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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA


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Reformulador
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Revisão de Conteúdo
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
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Programação BY NC ND
Jonas Batista Todo o conteúdo do Curso Investigação do Crime de Estupro:
Marco Aurélio Ludwig Moraes Aspectos Conceituais, da Secretaria Nacional de Segurança
Renan Pinho Assi Pública (SENASP), Ministério da Justiça e Segurança Pública
do Governo Federal - 2020, está licenciado sob a Licença
Salésio Eduardo Assi Pública Creative Commons Atribuição-Não Comercial-Sem
Derivações 4.0 Internacional.
Audiovisual
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Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR
Rodrigo Humaita Witte
Sumário

APRESENTAÇÃO DO CURSO...............................................................................6
MÓDULO 1 – ABORDAGEM CONCEITUAL E DOUTRINÁRIA DO CRIME DE
ESTUPRO.............................................................................................................7
Apresentação.................................................................................................................8
Objetivos do Módulo.............................................................................................................................. 8
Estrutura do Módulo.............................................................................................................................. 8
Aula 1 – Compreendendo a Dinâmica dos Aspectos Jurídicos e Sociológicos do
Crime de Estupro............................................................................................................9
Contextualizando................................................................................................................................... 9
A Cultura do Estupro.............................................................................................................................. 9
Aspectos Jurídicos.............................................................................................................................. 13
Aspectos Sociológicos........................................................................................................................ 18
Aula 2 – O Papel da Segurança Pública nas Políticas Públicas Preventivas e
de Controle do Crime de Estupro..............................................................................21
Contextualizando... ............................................................................................................................. 21
Prevenção do Delito............................................................................................................................. 21
Aula 3 – Vitimização: o Status da Vítima e do Infrator na Investigação
do Crime de Estupro............................................................................................ 25
Contextualizando... ............................................................................................................................. 25
O Status da Vítima............................................................................................................................... 25
O Status do Investigado...................................................................................................................... 29
Aula 4 – A Relação entre a Síndrome da Mulher de Potifar e a Investigação
Criminal......................................................................................................................................... 31
Contextualizando... ............................................................................................................................. 31
A História e a Investigação Criminal................................................................................................... 31
Referências...................................................................................................................34
MÓDULO 2 – GARANTISMO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO.............................................................................. 36
Apresentação...............................................................................................................37
Objetivos do módulo............................................................................................................................ 37
Estrutura do módulo............................................................................................................................ 37
Aula 1 – O que a Investigação Criminal Pretende Garantir.................................38
Contextualizando................................................................................................................................. 38
A investigação criminal e os direitos fundamentais dos indivíduos................................................ 38
Aula 2 – Eixos Articuladores e Pilares Básicos da Investigação Criminal .......42
Contextualizando... ............................................................................................................................. 42
Pilares do processo investigativo ...................................................................................................... 42
Referências...................................................................................................................52
MÓDULO 3 – MOTIVAÇÃO DO AUTOR DO CRIME DE ESTUPRO...................... 54
Apresentação...............................................................................................................57
Objetivos do Módulo............................................................................................................................ 57
Estrutura do Módulo............................................................................................................................ 57
Aula 1 – Motivação do Criminoso..................................................................... 58
Contextualizando................................................................................................................................. 58
Como Surge a Motivação do Autor do Crime.................................................................................... 58
Aula 2 – Motivação Humana ............................................................................. 61
Contextualizando... ............................................................................................................................. 61
Teoria de Campo de Kurt Lewin ......................................................................................................... 61
Teoria da escolha racional ................................................................................................................. 63
Teoria do Valor da Expectativa........................................................................................................... 70
Modelo Cognitivista............................................................................................................................. 73
Aula 3 – Motivação e a Investigação Criminal ...................................................79
Contextualizando... ............................................................................................................................. 79
A Importância de Identificar a Motivação do Agressor na Fase da Investigação........................... 79
Referências...................................................................................................................82
MÓDULO 4 – PLANEJAMENTO DA INVESTIGAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO......84
Apresentação...............................................................................................................85
Objetivos do módulo............................................................................................................................ 85
Estrutura do módulo............................................................................................................................ 85
Aula 1 – Importância do Planejamento da Investigação do Crime de Estupro.......86
Contextualizando... ............................................................................................................................. 86
Conhecendo os caminhos a percorrer............................................................................................... 86
O planejamento e a investigação criminal......................................................................................... 88
Aula 2 – Elaboração de um Cronograma de Trabalho.......................................91
Contextualizando................................................................................................................................. 91
Elaborando um cronograma................................................................................................................ 91
Aula 3 – Análise Preliminar do Objeto
da Investigação .......................................................................................................94
Contextualizando... ............................................................................................................................. 94
O objeto da investigação e sua análise preliminar............................................................................ 94
Aula 4 – Plano Operacional da Investigação de Estupro: Matriz de
Planejamento.................................................................................................... 105
Contextualizando... ........................................................................................................................... 105
Modelo de matriz de planejamento.................................................................................................. 105
Validação da matriz de planejamento.............................................................................................. 107
Seleção das ferramentas de coleta de dados.................................................................................. 108
Elaboração do plano de investigação............................................................................................... 108
Risco de investigação........................................................................................................................ 111
Aula 5 – Evidências de Prova.................................................................................. 118
Contextualizando... ........................................................................................................................... 118
O que é evidência............................................................................................................................... 118
Qualidade da evidência...................................................................................................................... 121
Referências................................................................................................................ 123
Apresentação do Curso

Bem-vindo ao curso Investigação do Crime de Estupro:


Aspectos Conceituais.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em uma


pesquisa realizada em 2014, aponta que, no Brasil, estima-
se que a prática do crime de estupro (mais de 500 mil casos
por ano) e a impunidade fortemente presente nesses crimes
são resultado da falta de qualidade e rigor científico dos
procedimentos investigatórios.

Diante disso, este curso tem como finalidade promover aos


profissionais de segurança pública, especificamente aos
investigadores do crime de estupro, o estudo teórico e técnico
sobre as abordagens de atuação desses profissionais e o
conhecimento dos aspectos conceituais do crime. Dessa
maneira, você terá acesso aos conteúdos que permitem
compreender aspectos que conceituam o crime de estupro e
a importância do papel do agente de segurança nas políticas
públicas de prevenção e de controle do delito.

Desejamos-lhe um excelente estudo!

Equipe do curso.

6 • Apresentação
MÓDULO 1

ABORDAGEM
CONCEITUAL E
DOUTRINÁRIA DO
CRIME DE ESTUPRO
7 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro
Apresentação

Neste primeiro módulo, você irá compreender conceitos


que caracterizam o crime de estupro, bem como aspectos
jurídicos e sociológicos que possibilitam entender sua
abordagem conceitual e doutrinária. Ao longo do curso, você
também conhecerá os elementos que compõem a infração e
a importância do papel do agente de segurança nas políticas
públicas de prevenção e de controle do crime.

A investigação criminal do crime de estupro normalmente inicia


com um voo cego que exige grande esforço para abrir pequenos
buracos de luz que aos poucos mostrarão os caminhos.

OBJETIVOS DO MÓDULO
Compreender o conceito da cultura do estupro, analisar os
aspectos jurídicos e sociológicos que possibilitam entender a
dinâmica do crime de estupro e sua classificação, reconhecer
a importância do papel da segurança pública nas políticas
públicas preventivas e de controle do crime, bem como
destacar os aspectos presentes na condição da vítima e do
infrator na investigação e reconhecer a necessidade de estar
atento ao processo de investigação do crime de estupro.

ESTRUTURA DO MÓDULO
• Aula 1 – Compreendendo a Dinâmica dos Aspectos
Jurídicos e Sociológicos do Crime de Estupro.
• Aula 2 – O Papel da Segurança Pública nas Políticas
Públicas Preventivas e de Controle do Crime de Estupro.
• Aula 3 – Vitimização: o Status da Vítima e do Infrator na
Investigação do Crime de Estupro.
• Aula 4 – A Relação entre a Síndrome da Mulher de Potifar e
a Investigação Criminal.

8 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Aula 1 – Compreendendo a Dinâmica dos
Aspectos Jurídicos e Sociológicos do
Crime de Estupro

CONTEXTUALIZANDO...
A prática do estupro é vista como uma conduta invasiva e
repugnante nas relações de convivência do ser humano,
no entanto a sociedade muitas vezes naturaliza esse
comportamento humano violento que agride a individualidade
sexual das pessoas, especialmente das mulheres. Essa conduta
acaba por fomentar a chamada cultura do estupro. Dessa forma,
vamos conhecer melhor o conceito que caracteriza o termo
“cultura do estupro” e seus aspectos jurídicos e sociológicos.

É importante lembrar que este curso não tem como objeto


principal o estudo criminológico, então serão apresentadas
informações básicas e necessárias para a compreensão na
busca de explicação do crime no que diz respeito ao aspecto
jurídico para aplicação da pena ao criminoso.

A CULTURA DO ESTUPRO
As constatações históricas referentes à construção cultural
do crime de estupro percorrem caminhos cheios de mitos a
respeito dessa conduta, que é permeada de preconceitos e
falsas justificativas. Ainda existem muitos equívocos a respeito
dos fatores que contribuem para a prática desse crime, visto
que preconceitos e desvalores acabam por contaminar, muitas
vezes, a investigação desse evento criminoso.

Como agente da segurança pública, é muito provável que você


tenha percebido que as inconsistências ainda permeiam o
campo no que diz respeito à condição do autor e da vítima no
contexto do crime de estupro.

9 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Apesar de o ato do estupro ser criminalizado,
ainda vivemos numa sociedade que reage de
forma hipócrita ao crime, em que fatores como
a condição socioeconômica do infrator e da
vítima, independentemente do gênero, servem de
condenação ou justificativa para a prática do crime.
É o que impulsiona a chamada “cultura do estupro”.

A cultura do estupro é caracterizada pela Organização das


Nações Unidas (ONU) como o modo como a sociedade reage
ao comportamento sexual violento do agressor, no sentido
que normaliza esse ato violento e responsabiliza as vítimas da
violência pelo ocorrido.

Nesse contexto, vamos analisar as seguintes frases que são


comumente utilizadas para expressar essa cultura, e, pela
análise, relembre se, em sua profissão, você já se deparou com
essas expressões sendo utilizadas.

Figura 1: Expressões
ditas pela sociedade
no julgamento da
vítima de estupro.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

10 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


A cultura do estupro descreve como a vítima, mais
especificamente a mulher, é silenciada ou sofre relativismo
em relação ao ato de violência sexual. Essa afirmação se faz
a partir de dados estatísticos apresentados pelo Instituto de
Pesquisa Econômica/IPEA (2014) e pelo 13º Anuário Brasileiro
de Segurança Pública (2019), que demonstram aspectos,
numa visão ampla, que caracterizam a criminalidade violenta
intencional no Brasil nos casos de estupro. Vamos verificar os
registros na imagem a seguir.

Figura 2: Dados referentes ao


crime de estupro no Brasil.
Fonte: Instituto de Pesquisa
Econômica/IPEA (2014) e 13º
Anuário Brasileiro de Segurança
Pública (2019), adaptado por
labSEAD-UFSC (2019).

Na imagem anterior podemos observar que a quantidade de


casos do crime de estupro no Brasil é bem relevante. Além
disso, a maioria é praticada por homens com vítimas femininas.

11 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Para uma melhor compreensão, vamos ver na imagem
seguinte os dados para este crime de forma detalhada.

VISÃO ESPECÍFICA DO ANO DE 2008

Crescimento de
66.041 registros 4,1% em relação ao 53,8% tinham até 13 anos.
(4 meninas de até 13 anos
de estupro no resultado do ano estupradas por hora)
Brasil. anterior.
50,9% eram negras e
48,5% eram brancas

93,2% dos casos são


praticados por um único autor

Média de 180 81,8% das vítimas 75,9% são praticados por


estupros por dia. eram mulheres. autores desconhecidos
Deste percentual:
96,6% dos autores são
do sexo masculino

Figura 3: Dados referentes à criminalidade violenta


intencional no Brasil. Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

Perceba que registros como estes apresentados na imagem


anterior merecem fazer parte da lista de apoio do investigador
de crimes dessa natureza. Você pode utilizar os dados como
informações importantes que podem ajudar a caracterizar o crime.

Outro ponto importante é entender que, de maneira geral,


70% dos estupros são praticados por alguém da confiança
da vítima, como o pai, irmão, padrasto, namorado, ou outro
membro do ciclo interpessoal da vítima.

Uma pesquisa promovida pelo Fórum Brasileiro de Segurança


Pública (FBSP), no ano de 2016, aponta que mais de um terço
da população brasileira (33%) considera a vítima culpada
pelo ato de estupro. Porém, essa visão equivocada ignora a
violência psicológica resultante das agressões física e moral,
em que relativiza os sofrimentos e os desumaniza para o
sistema penal, causando o desencorajamento da vítima em
procurar a polícia.

12 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Nesse sentido, cabe ao investigador criminal
quebrar o paradigma da culpabilização da vítima
de estupro, criando uma rede de proteção e
preservando a liberdade de escolha da vítima em
relação ao seu parceiro sexual.

Para melhor compreender a dinâmica do crime de estupro, convém


iniciar este estudo pelo aspecto conceitual jurídico do crime e, só
então, partir para uma análise de cunho mais sociológico.

ASPECTOS JURÍDICOS
O propósito do curso é construir habilidades investigativas
para que você consiga elucidar os casos de crime de estupro.
Portanto, é importante que você compreenda o delito pelo
aspecto das normas penais, ou seja, pelos princípios legais
que incriminam pelo julgamento das ações, que é onde
está ambientada a investigação criminal. Desse modo,
primeiramente entenderemos o conceito do direito penal.

O Direito Penal tem como finalidade proteger os


bens fundamentais à convivência e sobrevivência
de uma sociedade.

É a ciência que tem a função de fazer a abordagem legal


e normativa do crime, por meio de um sistema abstrato de
normas que possibilita a análise e posterior aplicação ao
caso concreto.

No Código Penal, por exemplo, encontramos em seu Artigo


129 a expressão que indica a pena de detenção no período de
três meses a um ano para quem ofende a integridade do corpo
ou saúde de um indivíduo terceiro.

13 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Assim, caso alguém venha cometer esse crime, todo o
processo desenvolvido para aplicação da pena terá como
escopo a adequação da norma penal ao caso concreto.
Ou seja, se todas as circunstâncias apuradas indicarem que
aquela conduta é o que a lei descreve como crime de lesão
corporal, aí então o juiz aplicará a pena prevista.

Saiba mais
O Código Penal é uma lei formada por um conjunto de normas
que tem por finalidade a punição para atos cometidos em


desacordo com o estabelecido. Para conhecer melhor o
documento, acesse o link:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
del2848compilado.htm

O processo desenvolvido pelo legislador para escolha da


manutenção da integridade de um indivíduo é passivo de
inconsistências que circulam desde subjetivismo a preconceitos
com repercussão direta na eficácia da norma penal, gerando
descompromisso com realidades socioculturais e científicas.
Ou seja, a aplicação da pena ao autor do crime somente
será eficaz se a investigação criminal apresentar evidências
concretas que comprovem condutas contrárias às leis.

Classificação do Crime de Estupro


O Direito Penal indica que a liberdade sexual é o direito
de alguém escolher com quem deseja compartilhar sua
intimidade sexual, e esta escolha deve ser protegida pelo
Estado. Desse modo, criminalizou-se a conduta que atenta
contra essa liberdade, denominada como “crime de estupro”.

Diante disso, veja o que diz a lei penal a respeito do tema


do estupro com as mudanças introduzidas no Código Penal
Brasileiro em 2009, dos crimes contra a dignidade sexual e
contra a liberdade sexual.

14 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


ARTIGO 213 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Art. 213 - Constranger alguém, mediante


violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele
se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 a 10 anos.

Figura 4:
Representação em
lista do Art. 213
do Código Penal.
Fonte: Código
Penal Brasileiro

 
(2009), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

§ 1o Se da conduta resulta § 2o Se da conduta resulta


lesão corporal de natureza morte: Pena - reclusão, de
grave ou se a vítima é menor de 12 a 30 anos (incluído pela
18 ou maior de 14 anos: Lei nº 12.015, de 2009).
Pena - reclusão, de 8 a 12 anos.

Conforme observamos na figura anterior, o 13º artigo do Código


Penal Brasileiro considera a realidade atual e caracteriza o
estupro no contexto dos crimes contra a dignidade sexual.

Nesse contexto, é importante destacar que se trata de crime


material, ou seja, para que se efetive, é indispensável que
ocorra efetivamente conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
Além disso, o crime de estupro admite a forma tentada e a
forma consumada.
Saiba mais
Veja o que o STJ diz sobre conjunção carnal no link:
https://bit.ly/3ceBVzS.


Veja o que diz o TJ/RS sobre ato libidinoso no link:
https://bit.ly/2wVtSId.
Aprenda mais sobre as formas de estupro na decisão proferida
pelo Superior Tribunal de Justiça no link:
https://bit.ly/2vd4X2l.

15 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Para compreendermos melhor, vamos analisar a seguir a
representação do delito de estupro em quatro elementos.

VÍTIMA
CONSTRANGIMENTO A quem se dirige a ação
Causado pela violência do constrangimento
física ou grave ameaça. (qualquer pessoa
independente do gênero).

Figura 5: Quatro
PERSUASÃO
elementos que CONJUNÇÃO
compõem o crime Ato de fazer com que a
CARNAL
de estupro. vítima pratique ou permita
Fonte: labSEAD- Prática de ato libidinoso.
qualquer ato libidinoso.
UFSC (2019).

Diante da informação anterior, podemos evidenciar que o


crime de estupro se dá por ações que violentam e ameaçam
a vítima. Essas ações podem ser classificadas por ação
comissiva, que decorre de uma ação proibida legalmente,
como o ato de constranger ou ameaçar, ou por uma ação
comissiva por omissão, que ocorre quando o autor devia e
podia agir para evitar o resultado, mas não o faz.

Na Prática
Agora, reflita se você, como investigador do crime de estupro, em

 algum momento precisou tipificar um crime de estupro. Se sim,


quão importante foi você entender detalhadamente a estrutura e
dinâmica legal da prática?

Perceba que o Código Penal caracteriza o crime através


do direcionamento da busca e evidências que apontarão

16 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


as provas de QUEM, COMO, QUANDO E ONDE o crime de
estupro foi cometido.

O foco principal da conduta para que fique configurado


o crime de estupro é o constrangimento, a imposição e a
coerção, para que a vítima venha a ter conjunção carnal ou
cometa outros atos libidinosos. Logo, para que esse crime se
configure, há necessidade de manifestar ausência de vontade
ou de consentimento. Aqui consiste o cerne do delito do
crime em questão.

Essa é a modalidade clássica de estupro, valendo ressaltar,


por outro lado, que a legislação penal prevê uma outra espécie
bastante interessante, qual seja: a figura do crime de estupro
de vulnerável, tipificado no artigo 217-A do Código Penal.

Nessa hipótese, o resultado exigido é o mesmo, a saber, a


prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso; porém,
dispensa-se a violência ou grave ameaça. No caso, a lei penal
prevê que a vítima tenha menos de 14 (catorze) anos ou sofra
de enfermidade ou deficiência mental, carecendo do necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não possa oferecer resistência. Em outras palavras, o
legislador prevê que, tendo a vítima tais predicados, carece do
necessário discernimento para a prática do ato, presumindo-se,
portanto, a violência (para maior aprofundamento, vide a Súmula
593 do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2017).

Nesse sentido, se um adulto mantém relações sexuais


consentidas com adolescente maior de quatorze anos, sem
qualquer violência ou grave ameaça, não há crime, inexistindo,
a rigor, o imaginário popular de que não se pode ter relações
com menores de 18 (dezoito) anos. Com efeito, o limite legal
etário, não havendo enfermidade mental ou outro meio que
impossibilite resistência, é de menos de 14 (quatorze) anos.

Importante notar, para a correta classificação do delito,


que, na hipótese de a vítima ter menos de catorze anos ou

17 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


enfermidade mental e, ainda assim, existir violência ou grave
ameaça, prevalece o estupro clássico, conforme o Art. 213, do
Código Penal, pelo princípio da especialidade.

ASPECTOS SOCIOLÓGICOS
A investigação criminal faz parte de um sistema de funções que
Método científico
a serviço da promovem e garantem a submissão do indivíduo por meio de
compreensão do normas legais (controle social formal), oferecendo evidências
fenômeno criminal, ao Estado que comprovem o crime. Uma das principais
oferecendo um
preocupações desse sistema é com a qualidade da resposta
diagnóstico
qualificado e que passa pela eficiência dos meios e a eficácia do resultado.
multidisciplinar
que garante Para compreender o contexto em que está situada a
a segurança
investigação criminal, em especial a de estupro, o investigador
aos processos
de controle da terá que ultrapassar as fronteiras do conceito puramente legal
criminalidade. do crime e navegar pelo ambiente inter e multidisciplinar da
ciência da criminologia.

Quando o fato criminoso ocorre em um contexto social


sob a influência de diversos fatores que vão desde a
constituição biológica do autor até o ambiente de sua atuação,
compreenderemos que o fundamento científico serve de apoio
aos métodos e técnicas da busca da prova penal.

Para definir a conduta criminosa e aplicar a pena de forma justa


e adequada, o juiz necessita de informações e respostas que
encontrará em outras ciências transversais ao direito criminal.
A conotação preventiva da pena passa por princípios informativos
das ciências sociais da criminologia e sociologia, que possibilitam
um diagnóstico mais preciso do crime e facilita sua compreensão
no contexto social e melhor adequação da pena.

Perceba que a investigação criminal foca


exclusivamente no criminoso e nas suas
características pessoais.

18 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Para isso, vamos observar na figura a seguir que a criminologia
identifica três aspectos que buscam explicar em diferentes
óticas o crime e a criminalidade do autor.

Figura 6: Aspectos
que influenciam
o crime e a
criminalidade do
autor.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Como observamos na imagem, primeiramente, há a tentativa


de busca pelo sistema biológico do agressor, explicações
que evidenciam a ação do crime. Em seguida, destacamos os
aspectos psicológicos que evidenciam processos psíquicos
anormais ou as vivências subconscientes remotas do
indivíduo. Por fim, os aspectos sociológicos, que se dão por
fenômenos sociais que transitam na interação do homem com
a natureza a as ações sociais que explicam o funcionamento

19 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


estável de uma população, como as dimensões subcultural,
conflitual e interacionista. Aqui, você pode considerar que
a própria forma de organização de uma sociedade pode se
revestir de condições para que o crime aconteça.

Nesse sentido, cabe destacar que a equipe de


investigação, o promotor de justiça e o juiz não
podem ficar alheios ao papel do processo criminal
de depositário de informações fundamentais para
as políticas de prevenção do crime.

Ao longo dos anos, a criminologia tem tentado explicar


condutas que caracterizam crimes com o objetivo de
possibilitar a formação de políticas públicas de detecção,
correção e prevenção.

20 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Aula 2 – O Papel da Segurança Pública
nas Políticas Públicas Preventivas e de
Controle do Crime de Estupro

CONTEXTUALIZANDO...
A investigação criminal é uma das ações positivas do Estado
Democrático que buscam garantir a segurança e o bem-estar
das pessoas nas suas relações cotidianas, bem como é
responsável por subsidiar o processo penal com informações
sobre evidências da prática de crimes garantindo o controle
da criminalidade e a aplicação da pena de forma justa
ao infrator. Nesse sentido, o profissional de segurança
pública possui como uma das obrigações em sua função a
investigação criminal e o envolvimento com a política pública
de prevenção e controle dos crimes.

A partir desta aula, você irá compreender aspectos que


contribuem para o desenvolvimento de sua atividade
profissional em relação à prevenção e controle da
criminalidade do estupro.

PREVENÇÃO DO DELITO
No Estado Democrático de Direito, a preocupação com o crime
não se limita à conotação de enfrentamento formal entre
Estado e infrator, visto que o propósito do Estado é aplicar uma
pena legal ao agressor.

Vejamos como Molina e Gomes (1997) caracterizam o


conceito de crime, na moderna criminologia.

21 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Crime
É uma adversidade da
própria comunidade, que é
gerada no próprio meio e
que deve ser solucionada
pelos envolvidos.

Figura 7: Conceito de crime,


conforme Molina e Gomes (1997).
Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

Nessa visão, o crime de estupro tem uma perspectiva mais


complexa e sofre o impacto direto de diversos fatores que
convergem e interagem com o evento criminoso, sendo eles
econômicos, culturais, biológicos, ambientais, entre tantos outros.

Esse crime precisa ser analisado e compreendido em toda sua


dinâmica para uma efetiva intervenção e controle. Aqui entra a
investigação criminal como uma fonte científica de dados que
subsidia, além da aplicação da pena, um diagnóstico seguro
para as políticas de prevenção e controle da criminalidade.

Figura 8: A
investigação
criminal é uma
fonte científica
de dados. Fonte:
Shutterstock (2019).

22 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Falar em prevenção e controle da criminalidade nos remete à
segurança pública e ao conceito de crime com o enfoque de
perturbação da ordem pública e da paz social. É nesse terreno
que se encontra a polícia como organização do Estado que
utiliza como ferramenta de apoio a investigação criminal.

A investigação criminal é um processo científico


com métodos e técnicas que facilitam a
compreensão do crime, a ressocialização do infrator,
a reparação do dano e a prevenção da criminalidade.

Segundo o Art. 3º da Constituição Federal, um dos fundamentos


da República Federativa do Brasil é a promoção do bem-estar de
todos, cujo alcance depende diretamente da segurança pública,
à qual estão vinculados outros direitos fundamentais como a
vida, a liberdade, a igualdade e a propriedade.

Nesse sentido, observe, na imagem a seguir, como a


investigação criminal vincula o Poder Judiciário às políticas de
segurança pública.

POLÍTICAS DE
SEGURANÇA PÚBLICA

Figura 9:
Investigação Investigação
criminal, elo entre Criminal
o Poder Judiciário
e as políticas de
segurança pública.
Fonte: labSEAD- PODER
UFSC (2019).
JUDICIÁRIO

23 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


A investigação criminal é o elo que vincula o sistema
processual penal e, por consequência, o Poder Judiciário, às
políticas de segurança pública de controle da criminalidade e
garantia da liberdade do cidadão.

A participação do juiz na determinação da prisão preventiva


e temporária ou busca e apreensão é um elemento de apoio
para as políticas de segurança pública por parte do Poder
Judiciário, que conserva o respeito à dignidade da pessoa
humana e a garantia penal como os limites da ação estatal.

No contexto apresentado, a investigação criminal e o processo


penal fazem, de forma complementar, a prevenção do crime
pela pena. Por meio da investigação, demonstra-se quem
praticou o delito e como o cometeu, explicitando e validando
a prova para definição da pena a ser aplicada, o que produzirá
um inibidor aos fatores internos que levaram o infrator
potencial a causar o crime.

Fonte de Informações para as Políticas Públicas


A investigação criminal é um eficiente repositório de
informações qualificadas e quantificadas que servem de
subsídio aos planos de ações preventivas da criminalidade.

Muito especialmente no caso do crime de estupro,


pois sofre com diversos elementos limitadores para
a apuração de provas e cujas características não
são tão amigáveis com indicadores que orientam as
políticas públicas.

A investigação criminal, no âmbito da segurança pública, é


a ferramenta mais eficaz para a coleta de informações e o
entendimento da motivação dos criminosos, subsidiando
ações de prevenção do crime de estupro.

24 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Aula 3 – Vitimização: o Status da
Vítima e do Infrator na Investigação
do Crime de Estupro

CONTEXTUALIZANDO...
A investigação de estupro normalmente se inicia com um voo
cego que precisa fazer grande esforço para abrir pequenos
buracos de luz que aos poucos mostrarão os caminhos. Assim,
nesta aula vamos identificar a investigação criminal do estupro
pela ótica da vítima e do investigado, coletando informações
importantes que ajudarão a comprovar o ato.

O STATUS DA VÍTIMA
A primeira preocupação do investigador é definir o fato
criminoso sobre o qual recairão os atos para averiguação e
comprovação da conduta noticiada.

Em regra, essas ações se concentram na conduta do autor


e nas circunstâncias que envolvem o fato criminoso, quase
sempre pouco se interessando pela vítima. No crime de
estupro, essa lógica necessariamente é alterada. As próprias
características do delito exigem a mudança.

Grande parte dos crimes de estupro ocorre em


um ambiente de relações pessoais e intrafamiliar,
onde os agressores desenvolvem estratégias
constrangedoras envolvendo ameaças e uso da
força física e moral, dificultando a existência de
testemunhas e outras provas.

Em um ambiente familiar, a vítima se torna detentora de


informações que precisam ser efetivamente consideradas
pela investigação, mas, devido ao grau de constrangimento

25 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


criado pela natureza e circunstâncias do crime, ela é
levada a optar pelo silêncio.

Figura 10: Crime


de estupro em
ambiente familiar.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Entretanto, o interesse pela vítima de estupro não pode


ser carregado de preconceitos e julgamentos que em nada
ajudarão na formação de um juízo de probabilidades com base
em evidências do delito e sua autoria.

Investigar o crime de estupro, principalmente o chamado


estupro de vulnerável, é aventurar-se em um mundo de poucas
informações, de extrema carência de provas, visto que é
praticado às escondidas, com a presença apenas do agressor
e da vítima, muitas vezes sem deixar vestígios materiais.

Saiba mais
O Código Penal, em seu 217º artigo, descreve o estupro de
vulnerável como a conjunção carnal ou atos libidinosos

 praticados com menor de catorze anos. Para conhecer mais sobre


o artigo e o Código Penal, acesse o link:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
del2848compilado.htm

26 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


É papel da investigação criminal focar na vítima para a
solução do crime. As informações levantadas por ela são
potencialmente importantes na cognição do fato quanto ao
grau de probabilidade de a conduta investigada ser típica,
ilícita e culpável, bem como a existência de causas de
exclusão de ilicitude e de exclusão de culpabilidade.

Nesse momento da investigação, você deve aplicar filtros aos


preconceitos culturais que levam ao julgamento da vida sexual
e moral da vítima. A grande maioria das vítimas de estupro são
mulheres, sendo a maior parte delas crianças e adolescentes.
Perceba, então, que há uma cultura patriarcal machista que
permeia a sociedade.

Figura 11: A mulher


como vítima
de uma cultura
machista.
Fonte: Shutterstock
(2019).

A cultura patriarcal machista atinge também as estruturas


funcionais do Estado e seus representantes. Esse fator
se torna desfavorável na relação de confiança entre a
investigação criminal e a vítima de estupro. O resultado é a
grande dificuldade na obtenção de evidências de provas do
crime e da autoria.

27 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


A vítima do crime de estupro não pode ser
abandonada ou neutralizada pela investigação.
Seu papel é de protagonista que detém todas as
informações que poderão apontar para a efetiva
existência do crime e seu autor.

No contexto social, a criminologia alerta para o abandono


das vítimas de estupro, no entanto, vêm ocorrendo
mudanças em políticas públicas que reforçam a valorização
para as vítimas do crime.

Prova dessas mudanças é a Lei Maria da Penha e o Código


de Processo Penal (Art. 201), que favorecem a conotação
do depoimento da testemunha e garantem mecanismos de
proteção à segurança física e à dignidade da vítima, bem como
assistência psicossocial, jurídica e de saúde.

Saiba mais
A Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006, popularmente conhecida
como Lei Maria da Penha, cria mecanismos para controlar a

 violência doméstica contra a mulher.Para saber mais, acesse:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/
l11340.htm

Porém, em alguns casos, você pode se questionar se


existem riscos de que as informações da vítima estejam
contaminadas pelo sentimento de vingança. Neste contexto,
a investigação deverá adotar filtros que permitam identificar
essas contaminações. Aphonso Vinicius Garbin (2016)
aponta que as contaminações podem decorrer de retaliação
interpessoal de cunho familiar, profissional, social, religioso
ou outro qualquer.

28 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Aqui, estamos destacando a investigação com foco na vítima,
onde o propósito não é submeter a investigação às emoções da
vítima, mas extrair dela as informações necessárias à apuração
preliminar do delito e da autoria. Dessa forma, você deve
garantir que a vítima se sinta uma colaboradora da investigação
e lembrar-se de que a investigação não se concentra na
reputação da sua vida sexual e seus comportamentos.

O STATUS DO INVESTIGADO
As circunstâncias em que ocorre o crime de estupro são
sempre desfavoráveis para a coleta de provas, o que resulta
num fator de risco em alto grau, que pode fazer com que
pessoas inocentes sejam acusadas da prática criminosa.

Ainda que o estupro seja, das condutas humanas, uma


das mais repulsivas, isso não descaracteriza a natureza
protetiva da investigação criminal no que diz respeito à
dignidade do investigado.

Figura 12:
Investigado.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Há garantias que cercam a proteção do investigado, como a


liberdade individual, a presunção de inocência e a dignidade
de ser humano. Elas passam pela evolução natural na
investigação, transitando entre a fase de possibilidade para a
fase de certeza, na qual o juiz de direito não poderá ter dúvidas
para condenar ou absolver o investigado.

29 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro



A investigação criminal [...] atua como um sistema de

a notitia criminis [momento que o investigador tem


conhecimento sobre o crime] até chegar ao processo
penal, apenas com os elementos que de fato contenham

filtros que vai destilando todas as informações, desde

evidências da prática do delito e da prévia indicação dos


supostos autores. (SENDRA, 1981, p. 196).

Conforme apresentado por Sendra, existem processos que


caracterizam o fato como crime. Dessa forma, o primeiro
filtro processual contra acusações infundadas denomina-se
juízo de pré-admissibilidade da acusação, ou seja, a análise
e valoração das evidências colhidas pela investigação que
decidirá pelo indiciamento ou não do investigado, abrindo
caminho para a denúncia.

A necessária neutralidade da investigação é a garantia


do equilíbrio que deverá haver na detecção e análise das
evidências de provas que surjam diante do investigador.
Assim, a vítima do estupro deixará de ser uma suspeita e o
infrator, de ser um irracional.

Perceba que há preocupação com os valores postos como


direitos universais de uma sociedade democrática, visto
que, a exemplo da presunção da inocência, o processo de
investigação evitará que inocentes venham a sofrer uma
sanção injusta ou até uma condenação social irreparável.

30 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Aula 4 – A Relação entre a Síndrome da
Mulher de Potifar e a Investigação Criminal

CONTEXTUALIZANDO...
No campo da criminologia, é utilizado o capítulo 37 do livro de
Gênesis da Bíblia, como uma representação jurídica que facilita
a compreensão da relação entre a vítima e o investigado na
área da investigação. A história envolve José, filho de Jacó,
e a mulher do oficial egípcio Potifar. A partir de agora, vamos
conhecer os terrenos que envolvem o investigador no cuidado
às reais motivações da acusação e da consumação do crime.

A HISTÓRIA E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL


Sabendo da existência de crime de calúnia e preservando a
liberdade individual, a presunção de inocência e a dignidade do ser
humano, a criminologia utiliza a passagem bíblica do capítulo 37
do livro de Gênesis para representar cuidados que o investigador
deverá perceber ao apurar provas do crime de estupro.

A história do primeiro livro da Bíblia diz que José, filho de Jacó,


Refere-se à ao ganhar uma túnica de seu pai, desperta a inveja dos irmãos
sexualidade que o vendem a um povo descendente de Abraão, e então é
humana e ao fato
escravizado pelo oficial do Faraó do Egito, Potifar. A esposa
de um indivíduo
poder satisfazer-se da autoridade assedia José, que rejeita suas investidas. Dessa
sexualmente como forma, a mulher acusa o rapaz de forçá-la a manter uma
bem entender, relação sexual com ele, com o intuito de se vingar da rejeição.
sem que exista
mediação da
sociedade ou do Portanto, a síndrome da mulher de Potifar é o fenômeno estudado
Estado. pela criminologia em que a mulher, que, ao ser rejeitada, acusa
falsamente a pessoa de atentar contra sua dignidade sexual.

A síndrome apresentada parte de uma motivação egoísta e


vingativa, que precisa ser identificada e filtrada efetivamente
pela investigação criminal. E esse tipo de conduta, por parte da
possível vítima, pode acontecer nos crimes contra a liberdade
sexual e nos crimes sexuais contra vulneráveis.

31 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Porém, vale destacarmos que uma situação
contrária também pode acontecer numa
investigação de estupro. Em alguns casos, pode
ocorrer a vilificação da vítima, como estudaremos
no decorrer do curso. Essa atitude é caracterizada
pela ação da investigação em menosprezar a vítima,
acarretando em erro no resultado investigativo.

Segundo um estudo apresentado pela BBC World Service


Brasil (2017), em 2014, as estatísticas demonstraram que
grande parte das ações de crimes de estupro ocorre entre
membros de uma mesma família ou círculo social.

Figura 13: A maioria


dos casos de
estupro ocorrem
entre vítima e
agressor de grau
próximo.
Fonte: Shutterstock
(2019).

É nesse terreno que o investigador deve ficar mais atento


quanto às reais motivações da acusação. Você deve relacionar
quatro fatores da acusação realizada pela vítima no momento
da investigação, conforme demonstrado na figura a seguir.

32 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


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Importância da Análise dos Análise dos Análise dos
palavra da indicadores indicadores relacionamentos
vítima. psicológicos. socioeconômicos. sociais
cotidianos.

Figura 14: Aspectos da acusação que devem


ser analisados pelo investigador.
Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

Ao visualizar os aspectos apresentados anteriormente,


perceba que a identificação desse processo psicológico na
vítima somente será possível com a depuração cuidadosa das
informações que poderão ser postas com o cruzamento de
dados a respeito dos seus relacionamentos sociais cotidianos,
como familiares, amigos e pessoas mais próximas.

Não se trata de simples verificação dos antecedentes de


alguém que foi vítima de ofensa odiosa ou querer subverter a
ordem lógica da investigação e desqualificar as informações,
mas de um necessário processo de confronto e validação
dessas informações para segurança do processo penal e
justa aplicação da lei.

Lembre-se de que, como investigador criminal,


seu papel é de garantia e preservação dos direitos
de ambas as partes (vítima e investigado) e que
sua perícia em relação à acusação determinará
consequências para a vida de um indivíduo.

Nesse contexto, perceba quão importante é você estar sempre


atento e seguro com a legislação e com seu papel de agente
de segurança pública. Você é agente de manutenção dos
direitos e da paz dos cidadãos.

33 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


Referências
70% das vítimas são crianças e adolescentes: oito dados
sobre estupro no Brasil. BBC Brasil, São Paulo, 24 abr.
2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/
brasil-36401054. Acesso em: 15 out. 2019.

BRASIL. [Constituição de (1988)] Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da
República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 jan. 2020.

BRASIL. Presidência da República. Código Penal. Brasília, DF:


Presidência da República, 1940. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.
Acesso em: 8 out. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 593. RSSTJ,


a. 9, n. 46, p. 685-721, dez. 2017. Disponível em: https://
ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-
sumulas-2017_46_capSumulas593-600.pdf. Acesso em: 27
fev. 2020.

BRASIL. Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009. Brasília, DF:


Presidência da República, 2009. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.
htm#art2. Acesso em: 27 fev. 2020.

CARLO, G. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São


Paulo: Companhia das Letras, 2011.

CERQUEIRA, D.; COELHO, D. de S. C. Estupro no Brasil:


uma radiografia segundo os dados da saúde (versão
preliminar). Brasília: IPEA, 2014. Disponível em: http://ipea.
gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_
notatecnicadiest11.pdf. Acesso em: 8 out. 2019.

34 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 13., 2019, São
Paulo, SP. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. São
Paulo, 2019. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.
br/wp-content/uploads/2019/09/Anuario-2019-FINAL-v3.pdf.
Acesso em: 8 out. 2019.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 10., São Paulo,


SP. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016. São Paulo,
2016. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/
storage/10_anuario_site_18-11-2016-retificado.pdf. Acesso
em: 8 out. 2019.

GARBIN, A. V. Estupro de vulnerável, a palavra da vítima e os


riscos da condenação. A Crítica, Campo Grande/MS, 22 abr. 2016.

MOLINA, A. G. P. de; GOMES, L. F. Criminologia. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 1997.

SENDRA, GIMENO. Fundamentos del derecho procesal:


(jurisdiccion, accion y proceso). Madri: Civitas, 1981.

SHUTTERSTOCK. [S.l.], 2019. Disponível em: https://www.


shutterstock.com/pt/. Acesso em: 18 nov. 2019.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Laboratório


da Secretaria de Educação a Distância (labSEAD-UFSC).
Florianópolis, 2019. Disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/.
Acesso em: 18 nov. 2019.

ZBINDEN, K. Criminalística: investigação criminal. Lisboa:


Lisboa Editora, 1957.

35 • Módulo 1 Abordagem Conceitual e Doutrinária do Crime de Estupro


MÓDULO 2

GARANTISMO DA
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
NO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
36 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito
Apresentação

Neste módulo você estudará sobre o sistema de garantias


dos direitos fundamentais do cidadão, mais conhecido
no Direito Penal como garantismo. Esse sistema é
vinculado à investigação criminal e tem como finalidade
assegurar a máxima autenticidade das provas e evitar que
o acusado inocente seja submetido a um processo jurídico
desnecessário. Você compreenderá como a investigação
criminal pode preservar a efetividade das garantias
constitucionais e processuais, por meio de alguns pilares de
articulação de todo o processo investigatório, em específico no
crime de estupro.

OBJETIVOS DO MÓDULO
Compreender o garantismo da investigação criminal no Estado
Democrático de Direito e analisar os eixos articuladores do
processo de investigação criminal.

ESTRUTURA DO MÓDULO
• Aula 1 – O que a Investigação Criminal Pretende Garantir.
• Aula 2 – Eixos Articuladores e Pilares Básicos da
Investigação Criminal.

37 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Aula 1 – O que a Investigação Criminal
Pretende Garantir

CONTEXTUALIZANDO...
O processo de investigação criminal deve ser visto como
o elo entre a notícia de um crime e o processo penal. É por
meio da investigação que serão identificadas a natureza real
do evento criminoso e a necessidade de um processo penal.
Todo o processo investigatório precisa estar alinhado com os
fundamentos dos direitos cidadãos dos envolvidos.

Desse modo, nesta aula você irá identificar como a investigação


criminal se torna um facilitador na compreensão do fato
criminoso, bem como para a resolução de uma acusação injusta.

A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
INDIVÍDUOS
Certamente, você já vivenciou uma situação onde houve uma
acusação de um crime e se questionou sobre a possibilidade
e a probabilidade de sua existência. E, provavelmente,
seu questionamento deu-se pelas evidências brevemente
analisadas em relação à existência do evento criminoso.

Veja que, nesse aspecto, a investigação criminal não pretende


satisfazer juridicamente a reclamação do acusador e muito
menos aplicar a pena. Mas, juntamente ao processo penal, a
investigação torna-se um aspecto facilitador que garante a
identificação de elementos e informações necessárias para a
construção da prova de um delito. É por ela que se concretiza o
questionamento da possibilidade e da realização.

Nesse processo, a investigação criminal é


responsável por coletar e analisar provas penais.

38 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


É por meio desse levantamento de dados que se dará
averiguação do crime, bem como a garantia da plena
eficácia dos direitos fundamentais do indivíduo, entre
eles, destacamos a liberdade individual e o respeito à sua
dignidade, sem deixar de considerar o viés de proteção dos
interesses da coletividade.

Figura 1: Direitos e
fundamentos dos
indivíduos. Fonte:
Shutterstock (2019).

Piero Calamandrei, um jurista e político italiano, destaca que é


pela relação entre a investigação criminal e o direito material
(civil, penal, administrativo, entre outros) que se assegura a
eficácia prática do processo penal. Esse processo garante a
eficiência do funcionamento da justiça e evita acusações e
processos infundados.

Essa ideia é reforçada por Lopes Jr. (2006), que diz que a
investigação criminal não se faz para confirmação do crime,
mas, sim, para exclusão de uma acusação equivocada.

Nesse sentido, o autor apresenta duas finalidades da


investigação criminal, conforme apresentado na figura a seguir.

39 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Evitar que
Assegurar o acusado
Figura 2: a máxima inocente seja
Finalidades da autenticidade
investigação subordinado
das provas ao processo
criminal. Fonte:
labSEAD-UFSC
(2019).

Vale destacar que, mesmo que o processo conclua


favoravelmente ao acusado inocente, o debate que alega deter
o sujeito pode caracterizar um descrédito ao indivíduo, bem
como uma grave causa de emoção e humilhação.

Assim, o aspecto garantista da investigação criminal está


relacionado com a autolimitação do Estado, que é a essência
dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Portanto, a expressão “garantir direitos e liberdades”


no contexto da investigação criminal soa como
risco à autonomia e sigilo da investigação, já que os
envolvidos podem questionar a eficácia da tutela
jurídica do Estado.
O princípio da
neutralidade da
investigação Nesse sentido, o garantismo pode representar uma
criminal é a possibilidade de concessão de informações ao investigado,
garantia do
equilíbrio de
caso o acusado solicite averiguação dos dados obtidos por
julgamento na parte dos investigadores. Assim, o investigador precisa estar
análise das atento à forma como o acusado utilizará as informações
evidências. obtidas, pois os dados poderão ser manipulados por ele, a fim
O princípio
constitucional
de obter inocência.
da dignidade do
ser humano se No crime de estupro, o garantismo é um paradigma sustentado
refere à proteção no modelo de investigação criminal de mão única, onde a
da dignidade do
polícia busca apenas informações que favoreçam a acusação,
indivíduo enquanto
ser humano. comprometendo o princípio da neutralidade da investigação
criminal e o princípio constitucional da dignidade do ser humano.

40 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Nesse sentido, podemos entender que o garantismo serve de
manutenção aos direitos do indivíduo na tentativa de evitar, a
este e ao Estado, o custo de um processo desnecessário.

Para o Estado, o custo de uma investigação fundada em


acusações incoerentes vai desde o aspecto econômico até a
perda da credibilidade na eficácia da aplicação da justiça.

Já para o indivíduo envolvido como possível infrator, esse pode


sofrer de estigmatização social, moral e jurídica, acarretando
em situações que podem prejudicá-lo pelo resto da sua vida.

Perceba que o garantismo do direito penal com repercussão na


investigação de provas criminais é uma peça fundamental que
assegura a validade e a confiabilidade do processo penal.

Figura 3: O
garantismo do
direito penal como
peça fundamental. Validade do Confiabilidade do
Fonte: Shutterstock processo penal processo penal
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019)

Garantismo

Por isso, como investigador, você precisa compreender


a dinâmica do processo da investigação e a importância
da conservação dos direitos dos envolvidos para que seu
encerramento seja eficaz e dentro da lei.

41 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Aula 2 – Eixos Articuladores e Pilares
Básicos da Investigação Criminal

CONTEXTUALIZANDO...
É importante assegurar a investigação criminal num Estado
Democrático de Direito. Por meio dela que indivíduos podem
garantir seus direitos fundamentais no processo de acusação
de um crime e que o Estado pode apresentar credibilidade de
seus sistemas formais de controle e da segurança social.

Desse modo, vamos compreender o processo investigativo,


os pilares que o sustentam e como podem ser evitadas as
consequências negativas numa acusação injusta.

PILARES DO PROCESSO INVESTIGATIVO


Dentro da compreensão de que o garantismo está alinhado
ao propósito de evitar custos com um processo criminal
desnecessário, impactante na vida social e individual dos
envolvidos, o autor Lopes Jr. (2006) enumera três pilares
básicos para o processo investigativo. Vamos observar na
imagem a seguir.

FUNÇÃO
SIMBÓLICA EVITAR
BUSCA PELO ACUSAÇÕES
Figura 4: Pilares FATO OCULTO INFUNDADAS
básicos para
o processo
investigativo.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Esses pilares básicos do processo de investigação apontados


reforçam a importância da investigação criminal num Estado
Democrático de Direito. Assim, a seguir vamos compreender
detalhadamente cada um desses pilares.

42 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Busca do fato oculto
No processo civil é estabelecida a regra da não intervenção
do Estado na fase prévia da coleta da prova. Já no processo
penal, o que predomina é o interesse público em perseguir
e punir os infratores, evitando os processos injustos aos
indivíduos. Isso caracteriza uma abordagem diferente do
processo civil, em que o sistema penal dá início à busca de
evidências da prova logo que tem notícia do evento criminoso,
com exceção os casos que dependem da vontade da vítima.

O ponto de partida da investigação criminal é a notícia do crime,


em que existe a prática de uma conduta delituosa, circunstância
que a doutrina civil chama de Fumus Commissi Delicti.

Sinal da prática de
Perceba que, geralmente, no crime de estupro, o criminoso
um delito.
criará dificuldades e dissimulações para evitar que o
investigador identifique sua autoria e aplique a pena
correspondente. Ele procurará ocultar os motivos,
instrumentos, meios e o próprio crime.

Assim, o seu esforço como investigador será no sentido de


eliminar esses riscos para que a investigação seja eficaz na
aplicação da pena (sentido repressivo) ou na desmotivação da
prática do delito (sentido preventivo), reduzindo os índices da
criminalidade.

Quanto mais a investigação apura os fatos ocultos,


maior a sua capacidade de contribuir com a
aplicação da pena e a redução da diferença entre a
criminalidade conhecida e a desconhecida.

Novamente, podemos perceber que a investigação criminal


impacta diretamente na instrumentalidade do processo penal
para a reação e o controle formal da criminalidade.

43 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Figura 5: A
investigação
criminal como
peça chave para
apuração das
provas. Fonte:
labSEAD-UFSC
(2019).

A investigação criminal é ferramenta eficiente na apuração dos


delitos e de sua autoria e tem relevância na capacidade do Estado
de reduzir os índices de criminalidade, aumentando a credibilidade
dos sistemas formais de controle e da segurança social.

Função simbólica
No meio social, a prática do crime de estupro funciona como um
abalo sísmico cujo efeito depende de alguns fatores que relacionam
a ação de execução do delito. Vejamos na figura a seguir.

Fatores da ação do crime

Natureza
do delito

Grau de
lesividade

Meio onde
Figura 6: Os efeitos
ocorreu
da prática do crime.
Fonte: labSEAD- Grau de
UFSC (2019). tolerância social

44 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Nesse aspecto, a dimensão simbólica da investigação se
faz presente. É quando busca restabelecer a tranquilidade
social, amenizando o mal-estar deixado pela prática do crime,
implantando a certeza da atuação dos órgãos estatais para
o restabelecimento da paz social e evitando a impunidade,
repercutindo na qualidade de vida da comunidade.

A simbologia da investigação criminal é


reforçada pelo caráter de amparar legalmente
os atores do delito no momento inicial da
persecução, assegurando direitos e apontando as
responsabilidades diante da prática delitiva.

Lopes Jr. (2006) aponta outro aspecto importante da


simbologia da investigação criminal, que se faz como um freio
aos excessos da perseguição policial ou do Ministério Público,
visto que a formalização do procedimento investigatório
permite o controle judicial.

Figura 7: A
simbologia da
investigação
permite o controle
judicial do processo
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

45 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Nesse sentido, durante a investigação criminal existem certas
medidas cautelares que podem ser executadas, como prisões
preventivas e temporárias, além de buscas e conduções
coercitivas. Portanto, é preciso que essas medidas sejam
praticadas em um limite razoável, já que sua finalidade legal
não é a aplicação de uma pena antecipada.

Acusações infundadas: sistema de filtros


A investigação criminal também assume o papel de um filtro
processual contra acusações infundadas, transformando
a coleta preliminar de provas no elo entre a notícia do
crime e o processo penal. Nesse espaço, desenrola-se uma
fase intermediária que permite ao órgão acusador realizar
a acusação ou não, e ao órgão julgador, decidir sobre a
admissão ou não do pedido.

Veja que o juízo de pré-admissibilidade da imputação depende


de informações razoáveis sobre a existência do crime e
Ocorre quando de quem o praticou. Portanto, o êxito desse juízo de valor
após uma análise
de evidências que
depende efetivamente da qualidade da coleta feita na fase de
sinalizam uma investigação criminal.
prática criminosa, o
juízo a quo verifica O primeiro resultado da filtragem de informações é a proteção
se o caso deve ser
ou não recebido e
do investigado, evitando que ele seja submetido a um processo
processado. penal infundado.

No sistema penal, a fase de investigação criminal desenvolve


uma estratégia de seleção de informações que, ao longo do
procedimento, vai refinando cada dado levantado até chegar
ao resultado final com as características suficientes do delito e
a vinculação ao suposto autor.

No sistema garantista do Estado Democrático de


Direito, além de evitar a impunidade, também é
papel da investigação evitar que inocentes sejam
processados e condenados injustamente.

46 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


O autor Lopes Jr. (2006) afirma, ainda, que a investigação tem
como principal fundamento impedir acusações inconsistentes.
E esse processo só é possível se a apuração dos dados for
feita de maneira precisa. Ou seja, é por meio da investigação
criminal que se garante a inexistência de ações abusivas por
parte do órgão de investigação.

Percebemos que, se houvesse ações abusivas por parte dos


responsáveis pela investigação, o ato seria tão grave quanto a
intranquilidade causada pela impunidade do criminoso.

A investigação criminal deve ser de fato um filtro


das informações inúteis ao processo, deixando
apenas as evidências que realmente poderão servir
de prova para uma prática delituosa e da autoria.

A investigação deve oferecer ao processo elementos de


convicção ao acusador, ao julgador e à defesa, como também
elementos que justifiquem ou não o processo penal.

Na compreensão de Lopes Jr. (2006), o sistema de filtros


somente será processado quando a investigação criminal
Figura 8: Fatores
considerar três fatores importantes para o processo.
consideráveis para Observe-os na imagem a seguir.
o sistema de filtros.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).
Custo do processo
 penal e das penas
processuais.

Fatores do Sofrimento ao
sistema de
filtros
 acusado inocente.

 Estigmação
 social e jurídica.

47 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Os fatores acima apresentados devem sempre ser
considerados por você, investigador, para que o sistema de
filtros seja efetivo. Esse processo é mais uma maneira de
reforçar a importância da investigação criminal num Estado
Democrático de Direito.

Diante da importância dos fatores do processo criminal,


apresentaremos a seguir cada um deles de forma mais detalhada.

Custo do processo penal e as penas processuais


A investigação criminal não pode ter sua finalidade desviada
para atender outros interesses que não sejam apontar a
existência de um delito e os indícios de sua autoria e evitar
acusações infundadas.

No caso do crime de estupro, há o risco de o processo assumir


a conotação de pena antecipada, ou seja, a pena ser aplicada
sem apresentação de todas as evidências possíveis.

Figura 9: Pena
antecipada sem
análise de todas as
evidências. Fonte:
Shutterstock (2019).

A pena antecipada pode ocorrer principalmente quando a


repercussão suscita grande comoção social e a polícia procura
respostas rápidas diante da pressão da mídia.

48 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Nesse contexto, a presunção da inocência é um dos princípios
constitucionais aplicados ao processo penal. Tal princípio
garante aos indivíduos a inocência até que todas as evidências
possíveis sejam apresentadas para caracterizar culpa. Então o
investigador precisa estar atento para não descaracterizar um
processo penal.

Estado de prolongada ânsia


Sabemos que a investigação infundada e desvirtuada produz
um custo social extremamente danoso para a pessoa que
venha a ser acusada injustamente. Tal circunstância produz
o que chamamos de estado de prolongada ânsia. Ou seja, a
estrutura burocrática e simbolista das instituições policiais,
do Ministério Público e do Poder Judiciário é um mundo de
absoluta supremacia do poder estatal capaz de assustar e
prolongar o sofrimento daquele que é acusado injustamente.

Figura 10:
Supremacia do
poder estatal e
a consequência
de sofrimento de
acusamento injusto.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Aquele que é submetido a uma investigação infundada e é


injustamente acusado de um crime que não cometeu permanece
em um estado de incerteza enquanto durar o processo, pagando
um custo alto de transtornos psicológicos que pode ser evitado
se a investigação cumprir sua função, evitando que as acusações
improcedentes sejam levadas adiante.

49 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Estigmatização social e jurídica
Estigmatizações decorrentes de abusos praticados na
investigação e no processo penal são sempre um risco potencial.
Elas são verdadeiras agressões à dignidade de um indivíduo.

Figura 11:
Estigmatização
social. Fonte:
Shutterstock (2019).

Tempos atrás, indivíduos eram marcados com ferro em


brasa para que fossem identificados como criminosos na
sociedade. Atualmente, podemos perceber esse aspecto em
tatuagens, por exemplo.

Muitas vezes, na prisão, os criminosos são marcados


por outros prisioneiros com tatuagens que relacionam o
cometimento de seu crime ao símbolo. Isso é resultado da
estigmatização social, que gera no indivíduo consequências
físicas e psicológicas que serão levadas pelo resto de sua vida.

Perceba que essa consequência ao indivíduo pode


surgir a partir de uma denúncia e de um processo
penal abusivo infundado.

50 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


A potencialidade da estigmatização é aumentada
diante da natureza legal que contém características de
despersonalização do indivíduo, pois contribui para que este
se sinta em posição de inferioridade diante da supremacia
punitiva do Estado.

Veja que o simples fato de alguém ser considerado suspeito da


prática de um crime de estupro, submetido à especulação da
mídia, é o suficiente para a perda de sua respeitabilidade social.

O sujeito passa a ser considerado um delinquente,


principalmente quando é submetido a procedimentos
processuais cautelares, como a prisão preventiva.

O fato de ser indiciado em um procedimento


policial, preso e denunciado por um crime hediondo,
poderá restringir direitos do sujeito a algum
benefício processual, como a liberdade provisória.

Diante do exposto, perceba o quão importante é a investigação


criminal na preservação da efetividade das garantias
constitucionais e processuais, e cabe a você, investigador,
assegurar a máxima autenticidade das provas e evitar que
um acusado inocente seja submetido a um processo jurídico
inconsistente.

51 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


Referências
BERNSTEIN, P. L. Desafios aos deuses: a fascinante história do
risco. In: BEVEL, T.; GARDNER, R. Bloodstain Pattern Analysis
with an Introduction to Crime Scene reconstruction. Boca
Raton, Florida: CRC Press, 1997.

CARLO, G. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São


Paulo: Companhia das Letras, 2011.

GEBERTH, V. J. Practical Homicide Investigation:


Tactics,Procedures, and Forensic Techniques. Fourth Edition.
Boca Raton, Florida: CRC Press, Inc., 2006.

LOPES JR., A. Sistemas de investigação preliminar no


processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

MOLINA, A. G-P de; GOMES, L. F. Criminologia. São Paulo:


Revista dos Tribunais, v. 5, 1997.

SHUTTERSTOCK. [S.l.], 2019. Disponível em: https://www.


shutterstock.com/pt/. Acesso em: 18 nov. 2019.

SILVA, J. A da S. Análise criminal: teoria e prática. Salvador:


Artpoesia, 2015.

ZBINDEN, K. Criminalística: investigação criminal. Lisboa:


[s.n.], 1957.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Laboratório


da Secretaria de Educação a Distância (labSEAD-UFSC).
Florianópolis, 2019. Disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/.
Acesso em: 18 nov. 2019.

52 • Módulo 2 Garantismo da Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito


53 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro
MÓDULO 3

MOTIVAÇÃO DO
AUTOR DO CRIME
DE ESTUPRO
54 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA
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55 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Sumário

Apresentação.................................................................................................................5
Objetivos do Módulo.............................................................................................................................. 5
Estrutura do Módulo.............................................................................................................................. 5
Aula 1 – Motivação do Criminoso....................................................................... 6
Contextualizando................................................................................................................................... 6
Como Surge a Motivação do Autor do Crime...................................................................................... 6
Aula 2 – Motivação Humana ............................................................................... 9
Contextualizando... ............................................................................................................................... 9
Teoria de Campo de Kurt Lewin ........................................................................................................... 9
Teoria da escolha racional ................................................................................................................. 11
Teoria do Valor da Expectativa........................................................................................................... 18
Modelo Cognitivista............................................................................................................................. 21
Aula 3 – Motivação e a Investigação Criminal ...................................................27
Contextualizando... ............................................................................................................................. 27
A Importância de Identificar a Motivação do Agressor na Fase da Investigação........................... 27
Referências...................................................................................................................30

56 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Apresentação

A criminologia, por ser uma ciência multidisciplinar, utiliza o


conhecimento de outras ciências para explicar a prática de
um crime. Ela procura o apoio de teorias formuladas sobre
o comportamento humano, principalmente no campo da
psicologia, para construir suas explicações. Diante disso, neste
módulo você estudará, com apoio de diversas teorias, um dos
elementos de fundamental importância na apuração do crime
de estupro: a motivação do evento, ou seja, o que influencia um
indivíduo cometer o evento criminoso em questão.

OBJETIVOS DO MÓDULO
Enumerar os fatores motivacionais relacionados ao crime de
estupro, analisar as principais teorias que abordam a apuração
do motivo da prática delituosa e que servem de referencial aos
investigadores e reconhecer a importância da apuração da
motivação do crime na fase da investigação criminal.

ESTRUTURA DO MÓDULO
• Aula 1 – Motivação do Criminoso
• Aula 2 – Motivação Humana
• Aula 3 – Motivação e a Investigação Criminal

57 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Aula 1 – Motivação do Criminoso
CONTEXTUALIZANDO...
Quando falamos da prática de crime na literatura jurídica, é muito
comum encontrarmos ideias que questionem se realmente é
relevante saber as razões que levaram o infrator ao ato criminoso,
já que saber se a conduta está descrita no tipo penal é o que
importa. Entretanto, no que diz respeito ao procedimento de
apuração das provas de um delito penal, entender a motivação
do infrator é muito relevante, visto que poderá apontar o caminho
seguro para possíveis suspeitos e consequente definição da
autoria. Assim, vamos analisar o que influencia um indivíduo a
cometer um crime – especificamente, o crime de estupro.

COMO SURGE A MOTIVAÇÃO DO AUTOR


DO CRIME
Pelas características complexas do delito de estupro,
principalmente quando se trata de cometimento de crimes em
série, a investigação entende que o levantamento de informações
para descobrir qual foi a motivação é fundamental para a apuração
da autoria. Todavia, apurar o processo que leva alguém a cogitar,
planejar e executar uma conduta criminosa não é tarefa fácil, mas
é possível se considerarmos algumas teorias formuladas pelas
ciências que estudam o comportamento humano.

Figura 1: A
investigação
e a busca de
informações
para identificar a
motivação do crime.
Fonte: Shutterstock
(2019).

58 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Na personalidade do indivíduo humano, há alguns processos
cognitivos que favorecem e colaboram para a prática do crime.
Entretanto, segundo estudos da moderna psicologia, não
é fácil demonstrar as motivações dos atos humanos, visto
que algumas são conscientes e racionais, enquanto outras
se fundamentam na história de vida do agressor, em seu
desenvolvimento pessoal e nas suas perturbações mentais.

Konvalina-Simas (2014) acredita que a motivação


pode surgir a partir de um processo referencial
parcialmente consciente que resulta na ação de um
sujeito em determinadas condições.

Konvalina-Simas (2014) ainda caracteriza a motivação como um


pensamento criado a partir de experiências e memórias de um
indivíduo, a partir dela ocorre a ação por impulso advindo dos
sentidos, como forma de alcançar algum objetivo satisfatório,
despertando anseios, desejos, esforços, sonhos, esperanças e
tantos outros instintos e pulsões que geram atitudes.

Podemos exemplificar esse anseio com a exigência da


ingestão de água devido à sensação de sede. Nesse processo
estão envolvidos outros fatores, como o ambiente e outras
Diz respeito a um
comportamento formas de comportamento complexas que não são explicadas
destrutivo e apenas pela resolução das tensões internas do indivíduo.
desregrado do
indivíduo que,
Desse modo, você pode imaginar que o motivo da conduta
muitas vezes, está
sob efeitos de do estuprador é sempre o desejo sexual, entretanto, vários
drogas. podem ser os fatores que levam o indivíduo a querer praticar
o estupro. Nesse aspecto, podemos considerar o poder
simbólico que o desejo exerce no imaginário de determinadas
pessoas e culturas, como o desejo de humilhar a vítima, o
hooliganismo, o desejo de vingança, inveja ou até mesmo de
fazer valer uma determinada ideologia.

59 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Assim, para conhecer melhor esse importante elemento
da prática do delito, a investigação criminal utiliza algumas
importantes teorias subjacentes nos processos de apuração
do motivo da prática delituosa.

60 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Aula 2 – Motivação Humana

CONTEXTUALIZANDO...
A motivação pode ser entendida como opções de condutas
delinquentes que um indivíduo racionaliza e as torna
socialmente adaptáveis e funcionais para a sua satisfação.
Assim, é possível entender a conduta delitiva analisando os
elementos motivadores do infrator. A criminologia procura
racionalizar esse processo por meio de algumas teorias que
servirão de suporte ao estudo dos motivos que levam alguém
a praticar um crime.

TEORIA DE CAMPO DE KURT LEWIN


Kurt Lewin, psicólogo alemão, citado por Konvalina-Simas
(2014), defende que o objetivo de um comportamento humano
possui valor e apelo. O comportamento é gerado por uma
tensão interior que resulta em atividades ligadas ao suprimento
da necessidade satisfatória. Esse conceito foi desenvolvido
por Lewin, por meio da teoria de campo, que propõe que o
comportamento humano é consequência das influências
internas e externas de um indivíduo. De acordo com essa
teoria, o comportamento do ser humano deriva de dois fatores
fundamentais. Vamos observá-los na imagem a seguir.

Soma dos fatos


coexistentes,
concebidos mutuamente
interdependentes,
ocorridos em determinada
situação (campo
Os fatos apresentam um COMPORTAMENTO psicológico).
campo dinâmico de forças
onde cada fato influencia HUMANO
e recebe influência do
outro e de todo o conjunto
de fatos (ambiente
psicológico).

Figura 2: Fatores do comportamento humano, segundo a teoria de campo.


Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

61 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Nessa teoria também é apresentado o campo psicológico, que
é o espaço de vivência do indivíduo (espaço vital), no qual ele
age dentro de seu ambiente psicológico, que é a forma como
percebe e entende o ambiente que o circunda e a relação deste
com suas necessidades.

São vários os espaços vitais, e é nesse campo que as


pessoas, objetos e situações podem receber valores positivos
ou negativos. Vamos identificar alguns desses espaços de
vivência na imagem a seguir.

FAMÍLIA AMIGOS

IGREJA TRABALHO
Figura 3: Espaços
vitais que
influenciam
as relações e
necessidades.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019). ESCOLA

Os valores são positivos quando estão de acordo com as


necessidades do indivíduo, fomentando sua satisfação; por outro
lado, são negativos quando indicam claramente ou sugerem a
possibilidade de causar danos às suas necessidades.

62 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Dessa forma, podemos perceber que, enquanto o valor positivo
atrai o indivíduo, o negativo causa repulsa, mas ambos criam
forças que interagem e impulsionam o indivíduo em uma
determinada direção.

Para melhor compreensão desse processo, observe a lógica


matemática representada na imagem seguinte.

C= f (P.M)
C M
Comportamento Meio
externo
Figura 4:
Representação
lógica do f P
comportamento
humano. Representação
Fonte: labSEAD- da interação entre Pessoa
UFSC (2019). pessoa e meio
externo

Perceba que a letra P (pessoa) é representada pelas


características genéticas do indivíduo e pelo que ele aprende
na sua relação com o meio externo. Esses elementos são
fatores fundamentais na tomada de decisão de um indivíduo.

Contudo, o que a teoria procura explicar é como um mesmo


objeto ou situação pode ser visto e interpretado por diferentes
pessoas de diversas formas. A partir dessa análise, é
possível entender que a teoria defende a relação direta do
comportamento dos indivíduos com suas emoções, e não com
sua realidade externa. O sujeito reage de acordo com o grau de
conforto que mantém com o seu conhecimento.

TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL


Konvalina-Simas (2014) cita Cornish e Clarke, apresentando
a teoria da escolha/ação racional. Os autores explicam a
motivação do infrator pela linha de pensamento cognitivista:

63 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


antes de praticar o crime, o infrator desenvolve um cálculo
mental para medir os potenciais riscos e consequências
dos seus atos, decidindo pela execução caso perceba um
benefício superior ao custo. Ou seja, o infrator toma a decisão
de cometer o crime quando conclui que o risco de ser preso
compensa os benefícios que poderá ter com a prática do
crime. Por esse aspecto, os especialistas consideram que
qualquer indivíduo pode cometer um delito, desde que haja
uma oportunidade compensatória para fazê-lo.

Na imagem a seguir, podemos identificar uma análise


detalhada das circunstâncias sobre as quais o indivíduo reflete
para caracterizar os riscos potenciais que definirão o custo-
benefício de sua prática criminosa.

Figura 5: Cálculo
mental do
criminoso.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

64 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Perceba que o indivíduo mentaliza a ação previamente para
identificar se o custo é inferior ao benefício esperado, podendo
concluir que, apesar de existir grande risco de ser reconhecido
por testemunhas e/ou pela vítima num determinado local e
hora, o benefício pode ser satisfatório.

Para calcular o grau de risco da satisfação de sua


necessidade, ele precisa ter uma visão antecipada
das prováveis ações que poderão dificultar ou
impedir sua pretensão. Sendo assim, ele agirá
de forma estratégica, observando todas as
possibilidades para obter o resultado com o menor
risco possível de ser identificado e preso.

Ao propor a teoria, Cornish e Clarke (apud KONVALINA-


SIMAS, 2014) elaboraram hipóteses em relação ao processo
de motivação do infrator para a prática do crime. Vamos
identificá-las na imagem a seguir.

Os infratores procuram o lucro por


meio do crime.

O sujeito precisa tomar decisões e


fazer uma escolha.

Figura 6: Hipóteses O processo de tomada de decisão é função do


que caracterizam
tempo disponível, conforme as oportunidades
o processo de
motivação do
e informações disponíveis e capacidades
infrator. cognitivas do infrator.
Fonte: Cornish
e Clark (apud
KONVALINA-SIMAS,
2014), adaptado A tomada de decisão e os fatores satisfatórios
por labSEAD-UFSC variam de sujeito para sujeito e de um crime
(2019). para outro.

65 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Perceba que, embora haja um certo padrão no processo de
motivação do infrator, ele sempre estará dependente das
características pessoais das vítimas e de fatores externos,
como o porte físico da vítima, as oportunidades e informações
disponíveis. Na análise do infrator, esses aspectos serão
decisivos para valoração do custo-benefício.

As teorias científicas são consideradas hipóteses para


validação permanente. Então, vamos considerar que as
pessoas desenvolvem seus processos cognitivos com suas
especificidades e expectativas, fundadas em seus valores de
preferência: honestidade ou lucro do crime.

Os autores entendem que há uma lógica própria para cada delito,


assim como motivações específicas que influenciam as decisões
dos infratores. Desse modo, afirmam que é possível destacar
alguns fatores que impactam as decisões e apresentam as
seguintes condições que servem de referências iniciais para você,
investigador. Conheça, na imagem a seguir, alguns fatores que
impactam nas decisões iniciais da investigação.

Disponibilidade e/ou acessibilidade da vítima.

Conhecimento de técnicas que possibilitem o alcance do objetivo.

Necessidade de planejamento.

Tempo necessário para realizar a operação.

Sangue-frio é indispensável.

Risco de ser identificado e preso.

Severidade da punição.

Violência instrumental necessária.

Confronto com a vítima.

Identificação da vítima. Figura 7: Fatores que


impactam as decisões iniciais
da investigação.
Avaliação moral. Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

66 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


A teoria da escolha racional acredita que os indivíduos
agem com racionalidade em suas práticas sociais e são,
portanto, capazes de reunir informações que fundamentem
suas decisões, e criam alternativas para reduzir os riscos da
satisfação dos seus propósitos. Mesmo que alguns riscos
não sejam previstos, sempre se escolhem alternativas que
minimizem as consequências negativas que venham a surgir.

Porém, mesmo que exista a reflexão antecipada das ações,


um sujeito poderá encontrar imprevistos que exigirão rápida
análise das alternativas de solução e tomada de decisão. Caso
o sujeito não seja capaz de realizar essa reflexão, podemos
perceber um indicativo de irracionalidade.

A teoria da escolha/ação racional mostra que o


indicador que representa a presença de racionalidade
na tomada de decisão é a rapidez na análise do
contexto e nas ações realizadas a partir disto.

A mesma teoria considera que todos os indivíduos são


capazes de prever e calcular o que esperam de suas ações.
As pessoas aplicam valor e utilidade de suas condutas,
analisando se realmente vale tal atitude.

Para satisfazer suas necessidades (sexo, dominação,


vingança, ou outros) por meio do ato criminoso (estupro),
o infrator desenvolve uma dinâmica envolvendo as ações
planejadas e suas percepções, ou seja, o agressor relaciona as
necessidades com alguns fatores. Vamos analisar a dinâmica
dessa relação na imagem a seguir.

67 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Figura 8: Aspectos
relacionados à
prática do crime
para satisfazer
necessidades.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Entretanto, essa decisão depende de uma avaliação do esforço


a ser feito, da facilidade e rapidez das vantagens decorrentes e
do grau de severidade dos custos morais e de punição.

Vale ressaltar que, embora surja uma oportunidade


inesperada para cometer o crime, o infrator
geralmente avalia, previamente, os custos e os
benefícios que serão gerados.

Considere que o infrator tem crenças e desejos que também


influenciam nas escolhas de suas ações. Esses desejos
podem estar vinculados a necessidades humanas mais

68 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


profundas como sexo, posição social e valores morais, bem
como são definidos antes da escolha do ato criminoso e serão
o objeto de satisfação dessa escolha.

Com relação à investigação criminal, a escolha racional feita


pelo infrator nos leva a identificar que ele planeja sua ação
levando em consideração as possibilidades que existem (até
mesmo a ação de terceiros), com intuito de adequar seus
passos sem ser identificado.

O autor do crime elabora sua conduta considerando possíveis


desafios que poderão dificultar seu ato. Nesse sentido, vamos
analisar a imagem a seguir, que representa o planejamento
de ações de um infrator na tentativa de um estupro contra
crianças brancas, de classe média, com faixa etária entre 8 e
10 anos, com abordagem na saída da escola.

Será que o
horário de saída
das alunas
é sempre o Os pais
mesmo? sempre
podem
Tem buscar?
policiais
por perto?

Figura 9: O infrator analisando sobre suas ações, considerando possíveis


influências de terceiros. Fonte: Shutterstock (2019), adaptado por labSEAD-
UFSC (2019).

69 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


A teoria ainda defende que a decisão de praticar o estupro não
resulta de uma série de causas e efeitos, mas das percepções
que o infrator tem do mundo à sua volta e de cálculos que ele
faz diante das necessidades e eventualidades. A teoria aponta
caminhos que deverão ser conhecidos, testados e explorados
pelo investigador criminal.

TEORIA DO VALOR DA EXPECTATIVA


Para determinar a motivação do infrator, é preciso
compreender o grau de perturbação emocional e o nível de
alteração na percepção da sua realidade. Segundo Konvalina-
Simas (2014), é possível que o investigador criminal aplique a
teoria do valor da expectativa quando o grau de perturbação
emocional do infrator for diminuído e a percepção da realidade
dele se encontra moderada e alterada.

Essa teoria desenvolve uma abordagem racional para a


investigação dos motivos que levam alguém à prática de delito,
caracteriza o comportamento motivado de um indivíduo e o
representa por uma equação lógica. Vamos analisá-la a seguir.

CM = NI + DM

DM
CM Desejo de coisas
Comportamento existentes no
motivado meio ambiente
Figura 10:
Representação
lógica do NI
comportamento Necessidades
motivado. Fonte: individuais
labSEAD-UFSC
(2019).

Para Petri (1986 apud KONVALINA-SIMAS, 2014), a chance de


ocorrência de um comportamento criminoso depende tanto
do valor real ou imaginário dos objetos disponíveis quanto da
expectativa que o infrator tem de obtê-los.

70 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Konvalina-Simas (2014) diz que não se pode aplicar
essa regra quando se trata de crime violento, pois
muitas vezes o ato está carregado de emoção ou foi
praticado num contexto de transtornos mentais ou
de uso de substâncias entorpecentes.

Entretanto, para facilitar o trabalho do investigador, Yarvis


(1991 apud KONVALINA-SIMAS, 2014) apresenta uma tabela
de elementos motivacionais que pode ser aplicada na análise
de crimes violentos, com variáveis internas de acordo com a
lição de Petri. Vale entendermos que Yarvis também afirma
que nem todos os itens da tabela serão percebidos de forma
explicita nas evidências deixadas pelo infrator na cena do
crime. Podemos observar nos tópicos a seguir os fatores
causais significativos no estudo do comportamento homicida:

• Nível de relações interpessoais (capacidade de valorizar os


outros).
• Nível do controle de impulsos (capacidade para evitar o
perigo e conter condutas autodestrutivas).
• Nível de colocação na realidade (capacidade para distinguir
o real do imaginário).
• Nível de pensamento racional (capacidade para pensar e
refletir com clareza).
• Nível cognitivo (capacidade para acumular/arquivar
informação e recuperá-la posteriormente no processo de
tomada de decisões).
• Nível da autoimagem (capacidade para preservar o
autoconceito e evitar a depressão e a raiva).
• Nível de valores internalizados (capacidade para evitar
crenças e ações antissociais).
• Nível de integração/alienação e de emancipação/
dependência (grau em que a pessoa se sente desligada
e desinvestida da sua família, comunidade e o que tem a
perder em termos de amizade, família e reputação).
• Presença de transtornos mentais.

71 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


• Presença ou uso e abuso de substância entorpecente.
• Presença de motivos racionais ou justificativos específicos.
• Indícios de intoxicação alcoólica.
• Presença de outros fatores estressantes.

Podemos entender que a decisão do evento criminoso


pode ser iniciada ou orientada por qualquer uma dessas
circunstâncias que envolve vítima ou infrator. Nesse caso,
é recomendado que a equipe de investigação desenvolva
criteriosa investigação criminológica da linha histórica do
agressor, já que importantes evidências comportamentais
podem ser encontradas.

Figura 11:
Investigação
criminológica da
linha histórica do
agressor. Fonte:
Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

No que diz respeito ao infrator, à vítima e às pessoas


que possam de alguma forma ter impactado nos riscos
considerados pelo criminoso (testemunhas, por exemplo),
qualquer análise dos motivos da prática delituosa deve ser
antecedida pela contextualização dos comportamentos
relacionados com o evento criminoso.

Konvalina-Simas (2014) alerta que nem sempre


é possível realizar análise comportamental dos
atores envolvidos no evento com base apenas nas
informações encontradas na cena do crime.

72 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Desse modo, perceba que a teoria utiliza de fato uma
abordagem racional para a investigação dos motivos que
levam um indivíduo a cometer um crime e que a análise de um
histórico e dos aspectos apresentados pelo infrator é peça
fundamental para a investigação criminal.

MODELO COGNITIVISTA
Um dos estudos formulados por Dodge (1986 apud KONVALINA-
SIMAS, 2014), psicólogo clínico, especialista no desenvolvimento
de comportamentos agressivos e violência crônica em crianças,
foi o modelo cognitivista, que, no campo da psicologia, refere-se à
compreensão de comportamentos humanos.

Como especialista, esse cientista sistematizou a aplicação do


modelo cognitivista às condutas agressivas da criança. Ele
descreve o que a psicologia chama de distorções cognitivas,
que são operações mentais que explicam por que algumas
crianças são propensas a reagir de modo agressivo.

Figura 12: Algumas


crianças são
propensas a reagir
de modo agressivo.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Para Dodge, diferentes tipos de agressão se originam de uma


deficiência de processamento das informações advindas do
meio social da criança. Assim, as dificuldades no tratamento
das informações seria a causa de condutas violentas.

73 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


As consequências dessa deficiência podem
influenciar o processo de tomada de decisão e
caracterizar uma resposta violenta do sujeito
quando se vê diante de confrontos, adotando
comportamento agressivo e antissocial.

Dodge ainda diz que as distorções das informações podem


ocorrer em momentos diferentes do processo de mediação
cognitiva do comportamento. Na imagem a seguir, vamos
observar algumas das fases desse processo.

FASES DO PROCESSO DE MEDIAÇÃO


COGNITIVA DO COMPORTAMENTO

Figura 13: Fases


do processo de
mediação cognitiva SELEÇÃO PRODUÇÃO
CODIFICAÇÃO
do comportamento. DA AÇÃO
DA AÇÃO
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Podemos ilustrar a primeira fase do processo com a


representação de uma criança agressiva que tem uma
limitação em referenciar e identificar a situação em que se
encontra; no caso, a tentativa de estupro. A consequência é
que sua percepção se limita à realidade e, principalmente, às
opções de reações que pode ter.

Já a segunda fase, quando uma criança precisa tomar uma


decisão, sua motivação e seus sentidos tendem a ter como
referências suas motivações rotineiras. Na criança agressiva,

74 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


geralmente as motivações são sentimentos relacionados à
vingança ou ao desejo de controlar o outro. Nesse processo,
ela seleciona a motivação da ação e escolhe a resposta mais
adequada, quase sempre sendo a violência, pois é a mais
eficaz em curto prazo.

Figura 14: Criança


agressiva com
motivações
relacionadas aos
sentimentos de
vingança. Fonte:
Shutterstock (2019).

Por último, a produção da ação, ocorre quando a criança


agressiva pensa normalmente que a ação violenta não
prejudica a vítima e que o benefício do ato violento será um
acréscimo para a autoestima individual e/ou do grupo.

Segundo a teoria no contexto da criminalidade, essas


distorções cognitivas se fazem mais evidentes nas práticas
da delinquência sexual. Para Born (2005 apud KONVALINA-
SIMAS, 2014), as distorções cognitivas nesse campo são
traduzidas pelas “hipóteses e crenças” que motivam os
comportamentos sexuais, permitindo que os agressores
neguem seus atos ou minimizem seu alcance, justificando ou
racionalizando suas ações.

Esse processo mental permite ao agressor tornar seu


comportamento algo aceitável, considerando ou não sua
responsabilidade pelo ato, o que o leva a não sentir vergonha

75 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


ou culpa de seu comportamento. Diante desse contexto,
observe a figura a seguir, que identifica as características dos
abusadores sexuais de crianças e agressores sexuais em geral
e seu comportamento mental em relação à prática.

CARACTERÍSTICAS DE ABUSADORES
SEXUAIS DE CRIANÇAS E
AGRESSORES SEXUAIS.

MINIMIZAÇÃO
Figura 15:
Características de Eximem-se da
abusadores sexuais responsabilidade
de crianças e RECUSA do ato, atribuindo-o
agressores sexuais. Não reconhecem a alguém.
Fonte: labSEAD- a agressão.
UFSC (2019).

Saindo do contexto da violência sexual, Konvalina-Simas diz


que essas distorções mentais estão próximas do que Sykes e
Matza (1997 apud KONVALINA-SIMAS, 2014) apontaram como
justificativas para atos criminosos comuns e descreveram
como mecanismo de neutralização comportamental. Vamos
analisar esses mecanismos no quadro a seguir.

MECANISMO DESCRIÇÃO

Ocorre quando o infrator se diz vítima


de circunstâncias que vão além do
Desresponsabilização seu controle, como ambiente familiar,
social, econômico, entre outros.

O infrator insiste em dizer que,


mesmo que tenha infringido a lei,
“ninguém se magoou”. Considera
Negação das seus atos como uma partida de um
consequências esporte, contando com o apoio da
sociedade, na qual a maior parte
dos adultos considera seus atos
pouco relevantes ou normais.

76 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Ainda que o infrator venha a
Negação das reconhecer que fez mal a terceiro,
vítimas ele avalia seus atos como uma
forma de retaliação justificada.

O infrator tenta redirecionar a


Condenação dos atenção que se volta para ele, para
condenadores os motivos e o comportamento
das pessoas que o acusam.
Quadro 1:
Mecanismos de
neutralização Alega que as expectativas e
comportamental. exigências sociais do seu grupo
Fonte: Sykes e minoritário devem sobrepor o
Matza (1997 apud Apelo à lealdade interesse da maioria. Seu ato deve
KONVALINA-SIMAS, ser visto como de atendimento às
2014), adaptado pressões do seu grupo.
por labSEAD-UFSC
(2019).

O mecanismo de negação da prática do crime pelo agressor,


em que este culpa a vítima (culpabilização da vítima), pode ser
exemplificado com casos de agressões a uma pessoa vestida
com roupas curtas ou decotes, em que o infrator justifica suas
ações alegando que a vítima o seduziu porque estava com
roupas provocantes.

Nesse mesmo contexto, podemos exemplificar uma agressão


de estupro contra um homossexual, em que o agressor
alega cometer o ato como uma tentativa de correção de
comportamento, e que sua ação é de punição contra o indivíduo.

Figura 16: Crime


específico como
correção à
prática de um
comportamento
através de punição.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

77 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Os autores Sykes e Matza (1957 apud KONVALINA-SIMAS,
2014) entendem que os infratores da lei se tornam criminosos
em função de “um processo mental temporário”, durante
o qual ocorre a negação das expectativas convencionais e
normais da sociedade com relação à convivência em grupo.

Assim, os autores não acreditam que a motivação venha


por desajustes psicológicos ou circunstâncias sociais. Eles
destacam que os indivíduos delinquentes cometem crimes
da mesma forma como praticam atos de conformidade com
as regras sociais. Os mais passíveis de violar as normas
sociais são os indivíduos que possuem maior capacidade de
racionalizar seus atos ao mesmo em tempo que censuram
psicologicamente os danos que suas práticas podem causar.

Do ponto de vista da investigação do crime de


estupro, as teorias estudadas apontam constatações
que certamente orientam a equipe para o desenho
das características mais prováveis do infrator.

As teorias ajudam a investigação criminal a identificar, de


forma mais compreensível, o comportamento criminoso de
um indivíduo. Elas sugerem padrões que fornecem pistas
detalhadas que servirão de suporte para resolução do
evento delituoso.

78 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Aula 3 – Motivação e a Investigação
Criminal

CONTEXTUALIZANDO...
Determinar os motivos que conduzem alguém à pratica de um
delito é relevante para a investigação criminal, especialmente
no caso da apuração de provas da prática do crime de estupro.

O processo que leva o indivíduo a tomar a decisão de praticar


um delito é bastante complexo e isso se reflete na variedade
de modos e causas da conduta delituosa. Nem sempre é
possível uma análise mais profunda dos motivos do infrator,
mas pelo menos os elementos de motivação aparente
precisam ser conhecidos. Dessa forma, vamos destacar as
vantagens de determinar a motivação do infrator na fase da
investigação criminal do crime de estupro e a importância da
compreensão do tema para o campo da investigação criminal.

A IMPORTÂNCIA DE IDENTIFICAR A
MOTIVAÇÃO DO AGRESSOR NA FASE DA
INVESTIGAÇÃO
Alguns pesquisadores do processo de motivação da prática
do crime de estupro dizem que não basta apurar apenas a
racionalidade da decisão do infrator para entender todo o
conjunto de motivos conscientes e inconscientes. É importante
que a investigação leve em consideração e avalie o cálculo
do custo-benefício que o infrator emprega no seu crime, visto
que determinar o motivo da decisão pela prática do evento
criminoso pode ser significativo tanto para a fase de acusação
como do julgamento. Veja a seguir algumas vantagens de
evidenciar, através da investigação, a motivação do agressor.

79 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


REVELA
AUXILIA NA
REDUZ O GRUPO DE INFORMAÇÕES
IDENTIFICAÇÃO DE
SUSPEITOS CIRCUNSTANCIAIS
VÍNCULOS
Concentra-se nas Aponta a intimidade
Identifica aspectos,
características e estado de espírito
comparando com
específicas do do infrator ao
casos que apresentam
possível infrator. reunir vestígios
motivações
comportamentais e de
semelhantes.
oportunidades.

Figura 17: As vantagens de identificar a motivação do agressor.


Fonte: Konvalina-Simas (2014), adaptado por labSEAD-UFSC (2019).

A primeira vantagem apresentada permite que a equipe de


investigação possa reduzir o grupo de suspeitos. Já a segunda
vantagem possibilita a identificação de aspectos através da
comparação com motivações semelhantes ocorridas em casos
anteriores, como o caso de o crime ser cometido por motivação
de ordem moral. A última pode ser exemplificada com um caso de
estupro seguido por morte da vítima, em cujo local de crime são
deixados vestígios que indicam que o infrator tinha a motivação
fundada na raiva e na excitação (sádico). Nessa análise, a equipe
identificou provas que indicam o uso da força física e que o ataque
foi de surpresa. Além de produzir lesões graves nas genitálias
da vítima, o que indicou muito sofrimento, o infrator também lhe
introduziu na vagina um objeto de forma fálica.

Refere-se ao
falo, ou seja, ao Esse tipo de infrator, em regra, tem uma profissão na qual
órgão reprodutor exerce autoridade. Observe como essa vantagem facilita o
masculino. planejamento, podendo indicar a seleção da vítima e do local, do
momento oportuno, da escolha do local de abando e de todas
as estratégias necessárias para dissimulação do ato.

Turvey (1996 apud KONVALINA-SIMAS, 2014) diz que, na


investigação criminal, o conceito de motivação é usado para
identificar as diferenças de intensidade no comportamento
do infrator. Na investigação, a motivação é percebida pelas
forças que atuam interna e externamente num indivíduo, e são
elas que incitam e direcionam a atuação do sujeito.

80 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Para Konvalina-Simas (2014), a investigação criminal
pode entender, por meio de análise comportamental, que
a motivação é um conjunto de deficiências emocionais,
psicológicas e materiais que impulsionam o indivíduo para a
sua satisfação através de ações.

A motivação do infrator ao cometer um crime de


estupro é entendida em diversos conceitos pela
investigação criminal, mas perceba que identificar o
motivo é peça fundamental para identificar o autor e
auxiliar no cumprimento de sua pena.

Sem dúvida, conhecer os motivos que orientaram o infrator na


tomada de decisão é processo de potencial valor na indicação
de elementos que poderão apontar características indicativas
da autoria, sem falar de sua importância no momento de
aplicação da pena pelo juiz.

Assim, para explicar as razões que levam alguém a tomar a


decisão de praticar o crime de estupro, não basta que a equipe
analise as necessidades internas do infrator, a visão precisa
ser ampliada para todos os elementos, internos e externos,
que individualmente ou combinados possam demonstrar as
causas que motivam a prática do evento.

81 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


Referências
BEVEL, T.; GARDNER, R. Bloodstain Pattern Analysis with an
Introduction to Crime Scene reconstruction. Boca Raton: CRC
Press, 1997.

GEBERTH, V. J. Practical Homicide Investigation: Tactics,


Procedures, and Forensic Techniques. Fourth Edition. Boca
Raton: CRC Press, 2006.

HETING, V. H. O crime e sua vítima. 1948.

KONVALINA-SIMAS, T. Profiling criminal: introdução à análise


comportamental no contexto investigativo. Cascais: Reis dos
Livros, 2014.

LOPES JR. A. Sistemas de investigação preliminar no


processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

MENDES, B. S. A. Profiling criminal: técnica auxiliar de


investigação criminal. Porto: Universidade do Porto, 2014.
Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/143403239.
pdf (Acesso em: 24 jan. 2018).

MOLINA, A. G. de; Gomes, L. F. Criminologia. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 1997.

SHUTTERSTOCK. [S.l.], 2019. Disponível em: https://www.


shutterstock.com/pt/. Acesso em: 4 nov. 2019.

SILVA, J. A. da S. Análise criminal: teoria e prática. Salvador:


Artpoesia, 2015.

SUMARIVA, P. Criminologia, teoria e prática. Niterói: Impetus,


2015.

82 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Laboratório
da Secretaria de Educação a Distância (labSEAD-UFSC).
Florianópolis, 2019. Disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/.
Acesso em: 18 nov. 2019.

ZBINDEN, K. Criminalística: investigação criminal. Lisboa:


Lisboa Editora, 1957.

83 • Módulo 3 Motivação do Autor do Crime de Estupro


MÓDULO 4

PLANEJAMENTO DA
INVESTIGAÇÃO DO
CRIME DE ESTUPRO
84 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro
Apresentação

Neste módulo você estudará uma ferramenta indispensável no


processo investigatório do crime de estupro: o planejamento.
É por meio do planejamento que você, investigador, poderá
estimar os recursos, os custos e o prazo necessário para
realização do processo, garantindo a economia de esforços,
tempo e a possibilidade de bons resultados.

Porém existem dificuldades práticas específicas de cada


situação e organização policial na fase de planejamento, então
a proposta deste curso é mostrar que há possíveis caminhos
de excelência que precisam ser conhecidos e postos em
prática. Dessa forma, este curso limita-se ao planejamento
operacional para que você cumpra as metas de alcance dos
resultados de maneira mais objetiva.

OBJETIVOS DO MÓDULO
Reconhecer a importância do planejamento para a eficácia da
investigação, enumerar as principais etapas do planejamento
da investigação de estupro, identificar os riscos que podem
ocorrer no processo e compreender a necessidade de se
avaliar a qualidade das evidências como suporte para as
provas que deseja apurar.

ESTRUTURA DO MÓDULO
• Aula 1 – Importância do Planejamento da Investigação do
Crime de Estupro.
• Aula 2 – Elaboração de um Cronograma de Trabalho.
• Aula 3 – Análise Preliminar do Objeto da Investigação.
• Aula 4 – Plano Operacional da Investigação de Estupro:
Matriz de Planejamento.
• Aula 5 – Evidências de Prova.

85 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Aula 1 – Importância do Planejamento
da Investigação do Crime de Estupro

CONTEXTUALIZANDO...
Quando o investigador elabora um planejamento operacional da
investigação de um crime de estupro, possibilita a estruturação
da investigação e desenha uma rota que mantém a equipe
focada nas metas estabelecidas e nos resultados esperados. A
partir de agora, vamos compreender a importância de construir
e entender o caminho a ser percorrido durante o processo.

CONHECENDO OS CAMINHOS A PERCORRER

Vamos iniciar analisando o diálogo a seguir.

Figura 1: Escolha do
caminho.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

86 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Você reconhece o diálogo apresentado?

Esse trecho faz parte da clássica história de Alice no País


das Maravilhas, escrita pelo inglês Charles Dougson, um
matemático mais conhecido pelo pseudônimo Lewis Carroll.
Mas, neste momento, você deve estar se perguntando o que
isso tem a ver com planejamento operacional na investigação
criminal. Pois bem, vamos continuar analisando a história.


Alice era uma criança que brincava no jardim e, de


repente, volta sua atenção para um coelho que passa
apressado olhando as horas em um relógio de pulso.
Curiosa, segue o coelho e cai em um buraco que a leva
para um mundo maravilhoso e desconhecido. Assustada,
procura uma saída, construindo o diálogo anterior com
um gato de sorriso cínico e rabo balançante.

Perceba que Alice tinha um problema e queria encontrar uma


solução. Seu problema era por estar perdida em um lugar
estranho. A solução que buscava era encontrar uma saída.
Mas sair de onde e para onde? Ela nem sabia se o lugar onde
estava era real ou não.

A sequência do diálogo inicial da nossa aula se faz com o


gato abrindo um sorriso e afirmando que, se a menina não se
importava com o rumo que queria tomar, também não faria
diferença o caminho que escolhesse seguir, visto que todos os
caminhos poderiam levá-la para qualquer lugar.

Nesse sentido, a investigação de estupro, na maioria das vezes,


também deixará o investigador com a sensação de estar perdido
no meio do nada. Mergulhado nas incertezas dos fatos e das
circunstâncias que lhe são apresentadas. Porém, diferentemente
de Alice, o investigador precisa saber onde está, em que terreno
pisa, os riscos existentes e as ameaças iminentes para que possa
definir com clareza como e aonde quer chegar.

87 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


O PLANEJAMENTO E A INVESTIGAÇÃO
CRIMINAL
A investigação criminal é um processo científico, ou seja, tem
toda a dinâmica de uma pesquisa científica com um objeto
específico (o fato delituoso). É uma atividade planejada,
racional e sistemática, um processo que não comporta
improvisos e imprevisões. Nesse sentido, existem três
justificativas fundamentais para o ato de planejar. Observe-as
na imagem a seguir.

Cumprir uma Finalidade


Figura 2:
Justificadoras
Planejamento
fundamentais para Planejamento Tático Planejamento
o ato de planejar. Estratégico Operacional
Fonte: labSEAD- Mudar uma Realidade Organizar uma Atividade
UFSC (2019).

Conforme vimos, são três as justificativas fundamentais do


ato de planejar, mas por uma questão prática, vamos nos
limitar ao planejamento operacional para que, ao contrário de
Alice, você saiba onde está e por onde deve seguir, cumprindo
as metas para alcançar o objetivo da investigação.

O planejamento é a fase inicial da investigação.


Por meio dele, o investigador elabora as etapas
do procedimento, os recursos necessários e o
cronograma do processo. Assim, economiza
esforços, tempo e possibilita bons resultados.

Desse modo, sabemos que o crime de estupro tem uma


dinâmica e características muito próprias por parte do infrator,
como a forma de atrair a vítima e a ambientação do evento.
Esses fatores têm influência direita no nível de dificuldades
para a coleta de evidências das provas.

88 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Quando você elabora um planejamento operacional da
investigação de estupro, possibilita a estruturação da
investigação, traçando uma rota que deixará a equipe focada
nas metas estabelecidas e nos resultados esperados.

Na prática, o planejamento da investigação de crimes não é


tão formal. Esse é um paradigma a ser quebrado em benefício
da excelência da fase preliminar de apuração das provas
penais, pois, além das vantagens destacadas, há outra muito
significativa para o processo dinâmico da investigação
criminal: a possibilidade de contínuo redirecionamento das
ações, já que a investigação atua em uma realidade em
constante processo de mutação.

A equipe de investigação não pode considerar o


planejamento uma perda de tempo e de recursos,
achando que o negócio é esperar pelo “andar
da carruagem”, que, na maioria das vezes, está
vinculado à repercussão na mídia.

Em especial no caso do estupro, não planejar a investigação


resulta em diversos casos não apurados que se tornam um
legado à impunidade.

Contudo, não basta fazer planos bem elaborados que não levem a
lugar nenhum. A movimentação eficiente e eficaz da investigação
criminal depende de três fatores. Vejamos na imagem a seguir.
Objetivos

Figura 3:
Movimentação
de fatores que
contribuem
para eficácia da
investigação.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).
Estratégias Ação

89 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Como podemos observar, há uma movimentação que contribui
para a eficácia e eficiência do processo de investigação, já
que, como toda atividade humana, a investigação criminal
deve escolher o caminho que a leve aos objetivos desejados.
Para isso, deve possuir como ponto de partida uma realidade
conhecida e estudada.

90 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Aula 2 – Elaboração de um Cronograma
de Trabalho

CONTEXTUALIZANDO...
O planejamento da investigação de estupro visa definir a
estratégia metodológica que será adotada, além de estimar os
recursos, os custos e o prazo necessário para sua realização.
Especialmente, esse processo procura delimitar os objetivos e o
escopo da investigação, levando em consideração a natureza do
tipo penal e as evidências necessárias para formação da prova.
É certo que a investigação do crime de estupro nem sempre
se depara com informações suficientes para uma previsão
temporal segura, mas as existentes permitirão a elaboração de
um cronograma mínimo para as ações do procedimento.

Assim, a equipe de investigação deve elaborar um


cronograma mínimo contendo as tarefas e o prazo da
execução, valendo-se das informações colhidas pela equipe
do primeiro atendimento na cena do crime e pelos peritos
e legistas. A partir desta aula, vamos conhecer como um
investigador criminal pode elaborar um cronograma eficiente
e eficaz para sua equipe no processo de investigação.

ELABORANDO UM CRONOGRAMA
Criar um cronograma para o processo de investigação criminal
permite a organização das tarefas e a alocação de recursos de
acordo com as demandas.

Para o bom resultado da investigação, é recomendável


que toda a equipe participe de cada etapa da elaboração
do planejamento, possibilitando que todos formem um
entendimento comum sobre a investigação.

91 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


É importante que a equipe acompanhe o
desenvolvimento do cronograma e compartilhe
cada informação levantada para manter um padrão
de comunicação.

Uma boa estratégia para elaboração em equipe é a realização


de reuniões curtas e periódicas, que servirão como ponto
de controle para que todos sejam mantidos informados e
alinhados com as estratégias de ação, buscando solucionar
os problemas que surgirem, avaliar resultados e planejar
realinhamentos necessários.

Profissional com
conhecimentos
em áreas forenses
ligadas à psicologia,
psiquiatria,
medicina legal,
criminalística e
outras correlatas.
Ele acompanha
a polícia em
investigações
com a finalidade
de fornecer Figura 4: Reuniões da equipe de investigação.
informações que Fonte: Shutterstock (2019).
sejam específicas
sobre o perfil do
As reuniões técnicas devem ter a participação de todos os
indivíduo que
cometeu o crime investigadores envolvidos, incluindo os peritos, legistas e
(GEBERTH, 2006). outros profissionais que por ventura estejam colaborando com
a investigação, como o profiler.

Perceba que, havendo um plano de trabalho, haverá um rumo


a ser tomado e um tempo a ser considerado.

92 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Durante o desenvolvimento da investigação, a autoridade
gestora deve avaliar os prazos estimados inicialmente e, junto
com a equipe, readequá-los formulando um novo cronograma
em que sejam levadas em consideração as evidências
colhidas até aquele ponto. Essa medida deve ser adotada
prontamente logo que for identificada a necessidade para que
providências sejam tomadas em tempo hábil.

93 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Aula 3 – Análise Preliminar do Objeto
da Investigação

CONTEXTUALIZANDO...
A investigação criminal busca compreender e resolver um
problema. Então, é preciso que você identifique se o evento
tem as características próprias do fato tido como crime, neste
caso, o crime de estupro. E, somente após a identificação
desse fator, você poderá começar a formular as hipóteses
e as questões cujas respostas irão confirmar ou não as
características de um crime.

Portanto, a análise preliminar consiste no levantamento de


informações que sejam relevantes para o conhecimento inicial
das características do fato noticiado como crime, resultando
na definição do objeto da investigação. Com isso, nesta aula
vamos compreender a identificação do objeto da investigação
e sua análise preliminar.

O OBJETO DA INVESTIGAÇÃO E SUA


ANÁLISE PRELIMINAR
A equipe terá informações mais precisas sobre a natureza
jurídica do evento, o nível de consumação, possíveis
circunstâncias, além de outros aspectos, por meio de uma
análise prévia das informações relevantes. É por essa análise
que se dá o objeto da investigação.

Ao compreender e especificar o tipo de crime ocorrido, será


possível identificar riscos e pontos críticos, além de poder
definir o objetivo do processo de investigação.

Então, deveremos buscar todas as informações possíveis sobre


o evento do crime, principalmente aquelas informações que
estarão com o primeiro policial que chegar à cena do crime.

94 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Observe, na imagem a seguir, outras informações possíveis
que você deve levantar para análise.

Câmeras de Informações
segurança da vítima

Ambientes de
Redes sociais convivência

Laudos
periciais

Figura 5: Equipe de investigação e a identificação de informações.


Fonte: Shutterstock (2019), adaptado por labSEAD-UFSC (2019).

Perceba que todas as informações levantadas devem ser


consideradas como significativas para responder às questões
formuladas em relação ao crime. E, para obtê-las, a equipe
pode recorrer a diversas fontes.

No caso do crime de estupro, é recomendado que


a primeira fonte de informação seja a vítima, pois,
dependendo das circunstâncias, ela será o seu único
ponto de partida.

Outras fontes de informações importantes para subsidiar


um planejamento de investigação de crime de estupro são
os relatórios de análise criminal e relatórios estatísticos
sobre o tema.

95 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


É recomendado que a equipe faça visitas exploratórias na cena
do crime, nos ambientes de convivência social e profissional
da vítima e do acusado, principalmente no ambiente que
o suspeito usou como referência para seleção da vítima, a
exemplo de um bar, uma boate, um ponto de ônibus, uma
escola, entre outros locais.

A prática tem demonstrado que, com um olhar atento à cena


do crime depois de liberada pelos peritos, a compreensão
do evento se faz de forma mais dinâmica. E isto pode ser
fundamental para estabelecer objetivos, escopo e questões
para a condução do processo investigatório.

Definição dos objetivos da investigação do estupro


Após o conhecimento do evento delituoso a ser investigado,
a equipe deve definir os objetivos da investigação por meio
da especificação do fato e das questões que precisarão
ser respondidas. As questões apresentadas para validar as
hipóteses levantadas são os elementos que direcionarão o
caminho da investigação e apontarão os métodos e técnicas
que deverão ser adotados para se chegar ao resultado esperado.

Para apuração e identificação da autoria e materialidade do


crime, a investigação criminal primeiramente deverá dizer se o
evento noticiado se enquadra no tipo descrito na norma penal,
para então informar a qual das modalidades relacionadas no
Art. 213 do Código Penal ele está relacionado.

Saiba mais
A caracterização do crime do estupro e as diferentes modalidades
de pena o crime são encontradas no Art. 213 do Código Penal

 Brasileiro. Para relembrá-las, acesse o link:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/
L12015.htm

96 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Ao confrontar o evento do crime com a norma penal, é
preciso apontar evidências de que toda a sua dinâmica esteja
de acordo com a descrição legal no que diz respeito aos
elementos que o compõe.

Exemplo disso são atos como constranger alguém,


agir com violência, grave ameaça, prática de
conjunção carnal ou de ato libidinoso.

Você percebeu a quantidade de questões que a investigação


deve responder para dizer se o evento pode ou não ser
classificado como crime de estupro?

Dessa forma, elaborar adequadamente as questões permite que


você tenha clareza das evidências que precisa buscar, do método
a ser empregado, das análises que serão feitas e da qualidade
dos resultados. Portanto, elas colocarão a luz necessária à
produção dos objetivos do processo de investigação.

Definição do escopo da investigação


Após produzir o plano de trabalho da investigação criminal,
especificar os objetivos da verificação e as questões que deverão
ser respondidas, a equipe deve definir o escopo da investigação.

O escopo é o que se pretende atingir com a investigação


criminal. É o intuito estabelecido como meta final. No caso da
investigação de estupro, é a apuração das provas da autoria e
da materialidade do crime.

Definir o escopo é delimitar as ações da investigação. É por ele


que será indicado o que será investigado e as questões que
serão respondidas no processo investigatório, por isto deve ser
compatível com os objetivos do procedimento.

97 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Ao delimitar as ações, você direciona os
esforços na busca de informações que tenham
significância para a composição da prova, e não
perderá tempo com informações inconsistentes
para as questões levantadas.

O escopo apresenta alguns elementos que compõem sua


estrutura. Vamos observar na figura a seguir.

ABRANGÊNCIA

1 O que será investigado? A resposta irá


delimitar a investigação.

OPORTUNIDADE

2 Quando deve ser realizada a ação de


investigação? Devem ser consideradas a
pertinência e a temporalidade dos atos
investigativos, tendo a tempestividade dos
procedimentos como principal fator a
ser considerado.

EXTENSÃO

3 Determinar especificamente a amplitude de


cada procedimento dos atos de investigação,
definindo o tipo de informação que deve buscar.

Figura 6: Estrutura PROFUNDIDADE


do escopo.
Fonte: labSEAD- 4 Refere-se ao nível e à intensidade de
detalhamento dos atos de investigação.
UFSC (2019).

Conforme vimos, a relevância dos elementos está relacionada


com partes específicas da investigação. Nesse sentido,
a oportunidade e a abrangência têm maior relevância na
definição do escopo de todo o procedimento investigatório,

98 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


enquanto a extensão e profundidade estão relacionadas com a
determinação do escopo dos atos específicos da investigação,
a exemplo de uma busca e apreensão.

Mesmo que as informações pareçam redundantes,


o processo é necessário para demonstrar a
percepção do que se espera da investigação e o que
precisa ser providenciado para que o procedimento
alcance seu objetivo.

Mas, afinal, que tipo de informação se busca com tais


procedimentos e em que nível de detalhamento?

Para definir o escopo da investigação de estupro, a equipe


deve levar em consideração o tempo e os recursos humanos e
materiais que estão à sua disposição.

Formulação de questões de investigação


A investigação criminal, por ser um processo científico,
obedece a métodos e técnicas científicas com a finalidade
de alcançar seu objetivo. Neste sentido, no processo de
formulação das questões, a equipe de investigação responderá
sobre as hipóteses levantadas, há vários métodos que são
aplicados pelas ciências sociais que podem ser agregados ao
procedimento de apuração da prova penal.

Por uma questão de praticidade didática, é recomendado uma


abordagem estruturada com inspiração no método cartesiano
de solução de problemas. O método foi criado pela ideia do
filósofo de René Descartes, que afirma que só se pode dizer
que existe o que pode ser comprovado.

A seguir, vamos conhecer um pouco mais sobre os princípios


desse método, com foco na sua utilização pela equipe de
investigação criminal.

99 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Primeiro passo: descrição do problema
De acordo com o método cartesiano, inicialmente a equipe deve
tomar como base as informações colhidas na análise preliminar
do objeto da investigação (o fato noticiado) para descrevê-
lo de forma clara e detalhada, enumerando cada um de seus
elementos para que possa ser analisado e compreendido em
toda a sua extensão. Observe, na imagem a seguir, um exemplo
de dados descritos que formulam uma problemática.

No dia XX, às 20h, uma pessoa do sexo


feminino, com 15 anos de idade, procurou
esta Delegacia de Polícia, para informar
que, por volta das 19 horas, quando
chegava no ponto de ônibus que fica
próximo de sua residência, no endereço
XX foi abordada por uma pessoa do sexo
masculino, com tais características:
XX. Essa pessoa ordenou que a vítima
entrasse no veículo e a levou para um
Figura 7:
Formulando o
terreno baldio onde, fazendo-lhe ameaças
problema. e uso de força física, a obrigou manter
Fonte: labSEAD- relação sexual com ele. Depois disso, a
UFSC (2019).
jogou para fora do carro e foi embora.

Perceba que esta descrição dos procedimentos permite um


melhor entendimento do evento e garante uma visão concreta
que caracteriza ou não a notícia de um crime de estupro que
precisa ser investigado.
É a tempestade de
ideias de um grupo Segundo passo: formulação de possíveis questões
sobre soluções
de um problema,
Para compreender o fato (problema), a equipe deve dividir o
em momento de caso em partes de maneira que cada parte não se sobreponha
debate. à outra. Para isso, a equipe deve utilizar a técnica do
brainstorming para identificar as questões que deverão ser
respondidas na apuração das evidências de prova do estupro.

100 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


É possível que haja necessidade da formulação de questões
secundárias cujas respostas construirão evidências mais
sólidas. O uso dessa técnica exige a participação de toda a
equipe de investigação com apoio técnico de planejamento
operacional para a formulação de questões secundárias.

Existem informações
suficientes para caracterizar
um padrão do crime?

Existem informações
suficientes para descrição
do local do crime?

Figura 8: Formulando questões.


Fonte: Shutterstock (2019), adaptado por labSEAD-UFSC (2019).

Perceba que, a partir de uma pergunta levantada, outra pode surgir


pela mesma ideia. Assim conseguimos identificar a pergunta
secundária e entender a importância que o método traz em relação
à eficácia para o trabalho em equipe e à análise aos detalhes.

Terceiro passo: teste das questões


A partir da criação das questões que contribuirão para
identificar as informações do evento do crime, você deve
detectar as questões que terão maior grau de dificuldade de
obtenção de respostas no processo investigatório. Então, você
precisa analisar e refletir como contornar essas dificuldades.

101 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


RELATO DO
ACUSADO

Figura 9:
Construindo a
investigação a
partir do grau
de dificuldade
das questões
levantadas. COLETA DE RELATO
Fonte: labSEAD- PROVAS DA VÍTIMA
UFSC (2019).

Considere as questões em relação aos recursos disponíveis


(pessoal e material), custos, prazos de execução e as
competências profissionais dos membros da equipe. Assim,
verifique se as questões elaboradas estão adequadas às
demandas da investigação.

Quarto passo: eliminação de questões não essenciais


Inicialmente, a técnica aplicada para a formulação das
questões possibilita que a equipe formule as mais variadas
questões, precisando de um refinamento para adequá-las ao
objetivo da investigação. Portanto, deverão ser descartadas
aquelas potencialmente irrelevantes para a apuração do fato.

Especificação dos critérios de investigação


Quando se fala em critério de investigação, significa que você
deverá especificar o padrão mínimo utilizado para indicar se
o evento em questão apresenta elementos que o constituem
como um crime.

102 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


É pelo estado ideal do fato examinado que você terá o
contexto de evidências necessárias para dizer se há ou não
a probabilidade da existência de um crime. Nesse caso,
os critérios de investigação também contribuirão para a
definição de alguns padrões de desempenho do procedimento
investigatório, tais como:

• Economicidade de recursos.
• Eficiência.
• Eficácia.
• Efetividade.

No caso do crime de estupro, o aspecto que deve ser tomado


como padrão mínimo da prática do crime envolve elementos
apontados no Art. 213 do Código Penal brasileiro, ou seja, são
os caracterizados pela tentativa de constrangimento da vítima
por parte do agressor e o dolo consistente na vontade livre e
consciente de constranger alguém.

Quanto ao padrão que permitirá a identificação de que


determinada pessoa praticou a conduta delituosa, está descrito
no Art. 29 do Código Penal, que amplia o conceito de autor.

Saiba mais
A caracterização dos padrões de crime que permitem a
identificação real da prática são encontrados no Art. 29 do

 Código Penal brasileiro. Para conhecer, acesse o link:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
del2848compilado.htm

Ao especificar os critérios de investigação, a equipe definirá


quais são os tipos de evidências que ela irá coletar para
demonstrar o autor, as circunstâncias e as características
do tipo penal correspondente. A especificação dos critérios
de investigação servirá de base para diversos aspectos do
procedimento, conforme apontamos a seguir.

103 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


1. Definição de uma linguagem técnica padrão da equipe.
2. Delimitação dos objetivos da investigação.
3. Orientação da coleta de dados.

Observe que, ao definir uma linguagem padrão para a equipe,


a comunicação entre todos será de fácil compreensão. Por
meio dela, será criado um método adequado para a coleta de
dados e a consolidação das informações que formatarão as
evidências necessárias.

Para estabelecer com segurança os critérios de investigação, a


equipe terá como fundamento mais seguro as normas penais e
processuais penais, os regulamentos pertinentes, os métodos
e técnicas científicos específicos, a doutrina, a jurisprudência.

104 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Aula 4 – Plano Operacional da
Investigação de Estupro: Matriz de
Planejamento

CONTEXTUALIZANDO...
Após a definição da tipologia do crime a ser apurado e da
especificação dos critérios de investigação, a equipe deve
partir para o planejamento das ações investigatórias. Em
boa parte, a objetividade, economicidade, eficiência, eficácia
e efetividade da investigação de estupro dependem da
dedicação da equipe ao planejamento da investigação.

O planejamento operacional da investigação de estupro


é materializado em planos operacionais cujo grau de
detalhamento decorre das necessidades específicas do
procedimento. Pelo planejamento, os investigadores poderão
desenvolver suas atividades de acordo com o que é necessário
para a busca eficaz de evidências de provas.

Uma técnica prática de planejar a investigação criminal é a


matriz de planejamento, onde as informações relevantes são
apresentadas resumidamente. A partir desta aula, vamos
conhecer melhor este modelo de planejamento.

MODELO DE MATRIZ DE PLANEJAMENTO


A matriz de planejamento auxilia na elaboração conceitual da
investigação e orienta a equipe na execução dos trabalhos.
Ela torna a investigação mais sistemática e facilita sua gestão
e a comunicação sobre a metodologia aplicada, bem como o
acompanhamento das atividades de campo.

105 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Vejamos o modelo da matriz de planejamento a seguir.

Especificar os termos - chave e o escopo da questão:


- critério;
- período de abrangência (considerar o período legal da
Questão/
investigação estabelecida pelo Código Penal – alterar de acordo
subquestão de
investigação com as renovações de prazos);
- atores envolvidos;
-abrangência geográfica.

Informações Identificar as informações necessárias para responder à


requeridas questão de investigação.

Fontes de
Identificar as fontes de cada item de informação.
informações

Procedimentos de Identificar as técnicas de coleta de dados que serão


coleta de dados usadas e descrever os respectivos procedimentos.

Procedimentos de Identificar as técnicas a serem empregadas na análise de


análise de dados dados e descrever os respectivos procedimentos.

Especificar as limitações quanto:


- à estratégia metodológica adotada;
Limitações - ao acesso a pessoas e informações;
- à qualidade das informações;
- às condições operacionais de realização do trabalho.

O que a análise vai Esclarecer precisamente que conclusões ou resultados


permitir dizer podem ser alcançados.

Quadro 1: Especificação de critérios de investigação. Fonte: Brasil (2010),


adaptado por labSEAD-UFSC (2019).

Podemos observar que se trata de uma ferramenta flexível que


permite que seu conteúdo seja atualizado ou modificado à
medida que a investigação avança.

106 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Sua elaboração deve resultar da participação e
discussão de toda a equipe pertencente ao processo.

A matriz de planejamento é uma peça inicial que servirá de


apoio ao plano operacional da investigação, visto que nele
estão as informações básicas para o plano.

VALIDAÇÃO DA MATRIZ DE
PLANEJAMENTO
Depois de elaborada, a matriz de planejamento deve ser
validada pela equipe de investigação para que críticas
e sugestões sejam levantadas e colaborem para seu
aperfeiçoamento.
O objetivo específico da validação se faz por quatro aspectos,
são eles:

• Conferir o rigor científico da proposta metodológica da


investigação.
• Reavaliar a validade das fontes de informação, as estratégias
metodológicas de coleta e análise dos dados.
• Orientar a equipe sobre os critérios e questões de investigação.
• Assegurar a qualidade da investigação.
• Alertar a equipe sobre possíveis equívocos quanto à efetividade
de métodos e técnicas propostas.

Vejamos que esses aspectos garantem uma avaliação mais


precisa do processo de investigação e auxiliam a equipe
na identificação dos aspectos relevantes para a efetividade
das propostas. Para
o debate de avaliação
da equipe, deve ser
montado um painel
Figura 10: Painel
de referência
de referência com a
com contribuição participação efetiva de
coletiva.
Fonte: Shutterstock cada membro sob a
(2019). supervisão e orientação
do coordenador da
investigação.

107 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Especialistas também poderão ser consultados, como policiais
de outros setores com conhecimento específico sobre os
temas investigados, ou ainda professores universitários da
área, por exemplo. Porém, não podemos esquecer que a
participação dos envolvidos precisa respeitar os limites do
sigilo e de quebra do processo investigatório.

SELEÇÃO DAS FERRAMENTAS DE COLETA


DE DADOS
Definida e validada a matriz de planejamento, a equipe deve
então escolher os métodos e técnicas mais adequados para
a coleta de dados. Essas escolhas servirão de base para a
produção das informações sobre evidências das provas.
Nesse momento, cada técnica deve ser escolhida pela sua
capacidade de garantir a obtenção de informações relevantes
e suficientes para responder as questões levantadas. O
objetivo é dizer minimamente se o crime de estupro de fato
ocorreu, quem o praticou, como o fez e por que o cometeu.

ELABORAÇÃO DO PLANO DE INVESTIGAÇÃO


Concluída a fase de escolha dos métodos e técnicas que serão
aplicados, a equipe deve elaborar o plano de investigação.
Esse plano deve conter todas as informações necessárias à
execução do procedimento de apuração das evidências do
crime. Alguns elementos fazem parte de sua composição,
como vemos na ilustração a seguir.

Figura 11:
Elementos que
compõem o plano
de investigação.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

108 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Além desses elementos apresentados anteriormente, deverão
fazer parte do plano a matriz de planejamento, o cronograma
proposto e a estimativa de custo.

Para gerenciamento da programação do planejamento,


recomenda-se um método simples e objetivo, denominado
5W2H. Trata-se de uma técnica que permite ao investigador
fazer um checklist das atividades que desenvolverá na
apuração das provas.
Termo norte-
americano que se
refere ao sistema Periard (2009) apresenta o método com algumas especificações
de controle e para o primeiro momento da elaboração do plano. Vamos
mapeamento de
observar estas especificações na imagem a seguir.
atividades, por
meio de lista.

WHAT WHY
O que será feito. Por que será feito.
Corresponde às Corresponde à
etapas da execução.
justificativa.

WHO
Por quem será feito. 5W WHERE
Onde será feito.
Corresponde ao Corresponde ao
responsável pela local de execução.
Figura 12: Os 5W execução.
do método. Fonte:
labSEAD-UFSC WHEN
(2019).
Quando será feito.
Corresponde ao
tempo de execução.

Identificando essas especificações do primeiro momento da


elaboração do plano, a equipe deve atentar-se para algumas
especificações num segundo momento. Vamos analisar esses
critérios na imagem a seguir.

109 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


HOW HOW MUCH
Figura 13: Os 2H Como será feito. Quanto custará
do método. Fonte: Corresponde ao 2H fazer. Corresponde
labSEAD-UFSC ao custo da
(2019).
método que será
aplicado. investigação.

Perceba que essas especificações ajudarão na construção do


planejamento por meio de questões práticas. Porém, você pode
se perguntar: será que na investigação criminal é fácil responder
estas questões na fase de planejamento?

Podemos dizer que não será tão fácil, mas lembre-se de


que o planejamento é uma expressão dos propósitos da
organização policial que conduz os meios disponíveis para
a investigação em um espaço de tempo e tem um caráter de
permanência, o que induz à sua adequabilidade ao desenrolar
das circunstâncias.

A mensuração do tempo de execução se dá pelo


prazo estabelecido na lei processual penal ou
pelo prazo estabelecido pelo magistrado, e a cada
renovação de prazo, a equipe deve reformular seu
plano de trabalho, adequando ao prazo estabelecido.

Essa ferramenta é significativa para a investigação criminal,


pois garante clareza e objetividade ao procedimento,
afastando qualquer dúvida que possa existir quanto ao
desenrolar da pesquisa de provas, visto que se deve estar
atento para não agir de modo que implique erros e prejuízos
à dignidade das pessoas envolvidas, como autor, vítima e
testemunhas, ou ao interesse público.

Exemplos de erros dessa natureza acontecem caso a equipe


não especifique os métodos e técnicas que serão aplicados,
resultando em improvisações que afetarão negativamente a
imagem da organização policial.

110 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


RISCO DE INVESTIGAÇÃO
A investigação criminal acontece em um cenário social
cada vez mais complexo e conflituoso que se encontra em
constante mutação e exige maior qualidade e eficácia dos
serviços da administração pública.

Desse modo, no caso da apuração de provas penais, essa exigência


se torna mais efetiva, tendo em vista o nível de repercussão nos
direitos, garantias e a qualidade de vida das pessoas.

Num aspecto preventivo, podemos destacar alguns cuidados


que a gestão do serviço de segurança pública deve tomar
durante o levantamento e avaliação das provas.

CONHECIMENTO

AVALIÇÃO
Figura 14: Cuidados
que devem
DOS RISCOS
estar presentes
no processo GESTÃO DOS
de pesquisa e
avaliação de provas. RISCOS
Fonte: Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

Perceba que a investigação criminal está sujeita a riscos


inerentes do processo. Então, você precisará identificá-los e
gerenciá-los para manter o controle do procedimento.

Numa relação entre risco e retorno, podemos considerar


que investigar provas é um empreendimento na atividade
processual penal cujo retorno é determinado pela qualidade
dos dados colhidos.

111 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Conceito de risco de investigação
Risco é um termo originado da palavra latina risicu ou riscu,
que significa ousar. Normalmente risco está associado com a
possibilidade de “algo não dar certo”. Entretanto, o termo também
está relacionado ao ato de quantificar e qualificar as perdas e
ganhos no que diz respeito ao rumo planejado para ser seguido.

Segundo Bernstein (1997), o grande milagre que transpôs


o ser humano do passado para os tempos modernos foi o
conhecimento do risco. Vejamos o que ele diz nesse pequeno
texto, que faz parte de sua magnífica obra Desafio aos deuses:
a fascinante história do risco.

Palavra do Especialista
“A ideia revolucionária que define a fronteira entre os tempos
modernos e o passado é o domínio do risco: a noção que o
futuro é mais que um capricho dos deuses e de que homens

 e mulheres não são passivos ante a natureza. Até os seres


humanos descobrirem como transpor essa fronteira, o futuro
era um espelho do passado ou o domínio obscuro de oráculos e
adivinhos que detinham o monopólio sobre o conhecimento dos
eventos previstos.” (BERNSTEIN, 2018, p. 1).

Segundo o autor, risco não significa literalmente perigo, como


normalmente associamos. Ele pode ser caracterizado como a
ideia do não saber o que o futuro nos reserva. Por outro lado,
ele apresenta o conceito de incerteza, que pode ser visto como
uma situação em que não há informações suficientes para que
se possa quantificar a probabilidade de um evento ocorrer.

Nesse sentido, sabemos que a investigação criminal é uma


atividade que envolve alguns riscos e podemos percebê-los em
duas esferas, conforme apresentado na imagem a seguir.

112 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Figura 15: Riscos
ligados ao processo
de investigação.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Podemos entender que alguns riscos são inerentes à


organização (causas internas), como a falta de recursos
humanos e materiais. Esses recursos poderão impedir a
execução de ações, levando a equipe a não apurar as provas.

Outros riscos são os que se encontram fora do controle da


organização (causas externas), como falta de regulamentação
legal para o uso de informante, que poderá dificultar o acesso
às informações e impedir a coleta de provas.

No caso do risco de causa externa, a equipe


encarregada da investigação não consegue intervir
diretamente para superá-lo, mas poderá gerenciá-lo
e se preparar para uma ação reativa. Quanto ao risco
de causa interna, por estar sob controle, carece de
ação proativa interagindo com os demais setores da
organização para encontrar meios de superação.

Tradicionalmente o risco é associado a um evento adverso


para uma situação esperada. Entretanto, há alguns conceitos
que ajudarão a compreender melhor esse fenômeno
como condição fundamental às conquistas e evolução da
humanidade. Vejamos um exemplo desses conceitos.

113 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro



Risco é o grau de imprecisão quanto a evento futuro,
cuja mensuração é matematicamente representada pela

probabilidade de sua ocorrência.

No processo de apurar provas da autoria e da materialidade


do crime, poderá não acontecer conforme o esperado, tendo
em vista que riscos existem e podem ocorrer. Exemplo disso
é o contingenciamento do orçamento para custear viagens
impossibilitando a coleta de provas em outros lugares.

Avaliação do risco operacional de investigação


Transplantando conceitos e percepções do processo de
auditoria interna das organizações públicas e privadas,
podemos dizer que avaliar risco em investigação criminal
significa identificar, medir e priorizar os riscos para identificar
as áreas mais vulneráveis do processo e que precisam ser
evitadas sob pena de tornar inválido todo um processo de
apuração da autoria e materialidade de um crime.

Avaliar o risco durante o planejamento da investigação de


estupro busca identificar situações relevantes que poderão
acontecer durante o processo e prejudicar o resultado esperado.

Na investigação criminal são considerados três tipos de


riscos operacionais: risco humano, risco do processo e risco
tecnológico. Vamos compreender cada um desses riscos em
suas particularidades a seguir.

Risco humano
Neste tipo de risco estão relacionados três aspectos que o
caracterizam, como vemos na figura a seguir.

114 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Figura 16:
Especificação do
risco operacional
humano. Fonte:
Shutterstock (2019),
adaptado por
labSEAD (2019).

Diante desses aspectos, o que merece maior cuidado é a


fraude das evidências. Esse risco está relacionado a um
conjunto de irregularidades envolvendo ações intencionais que
vão desde forjar ou adulterar vestígios na cena do crime até
constranger testemunhas no curso do processo.

Essa fraude pode ser praticada por pessoas externas à


organização policial (infrator) ou internas (policiais), com objetivo
de beneficiar suspeitos, testemunhas ou a própria vítima.

No crime de estupro, a própria vítima poderá ter


Princípio
processual que interesse em que o fato não seja apurado. Como, por
permite ao juiz exemplo, quando a apuração da autoria pode vir a
ter contato direto colocá-la em perigo.
com as provas do
processo que vai
julgar, incluindo
ouvir testemunhas. A forma mais imediata e eficaz de amenizar o risco de fraude
das evidências é aplicar o princípio do imediatismo na proteção
e coleta das provas, fazendo uma boa custódia dos vestígios.

115 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Assim, se existe a probabilidade de ocorrer esse tipo de
fraude na investigação de estupro, a equipe deve adotar
medidas que impeçam sua ocorrência. E, se de fato ocorrer, a
equipe deve identificar a fraude para que não haja validação
da prova fraudada.

Risco de processo
Esta categoria de risco diz respeito à formalidade de
procedimentos, à conformidade legal e ao controle das ações.

Nesse sentido, lembre-se de que no Estado Democrático de Direito,


a regra é a legalidade dos atos do Estado; ou seja, por maior que
seja a informalidade da autoridade que promove o processo
investigatório, seus atos estão sempre sob a medida de lei.

Deste modo, na investigação criminal, os atos do Estado são


extremamente invasivos à individualidade dos envolvidos,
por isso as regras de legalidade devem ser cuidadas de
forma absoluta.

Qualquer desconformidade poderá pôr a perder todo


um esforço na coleta informações.

Outra preocupação quando se fala em risco de processo é com


a metodologia e técnicas. A cada tipo de investigação devem
ser aplicados os métodos e técnicas adequadas.

Risco tecnológico
Atualmente, o avanço da tecnologia da informação (TI) e
da comunicação facilita o desenvolvimento operacional da
investigação. Nesse sentido, o risco tecnológico diz respeito aos
equipamentos, sistemas de TI e confiabilidade da informação.

116 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Figura 17: Risco
tecnológico. Fonte:
Shutterstock (2019).

Desse modo, cabe à equipe o cuidado com a logística


tecnológica, garantindo a conformidade dos atos investigativos
com a legalidade e confiabilidade das informações colhidas
por técnicas como cruzamento de dados e gravações de
imagens e sons. Ao identificar as áreas da investigação com
maior risco, a equipe poderá testar meios de controle eficazes
para impedir seu acontecimento.

117 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Aula 5 – Evidências de Prova

CONTEXTUALIZANDO...
Desde o início do curso, utilizamos o termo evidências. Mas,
afinal, o que é a evidência?

A equipe de investigação deve sempre avaliar a qualidade


da evidência como suporte para as provas, pois trata-se de
um elemento fundamental para a investigação criminal por
ser seu principal objeto, já que é pela análise das evidências
que o processo investigatório identifica a prática do crime. A
partir de agora, vamos conhecer o conceito de evidência e sua
importância para o processo investigatório.

O QUE É EVIDÊNCIA
De uma forma geral, encontramos nos dicionários a
informação de que evidência se refere à qualidade ou ao
caráter do que está evidente, não deixando margem para
a dúvida; ou, ainda, que a evidência é tudo aquilo que pode
ser usado para provar que uma determinada afirmação é
verdadeira ou falsa.

Trazendo para o campo da investigação criminal,


podemos dizer que o termo é a informação obtida
e usada para fundamentar a prova de autoria e
materialidade do crime.

Entretanto, quando falamos de processo penal, é preciso que


se considere o contexto da norma processual no seu conceito
a respeito da formulação da prova.

Vejamos a abordagem do Código de Processo Penal brasileiro


no que diz respeito ao crime de estupro.

118 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Palavra do Especialista
“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável
 o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo
supri-lo a confissão do acusado.” (BRASIL, 1941).

Perceba que o Código de Processo Penal fala em vestígio, e


não em evidência. Isto porque evidência é uma terminologia
técnica de outras ciências que colaboram com o direito penal
na construção da prova, como a criminalística. Porém, isto
não significa que seja exclusiva da prova material, pois é
perfeitamente aplicável a todos os tipos de provas.

Mas o que seria o vestígio que a lei destaca?

O termo tem origem no latim, vestigium, que significa sinal,


resquício, resto. Neste sentido, podemos entender como “sinal”,
o “rastro do fato criminoso”. No entanto, a criminalística aplica o
termo vestígio com um olhar mais específico e certamente mais
abrangente do que o do direito processual penal.

Edmond Locard (1877-1966) formulou um


dos princípios fundamentais aplicados pela
criminalística que diz que todo contato deixa uma
marca. A constatação desse cientista afirma que
é impossível o criminoso praticar o delito com a
intensidade que a ação exige sem que deixe alguma
marca de sua passagem naquele ambiente.

Já para Zbinden (1957), vestígio não se refere apenas às


marcas materiais produzidas por algum objeto, mas também
às modificações físicas ou psíquicas, provocadas por conduta
humana, de ação ou omissão, que permitem tirar conclusões
quanto ao acontecimento que os causou, ou seja, o ato criminoso.

119 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Na investigação do crime de estupro, os vestígios se dão por
uma série de dados.

Figura 18: Vestígios


na investigação do
crime de estupro.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Vistos separadamente e fora do contexto do crime, esses dados,


assim como muitos outros, poderão não ter muito significado
como elementos de prova. Mas, à medida que a investigação
vai refinando o olhar, os dados vão se tornando repositórios de
informações e tomam o sentido de prova do delito.

A investigação transforma os vestígios em provas,


estabelecendo vínculo por meio de exames periciais, análise e
cruzamento de informações. É nesse estágio que os vestígios
passam a ser denominados de evidências, pois estão
carregados de informações suficientes para dar compreensão
ao evento criminoso.

Vestígio é o dado bruto colhido pela investigação,


enquanto evidência é o dado tratado e, de alguma
forma, relacionado com o fato delituoso em apuração.

120 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


Sendo assim, evidências são o conjunto de informações
colhidas pelos investigadores que respaldam as provas a
serem homologadas na fase do processo penal.

QUALIDADE DA EVIDÊNCIA
O exame criterioso e a avaliação das evidências darão
confiabilidade ao resultado da investigação. E, nesse sentido, as
evidências precisam estar amparadas por alguns requisitos que
lhe garantam qualidade, conforme destacado na figura a seguir.

Figura 19:
Requisitos que
garantem qualidade
à evidência. Fonte:
labSEAD-UFSC
(2019).

O quesito de suficiência diz respeito ao grau de convencimento


da veracidade das informações contidas na evidência.
Determina se a evidência é convincente o bastante para
justificar as conclusões da equipe de investigação na
identificação da autoria e da materialidade do fato criminoso.

Em relação ao termo validade, podemos associar ao que


diz respeito à legalidade do processo pelo qual foi coletada
a evidência, garantindo credibilidade como suporte para
conclusões da equipe quanto ao delito e sua autoria.

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Por fim, a relevância se dirige ao grau de relação entre a
evidência e o objetivo da investigação. Revela se as informações
coletadas se referem ao conjunto de provas que se quer apurar.

Portanto, podemos concluir que a equipe de investigação


deve sempre avaliar a qualidade da evidência como suporte
para as provas que deseja apurar. Avaliando sempre seu grau
de confiabilidade e sua contribuição para a validação das
hipóteses que foram formuladas no planejamento.

122 • Módulo 4 Planejamento da Investigação do Crime de Estupro


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