIX, uma relação de reciprocidade entre o ser humano e o
meio ambiente começa a ser esboçada de modo mais consistente. Não mais
uma razão determinista, mas uma relação de reciprocidade entre humani dade e
meio ambiente, conduzindo ao que poderíamos denominar de determinismo
mitigado. O grande nome é o de Alexander Von Humboldt (1769 -1859).
Legítimo sucessor de Strabo, na criação de uma geografia moderna. Humboldt
vai adotar uma postura que hoje denominaríamos de ecológica , quando afirma
categoricamente a interação de ação entre a sociedade e o ambi ente. 58
Assim, toda a temática do determinismo (agora um determinismo débil)
passa a ser a questão da ação transformadora do ser humano exercida sobre a
natureza, pois afirmava Elisé Reclus (1830 -1905), grande geógrafo francês:
[ ...] a ação d o ho me m é cap az d e e s go ta r as vár zea s e la go as,
d e r ed uz ir o s o b stá c ul o s e n tre p aí se s d is ti n to s e d e mo d i fic ar a
d is tr ib u ição o r i gi na l d a s esp éc ie s d e a ni ma i s e p la nt as , até o p o n to
e m q u e es te s fato s são d e i mp o rt â nci a d ec is i va na s mu d a nç as p o r
q ue e st á a tr a ve s sa nd o a s up er fíc ie d o g lo b o . A a ção d o ho me m p o d e
e mb el ezar a ter ra, ma s p o d e t a mb é m d e s fi g urá - la ; se g u nd o o s
co s t u me s e co nd iç ão s o cia l d e c ad a p aí s, s e co ntr ib ui p ar a a
d egr ad aç ão o u a g lo r i fi cação d a nat ur eza . O h o me m a mo ld a a s u a
i ma ge m o p a ís e m q u e v iv e . 59

57
R OU SS E AU , J -J ., E mi l e: o r o n Ed u ca tio n . Ha r mo nd s wo rt h : P e n g ui n, 1 9 9 1 , p . 4 5 1
58
Ci taç ão q ue co l he mo s e m J AME S , P ., A ll P o s sib le Wo r ld s. Il li no is : Od ys s e y P re ss,
1972, p. 578
59
Ci ta ção q ue co l he mo s e m P E ET , R., Ra d ica l Geo g ra p h y : Al te rn a t i ve Vi e wp o in ts o n
Co n t emp o ra ry S o cia l I ss u es . Lo nd o n: Me t h ue n, 1 9 7 9 , p . 5 9
18

Na primeira metade do século XX, o ambientalismo determinista se fez


representar por Ellsworth Huntington (1876 -1947), que estudou
minuciosamente a relação entre o nomadismo, o clima e a conquista
civilizatória. Ele afirmava: “[...] só em regiões onde o estímulo climático é
importante alcançaram as nações o mais alto nível de civilização ”. 60. A
superação do determinismo só vai acontecer com o “possibilismo” (cujo
enfoque ecológico está no desenho de uma ecologia cultural na antropologia,
de uma ecologia hu mana ou social na sociologia e na geografia) com a densa
crítica que lhe fez Darril Forde nos seguintes termos:
As co nd içõ e s fí si ca s es tão p re se n te s em to d o o
d ese n vo l vi me n to e e m t o d a a p a ut a c u lt ur al, se m e x cl u são d o mai s
ab s tr ato e d o ma i s i ma ter ia l s e nt id o ; se m d ú v id a, e la s e s tão
p r es e nte s não co mo d e ter mi n a nt es , s i m co mo u ma ca te go r ia d e
ma tér ia p r i ma p a ra a e lab o ra ção c u lt ur al. O e st ud o d as r ela çõ e s
en tr e a s p a u ta s c ul t ur ai s e a s co nd içõ e s fí si ca s é d a ma io r
i mp o r t â nci a p ar a co mp r ee nd er a so c ied ad e h u m an a, co n t ud o , n ão se
p o d e m p e n sá - la s e m t er mo s d e si mp le s co n tro le s g eo grá fico s
s up o sta me n t e id e n ti fic a d o s a p r i me ira vi s ta.. . De ve - se es t ud ar, e m
p r i me ir o l u gar, a c u l tu ra co mo e nt id ad e d e d ese n vo l vi me n to
hi s tó r i co . O co n he ci me nto p o r ma i s me ti c ulo s o d a geo gra fia n ão
no s ser á út il se não se c ap ta o tip o d e d e s e n vo l v i me nto c ul t ura l . 61

Como representante notável do possibilismo, Franz Boas desponta, não


só na antropologia norte -americana, como na européia. Para Boas os fenô -
menos culturais são de tal complexidade que lhe parecia impossível encon trar
leis culturais, assim afirmava:

[ ...] as co nd içõ e s ca u s ai s d o s aco n tec i me n to s cul t ura i s se


en co ntr a m se mp re n a i n tera ção e ntr e o s i nd i v íd uo s e a so c ied ad e , e
ne n h u m e st ud o c la ss i fi c ató rio d a s so c ied ad es r eso l verá o p ro b le ma
[ ...] O ma ter ial d a a ntr o p o lo gia é ta l q ue te m d e ser u ma c iê n cia
hi s tó r i ca, u ma d a s ci ê n cia s c uj o i n tere s se c e nt ra - s e e m e n te nd er o s
fe nô me no s i nd i v id ual iz a d o s ma i s q u e e m e s tab e l ecer le i s ger ai s q u e,
vi s to a co mp le xid ad e d o ma ter ial , s erão nec es sar ia me n te v a ga s e
q ua se p o d er ía mo s d i zer tão ev id e n te s q u e s ão d e p o uc a aj ud a p ar a
u ma ver d ad eir a co mp r ee n são . 62

Na geografia, o possibilismo encontra no pensamento de Carl O. Sauer


seu melhor desempenho, com efeito, para Sauer, o objetivo da geografia não
está no desvelamento das influências ambientais, mas na investigação de
como as sociedades através de suas tra dições culturais e históricas tê m se
servido do meio ambiente, pois para o geógrafo, o ambiente somente põe
limites à ação do homem, v.g., baixas temperaturas restringem o cultivo de
determinadas espécies. Sauer concebe a humanidade, efetivamente, como
agente de transformação ambiental, pois meio ambiente e recursos são termos
culturais que expressam tanto capacidades técni cas como valores sociais . 63
O que seguiu foi a radicalização do biologismo, fortemente influenciado
por Charles Darwin (1809 -18820), seguido por Spencer, Wallace, Haeckel e

60
HU NT I NGT ON , E., C iv ili za tio n a n d C li ma t e . H a md e n: Ya le U ni v ers it y P res s, 1 9 7 1 , p .
239
61
FO R DE , D., Ha b i ta t , E co n o my a n d S o ci ety . Lo nd o n : Me t h ue n a nd Co . Ltd ., 1 9 3 4 , p . 4 6 4
62
B O AS, F., Ra ce, La n g u a g e a n d Cu l tu r e. C hi ca g o : Fr ee P re s s, 1 9 8 2 , p . 2 5 7
63
S AUE R, C. O. , La n d a n d Li fe. B er ke le y: Cal i fo r ni a U ni ver s it y P re s s, 1 9 6 3 , p . 5 0 7
19

tantos outros. A propósito, a Ernst Haeckel (1834 -1919), deve-se o termo


ecologia. Na contemporaneidade como expoente máximo, sobressai -se o
biólogo Edward O. Wilson, com sua sociobiologia. A partir dos anos sessenta,
vamos encontrar uma razão ambienta lista centrada na denominada “nova
ecologia” ou ecologia sistêmica. A propósito, o conceito de “ecossistema” foi
utilizado por primeira vez, por Arthur Tansley , 64 inspirado nos modelos
termodinâmicos da física, sendo formulado em termos de energia, com efeito,

O co nc ei to ma is i mp o rta nt e é [ ...] o si s te m a g lo b a l ( no
se n tid o d a fí sic a), i nc l u ind o não só o co mp l e xo d o o r ga n i s mo , ma s
ta mb é m o co nj u nto d e fato re s fís ico q u e fo r ma m o q u e c ha ma mo s
d e meio a mb ie n te [.. .] São o s s i ste ma s a ss i m fo r mad o s o s q ue [.. .]
( são ) a s u nid ad e s b á s ic as d a na t urez a so b re a face d a terra [...]
Est e s eco s si st ema s , ta l co mo p o d e mo s c ha má - lo s, são d e t ip o s e
ta ma n ho s mu i to vari ad o s . 65

Da ecologia sistêmica para a ecologia como sistema cibernético foi um


passo, seu expoente Ramón Margalef, que desde uma perspectiva
funcionalista intenta uma “revoluçã o quantitativa” na investigação ecológica,
assim:

[ ...] A c ib er n ét ica se r e fer e ao s si st e ma s. Cad a si st e ma é u m


co nj u nto d e ele me nto s o u u nid ad e s o u co mp ar ti me n to s d i fe re nt es ,
cad a u m d o s q ua is p o d e e xi s tir e m es tad o s m ui to d i fer e nte s, ta i s
q ue a s ele ção d e u m e st ad o se vê i n fl u e nc iad a p e lo s e st ad o s d o s
o ut r o s co mp o n e nt es d o si ste ma. O s el e me n to s rel acio n ad o s p o r
in f l uê n ci a re cíp ro ca co n sti t ue m - s e em um anel de
re tro a li men ta çã o . E ste a n el p o d e se r ne g at i vo o u e st ab i li zad o r,
co mo o s q ue fo r ma m u m ap are l ho d e ca lo r e s eu ter mo s ta to , o u o s
me ca n is mo s q ue re g u la m o s n í ve is d e a ç úca r n o sa n g u e. O me l ho r,
o a nel p o d e s er p o si ti v o o u d e str u id o r, co mo a p ro p a gaç ão d e u ma
ep id e mi a a niq u ilad o ra 66.

Uma razão ecológica moderna está na perspectiva do agrupamento dos


organismos que processam ou consumem energia, classificados pela sua forma
de alimentação, caracterizando -se em níveis tróficos, com os “produtores” ou
“autrofos” na base do sistema, isto é, plantas verdes (terrestres ou aquáticas)
das quais deriva, ultima ratio, toda a energia para os demais organismos.
Portanto, neste modelo encontramos os herbívoros que consomem os
produtores, predadores que se alimentam dos herbívoros, e os predadores que
consomem outros predadores (cadeia de alimentação).
Nos anos setenta, a razão ecológica, na perspectiva sociológica passa a
ser investigada através do que se denominou de “estudos de impacto”. Seu
mais ilustre representante, A. Schnaiberg, que desenhou uma importante

64
S ir Art h ur T an sl e y ( 1 8 7 1 -1 9 5 5 ) , b o t â nico i n g l ês, fu nd ad o r d a B r it is h Eco lo g ica l So c iet y
e d o J o u r nal o f Eco lo g y.
65
T AN S LEY , A., Th e u s e a n d a b u s e o f veg e ta t i o n a l co n c ep t s a n d te rm s . E co lo g y, 1 9 3 5 ,
1 6 , p . 2 8 4 ; ma is tar d e, e m 1 9 3 9 , T an sl e y c u n ha o co nc eit o d e eco to p o s co mo u ma
p arti c ul ar p o r ç ão d o mu nd o f í sico q ue fo r ma a h ab it ação (o i ko s) p a ra o s o rg a ni s mo s q ue
ne le s ub si s te nt es ( c f. T AN S LE Y, A., Th e B r it s h Isl e s a n d Th ei r V eg e t a tio n , vo l. 1 . UK :
Ca mb r id ge, 1 9 3 9 , p . 2 2 8 )
66
M AR G ALEF , R., Pe r s p ect ive s in E co lo g ica l Th eo ry . C hic a go : U ni v e rsi t y o f C hic a go
P res s, 1 9 6 8 , p 3
20

teoria sociológica sobre análise energética e escassez . 67 Dos anos oitenta em


diante, desenha -se, especialmente frente à realidade da globalização a tese
sociológica da “sociedade risco” com os conseqüentes problemas ecológicos
derivados. Seus expoentes máximos são Ulrich Beck 68 na Alemanha e Antho ny
Giddens 69 na Inglaterra. Em síntese apertada da obra desses autores, podemos
dizer que, em primeiro lugar, eles descrevem as características e implicações
derivadas dos novos riscos (e perigos também) produzidos pelos processos de
modernização e procedimentos de industrialização, fatores que conduzem à
sociedade de risco; em segundo lugar, analisam os efeitos desses, numa
sociedade onde a incerteza e a insegurança se manifestam desde uma
“modernização reflexiva”; este processo, por sua ve z, gera uma crise de
identidade pessoal, pela individualização de muitas esferas da vida cotidia na,
incluindo a família e o trabalho; e, finalmente, de posse dessa análise,
estudam o papel ambíguo da ciência e a sua influência na formatação de
novos espaços e estratégias políticas.

VI – UMA RACIOANALIDADE ECO LÓGICA

Na atualidade apostamos por uma racionalidade ecológica,


cosmocêntrica, impura e periférica. Quando nos referimos ao impuro e
periférico, queremos referir um estado que nega o “puro”, vale d izer, algo
situado num espaço enclausurado e não contextual e atomizado, inversamente,
o “impuro” está contextualizado, assume posições, vínculos e relatos, tudo
isto gera uma “pluralidade” que produz diferentes (dis)posições e conteúdos
que se ampliam em “novas narrativas” cronotopicamente localizadas que
predicam a historicidade do processo. Apostamos pela periferia tendo em
consideração que “centro” só há um. Na verdade apreendemos com Herrera
Flores, nos muitos anos de convívio, q ue tudo é periferia, se aceitamos que
tudo está relacionado, ademais, uma “visão da periferia” nos força a refleti r
que nós “não estamos num entorno”, como se ele fosse “algo alheio” a nós.
Não. Nós não estamos no entorno, “nos somos o entorno”.
Pensar um a razão ecológica nos conduz a interdisciplinaridade de todos
os campos dos saberes, ampliando e desenvolvendo as disciplinas existentes e
propondo, através delas, e do patrimônio cultural periférico, novos contextos,
para que o núcleo interdisciplinar se enriqueça, e atenda a todos nós, neste
“lugar de encontro” que é o ambiente.
A figura abaixo pode bem demonstrar a complexidade intercultural que
devemos perseguir:

67
S CH N AI B E RG , A., Th e en vi ro n men t : F ro m su r p lu s to sca rc it y. O x fo rd : O x fo rd
U ni ver s it y P r e s s,1 9 7 5
68
B EC K, U., Th e r is k S o c iet y . Lo nd o n : Sa ge, 1 9 9 2 ; ut liz a mo s a v er são e s p an ho la, La
so c ied a d d e l ri esg o . B ar celo na : P a íd o s , 1 9 9 8
69
GID DE NS, A., Co n s ecu en cia s d e la mo d e rn id a d . Mad r id : Al ia nz a Ed . , 1 9 9 3
21

É preciso ter presente que, ainda que nós, os hu manos, embora


tenhamos características especialíssimas (cultura, tecnologia e outras),
seguimos sendo uma espécie como as demais, e por isso, estamos implicados
num ecossis tema global. De outro modo, nossa vida não está somente
submetida por fatores socia is e culturais, também estamos imbricados por
vínculos de causa -efeito e de retroalimentação da natureza (e pela derivação
dos adjetivos natural -cultural), portanto, nossas ações intencionais resultam
em muitas conseqüências que, objetivamente, não buscamo s. Vivemos num
ambiente biofísico finito do qual dependemos, e que nos impõe diversificadas
limitações físicas e biológicas; e, ainda que o nosso gênio, a nossa inventiva e
os “poderes” que dela derivam, possa durante um tempo determinado ampliar
– aparentemente – nossos limites, resulta o inexorável: as leis ecológicas não
podem ser anuladas.
Para enfrentar os desafios ambientais , entre outros instrumentos de
adaptação e corrigenda de defeitos de adaptação, temos o Direito e,
especializando, o direito a mbiental. Assim, o direito ambiental, ou o direito
do ambiente prudente e razoável, que incorpora uma racionalidade ecológi ca,
isto é, o direito socioambiental é um domínio de regulação do entorno; de
regulação e de emancipação dos seres humanos, que relac ionados, ali
estabelecem convivência; convivência que não exige, necessariamente,
contigüidade. Objeto peculiar do direito do ambiente é a singularidade dos
bens jurídicos tutelados, públicos, na maior parte das vezes, mas surgido do
conatus social; ele se constituiu desde uma tensão especificamente humana e
contraditória: de um lado a cobiça estimulada pela merca ntilização da
22

natureza (num sentido crematístico explícito), fundada numa idéia de


desenvolvimento não importando o custo, típica do individualism o liberal; de
outro, o avanço civilizacional fundado no primado dos interesses existenciais
humanos, atuais e futuros, que reclamam proteção. Um direito desta natureza
vincula o Estado Socioambiental e Democrático de Direito que alberga a
produção normativ a, que intenta promover um equilíbrio da relação
natural/cultural, garantindo assim, as condições de integridade e renovação
dos sistemas naturais; tudo isso se concretiza num jogo cujo trunfo é
promover um ambiente equilibrado e sustentável (já que a degr adação
ambiental pode conduzir a impossibilidade de sobrevivência da humanidade)
para as atuais e futuras gerações, isto se torna agudo, pois vivemos num
ambiente biofísico finito do qual dependemos, e que nos impõe diversificadas
limitações físicas e biol ógicas; e, ainda que o nosso gênio, a nossa inventiva e
os “poderes” que dela derivam, possa durante um tempo determinado ampliar
– aparentemente – nossos limites, resulta o inexorável: as leis ecológicas não
podem ser anuladas.
Uma nova racionalidade ec ológica, com suporte num dos processos de
adaptação e corrigenda das relações inter -humanas havidas num espaço social
dado: o direito, com todo o seu conteúdo regulatório e garantidor, deve levar
em conta que estamos nos aproximando ao limite do número de pessoas que o
planeta pode sustentar e, entre outros, ocasionando grave déficit na segurança
alimentar; que nós, seres humanos estamos causando um grave dano ao meio
ambiente, pois o equilíbrio da natureza é frágil e facilmente perturbável. De
outro modo, temos que adquirir a consciência que tanto o mundo “biótico”
como o “abiótico” têm o “direito” de permanecer na face do planeta; e,
finalmente, devemos considerar que, se as coisas continuarem como até agora
estão, muito brevemente estaremos frente a um colapso ecológico de
conseqüências inimagináveis .

VII – CONCLUSÕES ARTICULADAS.

(i). Uma racionalidade ecológica, como a concebemo s, manifesta que


tanto o mundo biótico como o mundo abiótico, ambos e sem
distinção, têm o “direito” de permanecer na face do plan eta.

(ii). Uma racionalidade ecológica, como a concebemos, adota uma


perspectiva cosmocêntrica, pois reconhece a imanência ou a
realidade material em sua concretude, de indissolúvel relação
entre fatores do mundo biótico e abiótico, nos quais nos
inserimos, condições indispensáveis para a vida .

(iii). Uma racionalidade ecológica não pode conviver com o estado de


exclusão social e com a discriminação de qualquer tipo, causas
eficientes da degradação deste “lugar de encontro” e do próprio
“encontro”.

(iv). Uma racionalidad e ecológica concebe a democratização das


instituições políticas bem como a eficiência das estruturas de
deliberação e decisão locais, regionais e globais, sempre que seja
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assegurado um acesso eqüitativo às tecnologias ambientais


seguras e seus benefícios p ara todas as sociedades , em todas
latitudes.

(v). Uma racionalidade ecológica tem um efetivo compromisso com a


dinâmica socioambiental, aposta pela melhoria da qualidade de
vida da humanidade, promovendo a proteção, e a preservação do
ambiente conciliando -o com o desenvolvimento social.

(vi). Desde a perspectiva de uma racionalidade ecológica conseqüente,


podemos pensar um Estado Socioambiental e Democrático de
Direito que incorpora o conhecimento ecológico, avoca
responsabilidades ambientais, e provoca a consciênci a de que é
compartida a responsabilidade pessoal e social a todos
indistintamente.

(vii). Uma racionalidade ecológica postula por um Estado


Socioambiental de Democrático de Direito que deve esforçar -se
ao máximo para a eliminação da pobreza, causa eficiente de
graves transformações ambientais.

(viii). Pensar um Estado Socioambiental nos conduz a pensar um direito


ambiental como um produto cultural, destinado à realização
efetiva de um procedimento de proteção e corrigenda dos defeitos
de adaptação do ser humano ao habi tat, numa relação inclusiva de
condições bióticas e abióticas, pois incorpora uma democracia
socioambiental.

(ix). Uma democracia socioambiental tem suporte num sistema jurídico


que atribui à Natureza a condição de sujeito de direito, pois ela
incorpora um atrator mofermático: a manutenção das espécies,
com a preservação das condições (mínimas) bióticas e abióticas
que lhe corresponde. E, não há falar -se da impossibilidade da
atribuição à natureza de direitos, pois não seria lícito atribuir -lhe
deveres, o que nã o é o caso, pois os deveres são atribuídos a nós
os humanos, deveres básicos que devemos assumir com respeito à
ela, consistentes em reconstruir a ação humana responsável,
renunciando a qualquer forma de ação destrutiva, e trabalhando
na construção e repro dução ambiental salubre para toda
manifestação existencial.

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