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Resumo. Neste trabalho pretende-se apresentar a avaliação do potencial de utilização de paredes trombe para
promover a ventilação natural em edificações localizadas em quatro cidades do litoral nordestino, no Brasil, são elas:
Fortaleza – CE, Natal – RN, Maceió – AL e Salvador - BA, pois sabe-se que o potencial de utilização deste dispositivo
arquitetônico ainda é pouco estudado no Brasil e estas cidades de um modo especial apresentam a ventilação natural
como principal estratégia de projeto para obtenção de conforto, segundo a carta bioclimática de Givoni. Uma parede
trombe consiste num vão envidraçado colocado em frente a uma parede exterior do edifício, que para o caso do
hemisfério sul deve estar orientada para o norte, formando uma caixa de ar e resultando num aumento do efeito estufa
no seu interior. Este ar pode ser usado para aquecer o ambiente (inverno) ou resfriá-lo por meio da ventilação natural
(verão). A análise deste trabalho se deu a partir de uma série de simulações computacionais utilizando os softwares
EnergyPlus para as simulações de desempenho térmico, de modo a identificar o incremento da ventilação natural a
partir do uso deste elemento arquitetônico, sob as diversas configurações construtivas analisadas neste trabalho para
resfriamento dos ambientes. Foram variados parâmetros como Espessura da parede e do canal interno da parede
trombe e tipo de fechamento deste sistema.
1. INTRODUÇÃO
Embora o homem tenha buscado, desde os tempos remotos, construir seu abrigo em harmonia com os
condicionantes climáticos do lugar ao qual estava inserido e com os recursos materiais disponíveis na natureza, após a
segunda metade do século XIX, com a Revolução Industrial e a subseqüente evolução tecnológica, diversos sistemas de
iluminação e climatização artificial foram criados e passaram a ser largamente utilizados nas edificações, resultando em
um crescente consumo energético.
A inadequação do edifício ao clima local pode proporcionar sensações de desconforto térmico em seus usuários,
ocasionando a diminuição do rendimento das atividades executadas em seu interior, além do desperdício de energia
(Givoni, 1991). A construção de edificações adaptadas ao clima local, seja por meio de materiais, tecnologias, ou
estratégias arquitetônicas, resulta em uma diminuição do uso de meios artificiais para obtenção de conforto térmico e
luminoso.
O projetista deve buscar sempre adaptar as edificações ao clima do sítio onde a mesma será implantada e esta
busca passa pela investigação do desempenho ambiental de diversos componentes arquitetônicos, de modo a promover
um maior conforto aos usuários destes espaços, dentre estes componentes, encontram-se as Paredes de Michel-Trombe,
ou “Paredes Trombe”, como são conhecidas; um sistema criado na França no ano de 1957 pelo Engenheiro Felix
Trombe e pelo Arquiteto Jacques Michel, cujo potencial de utilização no Brasil ainda é pouco investigado.
A integração da Parede Trombe na Arquitetura é relativamente simples. Vista pelo lado exterior aparenta ser uma
janela e, pelo interior, assemelha-se a uma parede comum. As Paredes Trombe são colocadas nas fachadas orientadas ao
Norte, nos espaços em que se pretende receber ganhos solares indiretos durante os meses frios do ano, aproveitando,
durante a noite, o calor que acumularam durante o dia ou para tomar partido da ventilação natural nos meses quentes.
O sistema evoluiu da parede grossa com vidro na frente, em que a maior parte do calor era perdido e não chegava
ao interior do edifício, para a versão moderna que possui ventilações no topo e na base da caixa de ar, que permitem o
arrefecimento rápido do coletor e maximiza os ganhos obtidos.
Para um bom dimensionamento de uma parede trombe, deve-se levar em consideração alguns aspectos:
O clima, pois as perdas de calor dependem da diferença entre as temperaturas externa e interna. Quanto
maior for esta diferença, maior será a perda de calor, podendo ocorrer superdimensionamento deste
dispositivo;
A latitude e orientação da edificação, pois a energia solar incidente pode mudar de acordo com a latitude,
a partir de uma análise da trajetória solar;
Necessidade de aquecimento e refrigeração do local onde será implantado este sistema.
A eficiência de uma parede trombe também dependerá de alguns fatores internos, como a parede, seus materiais e
espessura; superfície envidraçada e o número e dimensões das aberturas.
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Este dispositivo arquitetônico (Fig. 1) consiste em uma parede orientada ao sol, no caso do hemisfério sul, deve
estar voltada para o norte, de espessura moderada com uma abertura inferior e outra superior, com o lado externo
totalmente coberto por um painel de vidro, com separação de 5 a 10 cm, promovendo assim o aquecimento do ambiente
onde se encontra.
As paredes trombe possuem um grande potencial na promoção do conforto térmico de uma edificação, já que
podem ser utilizadas com a intenção de tomar partido da ventilação natural e da inércia térmica (Elsadig, 2005). Seu
funcionamento (Fig. 2) é essencialmente simples: A radiação solar de onda curta atravessa o vidro e aquece a face
externa da parede com alta inércia térmica, produzindo-se o chamado "efeito estufa", pois a radiação de onda longa
emitida pela parede não pode voltar a atravessar o vidro, aquece o ar que há entre a parede e o vidro e assim a parede
vai acumulando calor que, sem alternativa, é libertado para o interior da habitação, quando utilizado para aquecimento
ou para o ambiente externo, por meio do efeito chaminé promovido pelo aquecimento do ar promovendo ventilação no
ambiente interno.
(a) (b)
Figura 2 – Funcionamento de uma parede trombe (a) durante o período de inverno para aquecimento e (b)
durante o período de verão, para ventilação.
Fonte: Adaptado de (Chel et al, 2008)
À medida que recebe radiação solar, a parede vai acumulando energia que, ao fim de algum tempo, acaba por
atravessar o muro e aflorar no interior do edifício, aquecendo-o por convecção e transmissão, gerando devido à inércia
térmica, um retardo na transmissão e uma amortização na oscilação das temperaturas (Adams et al, 2010).
Para promover ventilação, a parede deve ter apenas a abertura inferior e o painel de vidro deve ter uma abertura
superior. O ar exterior entra por outra abertura em uma parede diferente e o ar interior, mais quente, sai pela Parede
Trombe (Shen et al., 2007).
Para o Brasil, poucos estudos foram encontrados na bibliografia referente ao tema, como o trabalho de Figueira (et
al, 2003) onde foram realizadas medições in loco para avaliar o desempenho de uma parede trombe para o clima do Sul
do país. Este sistema contou com garrafas cheias de água para auxiliar no armazenamento térmico. Foi observado um
atraso térmico de 4 a 5 horas entre o pico radiação e o pico de calor acumulado na parede trombe.
Ocorre na parede trombe a convecção natural em decorrência do efeito chaminé na cavidade da parede. Esta
convecção natural é responsável por diminuir a temperatura do ar no interior da edificação por meio da ventilação
natural. O efeito chaminé é provocado pelas diferenças de temperaturas do ar em dois pontos distintos da edificação e
que podem ser provocadas mesmo por baixas fontes internas de calor, como as decorrentes da ocupação e realização de
atividades metabólicas pelo ser humano.
Hocevar (et al, 1979) mostraram a partir de resultados experimentais que o fluxo no interior da parede trombe é
extremamente complexo. No caso da parede trombe, a diferença de temperatura se dá pelo efeito estufa produzido a
partir do aquecimento por radiação do ar no interior da caixa de ar, pois o sol emite radiação de ondas curtas, para as
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quais o vidro é transparente, no entanto ao incidir sobre a parede absorvedora, esta radiação é reemitida em forma de
radiação de ondas longas, que não atingem o ambiente externo, aquecendo o ar no interior da parede trombe.
2. OBJETIVO
Este trabalho tem por objetivo investigar o desempenho térmico de uma edificação padrão a partir da utilização de
paredes trombe para quatro cidades do litoral nordestino, no Brasil, de modo a contribuir para o estabelecimento de
bases e recomendações projetuais para edifícios com maior grau de eficiência energética nesta região do país.
3. MÉTODO
Para este trabalho, considerou-se apenas o caso das paredes trombe ventiladas, considerando os estudos
paramétricos obtidos a partir de simulações computacionais, utilizando o software EnergyPlus, considerado
internacionalmente como um dos melhores softwares da atualidade para modelagem e simulação de desempenho
térmico, de modo a obter a melhor configuração de uma parede trombe, tornando possível a utilização deste dispositivo
arquitetônico em edificações construídas no Brasil.
Sabe-se que a forma mais rápida de alterar os parâmetros de uma edificação de modo a verificar seu efeito no
desempenho térmico é a partir de simulações computacionais. Atualmente há uma série de programas disponíveis
capazes de simular com confiabilidade o comportamento térmico de edifícios por meio de métodos de cálculo.
Optou-se por utilizar o módulo AirflowNetwork. No módulo relacionado à ventilação natural são determinados os
links (entradas) do fluxo de ar, as características do entorno da edificação, as condições de abertura das janelas e portas
e as condições de ventilação. O algoritmo permite que sejam criados schedules (agendas) de controle, de
disponibilidade de ventilação, entre outras.
O ambiente padrão terá dimensões de 4,00 x 4,00m com pé direito de 3,00m e possuirá uma parede trombe na
fachada norte (Fig. 3) com todas as paredes pintadas de branco (absortância a=0,27), este ambiente será simulado entre
outros dois volumes semelhantes (Fig. 4), de modo a verificar as trocas térmicas entre a fachada e o ambiente externo
apenas pelas fachadas onde estão localizadas as aberturas. A fachada norte está completamente exposta à radiação solar,
enquanto a fachada sul apresenta um protetor solar de 3,00m de largura, criando um espaço de transição entre o interior
e o exterior e evitando que a radiação direta influencie de forma demasiada no aquecimento da zona a ser analisada.
Figura 3- Perspectiva do modelo simulado com vista para a (a) fachada sul e para a (b) fachada norte, onde
foram inseridas as paredes trombe.
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Figura 4 - Planta baixa do modelo a ser simulado com destaque para a zona analisada.
Os sistemas construtivos adotados para as simulações deste trabalho estão descritos na Tab.1, onde é possível
observar as propriedades termofísicas dos materiais utilizados como dados de entrada para o software EnergyPlus.
(J/Kg oC)
(J/Kg oC)
(W/m oC)
(W/m oC)
(W/m oC)
(Kg/m3)
(Kg/m3)
(Kg/m3)
ρ
ρ
λ
λ
c
c
Tijolo cerâmico 0,40 1200 960 Concreto 1,75 2400 1005 Concreto 1,75 2400 1005
08 furos armado armado
19x19x09cm
Argamassa de 0,85 2000 1005 Piso cerâmico 1,10 2000 1005 Isolante 0,04 18 1675
revestimento térmico
Onde:
l – Condutividade Térmica;
r – Massa específica (densidade);
c – Calor específico.
Variáveis
Parede Trombe
Parede - Vidro
fechamento da
Espessura da
envidraçada
Largura da
Distância:
aberturas
superfície
Área das
Tipo de
parede
A partir destas considerações e da combinação das possibilidades propostas para este trabalho, foram realizadas
simulações para cada condição climática analisada. Serão considerados os climas de quatro cidades, localizadas no
litoral do nordeste brasileiro. As cidades que serão simuladas neste trabalho estão apresentadas na Tab. 3.
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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir da metodologia proposta neste trabalho foram realizadas 27 simulações computacionais para cada clima
analisado gerando um total de 108 simulações. Os resultados obtidos por meio de simulação indicam que a partir da
implementação de paredes trombe em edificações para as quatro cidades analisadas pode-se ter de fato um
amortecimento e um atraso térmico de aproximadamente 04 horas no comportamento da temperatura tanto para as
condições de inverno quanto para as condições de verão, como é possível observar a partir de dias típicos de projeto na
Fig. 5 que apresenta os resultados para a cidade de Natal e o caso em que se observou o melhor desempenho térmico.
Figura 5 – Comportamento da temperatura externa e interna para o modelo com Parede de 0,45m de espessura,
vão entre a parede e a superfície envidraçada de 0,15m e Vidro duplo como fechamento da parede trombe para a
cidade de Natal - RN.
De um modo geral, o uso de paredes trombe ventiladas no litoral do nordeste brasileiro apresentou um resultado
satisfatório, porém dentre as variáveis analisadas as que apresentaram o melhor desempenho térmico foram:
Fechamento com vidro duplo, Parede com 0,45m e espaçamento entre a parede e a superfície envidraçada com 0,15m
conforme é possível observar na Fig. 6.
Figura 6 – Comparativo entre as temperaturas internas obtidas por meio de simulação computacional para cada
um dos parâmetros variados neste trabalho.
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O vidro duplo obteve melhor desempenho em decorrência de suas propriedades termofísicas, ao apresentar uma alta
absortância, a temperatura superficial se eleva favorecendo o efeito estufa que ocorre no interior da parede trombe,
favorecendo o incremento da ventilação natural como é possível observar na Fig. 7 onde o eixo das coordenadas indica
a temperatura em graus celsius.
Figura 7 – Comportamento da temperatura superficial dos fechamentos envidraçados para as cidades analisadas
O aumento da espessura do canal também favoreceu na diminuição da temperatura interna em decorrência do volume
de ar maior que é deslocado pelo efeito estufa promovendo uma maior ventilação natural, bem como a espessura da
parede que aumenta a inércia térmica promovendo um maior atraso térmico e amortecimento do comportamento da
temperatura interna.
5. CONCLUSÕES
Este trabalho analisou o potencial de utilização das paredes trombe para quatro cidades do litoral nordestino,
verificando o incremento da ventilação natural e a redução da temperatura interna deste ambiente padrão. A utilização
de simulações computacionais mostrou-se uma ferramenta satisfatória e possibilitou a realização das avaliações
desejadas. O software utilizado, além de fornecer dados confiáveis, é capaz de simular a edificação analisada neste
trabalho para os dias de projeto para inverno e verão em um período de tempo reduzido, cada modelo sendo simulado
em aproximadamente 2 segundos.
Estas simulações apontaram para um bom desempenho deste componente arquitetônico quanto a promoção de conforto
térmico, promovendo um amortecimento e um atraso térmico na temperatura interna dos espaços dotados deste
dispositivo, além de diminuição da necessidade de utilização de sistemas mecânicos para aquecimento e refrigeração.
As edificações em geral, devem ser cuidadosamente planejadas para minimizar gastos excessivos com dispositivos de
iluminação e ventilação por meios mecânicos. Artifícios arquitetônicos, tais como as paredes trombe, devem ter seu
potencial investigado para auxiliar a construção de edifícios mais adequados ao clima regional, objetivando sempre o
maior grau de eficiência energética.
A partir destas observações, pretende-se aprimorar a consciência de que a arquitetura local e a produção de edificações
devem ser conduzidas de maneira que os profissionais incorporem uma linguagem adequada e de características
próprias, criando uma tipologia regional, dando uma identidade à arquitetura que vem sendo importada ou mal copiada
e que perde de vista o mais importante: o conforto dos usuários. Frente à crise energética, necessita-se projetar bem para
reduzir o consumo de energia e levar em conta as condições climáticas do meio, aplicando-se as técnicas bioclimáticas.
REFERÊNCIAS
Adams, Serina, Becker, Marc. Krauss, Drew. Gilman Caitlin M. 2010. Not A Dry Subject: Optimizing Water Trombe
Walls. In The Solar 2010 Conference Proceedings, American Solar Energy Society.
Chel, A., Nayak, J.K., Kaushil, G., 2008. Energy Conservation In Honey Storage Building Using Trombe Wall,
International Journal Of Energy And Building, Vol.40.
Elsadig, Ayman Khalid, 2005. Energy Efficiency In Commercial Buildings. Dissertation Presented To Master Course
Of Science Sustainable Engineering, University Of Strathclyde.
Figueira, D.F. ; Krenzinger, A.; Vielmo, Horacio Antonio. 2003. Daily Performance Evaluation Of A Trombe-Michel
Wall. In: 17th International Congress Of Mechanical Engineering, 2003, São Paulo. Proceedings Of Cobem.
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Givoni, B. 1991. Performance And Applicability Of Passive And Low Energy Cooling Systems. Energy And Buildings,
Vol. 17, 1991. Lausane: Elsevier Sequoia.
Hocevar C J. 1979. Thermocirculation Data And Instantaneous Efficiencies For Trombe Walls. Proceedings Of 4th
National Passive Solar Conference[C]. Kansas City: Missouri.
EVALUATION OF THE USE SOLAR FAÇADE IN BRAZILIAN NORTHEAST COAST: THE CASE OF
TROMBE WALL
Abstract. This paper aims to present the evaluation of the potential use of Trombe walls to promote natural ventilation
in buildings located in four cities along the Brazilian northeast coast, they are: Fortaleza - CE, Natal - RN, Maceió -
AL and Salvador - BA, as it is known that the potential use of this device architecture has been little studied in Brazil
and these cities have a special mode natural ventilation as the main design strategy for achieving comfort, according to
Givoni. A Trombe wall is a hollow glass placed in front of an outer wall of the building, in case the southern
hemisphere should be oriented to the north, forming an air gap and resulting in the greenhouse effect inside. This air
can be used to heat the room (winter) or cool it by means of natural ventilation (summer). Analysis of this work was
made from a series of computer simulation using the software for the simulations EnergyPlus thermal performance, in
order to identify the growth of natural ventilation through the use of the architectural element, in the various
constructive configurations discussed in this work cooling environments. Parameters were varied as wall thickness and
internal channel Trombe wall, and closure of this type of system.
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