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CONTEÚDO
LIVRE
DE DIREITOS
AUTORAIS
Organizações Coeditoras
Ação Ecológica
Territórios Agroalimentares / CNA Coordenador Nacional Agrário 13
notransgenicos@accionecologica.org
Ação pela Biodiversidade
agenciabiodla@gmail.com
Campanha das Sementes da Via Campesina – Anamuri
Convite de saberes de protetores e guardiões de sementes
internacional@anamuri.cl Encontro Nacional da Rede Sementes Livres da Colômbia 16
Centro Ecológico
revbiodiversidade@centroecologico.org.br
CLOC-Vía Campesina
secretaria.cloc.vc@gmail.com Declaração Política do XI Congresso / Fensuagro 18
GRAIN
carlos@grain.org
Grupo ETC
etcmexico@etcgroup.org Terras e pós-conflito / Alfredo Molano Bravo 21
Grupo Sementes
semillas@semillas.org.co
Rede de Coordenação em Biodiversidade
rcbcostarica@gmail.com
REDES-AT Uruguay
biodiv@redes.org.uy
UMA PANORÂMICA E MUITAS VISTAS 22
Sobrevivência Colômbia: um povo que resiste
biodiversi@sobrevivencia.org.py
Comitê Editorial
Carlos Vicente, Argentina
Mª. Eugenia Jeria, Argentina ATAQUES, POLÍTICAS, RESISTÊNCIA, RELATOS 30
Mª José Guazzelli, Brasil
Documento Constitutivo da União de Cientistas Comprometidos com a Sociedade e
Valter Israel da Silva, Brasil
Germán Vélez, Colômbia a Natureza da América Latina (UCCSNAL) / Tribunais de arbitragem o TTIP e a
Silvia Rodríguez Cervantes, Costa Rica privatização da Justiça
Henry Picado, Costa Rica
Camila Montecinos, Chile
Francisca Rodríguez, Chile
Elizabeth Bravo, Equador
Mª Fernanda Vallejo, Equador
Silvia Ribeiro, México
MITOS 37
Verónica Villa, México Os dispêndios e despropósitos em nome do clima na Colômbia / Grupo Semillas
David Cardozo, Paraguai
Norma Giménez, Paraguai
Martin Drago, Uruguai
Administração
Lucía Vicente
sitiobiodla@gmail.com
Edição
Ramón Vera Herrera
constelacion@laneta.apc.org
ramon@grain.org
A capa e as fotos que acompanham este número sobre a Colômbia nos proporcionadas amavelmente por
Diagramação
Viviana Sánches, coordenadora de comunicação e construção de redes do Grupo Semillas. Foram tiradas por
Versão em Castelhano:
ela em diversas localidades e regiões da Colômbia e retratam com luxo de detalhes o corajoso e digno
Daniel Passarge
danielpassarge@gmail.com
trabalho de milhões de camponesas e camponeses para quem o dia e a noite são parte de uma longa travessia
pelo ano para cumprir com os cuidados necessários para que a vida siga, cuidando,plantando, e colhendo,
Versão em Português: selecionando sementes, limpando, adubando, aplicando o que for necessário para que seus cultivos sejam
Tradução: saudáveis e abundantes. Podem também se dedicar aos lácteos, a pesca, ao café, à cana e seus derivados, à
Valter Israel da Silva oricultura. Mas, desde todas as regiões as pessoas reivindicam seus territórios, suas sementes e sua paixão
por cuidar do futuro a cada instante.
***
N
a ordem global totalitária do capitalismo nanceiro especulativo em que
vivemos, os meios não deixam de nos bombardear com informação, mas
esta informação é quase sempre uma diversão planejada, que nos distrai
a atenção do que é certo, essencial e urgente.
Muita desta informação tem haver com o que alguma vez chamamos política,
mas agora a política foi submetida pela ditadura global do capitalismo especulati-
vo, com seus comerciantes e grupos bancários de pressão.
Os políticos, tanto de direita como de esquerda, continuam em seus debates,
em suas votações, na aprovação de resoluções, como se não fosse assim. O
resultado é que seu discurso não se refere a nada. É inconsistente. As palavras e os
termos que utilizam e repetem – como terrorismo, democracia, exibilidade – se
esvaziaram de qualquer signi cado. Por toda parte do mundo seus públicos
seguem suas cabeças falantes nas quais se observam um interminável exercício
escolar ou uma aula onde aprenderam retórica. Pura merda.
Outro capítulo da informação com que nos bombardeiam se concentra no
espetacular, nos eventos violentos e chocantes, onde queira que ocorram pelo
mundo. Assaltos, terremotos, embarcações capturadas, insurreições, massacres.
Uma vez mostrados, qualquer espetáculo é substituído por outro.
Juntamos a isto a prática
linguística utilizada pelos meios em
sua representação e descrição do
mundo. É muito próxima da lingua-
gem e lógica dos especialistas em
administração e gestão. Quanti ca
tudo e quase não faz referencia a
sustância ou a qualidade. Ocupa-se
das percentagens, das mudanças nas
pesquisas de opinião, das cifras do 3
desemprego, as taxas de crescimento,
as crescentes dívidas, as estimativas
de dióxido de carbono, etcétera,
etcétera. É uma voz que se sente bem
com os dígitos, mas nada tem haver
com os corpos vivos, ou com os que
sofrem. E não fala nem de arrependi-
mentos nem de esperanças.
Então, o que se diz publicamente e o modo em que se diz promovem uma
espécie de amnésia cívica e histórica. A experiência nos é tirada. Os horizontes do
passado e futuro se apagam. Estamos sendo condicionados a viver em um intermi-
nável e incerto presente, reduzidos a ser cidadão no Estado do Esquecimento.
Enquanto o que acontece em nosso redor vai de mal a pior. O planeta se
aquece. A riqueza do planeta está sendo concentrada em menos e menos mãos,
enquanto a maioria está mal alimentada, não encontra outra coisa que comida
ruim ou passa fome. Mais e mais milhões de pessoas estão sendo forçadas a
emigrar com ín mas possibilidades de sobreviver. As condições de trabalho se
tornam mais e mais desumanas.
Aqueles que estão prontos para protestar contra o que ocorre hoje, ou resistir
frente a estas forças, são Mercenários. Mas os meios políticos para fazê-lo neste
momento são pouco claros ou estão ausentes. Necessitam tempo para se desenvol-
ver, assim que é preciso esperar. Mas como esperar em tais circunstâncias? Como
esperar nesta condição de esquecimento?
Recordemos que o tempo, como explicaram Eistein e outros físicos, não é
linear e sim circular. Nossas vidas não são pontos em uma linha – uma linha que
hoje é amputada pela voracidade instantânea da ordem capitalista global sem
precedentes. Não somo pontos em uma linha, somos os centros de círculos.
Tais círculos nos rodeiam com testamentos dirigidos a nós por nossos
predecessores desde a Idade da Pedra, e por textos que não se dirigem a nós, mas
que nós presenciamos. São textos da natureza, do universo, e nos recordam que a
simetria coexiste com o caos, que o ingênuo pode burlar as fatalidades, que o que
desejamos nos tranquiliza mais que as promessas.
Então, mantidos pelo que herdamos do passado e pelo que testemunhamos,
teremos a coragem para resistir e continuar resistindo em circunstâncias ainda
inimagináveis. Aprenderemos a esperar na solidariedade.
E ao in nito seguiremos valorizando que juremos e maldigamos em todas as
línguas que conhecemos.
Tradução RVH
Concentração de terras na Colômbia
O
escala, além de que unicamente se consideram auge mineiro-energético é seguramente o
transações transparentes, e de que existe um sub- que mais distingue este novo ciclo de
registro, pela di culdade de contabilizar outras expansão do capitalismo na Colômbia.
modalidades de concentração. Este efeito, desde o ano de 2002 até hoje, a área
Na Colômbia a gravidade do problema pode concessionada para trabalhos mineiros – princi-
ser evidenciada não só pelos dados fornecidos por palmente para transnacionais – cresceu de 1
Landmatrix, mas sobre tudo pelas mudanças no milhão e 130 para 5 milhões e 700 mil hectares,
índice de Gini: indicador que demonstra a iniqui- quer dizer, alcançou uma área equivalente a 5% do
dade na repartição das terras em um país3. De território nacional5, um crescimento impressio-
acordo com este índice, entre os anos 2000 e 2012 nante que seria pouco se o objetivo do governo
a Colômbia piorou sua já inequitativa distribuição Juan Manuel Santos, de expandir as áreas mineiras
de terras – uma das mais altas do mundo – de 0,85 até alcançar 20 milhões de hectares fosse alcança-
a 0,87,o qual é alarmante, se considerarmos que a do. Chegaria a 20,3% do país6. Isso sem contar
concentração tendeu a se incrementar com com a enorme quantidade de hectares em poder da
particular intensidade a partir do ano 2005, até mineração ilegal, que está associada em muitas
afetar 56,5% dos municípios do país. O fenômeno ocasiões a grupos criminosos, e ao fato de que para
da concentração pode também ser constatado no o petróleo, têm assinadas 30 milhões de hectares
aumento da desigualdade da propriedade rural, para sondagem e 2 milhões e 500 mil hectares para
pois as fazendas maiores de 500 hectares, que vinte a exploração7.
5
Os preços exorbitantes dos minerais como o É importante esclarecer que na Colômbia ter terra
ouro, o carvão, a platina, a rocha fosfórica, o simboliza riqueza, prestígio e poder. É necessário
cobre, o manganês, o níquel, o coltan e os elevados então não esquecer que o interesse de manter
preços do petróleo durante os primeiros anos do enormes propriedades para a pecuária extensiva
século XXI, provocaram um crescente interesse do muitas vezes associada à especulação, e em
grande capital por se apropriar do sustento ocasiões vinculado ao controle territorial para
natural do que depende o sistema econômico, com atividades do narcotrá co. A produção orestal
o propósito de abrir um novo processo de acumu- também está implicada em concentrar terras na
lação de capital. Colômbia, pois a área destinada a re orestamento
Mas a relação entre a geração de energia e a comercial e borracha aumentou de 174 mil
concentração de terras não se limita ao petróleo e hectares no inicio do milênio à quase 500 mil em
ao carvão. A construção de quatro projetos 2013. Se consolidarmos os dados da agroindústria
hidroelétricos – Hidrosogamoso, El Quimbo, e a atividade orestal, teremos que nos primeiros
Hidroituango e Porvenir II – gerou o controle treze anos deste século aumentou em 1.370.000
sobre 20.586 hectares, enquanto que avança a hectares a superfície agrícola e orestal latifundiá-
concentração da terra para a implantação de ria10.
monocultivos de cana de açúcar e palma azeiteira Atenção especial merece o caso da altillanura
destinada à geração de agro combustível. Estamos colombiana, uma planície de quase sete milhões de
falando de um incremento de zero para 41.000 hectares que faz parte da Orinoquía: um ecossiste-
hectares plantados com cana de açúcar para ma megadiverso considerado pelos últimos
biodiesel, e de 157.000 para 476.000 hectares governos como a última fronteira agrícola do país.
cultivados com palma no período compreendido O objetivo dos governos de Uribe e de Santos
entre 2000 e 20138. consiste em implantar o modelo agroindustrial do
O latifúndio pecuarista segue tendo responsa- Cerrado brasileiro sobre ao menos quatro milhões
bilidade na concentração de terras, ao ter aumen- de hectares para o estabelecimento de cultivos de
tado a superfície plantada com pastos em 470.000 palma azeiteira, cana de açúcar, soja, milho, arroz,
hectares nos primeiros doze anos do século XXI9. e plantios orestais comerciais. Ainda que este
massiva apropriação da natureza por parte do
grande capital está se expressando no despejo das
terras de comunidades rurais indígenas; na
proletarização de camponeses despossuídos que se
tornam trabalhadores sem terra ou em migrantes
que engrossam os cinturões da miséria das
cidades; em profundas mudanças paisagísticas que
recon guram os modos de vida dos habitantes
atrapalhados em meio às plantações de monoculti-
vos; e na deserti cação verde. Os registros indicam
que os con itos gerados por esta onda extrativista
afetam de maneira direta a mais de oito milhões de
6 colombianos e seus impactos diretos ocorrem em
mais de dois milhões e meio de hectares11.
Mas o fenômeno da concentração de terras
não se limita a concentração direta das terras ao
velho uso do despejo direto. Também existem
outros meios muito mais discretos de exercício do
poder. O dispositivo consiste em que o grande
capital, em conluio com o aparato estatal, coloca a
sua disposição muitas propriedades de pequenos
produtores para usufruir delas sem mediar sua
expulsão, ao mesmo tempo em que se legitima a
implantação de grandes unidades agroindustriais
sob o discurso da inclusão dos camponeses aos
benefícios dos investimentos agroindustriais.
As Alianças Produtivas implantadas desde o
nal da década de noventa resultam bastante
ilustrativas desta estratégia de concentração. O
objetivo de dita política consiste em que os
camponeses se convertem em “sócios” das
empresas de palma azeiteira, para o que existe uma
gura em que os primeiros disponibilizam a terra e
sua força de trabalho, enquanto que os segundos
adéquam às terras, compram a produção, forne-
cem insumos, assistência técnica, e gestionam os
objetivo não tenha conseguido iniciar com a créditos e incentivos. Os pequenos palmicultores
celeridade que os grandes investidores queriam, cam obrigados a vender a colheita à empresa
por problemas de regulação sobre propriedades de durante 20 a 30 anos, muitas vezes a preços
terras baldias, e devido a que várias iniciativas inferiores ao mercado. Quando os camponeses
fracassaram em seu propósito de eliminar os entregam o fruto, a empresa desconta as dívidas
obstáculos legislativos que impedem a acumula- adquiridas pela assistência técnica e os insumos,
ção de terras, não há dúvidas que a concentração ao qual também se deve pagar o crédito contraí-
de terras no futuro próximo se voltará para esta do12.
vasta região do país. Na realidade, da mesma forma que as
Alianças Produtivas, a maioria – se não todos os
N
ão se sabe com certeza quanta terra da programas de desenvolvimento rural e projetos
atividade do agronegócio nem quanta do produtivos para a substituição de cultivos ilícitos -
boom mineiro-energético mudou de , estão orientados a inserir os camponeses nas
mãos e passou a estar sob o poder de grandes cadeias produtivas de alto valor para a exporta-
proprietários, mas a julgar pela intensidade dos ção. A tarefa que antes fazia o Estado para levar a
investimentos em projetos mineiros, hidroelétri- Revolução Verde às famílias camponesas, na
cos, petroleiros, agroindustriais, orestais e atualidade se pretende transferir aos empresários
pecuários, poderia suspeitar que o fenômeno fosse agroindustriais, que se tornam muito poderosos,
muito pior do que até agora foi considerado. na medida em que as decisões sobre o que acontece
Em termos dos efeitos socioambientais, esta em vastos territórios rurais terminam sob seu
7
poder. Isto mostra claramente que a concentração É preciso estar atento, pois eventual pós-
não se limita a uma simples monopolização de con ito pode dar inicio a um aprofundamento
terras por parte de alguns investidores privados: é desta nova etapa da acumulação por expulsão, um
toda uma forma de controle territorial. acréscimo desta guerra que se declarou contra a
natureza, um maior impulso a este ciclo de
N
a história da questão as comunidades locais e a ção.
agrária o problema sociedade em geral. A terra tem sido utilizada
recorrente é a apropri- Sobre a terra e as dinâmicas p a r a c o n t r o l e p o lítico do
ação privada e a concentração de apropriação privada e território e da população. O
da terra. Não obstante, esta é concentração da mesma, latifúndio não só captura rendas
uma dinâmica, entre outras com existem su cientes estudos que de algo que não produziu, mas
igual importância, para enten- demonstram a iniquidade e também con gura uma
der o problema agrário. É meu ine ciência que isso signi ca1. sociedade latifundiária, com
propósito apresentar velhos Não obstante, se discutiu a senhores regionais autoritários
elementos da discussão sobre o dinâmica consequente, a que dispõem sobre as formas de
problema agrário, descuidados separação do trabalho com a subsistência dos habitantes e do
no debate. Estes elementos são terra, o qual signi ca a dissolu- trabalho que os camponeses sem
chaves para entender a comuni- ção da propriedade coletiva da terra empreendem na busca de
dade e o território como totali- terra, o controle social do um lugar mediante a coloniza-
dade sobre a terra, o trabalho, o território e seus recursos. Disto ção2. Os latifundiários tentam
alimento, os saberes e as tecno- emerge que uma das lutas sobre não perder seus privilégios
logias: enquanto a sua relação a terra é seu signi cado, tanto mediante o controle da terra,
recíproca e o que signi ca para como sua disposição e apropria- frente à luta das comunidades de
assentamento e a dos colonos sociais. seu controle. Aqui o camponês é
por ter um sitio onde se assentar O trabalho e sua relação um pequeno produtor, tendo em
e trabalhar. com a terra. Supor a ine ciência vista que a produção de alimen-
Se a terra é utilizada como da economia camponesa tos implica outra série de saberes
acessório da cidade, a indústria e permitiu a aplicação de políticas e práticas que fazem da vida
o sistema nanceiro, o uso da anti camponesas na Colômbia, coletiva camponesa e étnica uma
terra estará em função destes e pelo menos desde a década de totalidade, exemplo disto são as
não da produção de alimentos, 1970 até nal da década de economias camponesas anfíbias
salvo que estes permitam a 1990, que justi caram incenti- e de pescadores ou as comunida-
geração de lucro e ingressos vos para a migração para as des camponesas com manufatu-
monetários. Esta é a cruzada das cidades a rmando que existia ra própria que processam seus
grandes corporações internacio- um excesso de força de trabalho produtos e os convertem em
nais pelo controle do território no campo 6 , neste momento, tecidos, aperos e utensílios. 9
mediante o “cluster” energético estas ideias são postas em A economia camponesa
e agroindustrial, a bancarização questionamento, demonstrando desmente a ideia de que a
e as mercadorias agrárias de que a economia camponesa é indústria é a única que agrega
exportação que se negociam nas mais e ciente em termos valor a produção, e revela a
bolsas de valores. produtivos7 e energéticos8. capacidade de autossu ciência e
Frente a isso, as lutas A luta pelo território e a autonomia das comunidades
camponesas, na década de terra camponesa se desdobra, com economias camponeses que
trinta, como as atuais, não só depois de reconhecer sua tem como objetivo o bem estar
exigem o acesso à terra, senão a e ciência econômica e impor- de seu núcleo familiar e comuni-
livre disposição da mesma3. As tância para a sociedade, em tário, ao não depender do setor
lutas agrárias buscam o acesso a termos de de nir seu objetivo. industrial nem nanceiro, das
terra, mas também seu controle, As correntes que defendem relações salariais no trabalho,
o que implica lutas contra um o trabalho e a terra camponesa d o c o m é r c i o e x t e r i o r, d a
acesso a terra condicionado a são várias. Por um lado, aquela tecnologia externa a unidade de
projetos produtivos estratégicos que propõe um pequeno produção e, portanto, dos
(antes café, agora agros combus- produtor empresarial, articula- monopólios corporativos que
tíveis), à transferência técnica do ao mercado, ao setor indus- controlam estes espaços da
( R e v o l u ç ã o Ve r d e c o m a trial e nanceiro como provedo- economia. Daí que as lutas
mudança ao café caturra, a res de matérias primas, com agrárias também convergem
batata única, entre outras que formas de trabalho assalariado e umas relações de poder pelo
implicam uma dependência de com tecnologias dependentes do acesso e controle de alimentos,
agrotóxicos), ao submetimento petróleo, das corporações dos saberes e das tecnologias.
aos critérios dos investidores internacionais e da banca Isto, no entanto, não nega
(nova encomenda do interme- internacional. O objetivo é que relações com o mercado quando
diário) e a articulação com o os pequenos produtores gerem produzem para estes e não
sistema nanceiro4. ingressos para consumir no quando se apresentam a elas
Para que a terra seja mercado de produtos processa- com o objetivo de produzir para
utilizada como base da identida- dos (incluindo aqueles que eles a família e a comunidade.
de comunitária, são necessárias mesmos podem produzir) e O político dos alimentos.
dinâmicas de apropriação e uso nanceiros (por exemplo, o Não há nada mais político que o
da terra de forma coletiva e crédito), para que arrendem as acesso e o controle sobre os
autônoma, sustentadas em terras controladas por certo alimentos. Não há situação que
direitos consuetudinários, e grupo social ou pelo Estado (no revele de melhor maneira a
buscando a distribuição de mercado de arrendamento de iniquidade do modelo de
direitos, saberes, práticas, usos e terras). 9 desenvolvimento atual que na
benefícios5. Esta é e tem sido a Por outro lado, está a contemporaneidade se tenha a
luta dos povos indígenas e das economia camponesa que se capacidade para alimentar a
comunidades negras e afrodes- inclina para a manutenção da totalidade da população
cendentes durante séculos, família e da entidade comunitá- mundial e ainda assim tenhamos
rea rmada há décadas por ria, o qual implica que a terra e o dados sobre mortes por fome. O
comunidades e organizações trabalho estejam em função da caso colombiano revela a
camponesas, e mais recentemen- reprodução social da família e contradição de uma política que
te por outros movimentos da comunidade, e, portanto, sob fomenta a produção de cultivos
na atualidade os povoadores do
campo padeçam problemas de
desnutrição, não obstante, as
formas de dominação e o
modelo de desenvolvimento
colocaram como reprovável que
as economias camponesas se
preocupem por sua subsistência
(cultivos associados de cereais e
intercâmbios solidários de
produtos e trabalho) e, por
outro lado, exigem que estas
10 produzam excedentes para o
mercado (cultivos especializa-
dos para a troca por dinheiro),
para assim gerar ingressos
monetários que lhes permitam
consumir. 11
Segundo: A agroindústria
supõe grandes extensões dos
denominados “desertos verdes”,
dedicados a produção extensiva
de agro combustível utilizada
para alimentar máquinas de
combustão, ou cereais para a
pecuária – que ocupa outro
tanto de grandes extensões. Isto
se constrói sobre o esvaziamento
das terras ocupadas antes por
comunidades camponesas, com
a expulsão da força de trabalho
do campo para a cidade e com a
mudança de dietas locais
diversi cadas por dietas
padronizadas globais.
Frente a isso emergem as
lutas por segurança, soberania e
autonomia alimentar, mobili-
zando e articulando não só as
comunidades camponesas de
todo o mundo, mas também as
comunidades dos bairros
urbanos, organizações ambien-
tais, culturais, de trabalhadores
não alimentícios ou de exporta- a falta de acesso a terra e ao e de direitos humanos12. Isto é
ção ( ores, orestais, agro trabalho, senão também motivado pelas transformações
combustíveis e cereais para mediante a negação de acesso ao no sistema agroalimentar que
alimentar gado), e a desatenção fundo de subsistência das opera em função da concentra-
sobre a situação de fome e comunidades. Esta perda do ção de poder e a acumulação de
desnutrição de certos grupos da fundo de subsistência ocorreu capital. O que signi ca uma
população10. mediante a mudança produtiva tendência à perda de diversidade
A produção da fome faz das comunidades (especializa- alimentar e ao direito a alimen-
parte da história da dominação ção e monetarização) e com o tação e, por este caminho,
latifundiária e capitalista. Faz posicionamento da agroindús- também uma perda de diversida-
parte da lógica dos latifundiári- tria. de biológica e cultural, uma
os e dos capitalistas, não só com Primeiro: Parece ironia que ameaça a formas de vida e de
11
território, diferentes às do ser tão justi cante da expulsão cas que lograram controlar o
capital. Esta é a luta das zonas de como o determinismo mercanti- mercado de sementes (certi ca-
reserva alimentar13. lista do território, quando se das e de organismos genetica-
O político dos saberes e da desconhece os saberes, as mente modi cados), de insumos
tecnologia: As lógicas do poder práticas e as tecnologias que as (agrotóxicos sintéticos ou petro
sobre o saber e o saber fazer são, comunidades construíram dependentes) e de maquinara, o
pelo menos, de duas vias: por um durante seu histórico assenta- zeram mediante a montagem
lado a lógica da negação sobre mento em um lugar15. do que se conhece como “pacote
os conhecimentos diferentes ao A outra lógica do poder tecnológico”. Um camponês que
que prevalece de outro lado, a sobre o saber consiste na captura se vê obrigado a comprar uma
captura das rendas dos saberes das rendas mediante a revalori- semente certi cada se vê
transformados em mercadorias. zação de saberes e práticas obrigado ao mesmo tempo a
No passado era comum subordinadas, controladas comprar os agrotóxicos e a
negar a existência de outras mediante os direitos do capital maquinaria que exige a corpora-
formas de vida e de pensamento com mecanismos como as ção para obter o resultado
consideradas como inferiores, patentes. A etnobotânica prometido, ainda que não
de cosmo visão diferentes da funcional às grandes corpora- garantido17.
hegemônica14. Tal discriminação ções farmacêuticas ou de Em síntese, a produção do
ainda está vigente: os estudos materiais sintéticos é um claro conhecimento por parte das
sobre um território determinam exemplo da potencia que tem o comunidades de assentamento é
que se deve e não se deve fazer conhecimento fundado sobre a um vasto campo de saber de
ali, e qual é o papel dos povoa- pesquisa camponesa e étnica. acordo com as experiências
dores no plano traçado pelos Para o capital é uma oportunida- particulares baseadas no lugar
técnicos, como se o território e de de captura de rendas expro- do assentamento, e uma forma
as comunidades fossem paginas priando o conhecimento de luta pelo território18. Quem
em branco que devem ser produzido pelos camponeses e controla a produção ou invizibi-
preenchidas pelos especialistas as comunidades. lização do conhecimento,
mediante a reconversão produti- As duas lógicas anteriores se determina que podem fazer ou
va ou a transferência tecnológi- somam à captura de rendas via não os habitantes sobre o
ca. O determinismo ambiental monopsonio tecnológico16. As território. Quem controla a
do capital (eco fascismo) pode grandes corporações tecnológi- difusão e o uso de conhecimento
determina as lógicas de produ- Notas:
ção, bem para a manutenção da 1 IGAC, Atlas de la distribución de la 11 A a rmação do presidente Juan Manuel
propiedad rural en Colombia, (Atlas da Santos é descente: “Defenderemos ao
família e a comunidade, ou bem distribuição da propriedade rural na camponês colombiano, o converteremos em
para a acumulação de capital e Colômbia)Instituto Geográ co Agustín empresário, o apoiaremos com tecnologia e
Codazzi, Universidad de los Andes, créditos, para fazer que cada um seja um
concentração de poder. Esta é a Universidad de Antioquia, Gobernación de próspero Juan Valdez”. Barrancabermeja,
luta das comunidades que Antioquia, (Governo de Antioquia) Bogotá, Santander, 3 de setembro de 2010. Veja-se
2012; PNUD, Colombia Rural. Razones para as declarações do Ministro de Agricultura
con guram territórios livres de la esperanza. (Razões para a esperan- Ruben Darío Lizarralde na Red de
transgênicos19. ça)Informe Nacional de Desarrollo Humano Comunicaciones, 28 de novembro de 2013.
2011, (Informativo nacional de
A forma de conclusão: Os Desenvolvimento Humano 2011) Programa 12 Holt-Giménez, Eric: ¡Movimentos
latifundiários antes, e as grandes de las Naciones Unidas para el Desarrollo, alimentares uni-vos! Estratégias para
(Programa das nações Unidas para o transformar nossos sistemas alimentares,
empresas agora, desprendem seu Desenvolvimento) Bogotá, 2011. ILSA & FoodFirst, Bogotá, 2013.
poder para concentrar as fontes
2 Legrand, Catherine: Colonización y protesta 13 Briceño, Luis (et al), Desenvolvimento
12 energéticas, hídricas e de terra campesina en Colombia, (Colonização e territorial alternativo com perspectiva
controlando a oferta de recursos protesto camponês na Colômbia) 1850-1950, alimentar, Compromisso, Obusinga,
Universidad Nacional de Colombia, Programa Desenvolvimento e Paz
(minerais, petróleo, água, etc.). (Universidade Nacional d Colômbia) delMagdalena Medio-Sur del Cesar, 2011
Os engenhos e plantações se Bogotá, 1980; Jacques Chonchol, Sistemas
Agrarios en América Latina(Sistemas 14 Van Der Ploeg, Jan Douwe: “Conhecimento
enriquecem quebrando as agrários na América Latina), Fondo de cientí co contra conhecimento local: O
condições dos trabalhadores Cultura Económica, (Fundo de Cultura caso da batata andina”, As batatas e as
Economica) México, 1994. García, Antonio, coisas. Fundación Cristina Enea, San
( exibilização e terceirização do Sociología de la Reforma Agraria en América Sebastián, 2012, pp. 58-74.
trabalho): as grandes superfícies Latina, (Sociologia da Reforma Agrária na
América Latina) Cruz del Sur, Argentina, 15 Fajardo, Darío: “Propostas para alguns
comerciais e as franquias de 1973. conteúdos do projeto de lei orgânica de
comida rápida revelam o ordenamento territorial (LOOT) referidos
3 FAO. Project Cycle Management Technical em especial a assentamentos humanos e
controle comercial sobre o Guide. Socio-Economic and Gender Analysis setor agrário” em: Sonia Aguirre (coord.).
conhecimento e a tecnologia Programme (SEAGA). Roma, 2001, p. 19. Espaço e Território. Razão, paixão e
imaginários. Red de estudios territoriales-
exercido pela homogeneização 4 Sobre las dinámicas del control de territorio RET. Universidad Nacional de Colombia,
de dietas). Neste marco, é sin comprar tierra véase(Sobre as dinâmicas Bogotá, 2001, pp. 497-514; Sormani,
do controlede território sem comprar terra Horacio. “Formação Social e formação
compreensível que uma pequena veja): Molano, Alfredo: “Paramilitarismo y espacial: para uma dia´letica dos
empresa produtora não tenha palma en el Catatumbo”,(Paramilitarismo e assentamentos humanos”. Estudios Sociales
palma em Catatumbo) El Espectador, (O Centroamericanos, vol. 6, núm. 17, maio-
futuro enquanto esteja entre os Espectador)3 de março de 2012. agosto, 1977, pp. 147-173.
tentáculos do monopólio e
5 Boserup, Ester: Las condiciones del 16 Tipo de mercado em que existe um único
monopsonio agrário20. desarrollo en la agricultura. La economía del comprador ou demandante, em lugar de
Do anterior, se entende que cambio agrario bajo la presión demográ ca, vários. Devido a isto, este mercado possui
(As condições de desenvolvimento na uma competição imperfeita.
as lutas agrárias se desprendem agricultura. A economia da mudança agrária
sobre os territórios, quer dizer, sob a pressão demográ ca). Tecnos, Madrid, 17 Veja-se os documentos: Victoria Solano,
1967. Documental 970. Robert Kenner, Food,
pelo controle dos fatores Inc., Magnolia Pictures, Estados Unidos,
produtivos, a terra, a água, o 6 Veja o plano formulado por Lauchlin Currie 2008.
para o Gobverno Pastrana em 1971
solo e o subsolo: a livre disposi- denominado “ As quatro estratégias)” para a 18 Porto-Gonçalves, Carlos : “De Saberes e de
ção da terra, os recursos e o década de 1990 veja Jaramillo, Carlos Felipe: Territórios: diversidade e emancipação a
trabalho, a soberania e autono- crise e transformação da agricultura partir da experiência latino-americana”,
colombiana, 1990-2000, Fundo de Cultura Polis, Revista de la Universidad
mia alimentar em função da Econômica, Bogotá, 2002. Bolivariana, vol. 8, núm. 22, 2009, pp. 121-
reprodução familiar e comunitá- 136.
7 Veja as pesquisas de Garay, Luis Jorge &
ria mediante produção própria e Forero, Jaime: A e ciência Economica dos 19 García, Mauricio: “Zonas e Territórios
mercados locais, e o controle do grandes, médios e pequenos produtores Livres de Transgênicos”, Sementes de
agrícolas colombianos, E Agricola, 2013. Identidade e Swissaid, Bogotá, 2012; Veja-
saber próprio, as práticas sociais se a Declaración del Resguardo Indígena
e tecnologias locais. Este é o 8 Vejan-se os trabalhos de Clara Nicholls, de Cañamomo y Lomaprieta (Riosucio y
Miguel Altieri, Peter Rosset, entre otros. Supía, Caldas), Território Livre de
espaço que se disputa a econo- Transgênicos, Resolução número 18 de 30
mia camponesa, o que implicam 9 Leibovich, José et. al., Políticas para o de novembro de 2009.
desenvolvimento da agricultura na
as lutas pelo território e o que Colômbia, SAC & Fedesarrollo, Bogotá, 20 Rubén Ramboer, entrevista com Samir
constitui a diferença na relação 2013 Amin: “La gaucheradicaledoitêtre plus
audacieuse”, Étudesmarxistes, num. 99,
trabalho-capital entre subordi- 10 Ordoñez, Freddy: “Colômbia e o regime Institutd'étudesmarxistes, Bruxelas, Bélgica,
nação e autonomia, quer dizer, a alimentar corporativo”, Prensa Rural, 8 de 2012
janeiro de 2014; Freddy Ordoñez * Milton Pérez: professor da Universidad
luta do trabalho que utiliza o “As lutas camponesas por soberania alimentar Nacional de Colombia (tomilo-
capital ou é subordinado por na Colômbia”, Prensa Rural, 8 de janeiro go@gmail.com)
de 2013.
este. http://semillas.org.co/es/revista/el-despojo-del-
territorio
Uma figura territorial que vincula produção, natureza, política e cultura camponesa:
Territórios Agroalimentares
CNA Coordenador Nacional Agrário
13
N
a quarta Assembleia Nacional do
Coordenador Nacional Agrário CNA,
realizada em novembro de 2013 no
coração do Maciço Colombiano, San Lorenzo
(Nariño), se rea rmou o rme propósito de
defender a terra e o território, avançando na
consolidação de nossa proposta política de terras
e territórios e no fortalecimento de nossos planos
de Vida Digna. Continua-se na luta pela reforma
agrária, a defesa do território e a permanência
nele, a defesa dos bens comuns naturais, a territo-
rialidade, identidade, cultura e economia campo-
nesa, a soberania alimentar, a vida digna no
campo e a soberania popular, neste sentido vimos
caminhando na proposta de Territórios
Agroalimentares1.
Trata-se de territórios habitados por campo-
neses, dedicados (não de forma exclusiva) a
produção agrícola e pecuária em pequena escala,
pesca e sistemas silvo-pastoris, assim como
pequena mineração combinada com agricultura.
Aqui os produtos gerados servem para a satisfa-
ção das necessidades próprias do campesinato,
assim como da população que não habita o
mundo rural. Trata-se então de contribuir desde a
produção e o território camponês para a seguran-
ça alimentar da população colombiana. Segundo
a FAO, ““... esta é uma situação que existe quando
todas as pessoas, em todo momento, tem acesso
físico, social e econômico a su cientes quantida-
des de alimentos inócuos e nutritivos, que satisfa-
çam suas necessidades dietéticas e preferências
alimentares (ou seja, que satisfaçam as preferênci-
as de qualidade e culturais da população) para
levar uma vida ativa e saudável de modo contínuo
e sustentável. (FAO, 2002c) 2
Produzir implica regular e preservar o acesso
a recursos de ordem natural (em condições de
equidade e igualdade) tais como a terra apta para
a produção: assim como outros elementos como a
água, necessária para o cultivo, energia para o aceso a terra e demais fatores produtivos do
dinamizar a produção e garantir a reprodução da campesinato, contribuem para reduzir e evitar os
força de trabalho. Também se demanda a preser- con itos de uso do solo planejam o uso e a
vação destes recursos. Quer dizer, a proteção ocupação dos espaços rurais para o alcance da
ambiental a partir da promoção de sistemas segurança, da autonomia e da soberania alimen-
produtivos não letais para a vida humana nem da tar, comeles se criam as condições para a adequa-
ora e fauna. A restrição no uso do solo e do da consolidação, estabilização e desenvolvimento
subsolo, de atividades que atentem contra a das comunidades camponesas, melhoram a
disponibilidade, o acesso e o uso de recursos qualidade de vida, a inclusão social e a efetividade
naturais de uso comum. Requer-se igualmente dos direitos sociais, econômicos e culturais do
tecnologia amigável com seres humanos e o resto campesinato diretamente e dos demais povoado-
da natureza. Infraestrutura para conectar unida- res rurais com programas de desenvolvimento
14 des produtivas camponesas e a estas com o resto rural integral. Também seria a base para o
da população, complementadas com serviços impulso de sistemas produtivos agroecológicos e
sociais aos quais se tem direito como seres a proteção de ecossistemas frágeis.
humanos e cidadãos, assim como bens públicos. Estes territórios serão delimitados pelo
Tudo isto disponível para a defesa da vida e do governo nacional em conjunto com os campone-
bem viver. ses e suas organizações, e se estabelecerão e
Demanda-se então, o reconhecimento dos priorizarão planos e programas especiais com
territórios historicamente con gurados pelo recursos para o investimento social rural e
campesinato por meio de uma gura político nanciará, de acordo com suas competências e
administrativa que permita o reconhecimento dos com condições preferenciais e prioritárias a
direitos territoriais dos camponeses/as, a gover- execução dos planos de vida nos Territórios
nança do território e a promoção do bem comum. Agroalimentares. A ação do Estado se realizará
A gura de Territórios Agroalimentares (TA), com condições preferenciais quanto ao consenti-
se concebe como parte privilegiada de um compo- mento de subsídios, incentivos e estímulos em
nente maior no qual se con guram relações de favor da população rural mediante todos os
produção, processamento, distribuição e consu- instrumentos de desenvolvimento rural integral,
mo de bens alimentares, tendo como suporte acesso, adjudicação e titulação de terras, assim
principal as economias camponesas no produtivo como o ordenamento social da propriedade rural.
e as comunidades camponesas no social. Estes Os Territórios Agroalimentares são então
territórios se constituirão em uma alternativa uma proposta do campesinato, para governar-se e
para o governo territorial popular, a vida digna e a construir futuro como camponeses e camponesas
resistência. em territórios povoados historicamente. É uma
São guras territoriais associativas destina- gura para o reconhecimento das territorialida-
das a garantir a produção e reprodução das des camponesas. Neste sentido, é uma parte dos
comunidades camponesas e suas relações de territórios camponeses.
ordem sociocultural, político-comunitário e
produtivo-ambiental, onde as formas de produ-
ção solidária possibilitem entre outras coisas, Objetivos e princípios orientadores
confrontar o modelo de desenvolvimento rural
nacional e internacional embasado na competiti- Os territórios Agroalimentares se constitui-
vidade, a produtividade e a extração intensiva de rão e delimitarão de acordo com os seguintes
recursos naturais, minerais e petróleo. objetivos e princípios orientadores:
1. A regulação, limitação e ordenamento da
T
endo como base a produção agroalimen- ocupação e aproveitamento da terra, o território e
tar, entendida como a produção e a a territorialidade.
transformação de matérias primas, a 2. A superação das causas que vem originan-
distribuição e o consumo de bens alimentares do graves ou excepcionais con itos de ordem
para a população camponesa e o resto dos social e econômica, e o apoio aos programas de
habitantes do território nacional, os Territórios substituição de cultivos ilícitos.
Agroalimentares se convertem em um instrumen- 3. A adoção de estratégias ou decisões que
to de política nacional de bem viver e de reconhe- tendam a evitar ou corrigir os fenômenos de
cimento de direitos territoriais e cidadãos. concentração da propriedade, a concentração de
Ao mesmo tempo, é um instrumento social e terras rurais, ou qualquer forma de inequitativi-
ambiental de ordenamento territorial que permite dade na composição do domínio.
4. O ordenamento social e da propriedade e camponesa, dentro de princípios de competitivi-
acesso a terras. dade, sustentabilidade, participação comunitária
5. O ordenamento do uso dos solos e as águas e equidade.
para a atividade produtiva. 20. O apoio do Sistema Nacional de Reforma
6. A geração de ingressos para as comunida- Agrária e Desenvolvimento Rural Camponês, do
des rurais, de acordo com as diferentes atividades Sistema Nacional Ambiental e outros organismos
econômicas do território. públicos e privados, para a formulação, nancia-
7. Adiantar processos de ordenamento e mento e execução de planos de vida sustentáveis e
diversi cação da economia dos territórios, que de outras atividades, pesquisas, programas e
levem a geração de produtos e serviços, assegure projetos que devam adiantar-se nas zonas
uma utilização racional dos recursos e talentos Agroallimentares.
disponíveis. 21. Respeito e nanciamento estatal dos
8. Garantia plena de acesso de toda a popula- planos de vida ou planos alternativos de desenvol- 15
ção aos alimentos saudáveis com os nutrientes vimento das comunidades e organizações de base.
indispensáveis completos. 22. Apoio estatal para que os camponeses e
9. Dar-se-á prioridade por parte do Estado e camponesas, indígenas, afrodescendentes e
da sociedade em geral aos processos produtivos produtores agropecuários possam controlar o
orgânicos e de transformação de matérias primas
que garantam a sustentabilidade e os recursos
naturais, a defesa do ambiente e a biodiversidade,
em virtude de que estão fortemente inter-
relacionados com a soberania e segurança
alimentar.
10. É responsabilidade do Estado e a socieda-
de, defender o patrimônio genético e cultural, a
sabedoria tradicional assim como sua proprieda-
de coletiva.
11. A proteção, conservação e recuperação
das sementes nativas de cada região serão uma
garantia para a soberania alimentar e a biodiversi-
dade.
12. Estabelecer-se-ão por parte do Estado,
mecanismos de controle social dos alimentos
comercializados e processados, proibindo aqueles
produtos nocivos para a saúde humana.
13. O direito a terra e ao território é parte
fundamental da vida e da cultura dos povos e das
comunidades rurais. Proteger-se-á a diversidade
cultural e por isso as diversas concepções sobre a
terra e o território.
14. Facilitar a recomposição das Unidades conjunto das cadeias produtivas sem subordinar-
Agrícolas Familiares. se às transnacionais nem aos grupos nanceiros
15. Fomentar a adequada exploração e a nem aos latifundiários.
utilização social das águas e das terras rurais, 23. Propiciar-se-ão formas alternativas ao
aptas para a exploração silvo-agropecuária. comércio de relação direta entre coletivos de
16. Realocação da população afetada por produção e os coletivos de consumo baseados na
desastres naturais ou localizada em zonas de alto solidariedade mutua e na superação da barreira
risco não mitigáveis. entre o campo e a cidade.
17. Relocalização de ocupantes de áreas do
sistema de parques nacionais naturais, parques
regionais naturais e habitantes dos ecossistemas
de paramos. Notas:
1 Ver documento de trabalho sobre Territórios Agroalimentares.
18. A proteção e conservação dos recursos Dezembro de 2014. http://cnagrario.org/category/documentos-cna/
naturais e do ambiente.
2 FAO. ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/010/y5788s/y5788s02.pdf Capítulo
19. A criação das condições para a adequada 2. El sector agroalimentar como sistema. (O Setor agroalimentar
consolidação e desenvolvimento da economia como sistema).
Convite de saberes de protetores
e guardiões de sementes
Encontro Nacional da Rede Sementes Livres da Colômbia
16
E ntre os dias 25 e 27 de
junho de 2015, se realizou
no Resguardo indígena de
Cañamomo-Lomaprieta no
município de Riosucio, departa-
sementes e sua defesa frente as
políticas e leis que permitem a
privatização e o controle mono-
pólico das mesmas, que ameaçam
a soberania e autonomia alimen-
(Sur Del Valle), Cauca),
Sudeste (Huila, Putumayo,
Caquetá) e Sul (Nariño). Em
cada reunião regional as
organizações locais avança-
mento de Caldas, o II Encontro da tar dos povos. ram na de nição de
Rede Sementes Livres da A Rede de Sementes pretende estratégias de articulação e
Colômbia (RSL) e de protetores e fortalecer e visibilizar os proces- trabalho regional para
guardiões de sementes1. A este sos de comunidades locais de fortalecer as ações locais de
evento, chegaram umas 350 recuperação,manejo e livre recuperação e intercambio
pessoas, homens e mulheres circulação de sementes, difundir de sementes crioulas e na
representando a mais de 150 informação e promover ações de incidência política para a
organizações indígenas, afroco- incidência frente as políticas e leis defesa das sementes.
lombianas e camponesas de vinte que permitem a privatização das
e dois departamentos do país. sementes, a expansão da agricul- 2. O Primeiro dia se dedicou a
O objetivo do Encontro foi tura corporativa e os cultivos apresentação simultânea de
possibilitar que os representantes, transgênicos, que ameaçam a diferentes experiências locais
protetores e guardiões de semen- agricultura local, a biodiversida- com aprendizagens signi ca-
tes das organizações locais de de e a soberania e autonomia tivas no manejo de sistemas
diferentes regiões do país compar- alimentar dos povos e comunida- agroecológicos e para
tilharam seus saberes ancestrais e des da Colômbia. Igualmente a enfrentar as consequências
as práticas de conservação e Rede busca articular organiza- do cambio climático em
recuperação de sementes nativas e ções, redes e iniciativas para a diferentes pisos térmicos
crioulas: e avançar na construção defesa das sementes a nível local, (frio, médio e quente). Foram
das estratégias e ações dos povos e regional, nacional e internacio- apresentadas experiências
comunidades locais para a defesa nal. que têm fortalezas em
das sementes e a soberania e O encontro teve cinco saberes e técnicas locais para
autonomia alimentar, frente às momentos que permitiram a produção, manejo, seleção
leis de sementes e aos cultivos alcançar o planejado. e conservação de sementes
transgênicos, nos ambitos locais, crioulas de boa qualidade e
regionais e nacional. 1. Prévio ao encontro nacional se foram compartilhadas as
Este evento foi promovido realizaram durante os meses iniciativas de construção das
pela Rede Sementes Livres – RSL de maio e junho, reuniões casas de sementes e de
da Colômbia que é um espaço regionais preparatórias em processos regionais de
aberto e descentralizado de nove regiões. Caribe Norte difusão e circulação de
organizações locais e sociais onde (Guajira), Caribe Sul sementes. Em paralelo se
convergem comunidades campo- (Córdoba e Sucre, Bolívar), contextualizou a situação de
nesas, indígenas e afrocolombia- Nordeste (Santanderes,Sur leis de propriedade intelectu-
nas e de pequenos produtores, d e B o l i v a r, M a g d a l e n a al e de certi cação de
agricultores urbanos, ONGs, Medio), Cafeteira (Antio- sementes e dos cultivos
grupos acadêmicos, que se quia, Risaralda, Caldas, transgênicos na Colômbia. O
articulam no âmbito local Quindío, Norte Del Valle), que permitiu re etir sobre as
regional e nacional. A Red Centro (Bogotá, estratégias e ações de
promove ações e iniciativas para Cundinamarca, Meta, incidência e resistência locais
fortalecer o controle local das Tolima),Boyacá, Noroeste e sociais.
3. No segundo dia realizou-se a
reunião da Rede Semente
Livres, buscando avançar no
plano de ação da Rede nos
ambitos regionais e nacional,
a partir do processo já
avançado nos encontros
anteriores da Rede, sobre os
três eixos de ação previamen-
te de nidos: 1 –
Recuperação, conservação e
formação local sobre
sementes crioulas; 2 –
17
Incidencia sobre políticas e
legal sobre sementes; e 3 –
Estratégias de comunicação.
Foram conformados grupos
pelas diferentes regiões, para
de nir o plano de ação e
estabelecer as prioridades de
ação nos diferentes eixos no
regional e nacional.
sistema agroalimentar. nacional em resposta às fortes
4. Realizaram-se visitas em Na maioria das zonas rurais ameaças que enfrentam as
diferentes propriedades de do país se apresenta uma enorme sementes e a soberania alimentar.
agricultores indígenas do perda da agrobiodiversidade, Este Encontro permitiu que
resguardo de Canãmomo originada pela imposição de as comunidades e organizações
para compartilhar as modelos produtivos insustentáve- locais de muitas regiões do país
experiências agroecológicas is de monocultivos agroindustria- compartissem suas experiências e
de manejo da biodiversidade is e de outras formas de uso e saberes sobre a produção, o
e a soberania alimentar. manejo dos territórios e recursos manejo e o controle local de suas
naturais: modelos que transfor- sementes e seus sistemas produti-
5. O último dia se realizou uma maram os sistemas produtivos vos tradicionais e permitiu que o
g r a n d e F e i r a e Tr o c a tradicionais e vem gerando a intercambio de sementes se
Nacional de Sementes, de perda das sementes crioulas e da constitua em uma ação propositi-
Saberes e Sabores, no parque soberania alimentar dos povos e va para fortalecer o uso e controle
de Riosucio, onde se compar- comunidades rurais; que tem local de sementes. Também
tilhou entre as organizações levado os pequenos agricultores conseguiu fazer contrapeso e
participantes e os habitantes ao fracasso e à destruição dos resistência frente às leis de
da região a enorme riqueza sistemas de vida das comunida- sementes que buscam acabar com
de produtos e sementes dos des. as sementes crioulas e obrigar os
agricultores do país. É neste contexto que no pais agricultores a que só utilizem
atualmente existe uma grande sementes certi cadas, assim como
C
omo consequência da crise de caráter judicial, conjugados ritmicamente ao som dos
estrutural em que se encontra o campo interesses do capital transnacional e nacional.
colombiano pela ampliação de políticas A violência e perseguição sistemática contra
neoliberais, ajustes institucionais e scais os camponeses e povos indígenas não é recente.
impostos pelo FMI, o Banco Mundial, o Banco Remonta-se aos primeiros anos do século passado,
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a se prolongou todo o século XX e este inicio do
Organização para a Cooperação e o XXI. O atual con ito armado tem suas raízes nas
Desenvolvimento Econômico OCDE, submissa- causas históricas da violência, a perseguição
mente executadas pelo governo nacional, cresce ao política e a expulsão contra as populações rurais.
extremo o empobrecimento e mendicância a Ocorrem pela intervenção aberta e ingerência do
amplos setores da população, sobre tudo os que imperialismo estadunidense em nosso país.
vivem nos cinturões de miséria das principais Mais de 9.900 presos políticos na Colômbia
cidades e zonas rurais do país. demonstram que um país como o nosso com a
Os tratados de livre comercio, o projeto de lei “democracia mais antiga” do continente é uma
sobre Zonas de interesse de Desenvolvimento solene mentira. As cifras não mentem: mais de
Rural Econômico e Social, ZIDRES, o avanço dos 7milhões de deslocados, milhares de desapareci-
agronegócios, a concentração da propriedade da dos, cerca de 10 milhões de hectares de terra
terra, as locomotivas minero energéticas e do roubadas do campesinato. No caso particular da
recém-aprovado Plano Nacional de Fensuagro, 130 de seus membros estão presos
Desenvolvimento e a chamada Transformação do através de montagens falsas, entre eles seu vice-
Campo, são complementares às políticas que presidente, Huber de Jesus Ballesteros Gómez.
buscam concentrar mais a riqueza e consolidar o Os diálogos de Paz que se desenvolvem em
capital nanceiro transnacional em nossa nação, a Havana, Cuba, entre o governo colombiano e a
expulsão de nossos territórios. guerrilha das FARC-EP, são a maior esperança da
A Guerra segue sendo o principal instrumento sociedade colombiana para alcançar um acordo
de expulsão e concentração de riqueza por parte de nitivo que ponha m à confrontação armada e
da oligarquia colombiana na aliança com o capital abra caminho para a solução política, que possibi-
transnacional e o poder destruidor do imperialis- lite a paz estável, duradoura e a justiça social.
mo. O campesinato, os povos indígenas, as Desde nossa Federação, chamamos as partes a
comunidades afrodescendentes e em geral a classe cumprir sua palavra de não deixar a mesa de
trabalhadora da Colômbia são despojados negociações, até que não seja assinado o acordo
sistematicamente de seus direitos fundamentais. nal. Ao Governo Nacional que ponha em prática
Parte desta maquinaria de guerra e desapropria- imediatamente os acordos alcançados até agora
ção são o poder executivo, o legislativo e o aparato em matéria de políticas agrárias e demais acordos
19
que contribuam na geração de con ança e apoio cionais, nacionais e os capitais volateis. Serão
social ao processo de negociação. expulsas do país aquelas empresas que violarem os
Fensuagro se declara em processo constituinte, direitos fundamentais dos trabalhadores.
dedicando o tempo necessário a promover e Os milhões de camponeses/as que foram
organizar a convocação de uma Assembleia despojados de suas terras, territórios e demais
Nacional Constituinte, que materialize os acordos bens, continuam esperando do Estado sua devolu-
de Havana em uma Nova Constituição Política ção. A lei de vitimas não passou no teste depois de
que garanta a paz como um princípio da nação. A seus primeiros quatro anos de vida, segundo o
Assembleia Nacional Constituinte deverá assentar próprio governo somente 86 mil hectares foram
as bases para construir uma sociedade democráti- devolvidas, das 10 milhões que segundo os
ca, com autodeterminação, anti-imperialista e próprios camponeses/as lhes foram roubadas
com plena soberania nacional. A paz deverá ser pelos narco-latifundiários.
um princípio fundamental do povo colombiano, O reconhecimento dos direitos dos campone-
deverá garantir de maneira gratuita a todos os ses colombianos deve ser concretizado imediata-
colombianos/as o direito a saúde e a educação, a mente. A divida social que temo Estado com os
gozar de uma moradia digna, o acesso a água camponeses deve ser reconhecida e paga imediata-
potável, aos alimentos de boa qualidade, a mente. Os camponeses/as alimentam aos colombi-
trabalho digno, à terra para as comunidades anos/as, são protetores da natureza, dos ecossiste-
camponesas e étnicas que não a possuam e demais mas, do meio ambiente, e produzem cultura e vida.
componentes que permita o apoio direto do Desde a Fensuagro impulsionamos e nos
Estado à economia camponesa. mobilizaremos pela implementação de políticas
As riquezas e bens naturais deverão ser agrárias democráticas que tenham como eixo
declarados patrimônio estratégico dos colombia- central a reforma agrária integral e popular.
nos/as proibindo-se sua privatização e extrangeiri- Políticas agrárias que fortaleçam a produção da
zação. A terra terá uma função social ecológica, economia camponesa recuperem a soberania
será nula a grande propriedade monopólica em alimentar dos colombianos e garantam a seguran-
mãos particulares. Dever-se-á desenvolver uma ça social e pensões para os pequenos e médio
legislação que garanta o controle efetivo e e caz produtores camponeses, democratizem os
contra a evasão de impostos das empresas transna- latifúndios permitindo o acesso gratuito à terra
dos camponeses que não a possuem, proíbam a Chamamos a redobrar esforços desde os
transnacionalização da terra e os grandes agrone- setores agrários, camponeses, étnicos, populares,
gócios, favoreçam a defesa da produção de sociais e políticos a fortalecer a Frente Ampla pela
alimentos, e impulsionem as Zonas de Reservas Paz que permita alcançar de imediato o Cessar
Camponesas. Que seja posto em pratica uma Fogo Bilateral, o desescalamento de ações milita-
reforma agrária que permita vida digna para os res e a imediata assinatura de um acordo que
milhões de famílias camponesas de nossa pátria. ponha m ao confronto armado, até uma paz
estável, duradoura e com justiça social fechando o
O
recém-aprovado Plano Nacional de caminho das forças reacionárias – que pretendem
Desenvolvimento pelo Congresso da condenar a maioria da sociedade colombiana ao
República se converte em um novo escabroso e doloroso caminho da guerra e da
instrumento de exclusão e desapego contra o violência sistemática à que as organizações sociais
20 campesinato, os povos indígenas e as comunidades e populares do país têm sido submetidas.
afrodescendentes. As verdadeiras intenções do A realização da primeira assembleia d
Plano são continuar consolidando os agronegóci- mulheres camponesas, da primeira assembleia de
os, a venda da biodiversidade e dos bens genéticos, jovens camponeses e o primeiro congressinho de
e converter a natureza no grande negócio median- crianças fensuagristas, trazem um processo de
te a Economia Verde. Tratam de dar continuidade fortalecimento local, regional, mostram os
às locomotivas do desenvolvimento enquanto à avanços organizativos e políticos de nossa
grande mineração, a produção energética e a Federação. As mulheres e jovens fensuagristas
exploração petroleira. Como já denunciaram contribuíram de forma prática, dinâmica e
outros setores o Plano Nacional de entusiasmada no XI Congresso da Fensuagro a
Desenvolvimento busca garantir uma nova etapa construir as grandes linhas políticas para os
de acumulação de capital, aprofundando o próximos quatro anos, suas contribuições enri-
modelo neoliberal. queceram o programa agrário para a ação e
A autorização ao presidente da República por transformação democrática do campo colombia-
um período de seis meses (para reestruturar, criar no. As crianças camponesas fensuagristas que
ou suprimir as instruções do setor agropecuário) desenvolveram seu primeiro congresinho deixa-
pode se converter em um abuso de poder, de não ram gravadas um ar de ternura e o amor em cada
busca de participação nas decisões das comunida- um dos corações de quem participou do XI
des e organizações camponesas, indígenas, Congresso.
afrodescendentes, raizais e trabalhadores do setor, A atual conjuntura política nos coloca novos
no acerto do tipo de institucionalidade requerida objetivos e dinâmicas locais, municipais, departa-
para desenvolver uma política agrária que reúna mentais, regionais e nacionais, que não podemos
as exigências do movimento camponês representa- desconhecer como fensuagristas do Movimento
do na Convenção Agrária, Étnica e Popular e os Político Marcha Patriótica e a União Patriótica, e
acordos de Havana. Uma institucionalidade com nos chama a convocar a nossos a liados a
adequados recursos econômicos, com talento trabalhar pela mais ampla convergência progra-
humano e ampla participação e poder de decisão mática já nas eleições do próximo 16 de outubro.
das organizações e comunidades camponesas e Com a clareza de que a construção de uma nova
étnicas, que deverão ser consultadas pela institui- democracia vai além das eleições de alguns
ção do caso, de modo obrigatório, e incorporar indivíduos a determinados cargos de eleição
suas propostas nos planos. popular, é necessário exercer o controle político
Nos comprometemos a continuar consolidan- sobre os eleitos, e se estes não cumprirem o
do a Convenção Camponesa, Étnica e Popular mandato para o qual foram designados pelas
junto com as forças sociais e populares que a maiorias, deve-se ter a capacidade de revogar seus
integram como um espaço de unidade na diversi- mandatos. As eleições não são um m em si
dade, mas comprometido com a mobilização e a mesmas, mas, um meio que permite mudar a atual
luta permanente contra as transnacionais para a correlação de forças a favor das mudanças que
recuperação da terra, do território e da vida digna. requer a sociedade colombiana.
A organizar e preparar unitariamente as ações de
protestos populares até a Parada Agrária e Vamos pela paz, os direitos
Popular, frente aos não cumprimentos por parte camponeses e a soberania alimentar.
do governo nacional dos acordos pactuados em
http://viacampesina.org/es/index.php/noticias-de-las-regiones-
2013 e 2014 com o movimento camponês e os mainmenu-29/2420-colombia-declaracion-politica-xi-congreso-de-
povos indígenas que somos parte da convenção. fensuagro
Terras e pós-conflito
Alfredo Molano Bravo
21
O
pós-con ito está na moda: todo o mundo camponês, parte desde este conjunto de eventuais
fala do tema. Se organizam foros, confe- adjudicatários de terras baldias: os empresários e
rencias, conversas, se escrevem colunas, os latifundiários. E é por ai que vai a água do
editoriais, notas. Ditam-se cursos especializados, moinho. A repartição das reservas de baldios será
se oferecem especializações, se abrem cursos uma espécie de jogo às cegas, e quando um alto
completos. Ninguém escapa da tentação. E com funcionário pegar a panela, todos os interessados
razão, se trata de nosso futuro. O governo, ao tentarão pegar o que puderem e então os que
contrário, elabora um Plano Nacional de tiverem mais força, comerão mais farinha.
Desenvolvimento (PND) como se nada acontecesse Por que – pergunto – dentro dos potenciais
ou fosse acontecer, como se em Havana se reuni- bene ciários deste jogo, o Governo não fala nem
ram espectros. nomeia as Zonas de Reservas Camponesas (ZRC),
O PND não reconhece nenhum dos avanços sendo que são uma gura jurídica da Lei 160 de
alcançados na mesa de negociação e, no entanto, o 1994? As Reservas Camponesas foram estigmati-
faz a sua maneira. Ao Fundo de Terras – ponto um zadas como repúblicas independentes por essa
da agenda – batiza agora com a pomposa e trinca de latifundiários, empresários e generais.
desgastada expressão de “Reserva de Baldios”, que Uribe às perseguiu e quis desaparecer com elas, não
não é o mesmo, mas é igual. Somos dados à só da lei. Quando Santos tomou posse, um dos seus
gramática, especializados no ditongo e em outras primeiros movimentos foi devolver à reserva
regras do jogo semântico. O Governo está se camponesa de rio Cimitarra a personalidade
posicionando para recuperar a soberania sobre as jurídica, o que abriu um postigo para que 60
terras baldias apelando para a clareza de papeis organizações camponesas pedissem seu reconheci-
para de nir títulos como se deve. Portanto, mento como ZRC. Traduzida à solicitação em
desconheceria aqueles que se falsi caram nos hectares – nove milhões -, os latifundiários treme-
cartórios, ou que têm um documento nominal ram, gritaram, ameaçaram e o Governo recuou.
como a “carta venda” ou que, en m, se aceitam Disse que a iniciativa cava na salmoura, mas
com con ança na velha jurisprudência de “morada nunca saiu deste limbo. Em contraste e desa ando
e trabalho” dos Jogos de Afonso o Sábio, passando a Corte Constitucional emitiu sentença C-371 de
pela tão nomeada “função social da propriedade”. 2014, que deveria se converter em guia da política
Poderia inclusive anular títulos de camponeses de distribuição de terras desde já. Citou a de nição
aos que o Incora adjudicou terras. A tentativa não é e defesa jurídica que o alto tribunal fez das ZRC. O
nova e de alguma maneira remete a “prova país deve conhecer o pronunciamento e os campo-
diabólica”, uma sentença da Corte Suprema de neses devem defendê-lo.
Justiça de 1926 que supunha que uma área era “As zonas de reservas camponesas são uma
baldia até que se exibia um título original. Os gura de ordenamento social, político e ambiental,
latifundiários babaram de brabos quando se cujas principais implicações podem ser resumidas
conheceu o pronunciamento. Foi uma das causas na possibilidade de limitar os usos e a propriedade
do con ito agrário em que seguimos enrolados. O da terra para evitar sua concentração ou fraciona-
problema não é só de onde vão sair estas terras, mento antieconômico, e o benefício de programas
mas o que o Governo pensa em fazer com elas. de adjudicação de terras, assim como apoio estatal
O PND diz que os baldios recuperados serão para o desenvolvimento de projetos de desenvolvi-
adjudicados aos que agora chama “trabalhadores mento sustentável acordados com as comunida-
agrários”, apagando momentaneamente a gura des”.
de “camponeses”, que é uma categoria associada
ao trabalho familiar. Ao apagar de uma vez o termo Extraído do EL Espectador, primeiro de março de 2015.
Uma panorâmica e muitas vistas
O Movimento pela Defesa dos Territórios e da maciços, lamaçais, paramos, banhados, entre
Vida, Rios Vivos, e a Associação de Vitimas do outros, de maneira autônoma em favor de suas
Projeto Hidroelétrico El Quimbo, acompanha- necessidades para o Bem Viver. Miller Armín
dos de organizações sociais, especialmente de Dussán Calderón, Mobilização! O Rio da Vida!
pescadores, camponeses e indígenas, comunica- Conclui sua primeira parte, 6 de abril, 2015.
dores sociais, estudantes universitários, intelectu-
ais, escritores e artistas, ambientalistas e observa- As comunidades indígenas de Corinto continuam
dores de Paz, entre outros, concluímos em La cumprindo com o mandato ancestral de liberação
Dorada Caldas, no dia 29 de março a primeira da Mãe Terra, por isso convocaram a todo o povo
parte da mobilização “O rio da Vida”, “Somos o do norte de Cauca a participar no mutirão de
rio” que iniciamos no dia 14 de março no Macizo plantio que se realizou nos dias 24 e 25 de março
Colombiano com um ritual yanakuna em San de 2015, nas fazendas que ocupam paci camente.
Agustín. Durante o percurso conseguimos coletar “As pessoas estão vivendo encurraladas nos altos
informação escrita e testemunhal básicas para das montanhas, praticamente vivem pendurados
aprofundar os estudos que socializamos sobre o nos barrancos, na intempérie, com a terra
modelo extrativista, nanceirista por despojo e os rachada, com todas as necessidades. Estão
impactos socioambientais gerados pela política amontoadas em locais de reserva como os
mineira energética e os agronegócios do governo paramos. O resgate do equilíbrio da Mãe Terra
de Santos e os que se gerariam com a imposição também depende de que volvamos à parte
do Plano Golpista de Privatização do rio plana”, explicou um guarda indígena de Corinto.
Magdalena concedido para a estatal Hydrochina Uma comunheira nos recorda a importância da
para a geração de energia e de navegabilidade ao libertação da Mãe Terra para a sobrevivência do
serviço das corporações transnacionais, desconsi- povo NASA: “Queremos liberar o território com
derando as múltiplas iniciativas que diferentes o m de nos fazer a terra. Nós não pensamos que
organizações sociais e, especi camente, de aqui vamos nos encher de dinheiro. O que
pescadores construíram em defesa dos rios, queremos é deixar um caminho para nossas
23
gerações futuras para que eles sigam com este Até 2001 somente haviam sido constituídas
trabalho de liberação.” Coletivo de Comunicação seis ZRC: Guaviare, Pato-Balsillas (San Vicente
do Povo Nasa, Cauca: Mutirão de plantio para Del Caguán), Sur de Bolívar, Cabrera (Sumapaz,
devolver o equilíbrio a Mãe Terra, 7 de abril, Cundinamarca), Bajo Cuembí (Putumaio) e Vale
2015. do Rio Cimitarra. Até o ano de 2012 haviam
várias solicitações pendentes, entre as que se
Frente à imobilidade do governo e sua natureza contam as ZRC “de fato” em Lozada (Caldas),
antipopular, as organizações camponesas entre outras 11 que cumprem requisitos e já
constituíram e consolidaram varias Zonas de somam umas 54 solicitações pendentes, segundo
Reserva Camponesa pelas vias de fato, amparan- A n g e l To r r e s , p r e s i d e n t e d a A N Z O RC .
do-se em todos os requisitos que expressa a lei. É Organizando o território, cuidando ele da
o caso de Catatumbo, onde apesar da histórica barreira indiscriminada, protegendo os nasci-
atuação de grupos paramilitares, milhares de mentos, regulando o uso do solo (exigem que se
lavradores conseguiram construir, eles mesmos – conserve 40% de cada área), impedindo a
com base na organização camponesa -, o ideal de extinção de animais como o pamiro, a anta, a
autonomia e a recon guração de seu território. cutia, o chamir e regulando as caçadas, campone-
“A Zona de Reserva Camponesa (tanto de ses e camponesas constroem um futuro frondoso
Catatumbo, como outras) se criou de fato diante e em paz com a natureza, são guardiões de sua
do não cumprimento da lei 160 por parte do existência futura. Encontros de esperança:
governo. Todo o trâmite administrativo está Seminário Internacional de Zonas de Reserva
cumprido e não existe nenhum impedimento para Camponesa na Colômbia, ANZORC, 5 de
constituir a ZRC no polígono de Tibú e nas zonas março, 2015.
de San Calixto e Hacarí, mas Santos faltou com
sua palavra, não cumpriu os compromissos que Um grupo de cidadãos, ativistas ambientais,
assumiu para frear a parada camponesa. Por isso, redigiu e está fazendo circular uma carta aberta
o Catatumbo já é uma Zona de Reserva para os senadores e representantes da Câmara
Camponesa de Fato”. pelo departamento de Santander, com o m de
que tomem medidas que possam prevenir um Diante das considerações apresentadas,
poss í v e l “ m i c o ” n o P l a n o N a c i o n a l d e convidamos os honoráveis congressistas de
Desenvolvimento próximo a ser aprovado em Santander a que demonstrem seu compromisso
ditas instituições e que poderia afetar gravemente com o departamento e sua capacidade de gestão
o ecossistema de Páramo de Santurban: “O artigo conseguindo excluir do Plano Nacional de
159 permite a exploração mineiro energética na Desenvolvimento o tema do Páramo de
área de paramos conduzindo respeito a supostos Santúrban para que seja tratado como um projeto
direitos adquiridos mediante títulos e licenças legislativo autônomo que permita o debate amplo
anteriores a fevereiro do ano de 2010, era sabido e democrático com a comunidade, as autoridades
que todos os títulos e licenças das multinacionais ambientais, acadêmicas, sociais e políticas do
são anteriores a este ano. Tal artigo desconhece departamento e para que reúna as verdadeiras
que na Constituição colombiana prima o direito à necessidades e sentimentos da região. Comitê
24
qualidade de vida e a proteção do ambiente antes para a Defesa da Água e do Páramo de Santúrban.
que os interesses econômicos particulares das Defender a água como recurso estratégico para o
empresas mineradoras. É vergonhoso que o PND desenvolvimento de Santander, 30 de abril de
em tramite pretenda proteger a voracidade das 2015.
empresas estrangeiras declarando seus projetos
de “interesse nacional” com conhecimento de Para o povo Kokonuko os “guardiões de semen-
causa que a exploração implica no uso intensivo tes”, são uma estratégia de resistência prática que
de dinamite que deixará crateras de até 600 incentiva a soberania alimentar desde o plantio e
metros de profundidade e a contaminação das o consumo dos alimentos tradicionais e assim
águas com venenos altamente agressivos como o assegurar a alimentação como povos de agora e
cianureto. Os artigos 47, 48, 49, 164 e 165 do futuro. Os guardiões de sementes selecionam
favorecem às multinacionais com toda a classe de as sementes e cuidam das fazes da lua para o
garantias e particularmente com as chamadas plantio e a colheita. Esta dinâmica de cuidado das
“licenças expressas”. sementes ancestrais vem se fortalecendo e
visibilizando nas trocas, como espaços de Os manifestantes organizaram vários
intercambio de sementes, produtos, sabores, percursos dentro da área, vinculando a várias
saberes e pensamentos. No povo Kokonuko, organizações sociais da região, acompanhantes
desde 2003 a troca como prática tradicional dos internacionais e autoridades da prefeitura de
povos ancestrais vem sendo impulsionada desde a Bogotá, como a secretaria de Ambiente, que pode
guarda indígena em coordenação com a gestão constatar as ilegalidades que os vizinhos denunci-
municipal. aram. Comunidade de Ciudad Bolívar consegue
A guarda indígena vem dinamizando, fechar a pedreira, Colômbia Informa, 20 de maio,
convocando e coordenando as trocas nas comu- 2015.
nidades do povo Kokonuko com o propósito de
fortalecer a unidade das comunidades dos O deslocamento forçado das terras é o objeto do
gestores municipais e dos defensores deste protesto de Benilda Márquez e de Assomuproca,
território. Levamos doze anos consecutivos com associação composta por 75 mulheres. Em sua 25
a troca, recorrendo às diversas comunidades de luta não só enfrentam às FARC e a estrutura da
nosso povo, onde se somaram outros, como os guerrilha mas também a impunidade por parte do
gestores municipais, os programas ambientais e governo. “A impunidade é o mais preocupante. O
as instituições educativas, que através do Projeto governo colombiano acrescenta mais obstáculos
Educativo Comunitário, PEC, aqui denominado ao processamento dos autores das violações de
“Jigra Pucha”, desde onde se busca seguir direitos humanos”, lamenta Esteban Beltrán,
articulando saberes e práticas próprias, envolven- diretor da Anistia Internacional Espanhola,
do os estudantes com as mostras culturais e o durante uma roda de imprensa em Madri. Para
intercambio de produtos que eles cultivam nas Beltrán, a restituição das terras deve ser um dos
hortas das instituições educativas. Arcadio principais pontos do processo de paz. 80% da
Aguilar, guarda indígena do povo Kokonuko. terra estão nas mãos de14% dos proprietários.
Guardiões de sementes ancestrais, cuidadores e O problema endureceu em meados dos anos
protetores de vida, CRC, 5 de maio, 2015. 90. Benilda Márquez, como muitas outras
mulheres, recebeu uma terra do estado, ao norte
O dia 6 de maio terminou o protesto da comuni- da Colômbia, que logo começou a receber
dade do bairro Potosí, na Ciudad Bolívar ao sul “visitas” por parte das guerrilhas e dos grupos
de Bogotá, que depois de trinta dias de bloqueio e paramilitares. Em sua intervenção no ato organi-
denuncia pela presença ilegal de uma pedreira, zado por AI e a Fundação Advocacia Espanhola,
conseguiram o fechamento e m da exploração disse que naquele momento imperou a lei do
mineira que vinha sendo feito há vinte anos. A silêncio. “Tínhamos que fazer o que eles diziam.
ação foi apoiada pela mesa ambiental No le saque Companheiras foram violentadas sexualmente.
la Piedra a la Montaña que vinha denunciando Saíamos e entravamos... quando denunciamos os
para as autoridades públicas a expansão ilegal da enganos e os calotes, mataram a nossa líder,
exploração de Canteras Unidas La Esmeralda e Luisa”. Depois de três anos, entre ameaças e
sua situação de ilegalidade ao fazer a extração a homicídios, tiveram que abandonar suas casas e
céu aberto nas imediações da comunidade. As suas terras. O Estado ainda não reconheceu o
consequências imediatas de tal prática estavam despojo. Muitas mulheres se foram a seus
afetando a mobilidade, o ambiente e o normal municípios, mas outras persistiram na luta pela
desenvolvimento social dos habitantes. O que recuperação das terras. Passados vários anos
encheu a paciência da comunidade foi a morte de desde que a Associação de Mulheres Produtoras
uma mulher atropelada por um caminhão da do Campo iniciaram a reclamar os territórios e
pedreira quando transportava quase 20 tonela- desde então tem visto casas queimadas, assassina-
das de material extraído da montanha. Aí se tos coletivos. Alberto Ortiz, Mulheres sem terra
iniciou um procedimento de reclamações e ações na Colômbia: Contra o Governo, as guerrilhas e
judiciais junto a Corporação Autônoma Regional as multinacionais, 26 de maio, 2015.
e a Secretaria de Ambiente que deu como primei-
ro resultado a paralisação das atividades extrati- A Rota Pací ca das Mulheres entregou em
vas e o fechamento provisório da pedreira Medellín um primeiro relatório de 73 páginas
enquanto resolve a sansão e fechamento de niti- sobre os avanços da Lei de Restituição de Terras e
vo. As ações jurídicas estiveram acompanhadas o acesso das mulheres à propriedade rural, uma
de um acampamento que impedia a entrada e informação de sumo valor, pois se ocupa de uma
saída de veículos da propriedade onde se explora situação complexa para as mulheres do campo
a mina. enquanto à insegurança jurídica das mesmas com
demonstrou a pouca ou nula informação que tem
as mulheres rurais sobre como acessar à terra, e a
não aplicação do enfoque diferencial, em especial
na lei 1448 segundo o que sentenciou a Corte
Constitucional em várias ocasiões. A porta voze
da Rota Pací ca fez um chamado às instituições e
aos funcionários encarregados de aplicar a lei,
para que a política rural e de vítimas responda às
necessidade reais das mulheres rurais e não a
enfoques familhistas que o que fazem é invisibili-
zar as mulheres dentro do grupo familiar. A
advogada Alejandra Coll, que apresentou o
26 relatório para cerca de 150 mulheres de organiza-
ções sociais de Medellin, enfatizou que segundo a
investigação, “na Colômbia há 3.480.000
mulheres registradas como vitimas do con ito
armado”. Destas, 1.704 solicitaram em seu nome
a propriedade despojada e não há clareza sobre as
mulheres que podem estar incluídas em outros
núcleos familiares em processos de restituição de
terras. A situação se agrava, pois, as mulheres ao
não serem proprietárias, não podem acessar a
crédito como é exigido pelo sistema nanceiro
para apoiar projetos produtivos, o que signi ca
que além da restrição para o acesso a terra em
razão do con ito armado, as mulheres também
encontram obstáculos para acessar aos serviços
das entidades nanceiras. Catalina Vásquez
Cárdenas, Colômbia: O acesso à terra para as
mulheres, um objetivo para alcançar a paz, 3 de
junho, 2015.
de lei 74 de 1960 com contrapeso ao projeto do enorme riqueza que se condensa no abastecimen-
governo desse momento. A lei 135 de 1961 foi o to de 70% dos alimentos que consomem os
resultado da pressão camponesa e da correlação colombianos, ainda apesar das políticas abertu-
de forças internacionais favoráveis às políticas de ristas e de livre mercado que chegaram com a
reforma agrária em nosso continente. Resultado última carta magna. Os camponeses mantiveram
da lei se criou o Instituto Colombiano da seu espírito de luta e combatividade com iniciati-
Reforma Agrária (Incora), o que deu um novo vas como o Mandato Agrário em uma tentativa
auge ao movimento camponês e permitiu a de se reagrupar e buscar a unidade como única via
entrega de terras a centenas de famílias campone- possível para derrotar, para sempre, as políticas
sas. Mas esta lei foi de caráter marginal e nunca opressivas e mercantilistas que condenam o
pôs em perigo a estrutura latifundiária do país, campesinato à miséria e ao desaparecimento. A
ainda que deixou nervosos, os governantes de parada agrária de 2013 e a criação da Convenção
extensas regiões do território nacional, o que Agrária, Étnica e Popular, são a pedra angular na
nalmente deu origem a uma nova espiral de edi cação do novo horizonte, a que corresponde
violência, ao nascimento das atuais guerrilhas e empreender a luta pela recuperação da soberania
pôs um ponto nal ao Acordo de Chicoral em alimentar, a desprivatização da água, a recupera-
1972, agenciado pelo governo de Misael Pastrana ção dos paramos, a defesa do território, a custó-
Borrero, que permitiu o desmonte do pouco dia das sementes nativas,o reconhecimento dos
alcançado pelo campesinato em matéria de direitos camponeses, a democratização da
política agrária. propriedade da terra, a liberdade de organização,
A partir deste momento e até hoje, não mobilização e expressão, a agroecologia e o
param a violência e o despojo contra os campone- reconhecimento da economia camponesa, a
ses. O surgimento de Fensa em 1976, e Fensuagro unidade operário e camponesa e a conquista da
em 1997, é a resposta do campesinato mais paz com justiça social. O XI Congresso da
consciente que retomou o legado da luta pela Fensuagro deve assumir estes objetivos e avançar
reforma agrária, única possibilidade real de no fortalecimento e na unidade do movimento
encontrar uma saída para a crise estrutural que camponês, do movimento sindical e popular.
agonia o campo colombiano. Vamos com decisão pela paz e pelo reconheci-
A constituição de 1991 negou o reconheci- mento dos direitos camponeses. Eberto Diaz
mento ao campesinato como ator social e sujeito Montes, Perspectivas e lutas do campesinato na
de direitos sociais e políticos que por meio da Colômbia, 19 de junho, 2015.
economia camponesa aporta à nação uma
Ataques, políticas, resistência, relatos
Documento Constitutivo da União de Cientistas decidimos formar a União de Cientistas
Comprometidos com a Sociedade e a Natureza Comprometidos com a Sociedade e a Natureza da
da América Latina (UCCSNAL) América Latina (UCCSNAL) com o objetivo de:
V
ivemos uma crise civilizatória global sem acadêmicos no desenvolvimento do
30 precedentes em todas as esferas das conhecimento e suas aplicações.
atividades humanas, à que nos levou o 3.Gerar conhecimento com base na pesquisa
capitalismo e modelos similares que separam o ser contextualizada, com o auxilio de nossas
humano da natureza. Suas principais manifestações disciplinas, em um espaço interdisciplinar de
são uma iniquidade socioeconômica que não para debate, orientado a apoiar, acompanhar, e
de se aprofundar, o crescente exercício do poder fortalecer os processos sociais e as lutas na defesa
mediante a violência, o avassalamento da das comunidades e a natureza.
diversidade biológica e cultural, e um conjunto
inumerável de desajustes ambientais. Na América O conhecimento cientí co e tecnológico, em
Latina, a expansão do extrativismo e o agronegócio particular aquele desenvolvido em um conjunto
abonaram esta crise submetendo nossos territórios reducionista, sem o devido controle social,
e seus habitantes a um incessante despojo e contribuiu para criar problemas ambientais e de
extinção. saúde, com alcances muitas vezes catastró cos e
Desde o discurso dominante, se decidem as irreversíveis, ou, se têm solução, esta costuma ser
soluções cientí co-tecnológicas um rol cada vez difícil e cara.
mais preponderante na resolução das crises,
deslocando a discussão ético-política de fundo. De forma crescente, a ciência e a tecnologia são
No entanto, a geração e uso do conhecimento postas ao serviço da acumulação do capital e do
cientí co tecnológico estão cada vez mais exercício ilegítimo de poder, incluindo o
comprometidos com dar resposta às demandas das desenvolvimento de tecnologias com imensa
corporações que impulsionam o modelo que nos capacidade destrutiva.
levou a esta crise e cada vez menos a serviço dos É necessário que as sociedades dos países de
povos. A crescente tendência à privatização do nossa região possam decidir sobre as políticas de
conhecimento, em declínio do seu uso público vai ciência e tecnologia. Nestas decisões devem
em consonância com a ciência cada vez mais participar não só os cientistas de diversos campos,
funcional aos interesses do corporativismo do saber, mas também as organizações da sociedade
capitalista (o grande capital), tendência que se civil, movimentos sociais e representantes legítimos
manifesta no estímulo ao patenteamento do dos diferentes grupos sociais.
conhecimento a nível acadêmico e na crescente
tendência à privatização de entidades públicas de Resulta imperativo aplicar os princípios de
pesquisa e educação superior. precaução e de prevenção. Mas, em vez de respeitar
São as comunidades locais, os povos indígenas, estes princípios éticos, com frequência os interesses
os camponeses e camponesas, os recoletores e políticos ou econômicos conduzem à exploração
recoletoras, os habitantes das periferias das cidades, prematura de tecnologias cuja segurança e
que estão enfrentando a destruição de seus sistemas inocuidade não estão garantidas ou são
de vida, à ruptura de suas redes comunitárias e a comprovadamente daninhas.
concentração de seus territórios, sendo eles, ao Um dos exemplos mais dramáticos é o
mesmo tempo, que com suas lutas, seus saberes desenvolvimento de cultivos transgênicos que
ancestrais, seus exemplos de convivências e sua claramente descreveu Andrés Carrasco em seu
concepção de bem viver e sua organização que último documento público, conhecido depois de sua
plantam sementes emancipatórias para reconstruir desaparição física: “O transgênico altera direta ou
os paradigmas necessários para enfrentar estas indiretamente o estado funcional de todo o genoma
crises. como o demonstra a instabilidade da resposta
Diante deste panorama os abaixo assinados fenotípica de um mesmo genótipo no meio
(pesquisadores, professores e estudantes, dedicados ambiente. Na ignorância da complexidade
a trabalhos de pesquisa e ensino superior), biológica (hoje falamos de desenvolvimento
Ataques, políticas, resistência, relatos
31
O
reconsiderar este conceito clássico do gene como conhecimento cientí co e tecnológico é
unidade fundamental do genoma rígido concebido sempre parte de um processo social,
como um “mecano”, uma máquina previsível a atravessado por tensões, con itos e
partir de sua sequencia (classi cação) dos genes e interesses. Nunca é absoluto e de nitivo, sempre é
seus produtos que podem ser manipulados sem susceptível a mudanças, revisões e está sujeito
consequências, expressa o fracasso e a crise teórica permanentemente ao debate.
do pensamento reducionista de 200 anos”. [i] A realidade é complexa assim como os
Frente a estes e outros problemas similares, fenômenos que estão por traz da crise civilizatória
manifestamos nossa convicção de que o que fazer do mundo atual. Por isso é necessário fortalecer as
cientí co deve se desenvolver de uma maneira instituições e iniciativas enfocadas no estudo de
eticamente responsável e com um claro sistemas complexos desde uma perspectiva
compromisso com a sociedade e a natureza, holística, abrindo as ciências aos métodos
privilegiando os princípios de sustentabilidade, multidisciplinares, assim como ao diálogo das
equidade, democracia participativa, justiça sócio ciências com outros saberes.
ambiental e diversidade cultural. Assumimos a Não devemos esquecer que a humanidade
necessidade de repensarmos os mecanismos de desenvolveu durante milhares de anos uma
geração de conhecimentos dos modelos cientí cos quantidade inumerável de saberes, práticas e
vigentes, buscando novos paradigmas, que conhecimentos diversos que são a base sobre a qual
contemplem a complexidade, a diversidade e a foram edi cados todos os conhecimentos atuais, e
incerteza, e o bene cio para as grandes maiorias. que estes são uma fonte imprescindível para
Finalmente, a pesquisa cientí ca e tecnológica pode enfrentar os desa os, que como humanidade,
e deve ser conduzida sobre um pluralismo de teremos pela frente.
estratégias, rechaçando as que se enquadrem em Em virtude de que os sistemas cientí co-
uma abordagem descontextualizada, e buscando as tecnológicos são também geradores de ameaças
que permitem pesquisas que integram e articulam as sociais e ambientais, é imprescindível desenvolver
dimensões ecológicas, sociais e culturais dos povos. análises integrais e críticas de seus processos e
[ii] aplicações. A este respeito se deve enfatizar o
Ataques, políticas, resistência, relatos
35
(FMI) e o Banco Mundial, o para o acerto de Diferenças sobre na scal que impuseram na
Sistema de Solução de Diferenças Investimentos (CIADI) do Banco América Latina dos anos oitenta e
da OMC e os citados tribunais de Mundial, todos estes tribunais noventa do século passado. Hoje
arbitragem – de caráter imperati- privados se constituem como uma com o TTIP se restringe nossa
vo, coercitivo e executivo (direito espécie de sistema paralelo ao soberania econômica na mesma
duro). Dito de outro modo: para poder judicial, favorecendo as medida em que a soberania latino
as multinacionais, a fortaleza da grandes empresas a margem dos americana se viu afetada pela
Lex mercatória: para as pessoas e poderes judiciais nacionais e chegada de “nossas empresas” há
os povos afetados por elas, a internacionais. Nesta justiça duas décadas.
36 debilidade da “ética empresarial” privada, são as transnacionais as
e a “responsabilidade social”. que demandam aos Estados – Armadura Jurídica. “O submeti-
nunca o inverso – e elegem mento a arbitragem de controvér-
“Segurança jurídica”. Os jurisdição para as sentenças de sias entre os Estados e os investi-
tribunais internacionais de tribunais ordinários e não cabe dores estrangeiros forma parte
arbitragem têm uma função recurso à falha arbitral. E mais, das obrigações assumidas nos
fundamental na arquitetura como a rma Luiz Rico, membro tratados de proteção e promoção
jurídica da impunidade: dotar de de Ecologistas em Ação e da dos investimentos, em tratados de
plena segurança jurídica os campanha Não ao TTIP, “os livre comercio e em outros
investimentos realizados pelas juízes pertencem a uma panelinha similares”. Segundo Alejandro
multinacionais frente aos Estados da lei, e podem atuar às vezes Teitelbaum, advogado e especia-
receptores. Este é o conceito como conselheiros das multinaci- lista em Direito Internacional, “os
dominante de “segurança onais, outra como scais, como Estados renunciam assim a uma
jurídica”, baseado nas normas de árbitros. Podem ser juízes e prerrogativa fundamental da
investimentos e nos acordos de parte”. soberania como é a competência
comercio bilaterais, multilaterais territorial dos tribunais naciona-
e regionais promovidos desde a Soberania e “nossas empresas”. O is”. Assim, diante da armadura
OMC, o FMI e o Banco Mundial, fato de que o TTIP inclua o jurídica do capitalismo, se faz
que tem como único fundamento recurso a estes tribunais de necessário reestabelecer esta
a proteção dos contratos e a arbitragem como principal competência dos tribunais
defesa dos interesses comerciais mecanismo de resolução de nacionais, recuperar o papel dos
das grandes companhias. Desta con itos entre grandes investido- parlamentos e por em marcha
maneira, enquanto de deixa de res e os Estados representa, sem iniciativas legislativas populares.
lado o que deveria ser a verdadei- dúvida, uma ameaça para o pleno Junto a isso, no marco internacio-
ra segurança jurídica – a que situa exercício da democracia, da nal, é urgente estabelecer uma
o direito internacional dos soberania e dos direitos sociais. normativa vinculante que
direitos humanos sobre o da Lex Como, no mesmo sentido, foi neutralize a forte assimetria que
mercatória – e não existem para a América Latina nos anos existe entre a Lex marcatoria e o
instrumentos efetivos a nível oitenta e noventa a imposição do Direito internacional dos Direitos
internacional para o controle das Consenso de Woshington, que Humanos. Isto é, que anteponha
empresas transnacionais, os levou a maioria dos Estados da os direitos das pessoas e dos
laudos dos tribunais de arbitra- região a assinarem tratados povos aos interesses privados das
gem sim dão lugar a mecanismos comerciais e acordos de proteção grandes corporações.
coercitivos e são “sentenças” de de investimentos com os países
cumprimento obrigatório, já que centrais, permitindo – quando
suas implicações econômicas algum dos governos latino
resultam muito difíceis de americanos, obedecendo à
suportar pelos países periféricos. vontade popular, quis modi car
as condições dos contratos – a
Privatização da justiça. A Corte interposição de dezenas de * Juan Hernández Zubizarreta é professor da
Universidad del País Vasco (UPV/EHU). Pedro
permanente de Arbitragem com demandas frente ao CIADI por Ramiro (@pramiro_) é coordenador do
sede em La Haya, a corte de parte das empresas transnaciona- Observatório de Multinacionais na América
Latina (OMAL) omal@omal.info
arbitragem da Câmara de is europeias e estadunidenses. Na
Comércio Internacional, o União Europeia estamos sofrendo La Marea, 26 de junho, 2015
http://www.lamarea.com/2015/06/26/tribunale
Sistema de Solução de Diferenças agora os mesmos planos de ajuste s-de-arbitraje-el-ttip-y-la-privatizacion-de-la-
da OMC, o Centro Internacional estrutural, austeridade e discipli- justicia/
Nesta entrega, o Grupo Semillas nos revela:
O
s interesses particulares do capital global
são reproduzidos de maneira submissa
pelos governos de plantão em nossos
países contra a preservação da natureza e as
necessidades e realidades de nossos povos. Neste
caminho carregado de interesses privados com
visão mercantilista de todas as dimensões da vida,
se desenvolve também o tema do cambio climáti-
co, que de maneira reducionista e linear se concei-
tua e modela como uma mudança quantitativa nas
variáveis atmosféricas em longo prazo, vistas de
maneira física, sem incorporá-las à vida que cada
elemento cunha, sendo que a leitura é muito mais
complexa, tendo em vista que se remete ao
“sistema climático”, visto como um tecido de
relações entre a atmosfera, os oceanos, continen-
tes, massas de gelo e de neves e todos os demais
seres da vida (solos, águas, árvores, animais,
estrelas, seres humanos, em seus diferentes papeis
e atividades mediadas pelos valores e as culturas
que imprimem um tipo especí co de relaciona- A dinâmica do sistema climático produz
mento com seu entorno), como um sistema comportamentos e evoluções dos processos que
dinâmico caracterizado pelo intercambio de governam a atmosfera nas horas subsequentes (12,
uxos de energia, de matéria e informação, com a 24,48 e 72 horas), é o que se denomina “o tempo
tendência a alcançar sempre um equilíbrio atmosférico”, assim como utuações em escalas de
termodinâmico. tempo que vão desde anos (variabilidade climáti-
O fruto das inter-relações neste sistema é o ca) há milênios (mudanças climáticas globais).
clima, que ao longo do tempo apresenta alterações
e mudanças próprias de um sistema dinâmico,
produzidas antes da revolução industrial por seus O cambio climático e a migração
componentes naturais e depois da revolução
industrial, pelas atividades humanas nos países do Na linguagem da Conservação marco das
norte mediante as emissões de gases de efeito Nações Unidas para o Cambio Climático,
estufa num nível superior às possibilidades de CMNUCC, quem “regula” politicamente este
autodepuração do planeta. Os principais gerado- tema, a “migração”, se refere “às ações humanas e
res são os países industrializados, mais de 70% do políticas encaminhadas a reduzir as fontes e
total, enquanto a América Latina e o Caribe emissões de gases com efeito estufa (GEI) assim
contribuem com menos de 10% e a Colômbia com como potencializar seus sumidouros” (IPCC,
0,36% das emissões totais. 2007), o que está diretamente relacionado com os
modelos de desenvolvimento dos países industria- micas desenvolvidas em outros lugares, com a
lizados, maiores geradores destes gases e que em retórica de que assim se evita a degradação das
vez de reavaliar e reorientar seus modelos de matas, sendo ao contrario, um instrumento
produção e de consumo para diminuir as emissões viciado que insita à degradação para poder acessar
que colocam o planeta em crise climática, adotam a estes programas, e mais que isso, afetam a
mecanismos e instancias que pelo contrário, lhes autonomia dos povos em seus territórios com estes
avaliza o negócio, onde diretamente ganham os de contratos que as comunidades assinam, conver-
sempre – as empresas que vivem das crises climáti- tendo-as em simples administradoras dos negócios
cas -, mas, direta e indiretamente todos perdemos, de quem lhes da dinheiro e por sua vez geram
porque as emissões vêm aumentando e a instabili- con itos entre as comunidades de um lugar onde
dade climática no planeta também, ainda que,ob- estão sendo afetadas por projetos que emitem
viamente, afeta em maior proporção às popula- gases.
38 ções em condição de vulnerabilidade social, Na Colômbia existe o Programa BIOREDD+,
econômica e exclusão política. que executa USAID no Chocó biogeográ co, que
Um destes mecanismos é o Protocolo de conta com doze projetos com conselhos comunitá-
Kyoto que em teoria: “De ne a estrutura do rios de comunidades negras, cinco deles localiza-
mercado de carbono com objetivos quantitativos dos no Sul de Chocó (394.452 hectares), três em
de redução de emissões para países desenvolvidos, Buenaventura (248.606 hectares), e dois em
assim como os mecanismos de mercado desenha- Tumaco (140.870 hectares) variabilidade climáti-
dos para diminuir o custo de sua implementação. ca, processos extrativos e dispêndios.
Um destes mecanismos, o Mecanismo de As utuações do sistema climático no curto
Desenvolvimento Limpo (MDL), permite que prazo denominado variabilidade climática, se
projetos de investimentos elaborados em países expressam nos fenômenos “El Niño e La Niña”
em desenvolvimento possam obter ingressos que na linguagem politiqueira são os “culpados”
econômicos adicionais através da venda de de todas as problemáticas socioambientais
créditos de carbono chamados Certi cados de oscilantes entre os excessos de chuva e as secas, as
Emissões Reduzidas (CER), ao mitigar a emissão quais se exacerbam com inúmeros desastres
de gases com efeito estufa ou sequestrando ocorridos. Tal visão facilitadora, reativa, midiáti-
dióxido de carbono da atmosfera (Projetos de ca, insensível e ignorante, invizibilisa nos desastres
Florestamento e Re orestamento)”. Pelo ocorridos as reais contribuições dos efeitos do
contrário, na prática estes mecanismos aprofun- processo histórico de transformação do território
dam os desequilíbrios no sistema climático seguindo modelos de desenvolvimento alheios que
mediante atividades econômicas dos países devastam a natureza e os suportes vitais para o
industriais que desequilibram a natureza e as “bem viver” das famílias, gerando desequilíbrios
condições de vida dos povos, deixando uma ecológicos, sociais e econômicos, por isso o
mancha com maiores emissões de CO, como professor Gustavo Wilches muito acertadamente
demonstra o observatório de Mauna Loa no manifesta que “os desastres naturais são antrópi-
Hawai, com dados de maio em cada década no cos”.
planeta. Neste processo sistemático de degradações, as
Toda uma tropa de intermediação materiali- atividades humanas de grande escala se apoderam
zada em consultores, comerciantes de carbono, dos territórios, da água, arrasam a pele da terra
agencias multilaterais (Banco Mundial, BID) e (mediante a derrubada sistemático da diversidade
organizações devotas a estas visões mercantis, leva de arvores nativas em ecossistemas e bacias
grande parte do dinheiro designado para estas hidrográ cas), sugam e se apoderam das entra-
temáticas, que não transformam nem em uma nhas da terra mediante processos extrativos de
mínima proporção os processos causais geradores hidrocarbonetos convencionais e não convencio-
da instabilidade climática. nais, mega mineração, hidroelétricas, agroindús-
Na Colômbia, fervilha este tipo de projetos no trias, deixando múltiplos efeitos irreversíveis na
marco dos mecanismos de desenvolvimento natureza e na condição de existência dos diferentes
limpo. Neste mesmo caminho vem sendo imple- seres vivos, como sucede em Guajira e César com o
mentada a estratégia nacional de redução de projeto Cerrejón, na Orinoquia com a extração
emissões por desmatamento e degradação de petroleira.
orestas, REDD+, que pretende entregar dinheiro No último fenômeno La Niña ocorrido entre
às famílias e comunidades dos “países em desen- 2010-2011, os excessos de chuva permitiram ver
volvimento” para “compensar” as emissões e que as atividades extrativas que abatem massiva-
danos gerados à natureza pelas atividades econô- mente as árvores nativas que protegem os solos e
os uxos de água em quebradas, rios, desestabili- altamente efetivos, e cientes e em equilíbrio
zaram os solos e geraram um volume inumerável regional dos ciclos de água.
de desmoronamentos ou remoções em massa, que
A
perturbam o livre uxo das rodovias, assim como delimitação de paramos e banhados
a busca por parte da água de seus territórios que ao recalcula e estuda inúmeras vezes os solos
longo do tempo vem sendo drenadas para estabe- a partir de levantamentos semi detalhados
lecer atividades como a pecuária extensiva ou de solos ao longo de 3.875.737 hectares das áreas
monocultivos que quando vem às chuvas, a água de in uências de paramos e banhados da
volta a ocupá-los. É o caso da Mojana (Sucre), Colômbia. Identi ca e espacializa padrões de
zona de deságue e equilíbrio dos rios Cauca, San distribuição edá co, estuda de novo as caracterís-
Jorge e Loba, onde o governo de Uribe construiu ticas físicas e minerológicas, classi ca taxonomi-
uma terraplanagem elevada a um custo de 240 camente os solos, gera e atualiza cartogra a
bilhões de pesos. Uma obra que se estende desde básica, em nível de espécies, unidades ecológicas, 39
Caucasia e Nechí na Antioquia até Achí em Sucre, cartogra a de oferta potencial de serviços
e que em vez de “acomodar as águas”, rebentou o ecossistêmicos e ameaças aos banhados, aspectos
dique pela força das águas no ciclo das chuvas de socioeconômicos relativos ao ordenamento
2012, deixando uma situação pior da que antes territorial para a caracterização de banhados,
existia. estudos cartográ cos desde a perspectiva da
Esta onda de desastres gerados pelas ativida- biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, etc.
des humanas foram despercebidas pelas institui- Tudo isto permite mostrar que os paramos e sua
ções do governo. Pelo contrário, culparam a área de in uencia além de suas cotas e medições
natureza de tais circunstancias. Ainda se recorda a quantitativas, uma vez que os paramos é parte de
frase de Santos “la maldita niña”, quando ele foi um grande ecossistema, onde sua sobrevivência
quem criou o Fundo de Adaptação com pessoa depende das zonas de recarga, das selvas ou matas
jurídica, autonomia orçamentária e nanceira, de nevoeiro, das matas andinas e basais, em geral,
vinculado ao Ministério da Fazenda e Crédito das selvas tropicais – e que unidos formam um
Público, mediante decreto 4819 de 29 de dezem- macro sistema similar a nosso corpo humano,
bro de 2010 com a missão de atender a construção, aonde o coração vai além do coração, está conec-
reconstrução, recuperação e reativação econômica tado com a cabeça e com os órgãos essenciais para
e social nas zonas afetadas pelo fenômeno la niña seu funcionamento.
2010-2011, com critérios de mitigação e preven- A visão e gestão parcial e fracionada nas
ção de risco. instituições afeta também a sustentabilidade
Neste contexto apareceram macroprojetos ambiental dos banhados, da cobertura glacial que
concentrados na zona de Mojana, outros no por ano perde de 3 a 5 % com retrocesso glacial de
sistema do canal do Dique, e reassentamentos de 20 a 25 metros por ano. São estudos com visões
povoados como Gramalote e projetos dirigidos à fragmentarias que deixam de assimilar a natureza
reconstrução e melhoramento de rodovias, de maneira sistêmica e com esta visão especializa-
projetos de moradias, entre outros. da e parcial respaldam e cedem de bandeja estes
Os macroprojetos se desenvolveram de frágeis e importantes ecossistemas à voracidade
maneira desarticulada, repetem trabalhos de das empresas extrativas, e a isto se soma a submis-
medição, cartogra as, inventários, análises de são das instituições aos interesses particulares das
solos, de aguadas e hidroclimáticos, como na zona mesmas. Alem disso, são projetos implementados
de Mojana, região onde há vários anos estudam, sem consultar os resultados de inventários de gases
calculam, recalculam e reelaboram de maneira de efeito estufa realizados para a Colômbia, nem
recorrente modelos hidrológicos e climáticos que estudos climáticos onde se a rma que entre 1983 e
geram os elementos para reordenar as atividades 2012 sucedeu o período planetário mais quente
humanas com base no bem comum, porque a em 1400 anos, pelo qual, se requer com urgência
natureza de fato está ordenada e busca seus aliviar esta febre com pele verde diversa e nativa,
espaços. Tampouco geram processos de inclusão fazendo a paz com a natureza e em favor do bem
social e cultural que levem em conta os saberes comum.
ancestrais de comunidades que sabiam e sabem E pra completar, este “fundo de adaptação”
conduzir de maneira harmônica suas relações com deixa a reativação econômica de centenas de
o ciclo da água nesta região, como é o caso do povo famílias afetadas em dezoito departamentos da
zenú que estabeleceu faz mil anos mais de qui- Colômbia, como um projeto macro que ca nas
nhentas mil hectares com campos elevados para mãos de Corpoica, quando se sabe que este
programar sistemas produtivos ancestrais, instituto se encontra a serviço da Revolução Verde,
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com propostas de monocultivos que homogeneí- subsídios às produções dos países industrializa-
zam os espaços mediante o desmatamento dos, assim como os TLCs que vão contra a
sistemático para o plantio de um só cultivo ou produção nacional. É por isso que o critério para
atividade (arroz, cacau, pastagens extensivas para as famílias camponesas não é o monocultivo para
pecuária leiteira, cana de açúcar, etc.), com o uso vender nos mercados regionais ou nacionais, mas
de sementes híbridas e transgênicas de empresas os policultivos que lhes garantem o sustento
transnacionais (que contaminam nossas sementes familiar e a provisão aos mercados locais e
crioulas e nativas), que propiciam o uso de regionais.
agroquímicos (também de empresas transnaciona- Este projeto desconhece as culturas, valores e
is). verdadeiras necessidades das famílias rurais, que
Com a desculpa de um uso “responsável”, necessitam reconstruir seu tecido social, suas
embarcam às famílias camponesas em empreendi- autonomias, suas culturas de relação com o
mentos que ligam a venda de seus monocultivos entorno, através do plantio de alimentos diversos
em cadeias de comércio, onde regularmente os em suas hortas que lhes geram autoconsumo e lhes
pequenos produtores terminam quebrados pelas garantem boa saúde e que, além disso, melhoram
condições assimétricas e unilaterais que estabele- as relações no território, plantando solidariedades
cem estes conglomerados. com as trocas de sementes, alimentos, trabalho
É um macroprojeto que desconhece a crise voluntário. Fortalece também relações entre o
que vive o chamado setor agropecuário na campo e a cidade, garantindo alimentos sadios e
Colômbia, na cabeça e ombros dos pequenos e diversos às populações urbanas mais próximas. As
médios produtores em espacial, pelas mesmas famílias camponesas em situação de vulnerabili-
políticas do Estado que historicamente, abando- dade necessitam de projetos construídos com elas
naram os agricultores a sua sorte, preferindo as para consolidar suas capacidades de autogestão.
políticas de abertura econômica, o mercado Para nada, projetos que multipliquem suas
internacional sustentado em bloqueios econômi- dependências e suas misérias.
cos e externalidades que produzem os imensos http://semillas.org.co/es/revista/derroches-y-desprop
A revista Biodiversidad, sustento y culturas em versão digital, em espanhol, está disponível em:
http://www.grain.org/article/categories/91-biodiversidad
Sítio temático:
http://www.farmlandgrab.org/ y http://www.bilaterals.org/
A Aliança Biodiversidade convida a todas aquelas pessoas que estão envolvidas nos trabalhos
conjuntos em defesa da biodiversidade nas mãos dos povos e comunidades, a apoiar seu
trabalho de articulação e apoio do fortalecimento dos processos sociais do continente.
Os fundos arrecadados através de doações se destinarão a fortalecer os circuitos de
distribuição da Revista Biodiversidade, sustento e culturas, assim como sua impressão nos
diferentes países em que trabalha a Aliança Biodiversidade.
http://www.biodiversidadla.org/Principal/Secciones/Campanas_y_Acciones/DONAR_-_Alianza_Biodiversidad