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Esta edição especial traz o que há de mais consistente na área. Hoje se sabe
que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre a escrita e a
linguagem que se escreve. Conhecer as políticas públicas de Educação no país e seus
instrumentos de avaliação é um meio de direcionar o trabalho. Um exemplo é a
Provinha Brasil, que avalia se as crianças dominam a escrita e também seus usos e
funções. Para a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do
Pilar Lacerda e Silva, o grande mérito do teste de avaliação que mede as
competências das crianças na fase inicial de alfabetização é fornecer instrumentos
para o professor interpretar os resultados, além de sugerir práticas pedagógicas
eficazes para alcançá-los. “É um material que ajuda o professor na reflexão porque
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nenhuma avaliação serve para nada quando se limita a constatar. Ela só faz sentido
para mudar práticas e identificar as dificuldades de cada aluno.”
Telma Weisz
Quando se trabalha com esse tipo de indicador, até avanços na aprendizagem acabam
sendo prejudiciais. Muitas crianças que aprendem a ler começam a “errar” na cópia.
Elas deixam de copiar letra por letra e passam a ler e escrever blocos de palavras, em
geral unidades de sentido. Isso faz com que cometam erros de ortografia ou unam
palavras. O que indicaria progresso é interpretado como regressão, pois, por incrível
que pareça, nem sempre o professor sabe a diferença entre copiar e escrever.
Essa é uma dificuldade de avaliação comum nos quatro cantos do país e que explica
em grande parte por que muitos alunos de 4ª série não leem e não entendem um texto
simples. Eles costumam ser os que terminam a 1ª série sem saber ler ou lendo
precariamente. Nas séries seguintes, passam o tempo copiando a matéria do quadro-
negro ou do livro didático. Ao serem perguntados sobre o que fariam para melhorar a
qualidade da leitura e do texto produzido por esses estudantes, os profissionais que
lecionam para a 2ª, 3ª ou 4ª série costumam dizer que não há o que fazer, já que eles
foram mal alfabetizados e, além disso, as famílias não ajudam.
Nos últimos 25 anos, estive envolvida com programas de formação docente em serviço
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E não há tempo a perder. No início do ano, como agora, a tarefa essencial é descobrir
quais as hipóteses de escrita das crianças, mesmo antes que saibam ler e escrever
convencionalmente (leia mais sobre como fazer um bom diagnóstico). Assim, fica mais
fácil acompanhar, durante o ano, a evolução individual para planejar as intervenções
necessárias que permitam que todos efetivamente avancem. Essa sondagem inicial
influi na distribuição da turma em grupos produtivos de trabalho, como mostra a
reportagem Parceiros em Ação.
Sabe-se, já há algum tempo, que as crianças começam a pensar na escrita muito antes
de ingressar na escola. Por isso, precisam ter a oportunidade de colocar em prática
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esse saber, o que deve ser feito em atividades que estimulem a reflexão sobre o
sistema alfabético.
LEITURA
É fundamental levar para a escola as muitas fontes de texto que nos cercam no
cotidiano, como livros, revistas, jornais, gibis, enciclopédias etc. Variedade é
realmente fundamental para os alfabetizadores, que devem ainda abordar todos os
gêneros de escrita (textos informativos, listas, contos e muito mais). E, nas atividades
de produção de texto, a intervenção do professor é vital para negociar a passagem da
linguagem oral, mais informal, à linguagem escrita.
LEITURA
• Apreciar textos literários.
• Compreender a natureza do sistema de escrita e ler por si mesmo textos conhecidos.
• Com a ajuda do professor, ler diferentes gêneros (literários, instrucionais, de
divulgação científica, notícias), apoiando-se em conhecimentos sobre tema,
características do portador, gênero e sistema de escrita.
• Ler, por si mesmo, textos conhecidos, como parlendas, adivinhas, poemas, canções e
trava-línguas, além de placas de identificação, listas, manchetes de jornal, legendas,
quadrinhos e rótulos.
• Colocar em ação diferentes modalidades de leitura em função do texto e dos
propósitos da leitura (ler para buscar uma informação, para se entreter, para
compreender etc.).
• Coordenar a informação presente no texto com as informações oriundas das imagens
que o ilustram (por exemplo, nos contos, nas histórias em quadrinhos, em cartazes, em
textos esportivos e nas notícias de jornal).
• Ampliar suas competências leitoras: ler rapidamente títulos e subtítulos até encontrar
uma informação, selecionar uma informação precisa, ler minuciosamente para executar
uma tarefa, reler um trecho para retomar uma informação ou apreciar aquilo que está
escrito.
• Analisar textos impressos utilizados como referência ou modelo para conhecer e
apreciar a linguagem usada ao escrever (como os autores descrevem um personagem,
como resolvem os diálogos, evitam repetições, fazem uso da letra maiúscula, da
pontuação).
(Baseadas nas expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa da rede municipal de São Paulo)
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Nos quadros acima, você confere uma lista, adaptada por NOVA ESCOLA, de
expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa para o 1º e o 2º ano da rede
municipal paulistana. Com base nela, você pode adequar suas propostas de trabalho e
fazer com que, em 2009, nenhum aluno da turma fique para trás. Pois superar os
desafios da alfabetização é apenas o primeiro passo para que todos tenham uma vida
escolar cheia de aprendizagens cada vez mais significativas.
Língua Portuguesa
Alfabetização inicial - Fundamentos
Telma Weisz Na verdade, isso tem a ver com a própria concepção de ensino.
Antigamente, todos tinham a ideia de que ensinar era transmitir informações. Nos
últimos 30 anos, quando começamos a descobrir que ensinar é criar condições e
situações para a aprendizagem e quando os professores ouviram falar, sem
aprofundamento, que as crianças constroem seu conhecimento, muitos acharam que
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Não sei se ainda há quem pense assim. Eu espero que não, pois é um equívoco. O
papel do professor é ser aquele que sabe mais dentro da classe e que valida a
informação que circula. Em uma sala, todos estão em atividade intelectual, todos
falam, todos elaboram ideias e constroem conhecimento. Não ao mesmo tempo –
e esse é outro equívoco –, mas todos têm a oportunidade de expressar o que
pensam. A validação deve acontecer, porque todos os saberes que estão sendo
construídos são provisórios, elaborados por meio de um processo permanente de
aproximação com o conhecimento objetivo.
Telma Por exemplo, se você tem um aluno que está escrevendo uma letra para cada
sílaba e ele pergunta “qual é o MI”, você pode dar duas respostas. A primeira é: “MI é o
M e o I”. E a segunda: “O que você quer escrever?”, ajudando-o a encontrar uma
resposta que caiba na estrutura teórica com a qual ele está trabalhando. Se o menino
já está escrevendo alfabeticamente, a situação é outra, mas também tem suas
características. Certa vez, um outro me perguntou “Como se escreve lã?”. E eu disse
“L, A, til”. Quando vi, ele havia escrito “balãsa”. Dei uma informação errada, porque não
tive o cuidado de perguntar “para escrever o quê?”. Há uma quantidade enorme de
informações que cabe ao professor oferecer, mas é preciso ter condições e critérios
para saber quais estudantes podem aproveitá-las. Isso só se consegue fazendo
avaliação constante da classe.
criança pergunta “cozinha é com S ou com Z?” O que você faz? Diz a ela “pense para
descobrir?” Não tem como pensar para descobrir. Você tem duas alternativas: mandá-
la ao dicionário, o que, em determinadas circunstâncias, é uma perda de tempo, ou
aproveitar a situação para explicar que é com Z, mas que, muitas vezes, o mesmo som
pode ser com S, ainda que entre vogais. Assim, é introduzida uma série de
informações que nem todos talvez possam utilizar, dependendo das condições do
grupo. Mas, de qualquer maneira, se isso não vier do professor, de onde virá?
Telma “Cegamos” o aluno. É porque somos alfabetizados que ouvimos e vemos coisas
que, para os que ainda não sabem ler e escrever, não estão lá. Um exemplo simples:
muitos professores estão convencidos de que o branco entre as palavras é uma coisa
que se pode escutar. Isso só pode acontecer a uma pessoa cuja percepção da relação
entre escrita e leitura está de tal maneira organizada em cima da sua própria
competência leitora que nem passa por sua cabeça que a fala é um contínuo e que
jamais as crianças vão encontrar no falado os elementos que permitirão separar as
palavras. E é claro que, dessa perspectiva, ao vê-las escrevendo tudo grudado,
imagina-se que há uma disfunção, um problema. Não há. Trata-se de um momento
necessário do processo. É preciso aprender a escrever assim para depois pensar na
questão das separações.
pensam que, para escrever um pedaço do que se fala, basta um pedaço de escrita,
que para eles é a letra. Eles me olhavam com estranheza, pois essa ideia de hipótese
era muito estranha à cultura local. Até que um deles puxou uma folha antiga de sua
pasta. Ele se chamava Norberto, havia feito um desenho e assinado NBT. Era recém-
alfabetizado e ainda tinha o documento de suas próprias hipóteses. Foi uma situação
interessante ver um adulto recuperar esse esquecimento. Nós não nos lembramos de
quando não sabíamos calcular, escrever, ler. Nós não temos a memória viva do que é
ser alguém que tem de aprender, que não sabe nada sobre determinada coisa. E os
professores, como tais, só podem recorrer ao conhecimento cientifico para recuperar
isso. Porque, via bom senso ou afetividade, não se chega a lugar algum.
Quais são os equívocos mais comuns na escolha das intervenções para fazer a
turma avançar nas hipóteses de escrita?
Telma Vejo duas versões sobre isso. Em uma delas, a mais tradicional e frequente,
mostra-se aos silábicos quais letras faltam, imaginando que isso os ajuda a chegar a
uma hipótese mais avançada. Há uma dificuldade enorme de aceitar e deixar no
caderno uma escrita que não esteja ortograficamente correta. “O que os pais vão
pensar?”, “o aluno achará que está certo”, “vai fixar o erro”. Na verdade, falta
compreensão da diferença entre trabalhar o processo de aprendizagem e trabalhar
sobre o produto que a criança está realizando. Toda a tradição de correção com caneta
vermelha e de cópia dos erros vem daí – existe o não saber, o saber errado e o saber
certo. E é claro que isso corresponde a uma concepção de aprendizagem, para a qual
o ensino, por sua vez, cuida de evitar que se fixem na memória ideias erradas. Na
visão construtivista, com uma abordagem psicogenética da alfabetização, fica claro que
aquela escrita, errada segundo os padrões convencionais, faz parte de um processo do
aluno. E que, naquele momento, é preciso estimular o máximo possível a reflexão
sobre o que se escreve. É possível e necessário subsidiá-lo para ajudá-lo, o que é
muito diferente de dar informações para obter um produto correto.
conversa sem nexo para ele. Uma das atitudes equivocadas mais clássicas nessa linha
é mandar contar os pedaços de uma palavra falada. Por exemplo, para “borracha”,
bater três palmas, uma em cada sílaba. Então, o professor escreve a palavra, pergunta
quantas letras tem e diz: “Você pensa que abrimos a boca três vezes e que é preciso
colocar três letras, mas eu estou mostrando que não é, e que borracha, no papel, tem
oito letras”. Dependendo de em que nível os meninos estejam, isso não faz o menor
sentido. E certamente não fará quando estão colocando três letras. Pode ser em uma
transição, mas aí não é necessário ficar contando quantas vezes a boca abre ou
quantas letras a palavra tem. A própria criança começa a batalhar para colocar as
letras. Ou você pode – e para isso é preciso conhecê-la intelectualmente – dizer: “Você
sabe fazer melhor do que isso. Pense mais um pouco”.
Telma Não está clara, para quem pensa dessa forma, a importância do trabalho com
textos memorizados. Em primeiro lugar, não é qualquer texto que pode ser utilizado.
Deve ser um texto estável, não o segundo parágrafo da história da Bela Adormecida.
Existe um vasto repertório infantil, naturalmente memorizado. São versinhos, parlendas
e trava-línguas, usadas em brincadeiras de roda e jogos verbais, que as crianças já
sabem ou podem aprender oralmente na escola, usados em dois tipos de atividades
muito interessantes. Uma é juntar duas delas (com níveis próximos de conhecimento,
de forma que uma possa contribuir com a outra) para produzir uma escrita. Por
exemplo, “a galinha do vizinho bota ovo amarelinho”. Como as duas sabem de
memória, tudo o que têm de intercambiar é que letras colocar e onde. Se estivessem
redigindo um texto inventado, não teriam um problema comum para resolver. Mas
sendo um texto estável, tomam decisões em função desse conhecimento prévio.
Outro tipo de trabalho é pedir que acompanhem, sabendo o que está escrito em cada
verso, a leitura que alguém faz. Elas sabem que, na primeira linha, está escrito “a
galinha do vizinho” e, na segunda, “bota ovo amarelinho”, porque você informou. O que
está por trás disso? O fato de que ninguém nasce sabendo que se escreve tudo aquilo
que se fala, na ordem em que se fala, sem omitir nada. No início, imagina-se que só se
escreve os substantivos. Se você tem “a galinha do vizinho”, pensam que está escrito
“galinha” e “vizinho”. Para “bota ovo amarelinho”, os mais avançados podem achar que
está escrito “bota”, “ovo” e “amarelinho”, mas não necessariamente nessa ordem. É
interessante pedir para localizar e ler pedaços, que são as “palavras” (mas, se você
disser “palavras”, eles procurarão as letras). Você pode perguntar onde está escrito
“vizinho”. Eles acompanharão o texto e começarão a localizar as partes do escrito e
relacioná-las ao falado.
Esse tipo de atividade tem um papel extremamente importante e não aprendemos isso
com a psicolinguística ou com a didática. Mas com a história da leitura, com
investigações sobre como as populações antigas se alfabetizaram. Descobriu-se que,
nos países nórdicos, por exemplo, toda a população era alfabetizada antes de haver
escolas. Protestantes de orientação calvinista, eles tinham uma prática sistemática de
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acompanhar nos textos o que se falava nos cultos. Todos eram incorporados a esse
universo em que a palavra escrita nos textos religiosos era tratada como uma coisa
básica, essencial. As pessoas acompanhavam e decoravam para se aproximar desse
objeto sagrado que era a escrita. Isso também aconteceu nas escolas religiosas
judaicas e ocorre nas escolas religiosas muçulmanas - mas nessas duas instituições o
aprendizado é apenas para os homens. Essa é a origem do trabalho que fazemos com
textos memorizados. Já a memorização da forma escrita produz um efeito contrário.
Sempre que os professores insistem na memorização da forma, os alunos, no esforço
de lembrar como as palavras são escritas, produzem uma escrita caótica, e não a que
produziriam se estivessem pensando em como se escreve.
O professor ainda acredita que, ao pedir que a criança acompanhe a leitura com
o dedo, é capaz de fazê-la ler, sem observar se ela faz a relação do escrito com o
falado?
Telma Sobre esse assunto, eu gostaria de fazer um “mea culpa público”. Certa vez, em
um vídeo, depois de dizer muitas vezes “ler apontando com o dedinho”, eu disse “ler
com o dedinho”. Muita gente repete isso, mas é uma bobagem. Ler acompanhando
com o dedo serve, por exemplo, para aproveitar as possibilidades de uma atividade em
que se leia um texto memorizado em público. Para um sarau de poesia, cada um tem
um poema, leva para casa, pede ajuda à família, estuda, decora, aponta e tenta
acompanhar, pois terá de se apresentar publicamente. Essa situação de focalização e
de achar as partes do texto para se apresentar de forma adequada ajuda a descobrir
em qual pedaço está escrito o quê. Agora, passar o dedo embaixo, em si, não é nada.
A leitura da escrita não entra pela pele. Faz sentido apenas se houver reflexão sobre a
grafia das palavras e se quem está lendo tenta ajustar aquilo que fala ao que está
escrito. A forma adequada de organizar esse tipo de atividade é, por exemplo, todos
cantarem uma canção juntos. De repente, o professor bate palma, pára numa
determinada palavra e anda pela sala para ver se os dedos estão onde deveriam estar.
Se não estiverem, ajuda a entender a posição certa. Se simplesmente diz “acompanhe
com o dedo” e vai embora, não acontece nada. É preciso construir uma situação de
aprendizagem e não ficar alisando papel. Para isso, é preciso estudar, buscar uma
compreensão teórica que vai muito além de apenas saber identificar uma hipótese de
escrita.
Telma Ou pedir que façam um desenho, o que é ainda pior... O intercâmbio de ideias a
partir de uma situação de leitura é algo que se faz apenas quando se tem uma
experiência significativa e intensa como leitor. Quando lemos com ou para as crianças,
tentamos constituir bons comportamentos leitores. Mas, para que você funcione como
um modelo desses comportamentos, também precisa ser um leitor. Essa prática de ler
uma história e depois pedir um desenho não tem nada a ver com a ideia de que o que
se lê pode ser aprofundado, explorado, re-elaborado e compartilhado. Quando se tem
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a concepção de que a leitura não é simplesmente fazer barulho com a boca diante das
marcas gráficas, sabe-se que ela produz em mim um impacto diferente do que em
você, e que eu posso ter observado mais um aspecto do que outro e que podemos nos
interessar por coisas diferentes. Esse espaço de intercâmbio é um espaço de trocas.
Eu tenho visto perguntarem “de que pedaço você gostou mais?”, “E você?”. Assim,
podam o intercâmbio real, que seria “quem achou uma coisa interessante que gostaria
de contar aos amigos?”. Se não souberem como fazer isso, você dá o modelo: “Lendo
esse texto, eu pensei nisso, me lembrei daquilo, achei muito interessante a forma com
que o autor escreveu, parecia que ele queria dizer uma coisa, mas queria dizer outra”.
É interessante fazer perguntas sobre aspectos de uma história que talvez poucos
tenham entendido.
Há uma escritora que escreve em espanhol e tem uma série de livros sobre uma
menina com uma amiga igualzinha a ela, mas que é gigante e aparece sempre que a
garota precisa se proteger dos adultos. Só que isso nunca é dito explicitamente. Se
você pergunta “quem é essa amiga grande?”, “ela existe de verdade?”, uma discussão
louca surge na classe. Porque a personagem é, na verdade, uma representação do
desejo da menina que se salva das maldades dos adultos. Mas as crianças não têm
isso claro, apenas uma vaga intuição. Também é interessante perguntar “quem estava
contando essa história? A personagem? A mãe dela?”. Em geral, respondem que “é a
escritora”. E você pode questionar “mas aqui diz ‘eu não gosto que me penteiem os
cabelos porque arranca e dói’. A escritora disse isso?” Aparece, então, a ideia do
narrador, que, para as crianças, é completamente misturada à do escritor.
Telma A variedade dos gêneros ultrapassa a ideia dos livros. Só no jornal e nas
revistas há uma variedade enorme de gêneros. Se o professor não entende isso, usa
esses portadores para recortar letras. Se entende, aprende como explorar os gêneros
que há dentro deles. Os livros infantis, em geral, não têm uma grande variedade de
gêneros. Têm, eu diria, subgêneros. São todos livros de ficção, mas alguns falam de
mistério, outros de assombração ou de fadas. Mas acho que o problema é anterior: o
professor tem de ler para si mesmo, para selecionar o texto, com critérios, antes de
levá-lo para as crianças.
Variar os gêneros é importante, mas não é uma ideia mecânica. Quando introduzimos
um gênero novo, é preciso ter um sentido para isso. Para ler poemas, tenho um foco,
se vou ler histórias, tenho outro. O que os diferentes gêneros permitem é abrir o leque
das possibilidades de leitura e oferecer o discurso escrito em suas diversas formas.
Porque, na verdade, quando as crianças ouvem o adulto ler, não aprendem só o
enredo, mas também sua linguagem, que não é igual a dos outros. A variedade tem de
ser selecionada em função daquilo que a turma pode aprender, das diferenciações que
os alunos já têm condições de fazer e que você se sente em condições de oferecer.
Mas é preciso ter a inteligência das crianças em alta conta. Quando se espera mais,
elas devolvem mais. Quando se espera pouco, elas devolvem um pouquinho. O fato de
trabalhar no limiar superior faz com que avancem muito mais do que quando se pensa
“elas não vão entender”. É claro que sozinhas elas não entendem. Tudo isso vale para
enciclopédias, jornais, textos de ficção, revistas. Mas é preciso fazer uma aposta alta.
Não uma aposta cega, sem olhar se a turma está acompanhando. E, sim, a mais alta
possível, ajustada àquilo que as crianças mostram que são capazes de pensar e fazer.
Telma Isso é o mais fácil. Os já alfabéticos podem ler, escrever, produzir textos, ser
envolvidos em projetos mais complexos. Estes não são o problema. O problema são os
que ainda não compreenderam o sistema. Às vezes, há alfabéticos que não são
leitores. Nesse caso, é preciso construir situações que ajudem a desembaraçar a
leitura, que não é algo que vem sozinho.sa Não é porque uma criança colocou todas as
letras que ela já sai lendo. Poucas fazem isso. A maioria precisa construir uma prática
de leitura para se soltar. Tenho uma experiência recente com uma que estava
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escrevendo silabicamente com valor sonoro. Quando ela já sabia todas as letras, foi
possível pensar em trabalhar questões como “essa letra serve para escrever esse som,
mas é só essa? Tem mais? Você poderia colocar outra no lugar?” Então, ela avançou
rapidamente para uma escrita alfabética, cheia de erros de ortografia, mas alfabética.
Mas dizia “eu não sei nada porque escrevo, mas não sei ler. Eu escrevo nessa letra e
tudo o que eu vejo está escrito numa letra que eu não conheço”. Então, fiz uma tira de
correspondência, com as letras de forma e de imprensa. Todas as vezes que não
conseguia reconhecer uma letra, o menino via na tira. Mas isso empacava a leitura.
Quando ele terminava a segunda palavra, já não sabia mais sobre o que era o texto.
Passei a propor que lesse desse jeito e, depois de destrinchar todo o texto, voltasse a
estudá-lo para ler rápido, pois só se entende o que se lê quando se lê rápido. Sozinho,
ele se treinou, voltou e disse: “Estou lendo tudo”. E estava mesmo. Porque, na
verdade, ele não tinha se soltado da ideia de que era necessário ler todas as letras. Na
medida em que pedi para que avançasse além dessa leitura letra por letra, ele teve de
usar as estratégias de leitura. Isso fez com que ganhasse velocidade e compreensão.
Conforme passou a compreender o que lia, a vontade de ler cresceu e a leitura
melhorou. Esse é um ciclo virtuoso.
Ainda persiste a ideia de que as crianças só podem ter contato com histórias
curtinhas, nunca lidas em capítulos?
Telma Essa mania de que tudo tem de ser pequenininho é uma deturpação da
concepção de criança e, principalmente, um desrespeito enorme. Porque ela senta na
frente da TV, vê uma novela em 180 capítulos, lembra de todos os personagens, quem
casou com quem, quem brigou com quem e o que vestia em tal dia. As crianças não
têm problemas de memória, quem tem problemas de memória somos nós. Elas têm
tudo fresquinho na cabeça. Minha experiência pessoal é a de escolher livros pela
grossura, ao contrário do que alguns fazem. Eu sempre escolho os livros mais grossos
porque, se a história for boa, não quero que ela acabe! Esse lugar do leitor que tem
prazer na leitura é o que o professor teria de encarnar. Para elas, uma história pequena
é pobre e chata. É claro que histórias grandes podem ser pobres e chatas. Mas elas
adoram ouvir uma história grande em capítulos, contados um por dia e, no fim da
leitura: “tchan tchan tchan tchan, agora aguardem o capitulo de amanhã! Quem que
acha que elas não gostam nunca experimentou. Elas são muito mais inteligentes do
que os adultos porque, nesse momento da vida, tudo está para ser aprendido e a
disponibilidade para a aprendizagem é enorme. Quando perdem isso é porque os
adultos destruíram. O fracasso reiterado mata essa disponibilidade.
todas as letras e ler alguma coisa, ainda que silabando, está encerrada a
aprendizagem da leitura e da escrita. Uma prova de que isso não é verdade é que os
meus alunos na pós-graduação estão aprendendo a ler textos acadêmicos, porque
infelizmente as faculdades onde estudaram, em vez de deixá-los ler textos acadêmicos
adequados à competência deles, criam as apostilas, simplificando o conteúdo, no pior
sentido da palavra. Isso os impediu de construir a capacidade de ler textos de certo
grau de complexidade, de um determinado gênero.
Aprende-se a ler e a escrever ao longo da vida toda. Não basta ser alfabético e ser
capaz de ler um outdoor para ser alfabetizado. Quando entendemos isso, ajudamos os
meninos a se aproximar de textos cada vez mais complexos. Esse trabalho os
transforma em leitores cada vez melhores e de uma gama mais ampla de gêneros. E
aprender por meio dos textos é condição para estudar os outros conteúdos na escola.
Para quem não sabe aprender a partir de um texto escrito, o destino depois da quinta
série é o fracasso.
Alfabetização inicialFundamentos
A criança e a escrita
A pesquisadora Emília Ferreiro escreve sobre alfabetização.
O livro Reflexões sobre Alfabetização (104 págs., Ed. Cortez, tel. 11/3864-
0111, 15 reais), lançado em 1981, é um dos melhores materiais concebidos pela
educadora argentina para quem quer iniciar o estudo das pesquisas realizadas por ela
a respeito da psicogênese da língua escrita. Trata-se da síntese das principais
contribuições de Emilia para a história e as descobertas sobre a alfabetização.
Porém é importante que o leitor passeie pelas refllexões propostas no texto com
olhos e pensamento atentos, pois irá deparar-se com saberes infantis sofisticados e
engenhosos, que surpreendem muito ao mostrar quão originais (e nem um pouco
mecânicas) são as construções cognitivas que os pequenos são capazes de realizar.
O texto instiga o educador e dá subsídios para que ele questione sua prática e
revitalize o modo de compreender o ensino, inaugurando uma maneira inédita de
alfabetizar: a autora transfere a investigação do jeito de ensinar para o que tem de ser
aprendido, com foco nas concepções que as crianças têm sobre o sistema de escrita, e
prioriza a análise das produções infantis.
Trecho do livro
aparelho fonador que emite sons. Atrás disso há um sujeito cognoscente, alguém que
pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu. Um novo
método não resolve os problemas. É preciso reanalisar as práticas de introdução da
língua escrita, tratando de ver os pressupostos subjacentes a elas, e até que ponto
funcionam como fi ltros de transformação seletiva e deformante de qualquer proposta
inovadora. Os testes de prontidão também não são neutros. (...) É sufi ciente apontar
que a 'prontidão' que tais testes dizem avaliar é uma noção tão pouco científi ca como
a 'inteligência' que outros pretendem medir."
- Apresenta o percurso pelo qual as crianças elaboram suas próprias idéias sobre o
sistema de escrita.
- Fornece elementos para compreender por que a escola tem formado analfabetos
funcionais.
- Expõe exemplos de como se dá o pensamento infantil sobre o sistema de escrita,
demonstrando a originalidade e a provisoriedade dessas concepções.
No livro Aprender a Ler e a Escrever, Ana Teberosky e Teresa Colomer ressaltam que
as “hipóteses que as crianças desenvolvem constituem respostas a verdadeiros
problemas conceituais, semelhantes aos que os seres humanos se colocaram ao longo
da história da escrita”. E completa: o desenvolvimento “ocorre por reconstruções de
conhecimentos anteriores, dando lugar a novas construções”. Diagnosticar o que os
alunos sabem, quais hipóteses têm sobre a língua escrita e qual o caminho que vão
percorrer até compreender o sistema e estar alfabetizados permite ao professor
organizar intervenções adequadas à diversidade de saberes da turma. O desafio é
propor atividades que não sejam tão fáceis a ponto de não darem nada a aprender,
nem tão difíceis que se torne impossível para as crianças realizá-las.
As quatro hipóteses
Aqueles que não percebem a escrita ainda como uma representação do falado têm a
hipótese pré-silábica. Ela se caracteriza em dois níveis. No primeiro, as crianças
procuram diferenciar o desenho da escrita, identificando o que é possível ler. Já no
segundo nível, elas constroem dois princípios organizadores básicos que vão
acompanhá-las por algum tempo durante o processo de alfabetização: o de que é
preciso uma quantidade mínima de letras para que alguma coisa esteja escrita (em
torno de três) e o de que haja uma variedade interna de caracteres para que se possa
ler. Para escrever, a criança utiliza letras aleatórias (geralmente presentes em seu
próprio nome) e sem uma quantidade definida.
Essa etapa também pode ser dividida em dois níveis: no primeiro, chamado silábico
sem valor sonoro, ela representa cada sílaba por uma única letra qualquer, sem
relação com os sons que ela representa. No segundo, o silábico com valor sonoro, há
um avanço e cada sílaba é representada por uma vogal ou consoante que expressa o
seu som correspondente.
Investigação individual
O melhor é que a atividade seja feita individualmente, com o professor chamando um
aluno por vez, que deve tentar escrever algumas palavras e uma frase ditadas.
Enquanto isso, o resto da turma precisa estar envolvido em uma atividade diversificada
em que não seja necessária a ajuda do professor (a cópia de uma cantiga, a produção
de um desenho, um jogo etc.). Essa é a estratégia usada por Eduardo Araújo, na
EMEB Helena Zanfelici da Silva, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.
Alguns dias após o retorno às aulas, ele deixa as crianças envolvidas com jogos e
brincadeiras sob a supervisão da estagiária que o acompanha em sala. Alfabetizador
há mais de sete anos, Araújo sabe bem o valor da sondagem inicial. “Conhecendo a
situação de cada aluno, consigo pensar melhor como será a rotina do bimestre e quais
as intervenções devo fazer para ajudar os menos avançados a entender a lógica do
sistema de escrita.”
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No começo de 2008, a escola onde Araújo leciona passava por grande reforma.
Aproveitando a curiosidade das crianças, ele resolveu trabalhar com uma lista de
objetos usados na obra do prédio. As palavras ditadas foram ferramenta, martelo, ferro
e pá. E a frase escolhida foi: usei a pá na reforma.
Observação e registro
Ficar atento às reações dos alunos enquanto escrevem também é fundamental. Anotar
o que eles falam, sobretudo de forma espontânea, pode ajudar a perceber quais as
ideias deles sobre o sistema de escrita. Na sondagem inicial feita com a lista de
palavras relacionadas à reforma da escola, um aluno comentou com o professor
Araújo:
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– Ferro começa com “fe”, de Felipe, não é? E termina com “o”. Essa é fácil.
O aluno parou um instante, tentou contar “as partes” da palavra com os dedos e ficou
um pouco incomodado. Demorou bastante até se manifestar:
– Mas essa não dá para escrever. Fica só uma letra e isso não pode.
Terminado o ditado, é imprescindível pedir que a criança leia o que escreveu. Por meio
da interpretação dela sobre a própria escrita, durante a leitura, é que se pode observar
se ela estabelece ou não relações entre o que escreveu e o que lê em voz alta – ou
seja, entre o falado e o escrito – ou se lê aleatoriamente.
O professor pode anotar em uma folha à parte como ela faz a leitura, se aponta com o
dedo cada uma das letras, se associa aquilo que fala à escrita etc. “Uma lista de
palavras produzida pelo aluno, em situação de sondagem, sem a respectiva leitura,
não permite analisar essa produção e identificar sua hipótese de escrita”, afirma
Regina.
Se o aluno escreveu LGA para o ditado da palavra martelo e associou cada uma das
sílabas dessa palavra a uma das letras, é necessário registrar abaixo a relação de
cada letra com uma sílaba. Há duas maneiras de fazer esse registro, usando marcação
com sinais que indique quais as associações feitas pela criança:
LGA
(mar) (te) (lo)
Ou ainda:
LGA
|||
É possível que o aluno utilize muitas e variadas letras, sem que o critério de escolha
24
desses caracteres tenha alguma relação com a palavra falada. Nesse caso, se ele ler
sem se deter em cada uma das letras, é necessário anotar o sentido que ele usou
nessa leitura.
LPIEMAN
Esse tipo de marcação é importante, pois permite observar com mais clareza a
hipótese que a criança tem e, posteriormente, os avanços que ela obtém ao longo do
ano.
Atividades diversificadas
O ideal é que seja construída uma tabela que contenha a evolução das hipóteses de
cada um, comparando quanto evoluiu ao longo do ano. Com frequência, essa
comparação traz agradáveis surpresas em relação aos que, apesar de não escreverem
convencionalmente, realizaram avanços significativos em comparação com sua escrita
do início do ano.
Com base nessa tabela, é possível também fazer uma análise crítica da rotina e das
atividades que estão sendo contempladas. Será que todos interagem com outras
fontes de texto e, nessa interação, refletem sobre a escrita e seu uso? Recebem
informações de colegas mais experientes, que os ajudam a compreender o que está
envolvido na leitura e na escrita? Têm a oportunidade de tentar ler por si mesmos?
Contam com o apoio do professor, que oferece novas informações sobre a escrita e
orienta seu olhar para os materiais escritos disponíveis na sala de aula, que podem
ajudar no momento de decidir pelo uso de uma determinada letra? Encontram na
escola um ambiente favorável à pesquisa, sendo encorajados a se arriscar e escrever
segundo suas hipóteses?
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É por meio das sondagens e da observação cuidadosa e constante das produções dos
estudantes durante o ano que se pode saber em que momento se encontra cada um,
se sua abordagem e rotina estão funcionando, qual a expectativa razoável de evolução
para os que ainda se encontram em hipóteses mais primitivas e como ajustar o
planejamento do trabalho para que, ao fim do ano letivo, todos estejam alfabetizados.
Aspas aparecem quando queremos mostrar que alguém disse alguma coisa.
Se você aprendeu pontuação assim (ou ensina seus alunos usando apenas essas
informações), talvez seja hora de rever alguns conceitos.
"Na sala de aula, dizemos que ela serve para separar unidades sintáticas e organizar o
texto", afirma Celia Díaz Argüero. "Só que as crianças nem sequer entendem o que
isso significa." Pesquisadora e professora do Instituto de Pesquisas Filológicas da
Universidade Nacional Autônoma do México, ela coordena desde 2003 um trabalho
com crianças das séries iniciais para descobrir como elas efetivamente apreendem o
sentido de dividir e reagrupar as ideias no papel usando sinais de pontuação para que
qualquer pessoa possa entendê-las. E mostra que esse jeito tradicional de ensinar não
resolve o problema da garotada.
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Celia vem a São Paulo em outubro como uma das palestrantes da Semana de
Educação, promovida pela Fundação Victor Civita (as inscrições, que já estão abertas,
devem ser feitas via internet). Confira a seguir algumas das principais conclusões de
sua pesquisa, que ajuda a entender como os alunos constroem os principais conceitos
sobre a pontuação.
O que suas pesquisas revelam sobre a forma como as crianças aprendem o que
é (e como usar) a pontuação?
CELIA DÍAZ ARGÜERO Em primeiro lugar, que a explicação oficial para o que é a
pontuação está muito distante do que as crianças de 6 e 7 anos sabem sobre os usos
da língua. Elas compreendem que todos falamos em "blocos", mas a passagem da fala
para a escrita é muito mais complexa do que falar em "unidades sintáticas". Em outras
palavras, a pontuação tem a ver com o que as crianças pensam sobre o idioma, mas
não necessariamente com o que a escola quer que elas aprendam. O que
descobrimos, ao realizar o trabalho, é que os alunos rapidamente compreendem que a
pontuação está associada a duas coisas: à entonação e à ideia que se completa. Isso
significa que nas séries iniciais é relativamente fácil compreender que o sinal "?" está
associado a uma pergunta porque falamos com uma entonação diferente quando
propomos uma questão a alguém. Por outro lado, nesse primeiro momento, é muito
difícil para uma criança entender que uma lista de itens precisa de sinais de pontuação
porque, para ela, a lista é uma unidade em si. Além disso, o uso que as crianças fazem
dos sinais de pontuação atende a ideias específicas que elas têm sobre a função de
tais marcas gráficas na construção de um texto - e essas ideias não têm a ver com os
conceitos formais que a escola divulga sobre o que é pontuação.
CELIA Entre a unidade letra e a unidade texto, existem diferentes unidades, como
palavras e parágrafos. Mas as crianças trabalham com tudo junto: letra, sílaba, palavra,
parágrafo. Porque essas unidades textuais não são nada óbvias para quem está
aprendendo a ler e escrever.
CELIA Para começar, as crianças têm acesso a textos escritos desde o primeiro dia. E
trabalhamos com textos variados. Aliás, como deveria ser feito em todas as escolas
quando se pensa num bom trabalho de alfabetização. No dia a dia, o professor faz
muitas atividades de leitura de textos e também muitas de revisão - tudo tendo por
base os estudos psicogenéticos realizados por Emilia Ferreiro e as pesquisas de
didática da alfabetização realizadas por Delia Lerner, que já foram amplamente
estudados e reproduzidos em diversos países, não só nos de língua espanhola como
também no Brasil. O ponto de partida foi um livro chamado E de Escuela (de autoria de
Tomàs Abella, não lançado por aqui), que traz fotos de crianças africanas e textos
curtos que descrevem a Educação local. Um deles diz: "Nossas escolas são feitas de
uma mistura de barro e palha. Não têm luz elétrica. Por sorte, nosso país é muito
ensolarado e podemos aproveitar a luz que entra pelas janelas". Outro: "Muitos de
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nossos pais e mães não puderam ir à escola quando eram pequenos. Mas, quando
viajam para vender a colheita ou os animais no mercado, percebem a importância de
saber ler e escrever. Isso os anima a frequentar a escola para adultos". Daí propomos
uma tarefa: escrever um texto para que as crianças da África saibam quem somos e
como é nossa escola. Cada um deve fazer a atividade individualmente, numa folha de
papel, e responder a quatro perguntas:
"MINHA ESCOLA
Quem sou.
Eu me chamo Karina
eu vivo em Santa Maria
tenho 7 anos
Minha professora se chama Maria Cruz
Minha casa é grande e branca"
E por aí vai, ocupando uma página inteira. Ela não usa corretamente as maiúsculas e
organiza o texto praticamente sem pontuação. Na verdade, faz um trabalho genial, pois
é bastante fácil compreender o sentido. Cada linha é uma frase e cada frase tem
apenas um verbo. No entanto, todos os professores dão nota zero.
Como, então, atuar para fazer a garotada entender as regras de pontuação e usá-
las de forma convencional?
CELIA Não há soluções mágicas, e nem é isso que buscamos com a pesquisa. Por
mais que existam atividades eficazes para dar início ao trabalho, é essencial entender
que o que fazemos é um primeiro passo para descobrir como os alunos aprendem - a
chamada psicogênese - e que ainda não há pesquisas específicas na área de didática
que ajudem a pensar em atividades ou sequências que garantam um avanço mais
eficaz na direção de fazer as crianças aprenderem a usar a pontuação. O que
realmente importa é observar os alunos e entender o processo para ajudá-los a
superar as barreiras.
30
"É importante criar espaços para que as crianças usem a linguagem escrita antes de
ler e escrever, pois o conhecimento do sistema alfabético não é pré-requisito para a
produção de texto, ou seja, não é preciso saber grafar as letras para organizar as
ideias tal como se escreve", explica Silvana Augusto, formadora do Instituto Avisa Lá e
professora do Instituto Superior de Ensino Vera Cruz, ambos em São Paulo. A criança
que não sabe escrever de forma convencional está diante de uma situação-problema
que permite a ela observar o desenvolvimento de seu processo de aprendizagem e da
compreensão da linguagem escrita.
31
A elaboração de um texto vai muito além do registro gráfico. Durante o ditado para o
professor, os alunos comandam a produção do texto no conteúdo e na forma - por
meio das leituras e releituras do que já foi escrito - e fazem adequações na produção:
incluem pausas, ritmo e velocidade, repetem partes quando necessário e distinguem o
que dizem para ser escrito do que dizem como interlocutores, mudando o tom de voz.
O texto que será grafado pelo professor precisa ter uma função comunicativa definida
(a produção de um bilhete, a recomendação de um livro lido etc.). Essa situação
didática deve fazer parte da rotina da alfabetização inicial, contemplando diferentes
gêneros.
Indicação literária
Neste trabalho, o professor:
- Oferece às crianças espaço de troca de experiências e preferências.
- Seleciona um material de leitura de significativo valor estético.
- Propõe a produção de texto com propósitos comunicativos claros.
Uma atividade de ditado para o professor que não deve ficar fora do planejamento das
aulas diz respeito à produção de textos de indicação literária, nos quais as crianças
expõem sua opinião e aprendem a reconhecer e expressar preferências como leitoras.
Elas ditam seu parecer sobre o material e os motivos para recomendar essa leitura. "É
um comportamento usual entre as pessoas indicar os livros de que gostam mais. Ao
fazer isso, a criança desenvolve critérios para a formação das preferências", ressalta
Silvana Augusto
Por ser um livro grande, a professora passou mais de uma semana lendo diariamente
um ou dois capítulos de cada vez. Terminada a leitura, Carlene abriu a conversa,
estimulando a turma a expor suas ideias. O debate foi acalorado, as crianças se
identificaram com o personagem principal, o menino Charlie, e partiu delas mesmas a
iniciativa de escrever uma recomendação para a 1ª série C, prática que elas já estavam
acostumadas a realizar.
- A gente tem de contar um pouco da história para que eles também tenham vontade
de ler - disse um aluno.
Todos, então, passaram a ditar uma descrição do enredo, muitas vezes utilizando
expressões que tinham visto no livro. A cada nova passagem, Carlene relia o que
estava escrito. "O papel do professor aqui é fundamental, pois, ao escrever no quadro-
negro, ele explicita aos estudantes os comportamentos próprios de quem escreve",
ressalta Silvana. Ele deve chamar a atenção sobre a estrutura, negociar significados e
propor a substituição de palavras repetidas. Expressões como "e", "aí" e "daí" (marcas
da oralidade) precisam ser trocadas por outras mais adequadas à linguagem escrita e
que marquem a temporalidade e a causalidade, como "de repente".
- Vamos colocar que esta é uma história encantadora e envolvente, que não deixa a
gente perder a atenção - ditou uma das crianças.
Reescrita de história
Neste trabalho, o professor:
aula vários livros com bruxas como personagens, os alunos produziram uma
versão própria. Num segundo momento, pedi que eles retomassem a história,
pois uma parte tinha ficado confusa. Para melhorar o texto, eles encontraram
respostas nos livros lidos, em que viram como os autores resolvem problemas
semelhantes. Fotos Ivan Amorim
"A reescrita não equivale a uma cópia porque a criança fará uma versão pessoal do
texto fonte", explica Silva Augusto. No livro Aprender a Ler e Escrever, a pesquisadora
argentina Ana Teberosky afirma que a orientação que se dá para a utilização do texto-
modelo pressupõe que aprender a escrever é, sobretudo, aprender a reescrever.
Depois a professora pediu que eles destacassem oralmente o que caracteriza uma
história de bruxa. Ela escreveu no quadro-negro uma lista intitulada "Nas histórias de
bruxas tem..." para que os alunos pudessem consultar as características que haviam
encontrado.
- Mas será que a gente não consegue encontrar outro começo? Esse não é muito
comum? Nas histórias que lemos, como os autores fizeram? - indagou a professora.
- Eles usam outras palavras. Que tal "um certo dia"? – propôs outra criança.
Texto informativo
É muito importante que desde cedo os alunos tenham contato com uma boa variedade
de textos informativos e de caráter científico, pois eles permitem o acesso a
informações diversas e contribuem para o aprendizado dos procedimentos de pesquisa
e de estudo. Saber extrair informações de textos e aprender com eles é uma condição
para se tornar estudante. A atividade de produção do texto oral com destino escrito no
gênero informativo é fundamental na alfabetização inicial, seguindo as pesquisas mais
35
O trabalho com produção escrita deve ser uma prática continuada, na qual se reproduz
o contexto cotidiano em que escrever tem sentido. É percebendo a função social da
linguagem escrita, as características do comportamento escritor e a importância de
trabalhar o texto que a criança vai avançar na compreensão da linguagem que usamos
para escrever.
36
Desde o começo
O segredo para ensinar a ler é dar condições para o aluno resolver problemas que lhe
permitam avançar como leitor e escritor, confrontando-se com textos desde o início da
alfabetização.
Texto memorizado
Neste trabalho, o professor:
Diário da professora Ana Rosa Piovesana - Um aluno leu a letra da cantiga que
escrevi em um papel pardo, preso na parede a uma altura que permitia
acompanhar com o dedo. Eu também dei uma cópia do texto para cada um colar
no caderno e acompanhar a leitura na carteira e fiz algumas intervençoes para
que todos analisassem mais do que a primeira letra da palavra e usassem
diversas estratégias. Fotos: Kriz Knack
Existem atividades que ensinam o aluno a ler ao mesmo tempo em que proporcionam
situações reais de “leitura”. Um exemplo é uma coletânea de cantigas e parlendas que
as crianças já conheçam de cor. A letra da música é afixada pela professora na parede
da sala de aula de maneira que todos possam acompanhar a leitura enquanto cantam.
Assim – sempre com a intervenção da professora –, constroem relações entre o que
pronunciam e a escrita correspondente.
Antes de tudo, Ana Rosa pergunta quais cantigas todos conhecem. Esse levantamento
é importante para saber que canções fazem parte do repertório comum da classe.
Como as crianças ainda não dominam o sistema de escrita, a memorização prévia da
canção que será “lida” é essencial para saber o que está escrito e tentar ler onde está
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escrito: se trabalha a música O Sapo Não Lava o Pé, por exemplo, o estudante saberá
que as estrofes que tentará ler durante a atividade correspondem tão-somente à letra
dessa música.
“Escrevo a letra das cantigas num papel pardo e coloco na parede da sala. Também
entrego uma cópia para cada um colar no caderno para levar para casa e ler com os
pais”, diz Ana Rosa. “Então cantamos a música, acompanhando a letra, apontando e
fazendo o ajuste do falado ao escrito conforme ela vai sendo cantada. Depois, peço
que encontrem palavras da música.”
– Mas esta também começa com “v” – disse Lucas, se antecipando à docente e
apontando para a palavra “vovô”.
A intervenção nesse caso levou o garoto a analisar mais que a primeira letra da palavra
para conseguir lê-la e encontrá-la. “Lucas observou que ‘voou’ não tinha a letra ‘o’ no
fim, percebeu que aquela não era a palavra correta e recorreu novamente à música
para encontrar o que havia sido pedido”, explica Ana Rosa.
Títulos de livros
Neste trabalho, o professor:
Diário da professora Tatiana Garcez Jora - Escrevi os títulos dos livros que
selecionei em pequenas tarjetas de cartolina e apresentei três delas de cada vez
aos estudantes. Depois que cada um escolheu o título de uma obra, pedi que eles
procurassem por ela em uma caixa que matenho na sala de aula. Antes de retirar
o que seria levado para casa, cada um colocou o título da história em um
caderno que registra os empréstimos. Fotos Tatiana Cardeal
Na EMEF Laura Lopes, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, Tatiana Garcez
Jora começa essa atividade colocando os estudantes em círculo para que comentem o
livro que leram com a família. A professora permite que eles citem os trechos da
história que mais chamaram a atenção. A intenção é fazer com que apresentem as
obras uns aos outros, despertando o interesse coletivo.
Tatiana prepara pequenas tarjetas de cartolina. Em cada uma, vai escrito o título de um
dos muitos livros que podem ser encontrados numa caixa que fica na sala de aula.
Então um aluno se sente atraído por Branca de Neve. A professora seleciona três
tarjetas, A Bela Adormecida, Branca de Neve e A Bela e a Fera, lê os títulos numa
ordem e os apresenta à criança em outra. O fato de que os três títulos terem palavras
começadas com “b” impõe a necessidade de encontrar na extensão da palavra mais
indicativos – tamanho, outras letras etc.
Utilizar essas tarjetas que apresentam apenas o título das histórias, em vez de exibir as
imagens na capa dos livros, permite o foco exclusivamente no contexto escrito –
objetivo da alfabetização.
40
Texto informativo
Di
ário da professora Lóide Carvalho de Vasconcelos - Pedi que as crianças
procurassem na biblioteca da escola livro sobre girafas. Ajudei na leitura dos
índices das obras para buscar as informações desejadas. Mostrei que apenas ver
as figuras não basta. É preciso verificar se a informação está escrita. Organizei
uma roda na sala para uma leitura coletiva das informações encontradas. Fotos
Marcelo Min
“Primeiro, perguntei a todos quais animais queriam conhecer melhor. Eles chegaram a
um consenso e decidiram se aprofundar na vida da girafa”, explica Lóide. “Então
levantamos questões sobre o que a girafa come, onde mora, quantos anos vive etc.”
Para confirmar as respostas que os alunos deram às perguntas, a solução foi
encaminhá-los à biblioteca.
Lóide diz que os estudantes são orientados sobre como usar a biblioteca antes de sair
à procura de informação. “Eles foram atrás de dicionários e enciclopédias em que
pudessem constar informações sobre as girafas, além de livros e revistas” (leia
atividade permanente).
41
Alunos e professora escolheram quatro livros. Lóide formou uma roda e leu os textos
para responder às dúvidas sobre a girafa. Depois, cada um escolheu um animal para
pesquisar individualmente, seguindo os mesmos procedimentos. “Mesmo que as
crianças não saibam ler de forma convencional, quando há um contexto gerador de
informações, elas conseguem realizar a leitura e, assim, aprendem a ler”, conclui a
professora.
Na ponta do lápis
No livro Aprender a Ler e a Escrever, Ana Teberosky e Teresa Colomer falam sobre a
importância com esse cuidado: “Apesar de a criança aprender graças à interação com
diferentes materiais gráficos, para ‘apropriar-se da linguagem escrita’ é necessário que
42
Parlendas e cantigas
• Foca a atenção do aluno apenas para o ato de escrever, sem a preocupação de criar
o texto.
A escrita começou com lápis e papel, mas, ao ver que uma dupla se deparou com o
dilema de escrever “dona” como “oa” ou “dn”, a professora ofereceu letras móveis para
permitir a reflexão da dupla e fez uma intervenção:
- O “d” sozinho não consegue formar o “do”. Que letra está faltando?
- E como se escreve o “na”? Com o “n” sozinho? Não falta alguma coisa aqui?
Cecilia também conta que a cobrança da ortografia não foi uma preocupação nessa
atividade. Isso só ganhou destaque ao longo do ano, conforme as crianças avançavam
na alfabetização.
De acordo com Denise Maria Milan Tonello, pedagoga e orientadora do Colégio Miguel
de Cervantes, em São Paulo, “não adianta mesmo falar em ‘s’ ou ‘ç’ para crianças que
ainda não estão plenamente alfabetizadas. As dúvidas aparecerão naturalmente e
renderão boas chances de pesquisa. Por exemplo, ao surgir a questão de o ‘qu’ nao
escrever a palavra ‘queijo’, os alunos podem fazer um levantamento de outras em que
o ‘q apareça e perceber que ele está sempre acompanhado do ‘u’”.
Álbum de legendas
Um aspecto que deve ser abordado nas primeiras atividades com a linguagem escrita é
o destinatário. É preciso que as crianças tenham a chance de se questionar para quem
escrevem e o que é preciso garantir no texto para que o leitor compreenda as
informações registradas. Ao mesmo tempo, elas se comprometem com a tarefa porque
preveem um propósito de leitura claro e ganham possibilidades de discutir critérios de
seleção dos textos.
Com sua turma de 5 anos, a professora Sandra Santos da Silva Jacques, do Colégio
Miró, em Salvador, optou por legendar um álbum de fotos dirigido à família da
garotada. Para isso, solicitou fotografias tiradas nas férias, em um passeio, viagem ou
brincadeira. Com as imagens em mãos, cada um relatou o que fazia no momento da
foto, onde estava, quem o acompanhava (leia o projeto didático).
Depois a turma iniciou a seleção das fotografias que entrariam no álbum e a escrita de
legendas. “Textos curtos e em que apareça o nome do colega favorecem a realização
da atividade. As crianças se apropriam da estrutura das legendas e percebem, por
exemplo, que não são extensas e não começam com ‘era uma vez’”, relata Sandra.
Ela também considera que o trabalho em duplas colabora com a construção dos textos
e permite que, juntos, os pequenos levantem ideias do que escrever de acordo com o
que veem nas imagens. Além disso, sabendo que o álbum se destina aos pais e
parentes, as crianças são motivadas a explicar as informações de forma que possam
ser compreendidas de maneira clara por qualquer leitor.
Lista de personagens
A atividade começou com uma conversa sobre quais histórias faziam parte do
repertório da turma e quais eram mais apreciadas. Com base nessa checagem inicial,
Adriana montou uma lista de personagens a serem nomeados por escrito pelos
pequenos. Então, a cada etapa do trabalho, ela distribuía uma ficha de atividade
individual, com uma gravura ou ilustração de um dos personagens previamente
listados. Depois de identificarem coletivamente quem era ele e de qual história fazia
parte, escreviam seu nome com letras móveis.
Pequenos leitores
A leitura, como prática social, pode ser ensinada em situações em que a turma toda
participe, comentando o que foi lido, levantando e explicitando hipóteses, debatendo
ideias. Atitudes como essas compõem o chamado comportamento leitor, capaz de ser
desenvolvido desde muito cedo com a ajuda dos mais experientes. A figura de pais e
professores é fundamental, pois eles assumem o papel de condutores de seus ouvintes
para um mundo fantástico. Nas palavras da psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, "a
leitura é um momento mágico, pois o interpretante informa à criança, ao efetuar essa
ação aparentemente banal, que chamamos de 'um ato de leitura', que essas marcas
têm poderes especiais: basta olhá-las para produzir linguagem".
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Sequência Didática
• Comparar histórias
Projeto Didático
Atividade Permanente
É preciso, porém, ter em mente a intenção da leitura. Não basta simplesmente fazer
uma sessão por dia sem propósito comunicativo. "Quando o professor lê, tem de
considerar sua ação como prática social que entretém, emociona, informa e diverte.
Mas também deve estar ciente dos objetivos didáticos a que ela se destina - por
exemplo, diferenciar a linguagem escrita da falada ou conhecer o estilo de um autor",
afirma Célia Prudêncio, formadora do Programa Ler e Escrever, do governo do estado
de São Paulo. Segundo ela, se os objetivos não estiverem claros, a leitura, por si só,
não dá conta de alavancar o processo de alfabetização, pois faltam os procedimentos
necessários à mediação entre o professor, os alunos e a linguagem escrita.
Indicação literária
"Professora, bem que você disse que eu ia adorar aprender a ler." Sirley Aparecida
Mastini da Costa, da EMEF Padre Gregório Westrupp, em São Paulo, guardou a frase
na lembrança. Dita por um aluno de 1º ano em 2008, ela mostra o resultado de um
investimento feito desde o primeiro dia letivo – incluir a leitura na rotina da classe. Os
alunos não tinham o hábito de ouvir e comentar histórias. De 33 crianças, apenas duas
eram alfabéticas no início do ano letivo. Em dezembro esse número saltou para 29 e
todos passaram a participar de discussões sobre as obras lidas, diferenciar versões da
48
A atenção dos pequenos ouvintes ficou cada vez maior e cresceu também a vontade
de conhecer outros livros. Eles passaram a levar exemplares de casa para a escola,
cobrar os momentos de leitura, participar de atividades de contação de histórias
organizadas pelos mais velhos e, já alfabetizados, montar as próprias rodas literárias.
"Depois que uma atividade acaba, vão por conta própria para o fundo da sala, retiram
livros das estantes e leem para os colegas", diz Sirley.
A escolha dos textos requer cuidados especiais. “Devem ser obras bem escritas, que
encantem as crianças. E é importante que o professor também conheça e aprecie a
história”, orienta Ana Flavia. A qualidade se faz ainda mais necessária, pois a leitura
em voz alta é uma porta fundamental para que os pequenos entrem no mundo letrado
(leia a sequência didática). “Além da história, as crianças assimilam aspectos da
estrutura do texto. Percebem que, para escrever, é preciso ter muitas letras e
49
Outro cuidado de Sirley é em relação ao vocabulário. Ela não troca nem simplifica
palavras. "Ao contrário, procuro mostrar que, para descobrir o significado de termos
desconhecidos, basta procurá-las no dicionário", diz. De acordo com Ana Flavia, a
medida é importante "porque cada palavra contribui para a beleza do texto literário e
também porque, ao ouvir histórias, as crianças estabelecem relações acerca dos
termos que não conhecem e ampliam seu repertório".
Escolha de obras
Todos os dias, a professora Maria Aparecida de Araújo Silva, responsável pela sala de
leitura da EM Teresa Cristina, em Salvador, passa pelas salas de Educação Infantil e
dos primeiros anos do Ensino Fundamental levando uma mala de rodinhas que
esconde um verdadeiro tesouro. É a biblioteca circulante, que tem até uma boneca de
pano como mascote. Abastecida com frequência pela biblioteca da escola, ela contém
mais de 40 livros, entre obras literárias, poesia, dicionários e publicações sobre arte e
animais.
"Antes de começar abrir a mala, leio um livro ou texto avulso, que levo do lado de fora
para criar um clima gostoso. A intervenção inicial dura cinco minutos. Depois disso, as
crianças exploram as obras para escolher a história que lerei a seguir", diz Maria
Aparecida. Ela também investiu na decoração da sala de leitura com almofadas e
50
Esse momento posterior à leitura é bastante flexível - só não deve cair na rotina de, por
exemplo, sempre terminar com um desenho sobre a história que foi apresentada. "É
preciso ter sensibilidade para perceber as necessidades da turma, que podem ser um
reconto, uma dramatização, um debate de ideias ou até mesmo o silêncio", sugere
Maria Peregrina Furlanetti, da Unesp.
Desse modo, os resultados não demoram a aparecer. As turmas, que antes do início
do projeto de biblioteca circulante chegaram a estragar 45 livros em uma semana, têm
hoje só leitores interessados e responsáveis. "Independentemente da idade, todos
querem cuidar dos volumes, escolher as obras preferidas e até inventar as próprias
histórias", conta a professora.
Juntos, então, professor e alunos exploram essa imensa gama de possibilidades, num
processo ativo de construção de significados, que coordena informações de diversas
procedências - conhecimentos do leitor, dados do texto e informações fornecidas pelo
contexto.
Livros variados
Daniela Ribeiro deu aulas em 2008 para a turma de 1º ano da EMEF Rosalvito Cobra,
em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Quando alguém pergunta qual é o
segredo para terminar o ano com todos os alunos alfabetizados, ela não pensa duas
vezes: a leitura. Antes de entrar em sala, ela treina a entonação. Já com os alunos, lê o
título, comenta o tema e abre o livro, sem trocar palavras para simplificar o vocabulário.
O cardápio de textos oferecidos é bem variado. Nesse caso, é importante explicar por
que determinada leitura foi escolhida, o que faz dela algo especial - tem frases
engraçadas, ilustrações interessantes, um tema atual ou um personagem curioso - e
deixar claro qual será o gênero. Revelar esses elementos ajuda as crianças a
selecionar as próprias leituras e justificar tais escolhas.
Na sala de Daniela, as obras vão de clássicos, como O Mágico de Oz, que ela lê em
capítulos, a textos informativos. Todas as sessões de leitura são seguidas de
conversas para a exposição de ideias (leia a atividade permanente). "Depois de ouvir a
leitura de um texto sobre um animal, por exemplo, as crianças se divertem falando
sobre o lugar onde ele mora e outras curiosidades. É nesse espaço que podem
demonstrar livremente suas impressões. Para tanto, é importante não interromper e
não induzir a opiniões. Quando mais de uma criança falar ao mesmo tempo, basta
pedir que esperem a vez. É enriquecedor voltar aos trechos comentados pela turma e
ajudar a identificar pontos em que as imagens são fundamentais para o desenrolar da
história. Ensinar a ler não é transmitir conteúdos, mas criar situações em que as
crianças possam atuar como leitoras. Foi assim que os alunos de Daniela passaram a
agir. “Percebi que, ao longo do ano, eles se sentiram cada vez mais motivados a ler,
em especial porque queriam muito encontrar as informações", conta.
A roda de biblioteca complementa a leitura diária. Toda sexta-feira, cada aluno escolhe
um livro para levar para casa. Na segunda, fazem roda para comentar o que gostaram,
o que não agradou, se leram com ajuda ou não, se as expectativas foram
correspondidas - hábitos que podem ser construídos antes mesmo de a turma dominar
a escrita.
52
Pendurado na parede desde o primeiro dia de aula, ele ocupa uma posição central na
classe - de preferência, acima do quadro, no campo de visão de todos os alunos.
Material de apoio precioso para um ambiente alfabetizador na Educação Infantil e nas
séries iniciais do Ensino Fundamental, é a ele que os pequenos recorrem quando
querem encontrar uma letra e saber como grafá-la. Se sabem que "gato" se escreve
com G, mas esqueceram o jeitão dele, é só caminhar pela sequência de letras até
encontrá-lo. Se na hora de escrever "mar" bater a dúvida de quantas perninhas tem o
M, a resposta também está lá. O alfabeto da classe é um companheiro permanente
para quem ensaia os primeiros passos no universo da escrita.
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Reportagens
• Pequenos leitores
• Alfabetizar é todo dia
• Tudo sobre alfabetização
Atividades
53
• Nomes próprios
• Legendas para fotos
• Hora da chamada
• Criar agendas telefônicas
O segundo desafio - como se organiza a escrita? - pode ser enfrentado quando alguma
palavra apresentar falta de letras. Por exemplo, se um aluno escreve "AO" para
representar "pato", provoque uma reflexão e questione:
- Isso mesmo. Agora olhe o que você escreveu: "AO". Onde a gente pode colocar o P
na sua escrita?
Outra dúvida comum diz respeito à grafia das letras. A forma do G é uma das mais
problemáticas. Para desenvolver a autonomia, incentive a criança a procurar a letra
pela recitação do alfabeto.
Atenção, porém, antes de produzir o alfabeto da classe. Ainda são muito comuns os
modelos que trazem as letras de A a Z decoradas, com figuras cuja inicial é a letra em
questão. Assim, o B, por exemplo, vem adornado por uma asa de borboleta, com um
contorno que se mistura ao da letra. Não é o ideal, pois a associação com desenhos
confunde a criança. "Nessa fase inicial de aprendizado, ela imita a escrita e ainda não
consegue determinar com clareza o que é central e o que é periférico, o que realmente
faz parte da letra e o que é somente um enfeite. Por isso, qualquer elemento supérfluo
acaba sendo reproduzido", argumenta Regina Scarpa, coordenadora pedagógica de
NOVA ESCOLA. O melhor é que o alfabeto seja composto de letras de imprensa
maiúsculas, de contornos mais limpos e claramente identificáveis quando reunidos em
palavras.
55
Um raio X da alfabetização
A edição especial que a equipe de NOVA ESCOLA preparou traz mais de 50 páginas
de material inédito sobre a alfabetização inicial. Totalmente voltadas para a prática de
sala - são, ao todo, 12 projetos e sequências didáticas -, as reportagens mergulham no
passo-a-passo do processo e respondem às principais questões que interessam a todo
alfabetizador: como identificar o que as crianças sabem sobre a escrita? Quais as
melhores estratégias para ensinar? O que os alunos precisam ter aprendido ao fim de
cada série? Como acompanhar o avanço da sala - e como ajudar os pequenos com
mais dificuldades? O especial chega às bancas no dia 16 de março.
CONTATOS
Clélia Cortez
EM Atenas, R. Gentil de Ouro, s/nº, 23063-340, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 2413-3809
BIBLIOGRAFIA
Aprender a Ler e a Escrever, Ana Teberosky e Teresa Colomer, 192 págs., Ed.
Artmed, tel. 0800-703-3444, 49 reais
NOVA ESCOLA Alfabetização, edição especial, 4,80 reais, nas bancas a partir de 16
de março
Psicogênese da Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, 300 págs., Ed.
Artmed, 52 reais
56
Reflexões sobre Alfabetização, Emilia Ferreiro, 104 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-
9616, 15 reais
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Plano de aula
• Seqüência didática
Contos do mundo todo
• Seqüência didática
Prática de leitura
• Procure no Ponto de Encontro por comunidades sobre alfabetização
• Plano de aula para a situação didática 20
Comparando diferentes versões de Chapeuzinho Vermelho
• Plano de aula para a situação didática 20
Comparando diferentes versões de Pinóquio
• Plano de aula para a situação didática 21
Lendo o livro ... antes de ler a história do livro
• Plano de aula para a situação didática 22
Nomes próprios
• Plano de aula para a situação didática 22
Trabalhando uma questão ortográfica com ditado interativo
• Plano de aula para a situação didática 23
Projeto Biografias e autobiografias
• Plano de aula para a situação didática 23
Regras de brincadeira
• Plano de aula para a situação didática 24
Estudando seminários
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O que é
A turma forma uma roda, e o professor lê em voz alta textos literários, jornalísticos,
regras de jogos etc. Os gêneros devem variar para que o repertório se amplie. Além de
contos de fadas, valem notícias que tratem de algum assunto de interesse de crianças.
Também é imprescindível garantir a qualidade do material à disposição da meninada.
Quando propor
Diariamente.
Quando propor
Diariamente.
58
O que é
A tentativa de ler listas ou textos conhecidos de memória (poemas, canções e trava-
línguas). Sabendo o que es tá escrito (nomes de frutas, por exemplo), é possível
antecipar o que pode estar escrito e confirmar por meio do conhecimento das letras
iniciais ou finais, entre outras formas (leia o quadro abaixo).
Quando propor
Em dias alternados aos de atividades de escrita.
Quando propor
Em dias alternados aos de atividades de escrita.
O que é
Os pequenos ditam um texto, e o professor escreve no quadro. Eles ficam com o
controle do que se escreve e acompanham como isso é feito. Podem ser feitas
perguntas para provocar participações e estruturar a escrita. Ao fim da atividade, a
produção deve ser revisada.
Quando propor
Várias vezes por semana, sempre que houver uso da escrita.
Quando propor
Diariamente.
O que é
Atividades em que a garotada narra histórias, declama poemas, apresenta seminários
e realiza entrevistas. Podem ser feitos saraus e apresentações para expor um tema
usando roteiros ou cartazes para apoiar a fala.
Quando propor
Algumas vezes por mês, dependendo dos projetos e das atividades em
desenvolvimento.
Quando propor
Algumas vezes por mês, dependendo dos projetos e das atividades em
desenvolvimento.
Alfabetização inicial
60
Todo dia é dia de ler: Mariluci forma a roda de crianças e lê para elas, sempre
caprichando na intonação para aumentar o interesse. Foto: Tatiana Cardeal
Todo ano, um de cada seis alunos que entram na 1ª série é reprovado. Outros 18%
chegam à 4a série sem terem sido alfabetizados. Essas crianças, condenadas ao
fracasso no início da escolaridade, vêm de famílias que não têm acesso à leitura e à
escrita e, mal atendidas pelo sistema de ensino, acabam permanecendo nessa
situação de exclusão. Em várias escolas brasileiras, porém, há professores dedicados
que não aceitam desculpas extraclasse para não ensinar. NOVA ESCOLA encontrou
três profissionais que acreditam, de fato, que todos podem aprender. As histórias de
Janice Cunha, de Porto Alegre, e Edinelma Ferreira de Souza, de Utinga (BA), você
encontra no nosso site.Nestas páginas, você vai conhecer Mariluci Falco Fernandes
Kamisaka e sua turma de 1ª série da EE Maria Odila Guimarães Bueno, em São Paulo.
Alfabetizar na 1a série...
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61
Neste ano, ela tem uma turma com 32 crianças, quase todas moradoras da favela de
Heliópolis, a maior da cidade. Elas são filhas de pais com baixa escolaridade e têm
pouco acesso a materiais escritos – o que as diferencia das nascidas em ambientes em
que livros, revistas e jornais circulam naturalmente e em que a leitura é valorizada e a
escrita utilizada no dia-a-dia. Ensinar para essa clientela, que muitos consideram
condenada ao fracasso, não assusta Mariluci. Ao contrário.Com conhecimento teórico,
uma prática bem planejada e muita dedicação, ela tem evitado que seus alunos sigam
na escola e na vida enfrentando dificuldades para fazer da leitura um meio de
aprender, se informar, trabalhar e participar da sociedade em pé de igualdade.
Mariluci não inventou nenhum método revolucionário. Muito do que essa professora de
39 anos faz está descrito nos Indicadores de Qualidade na Educação – Ensino e
Aprendizagem da Leitura e da Escrita, elaborados pelo Ministério da Educação (MEC),
pela Ação Educativa e por outras entidades ligadas à alfabetização. O documento
defende que os estudantes tenham contato com diferentes tipos de texto, ouçam
histórias todos os dias e observem adultos lendo e escrevendo. Além disso, recomenda
que a escola ofereça uma rotina de trabalho variada e que os professores os
incentivem o tempo todo. No que depender de Mariluci, todos os itens estão
contemplados: “Meus alunos podem e vão aprender. Eu trabalho para que isso
aconteça”.
Atividade
Quando propor: diariamente, tomando o cuidado de trabalhar cada tipo de texto várias
vezes, para que a turma se familiarize com ele, e de variar os gêneros, para que o
repertório se amplie.
Discussão final: a atividade termina com Mariluci abrindo espaço para que todos se
manifestem sobre o que foi lido. No caso do livro de histórias, quais foram os trechos
preferidos? Que partes cada um achou mais engraçadas? Ela sempre pergunta, nesse
momento, se alguém tem alguma dúvida sobre o texto e gostaria de apresentá-la aos
colegas. Assim, vão aparecendo diferentes impressões sobre a trama. A atividade
reproduz o que acontece com os adultos. Quando lemos um livro por prazer, não
respondemos a nenhum questionário, mas sempre fazemos comentários com parentes
e amigos, seja para indicar a leitura, seja para discutir algo polêmico ou marcante da
narrativa.
63
Em seu planejamento diário – são quatro horas e meia de aula –, ela dedica a maior
parte do tempo à alfabetização. No entanto, garante que haja espaço para Matemática
ou História e Geografia. “Já tive dificuldade de balancear a rotina porque muitas
atividades têm de ser realizadas com freqüência quase diária”, conta Mariluci.“Hoje sei
dosar melhor o tempo e se não consigo dar conta de alguma delas num dia compenso
no outro. O importante é a continuidade.”
Teoria
HIPÓTESES DE ESCRITA
De acordo com as pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, já replicadas no
mundo inteiro, as crianças elaboram diferentes hipóteses sobre o funcionamento do
sistema de escrita – com quantas letras se escreve uma palavra, quais são elas e em
que ordem elas aparecem. Na fase em que o aluno adota simplesmente o critério de
que, para escrever, é preciso uma quantidade de letras (no mínimo três) diferentes
entre si, a hipótese é considerada pré-silábica. Quando passa a registrar uma letra
para cada emissão sonora, ela está no nível silábico – inicialmente sem valor sonoro e
depois com a correspondência sonora nas vogais e/ou nas consoantes. Na hipótese
silábico-alfabética, as escritas incluem sílabas representadas com uma única letra e
outras com mais de uma letra. E, finalmente, quando começa a representar cada
fonema com uma letra, considera-se que ele compreende o princípio alfabético de
nossa escrita. No entanto, mesmo nessa fase, os alunos ainda apresentam erros de
ortografia.
Veja como poderia ser a escrita da palavra camiseta de acordo com cada hipótese:
■ Pré-silábica: P B V A Y O
■ Silábica sem valor sonoro: E R F E
■ Silábica com valor sonoro: K I Z T
■ Silábico-alfabética: K A I Z T A
■ Alfabética: C A M I Z E T A
64
Nesse último exemplo, temos o que já seria considerada uma escrita alfabética, mas
ainda com um erro ortográfico, que precisa ser trabalhado pela professora.
Hoje é amplamente sabido que o que mais pesava era o contato com a escrita no
cotidiano. E, se o aluno tem pouco contato, a aprendizagem fica prejudicada. Os
reflexos dessa situação são sentidos no país. Dados do 5º Indicador de Alfabetismo
Funcional (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro em 2005, mostram que 74%
dos brasileiros adultos não conseguem ler textos longos, relacionar informações e
comparar diferentes materiais escritos. Mesmo entre os que concluíram o Ensino
Médio, 43% não possuem essas habilidades. É a prova de que a escola apenas
perpetua essa exclusão, pois não está ensinando a utilizar a leitura e a escrita para dar
conta das demandas sociais e para continuar aprendendo ao longo da vida – como o
Inaf define o que seja uma pessoa alfabetizada.
Nos anos 1980, para Mariluci – assim como para a massa de professores brasileiros –,
o conhecimento sobre a escrita deveria se dar em etapas: primeiro aprendiam- se as
letras, depois as sílabas e as palavras e só então vinha o trabalho com textos. “Hoje
sabe-se que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre o sistema
de escrita e sobre a linguagem que se escreve, seus usos e funções”, afirma Telma
Weisz, supervisora do programa Letra e Vida, da Secretaria Estadual de Educação de
São Paulo.
Dentro dessa concepção, cabe ao professor diagnosticar em que nível está cada aluno
(leia o quadro) para planejar as aulas e ajudar todos a avançar sempre mais. “O que
me incomodava naquela época era insistir com os alunos no ponto que eles não
compreendiam e não saber contornar a situação com outra abordagem”, lembra
Mariluci. Ainda hoje, muitos professores sofrem ao perceber que alguns estudantes vão
ficando para trás e se sentem impotentes para ajudá-los ou, em alguns casos
extremos, simplesmente desistem dessas crianças como se elas fossem incapazes de
aprender.
Teoria
O VALOR DO DIAGNÓSTICO
Conhecer o nível em que está a turma é essencial durante a alfabetização – e no
decorrer de toda a escolaridade. Percebendo os avanços e as dificuldades dos
pequenos, você consegue planejar uma boa aula e propor atividades adequadas para
levar cada um a se desenvolver ainda mais e chegar ao fim do ano lendo e
escrevendo. Essa avaliação deve ser feita logo no início do ano e repetida no mínimo
uma vez por bimestre.
65
Para realizá-la adequadamente, é preciso escolher como atividade algo que seja feito
regularmente, como as listas – de frutas, cores, animais etc. “O professor deve,
primeiro, avisar a turma sobre o tema da lista e depois ditar as palavras, sem marcar as
sílabas”, explica a formadora Beatriz Gouveia. Como os alunos já conhecem o tema
que deve ser posto no papel, os alunos podem pensar mais em como escrever
(quantas e quais letras usar, por exemplo).
Como elas acham ainda que as palavras devem ter um número mínimo de letras – por
volta de três –, se você ditar só monossílabos elas também podem se recusar a
escrever. Veja aqui dois exemplos possíveis: itens para um lanche coletivo
(refrigerante, manteiga, queijo, pão) e bichos vistos no zoológico (rinoceronte, camelo,
zebra, boi). Com essas palavras, você provoca o estudante a refletir sobre a forma de
representação.
Terminado o ditado, peça que cada um leia o que escreveu. “Essa leitura é tão ou mais
importante do que a própria escrita, pois é ela que permite ao professor verificar se o
aluno estabelece algum tipo de correspondência entre partes do falado e partes do
escrito”, aponta o Profa. Para finalizar, registre tudo. Com esse material, fica mais fácil
planejar atividades que façam os alunos avançar, acompanhar a evolução de cada um
e montar os agrupamentos produtivos. É preciso lembrar também que, no dia-a-dia,
mesmo sem essa sondagem, é possível verificar como a turma está se saindo
individual e coletivamente.
Atividade
Intervenção da professora: durante a tarefa, ela roda pela classe para acompanhar
como cada um ou cada dupla está se saindo e pede que uma criança encontre
determinado termo no texto. “Onde está escrito ‘nariz’?”, questiona sobre o poema A
Foca,de Vinicius de Moraes. A criança mostra a palavra correta, mas Mariluci pede
uma justificativa. “Começa com N”, é a resposta.As perguntas são feitas a diversos
alunos. Depois, ela convida um a um a ler o cartaz com o poema. Novamente, intervém
em dificuldades específicas. Dessa forma, a professora provoca a reflexão e faz a
turma avançar.
Ela compartilha sua rotina com os colegas nas duas semanais de trabalho pedagógico
coletivo, em que a equipe aproveita para estudar o tema. Trocar idéias sobre a prática
é extremamente rico para qualquer professor. A mesma oportunidade Mariluci
proporciona aos estudantes, que podem contar com a ajuda dos colegas de classe,
trabalhando muitas vezes em duplas. A professora se vale com freqüência da
estratégia, que só é produtiva porque ela aprendeu a diagnosticar as hipóteses sobre a
escrita que cada um tem e junta alunos que estão em níveis próximos, fazendo dessa
interação um importante instrumento de aprendizagem (leia mais no quadro).
Teoria
67
AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS
Para toda criança, confrontar suas idéias com as dos colegas e oferecer e receber
informações é essencial. Essa troca, que leva ao avanço na aprendizagem, precisa ser
bem planejada. É essencial conhecer quanto os alunos já sabem sobre o desafio que
será proposto, já que a organização da turma não pode ser aleatória. “Se o objetivo é
que eles decidam conjuntamente sobre a escrita de um texto, é importante juntar os
que apresentam níveis diferentes, mas próximos entre si, para que haja uma
verdadeira troca”, afirma Beatriz Gouveia. Quando se reúnem crianças de níveis muito
diferentes, acaba-se reproduzindo a situação escolar de “alguém que ‘sabe’ mais que
os demais, obrigando os outros a uma atitude passiva de recepção”, como explica Ana
Teberosky no livro Os Processos de Leitura e Escrita. Assim, numa situação de escrita,
é possível organizar duplas com crianças de níveis diferentes, porém próximos, como
as mostradas a seguir:
Há os casos em que toda a turma pode atuar na mesma atividade, como a produção
de texto oral com destino escrito, quando os alunos ditam para o professor ou a leitura
pelo professor e posterior discussão pela classe.
Atividade
Quando propor: em dias alternados com as atividades de leitura para reflexão sobre o
sistema de escrita (leia o quadro na página 38). A atividade deve ser realizada com
alunos não alfabéticos. Para os alfabetizados, é aconselhável propor um trabalho sobre
ortografia ou pontuação, uma vez que eles já sabem escrever.
Confirmar o que está escrito: uma última etapa é fundamental nessa atividade: a
professora pede que os alunos leiam o que acabaram de produzir. Assim, há espaço
para problematizar a diferença entre o que se lê e o que se escreve. Ela passa ao
menos uma vez pelas carteiras no decorrer do trabalho. Ao perguntar a uma dupla o
que já tinha escrito, soube que os três primeiros versos estavam ali representados.“E
onde está escrito mão?”, indagou. Os dois se entreolharam. Um deles mostrou: “NU”.
“Com que letra começa ‘mão’?”, perguntou Mariluci. “Com M!”, respondeu o outro
aluno. “Não está faltando letra nesse verso, então?”, questionou ela, liberando os dois
para discutir os próximos passos. Permitindo que os alunos trabalhem em dupla, ela
deixa de ser a única informante válida na classe e ganha mobilidade para dar atenção
a quem precisa de mais ajuda.
Para os alfabéticos – que vão se tornando mais numerosos com o passar do ano –,
essa atividade tem outro objetivo, já que eles sabem escrever. Trabalhando entre si,
eles devem melhorar a ortografia e a segmentação – é comum escreverem as palavras
corretamente, mas juntando umas às outras. Quando passa nesses grupos para
acompanhar o andamento da tarefa e vê que há erros ortográficos, Mariluci convida os
estudantes a consultar o dicionário.Assim, ela não corrige, mas ensina a buscar a
69
grafia correta.
É nesse espaço que ficam reunidos materiais como livros, jornais, folhetos de
propaganda e enciclopédias. “Ofereço uma diversidade de textos à qual eles
dificilmente teriam acesso”, diz a professora (leia mais no quadro). Toda semana, as
crianças podem escolher uma obra e levá-la para casa com a recomendação de ler
com os familiares. A importância desse momento é enfatizada nas reuniões de pais,
em que Mariluci os incentiva também a acompanhar o progresso dos filhos pelos
cadernos. “Digo que as crianças vão sentir que o empenho em aprender está sendo
reconhecido.”
Teoria
Nas aulas, é necessário mostrar que um livro de literatura se lê passando página por
página e olhando as ilustrações até chegar ao fim e que um dicionário – que também
tem a forma de um livro – é útil para verificar a grafia das palavras. Já o jornal pode ser
consultado, por exemplo, quando se quer ler uma notícia. Até mesmo o rótulo de um
produto pressupõe comportamentos leitores específicos: ali podem ser buscados os
ingredientes e o valor nutricional.
Sua tarefa é formar pessoas que tenham familiaridade com a leitura e seus propósitos,
ou seja, que compreendam o que lêem e enxerguem nela uma maneira de se informar
e se desenvolver pessoalmente
No dia em que a garotada traz os livros de volta para a classe, ela organiza uma roda
de conversa e até quem ainda não está alfabetizado conta a história para os colegas,
como se estivesse lendo. “A criança que lê sem estar alfabética não está brincando de
faz-deconta. Ela está se apoiando na experiência do professor e no conhecimento da
postura de quem lê”, explica Francisca Maciel. Ou seja, imita um gesto porque já sabe
que ele faz sentido e é parte do aprendizado.
70
Atividade
Quando propor: várias vezes por semana. Sempre que o uso da escrita se fizer
necessário no dia-a-dia da sala de aula (escrita de bilhetes, convites etc.) e no
desenvolvimento de projetos de leitura e escrita.
escrito, seja ele de que gênero for. No fim, ela propõe a releitura e a revisão do que se
escreveu para identificar possíveis erros e também formas de melhorar o texto.
CONTATO
EE Maria Odila Guimarães Bueno, R Américo Samarone, 350, São Paulo, SP, tel.
(11) 6215-5339
BIBLIOGRAFIA
Contextos de Alfabetização Inicial, Ana Teberosky e Marta Soler Gallart, 175 págs.,
Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 34 reais
Ler e Escrever na Escola, Delia Lerner, 128 págs., Ed. Artmed, 32 reais
Os Processos de Leitura e Escrita, Emilia Ferreiro e Margarida Gomes Palácio, 274
págs., Ed. Artmed, 52 reais
Psicogênese da Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, 300 págs., Ed.
Artmed, 46 reais
INTERNET
Faça o download dos Indicadores de Qualidade na Educação: Ensino e Aprendizagem
da Leitura e da Escrita em www.acao educativa.org.br
Língua Portuguesa
Alfabetização inicial
Outubro 2007
As crianças pequenas não vão mais à escola apenas para receber cuidados e
brincar. Hoje se sabe que na Educação Infantil é possível pesquisar, fazer contas e
trabalhar com livros. Os especialistas afirmam que quanto antes elas conhecerem a
72
IDADE: 5 anos.
TEMPO: 30 minutos.
ESPAÇO: Sala de atividades.
MATERIAL: Pedaços de papel cartão com 20 por 12 centímetros, caneta hidrocor,
régua, tesoura, saco plástico e botões.
OBJETIVO: Ler e escrever usando os nomes próprios por meio de jogos.
Entregue a cada criança o cartão com o nome dela, etiquetas e lápis ou canetas
hidrocor. Cada uma escreve o próprio nome com base no modelo fornecido por você e,
depois, etiqueta o material. Ensine à turma onde e como colar. Caso utilize tiras de
papel, oriente a turma a fixá-las com a fita adesiva.
IDADE: 5 anos.
73
TEMPO: De 15 a 30 minutos.
ESPAÇO: Sala de atividades.
MATERIAL: Retroprojetor, folhas de transparência, canetas de duas cores para
retroprojetor, lápis e papel.
OBJETIVOS: Criar uma nova versão para um enredo conhecido; produzir textos orais
com destino escrito; revisar; e apropriar-se da linguagem escrita.
Peça às crianças que elejam uma história de que gostem e que seja conhecida de
todas. Quando chegarem a um consenso, elas a recontam e depois ditam o texto para
você escrevê-lo no quadro-negro. Após essa etapa, você passa essa história para a
folha de transparência exatamente com os termos que elas usaram. No dia seguinte,
coloque o texto no retroprojetor e leia. As crianças apontam quais revisões devem ser
feitas. Marque as alterações com caneta de outra cor. A pontuação ainda não é
corrigida por elas, pois é um conteúdo de que ainda não têm domínio. É possível que a
turma não perceba alguns erros. Nesse caso, chame a atenção do grupo perguntando
se há algo para ser modificado. No último dia, coloque de novo o texto já corrigido no
retroprojetor. É importante voltar ao trabalho inicial (o texto que elas ditaram para você)
para que a turma compare com o produto final e perceba a importância da revisão e
que aspectos do texto foram modificados. Repita esse procedimento com mais três ou
quatro contos. Depois, você pode montar um livro para ser doado à biblioteca ou ser
dado de presente para os pais.
Letras móveis
IDADE: 5 anos.
TEMPO: De 40 a 50 minutos.
ESPAÇO: Sala de atividades.
MATERIAL: Figuras do mesmo campo semântico (não misture objetos com animais,
por exemplo) e letras bastão maiúsculas móveis. Providencie uma quantidade maior de
alfabetos do que os grupos da sala.
OBJETIVO: Escrever com a ajuda de letras móveis.
Divida a turma em grupos de quatro. Se não for possível, trabalhe em duplas. Cuide
para que as crianças do mesmo grupo tenham níveis de aprendizagem parecidos
(assim, evita-se que uma faça toda a tarefa). Entregue algumas ilustrações para cada
grupo e peça às crianças que escrevam o nome da figura. Seu papel, enquanto elas
escrevem, é fazer pequenas intervenções quando necessário e anotar como elas estão
escrevendo para saber o quanto cada uma ainda pode avançar. A lista de nomes, os
cartazes e os textos que ficam na sala de aula servem de apoio nessa hora. Se puder,
mantenha as letras organizadas em uma caixa para as crianças as visualizarem
melhor.
Logo no início do dia, reúna a turma sentada em um semicírculo próximo aos cartazes.
Proponha que um voluntário vá até a parede para ler o nome de cada um em voz alta e
verificar a presença ou a ausência dos colegas. Os demais acompanham a leitura, pois
o escolhido pode não saber algum nome ou se confundir. É comum isso acontecer
quando os nomes têm a mesma inicial. É importante combinar com as crianças a forma
de marcar as faltas e as presenças. Ícones, como estrelinhas ou bolinhas, podem ser
usados. No final, converse sobre quem faltou e faça com a turma a contagem de
quantos foram. Você pode variar a atividade fazendo sozinha a chamada ou pedindo
que cada um marque o próprio nome.
Livros 5 Estrelas
IDADE: 5 anos.
TEMPO: Variável.
ESPAÇO: Sala de atividades.
MATERIAL: Um mural, lápis, papéis e um acervo de bons livros.
75
Peça às crianças que pensem num livro de que gostem muito e que desejem
recomendar aos colegas de outra classe. Elas farão isso por meio de recados que
serão colocados num mural, que deve estar num local comum às turmas de toda a
escola. Se a garotada ainda não souber escrever, todos ditam o texto e você escreve.
Funciona assim: o Jardim A, por exemplo, indica um livro para o Pré B. Este, por sua
vez, pode dizer se gostou ou não e também recomendar outro livro. A atividade deve
ser feita com grupos que já tenham certa familiaridade em ouvir histórias. Reserve um
dia na semana, durante um semestre, para este trabalho.
Agenda da Turma
IDADE: 5 anos.
TEMPO: 30 minutos.
ESPAÇO: Sala de atividades.
MATERIAL: Papel, grampeador e canetas ou lápis.
OBJETIVOS: Ler e escrever usando os nomes próprios; fazer cópia; usar uma agenda;
familiarizar-se com a escrita e obter informações sobre os colegas.
Liste em um papel o lugar onde vai ficar cada informação da agenda: nomes, números
de telefone ou endereços e datas de aniversário. Risque todos os outros papéis da
mesma forma ou tire cópias. É importante que os espaços já estejam delimitados para
facilitar a organização na hora que as crianças forem completar. Peça à turma que
traga anotado o próprio número de telefone e o dia do nascimento. Se precisar, envie
um bilhete aos pais pedindo essas informações. Se houver crianças que não tenham
telefone, elabore uma agenda com os endereços. Mostre às crianças o lugar de cada
informação escrevendo os dados de uma delas no quadro. Cada uma deve copiar
essas informações no seu papel. No início, você deve determinar a ordem na qual os
nomes vão aparecer, mas, à medida que o trabalho avançar, é possível convidar a
turma a pensar quem será o próximo da sequência. Para começar, será apenas um
nome a cada dia, mas esse ritmo deve aumentar conforme a atividade se tornar
familiar. Por fim, organize as folhas de cada um em ordem alfabética e grampeie. Agora
cada um tem sua agenda.
CONSULTORIA: Bia Gouveia, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo; Paula Stella, do
Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária, em São Paulo; e
Rosemeire Brait, da Escola Municipal de Educação Infantil Inês dos Ramos, em São
Caetano do Sul (SP)
76
Esse gênero literário colorido, ilustrado e cheio de recursos gráficos estimula as turmas
de pré-escola a tomar gosto pela leitura
Foi-se o tempo em que os gibis eram proibidos na sala de aula e as crianças tinham de
escondê-los sob a carteira. Os quadrinhos são uma excelente opção para incentivar a
leitura em quem está entrando no mundo das letras. A começar pelos personagens,
que, por si só, são atraentes para a garotada. "Eles despertam interesse por serem
bem conhecidos", explica o psicólogo José Moysés Alves, da Universidade Federal do
Pará.
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• Produção de texto
Reportagens
Galeria
Quadrinhos e fantoches
Como a escola não tinha as revistinhas, Marcelo mobilizou a comunidade para montar
a gibiteca, espalhando cartazes pela vizinhança e pedindo ajuda aos pais. Em pouco
tempo, cerca de 300 gibis já estavam catalogados na escola.
As crianças podiam levá-los para casa duas vezes por semana e tinham de devolver
no dia combinado e cuidar do material. Isso permitiu que todas manuseassem as
histórias, criando as noções de como se comporta um leitor de quadrinhos. Na etapa
seguinte, Marcelo organizou uma leitura coletiva. Com a ajuda de um retroprojetor, ele
reproduziu algumas histórias em transparências para a turma perceber detalhes da
paisagem e dos personagens. No fim de cada projeção, Marcelo lia o texto na íntegra
para todos entenderem a ordem seqüencial.
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Conteúdos
Desenvolvimento
3ª etapa Para a leitura compartilhada, distribua exemplares do mesmo gibi para que
todos possam acompanhar a história individualmente, em duplas ou trios. Depois que a
turma tiver um bom repertório, escolha uma das histórias, recorte os quadrinhos e
embaralhe-os. Organize a sala em grupos e distribua um montinho com uma seqüência
79
CONTATO
EMEI Sonho de Criança, R. José de Moura Resende, 650, 17580-000, Pompéia, SP,
tel. (14) 3405-1503
BIBLIOGRAFIA
Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula, Angela Rama e outros,
160 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 25 reais
Houve tempo em que levar revista em quadrinhos para a classe valia repreensão e
castigo e o aluno ainda se arriscava a perder o gibi. Pois a professora Cynthia Nagy, do
Colégio Mopyatã, na capital paulista, fez exatamente o contrário: usou o material
preferido de seus alunos da pré-escola para animar suas aulas de Português e
Educação Artística. "Enquanto eram alfabetizadas, as crianças aprenderam as
características desse tipo de linguagem e, no final do ano, estavam desenhando e
escrevendo histórias", relata Cynthia. "As revistas têm a particularidade de unir duas
formas de expressão cultural: a literatura e as artes plásticas", analisa a professora.
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• Produção de texto
Reportagens
Galeria
Investigando os balões
A pesquisa foi uma constante no projeto. Um dos primeiros itens investigados pelos
alunos foram os balões. As crianças recortaram das revistas vários tipos, como os de
fala, pensamento, sonho, amor, grito, cochicho e uníssono. Em seguida, estudaram o
que eles continham. Viram que, além de palavras comuns, traziam onomatopéias ou
mesmo um simples desenho. "Tudo o que as crianças descobriam era socializado com
os colegas nas discussões em roda", diz Cynthia.
Ao trabalhar com revistas na sala de aula deixe claro para seus alunos o seguinte: não
é necessário fazer desenhos e textos maravilhosos.
"Os quadrinhos têm uma linguagem própria e o mais importante é entender seus
códigos", afirma Marcelo Campos, um dos quatro profissionais que cuidam da Fábrica
de Quadrinhos, núcleo de produção e ensino dessa técnica localizado em São Paulo.
Os artistas dão uma aula prática sobre o processo de produção de uma revista.
Primeiro, instigam a turma a criar os personagens. Depois, lançam um mote. Enquanto
os alunos inventam a história coletivamente, os profissionais esboçam o desenho.
"Sempre alertamos a turma para a necessidade de respeitar o perfil que eles mesmos
deram aos personagens", diz Marcelo. As palestras, gratuitas na Grande São Paulo,
são agendadas de acordo com a disponibilidade da equipe. Confira no quadro ao final
da reportagem o telefone para informações.
O projeto, apesar de não ter sido o único em Português, teve grande influência na
alfabetização da turma. "No final do ano, apenas dois alunos não estavam
alfabetizados", festeja Cynthia. Os erros dos textos, ainda freqüentes, não foram
corrigidos por ela. "A escrita só era melhorada até o ponto em que a criança tinha
condições de chegar", explica Regina Scarpa, coordenadora pedagógica do Colégio
Mopyatã.
Antes que fosse ao laboratório de informática, porém, a professora levou a classe para
ver uma peça de teatro baseada no mesmo livro. De acordo com Waldomiro Vergueiro,
da USP, é importante oferecer aos alunos o contato com várias linguagens. "Eles
percebem que uma mesma mensagem pode ser transmitida de diferentes maneiras e
que não há uma mais nobre que a outra", conclui.
CONTATOS
Colégio Mopyatã - Av. Giovanni Gronchi, 4000, São Paulo, SP, CEP 05724-020, tel.
(0-11) 3744-2571
Colégio Montessori Santa Terezinha - R. Farjalla Koraicho, 51, São Paulo, SP, CEP
04321-130, tel. (0-11) 5011-1022
Waldomiro Vergueiro - Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, São Paulo, SP, CEP
05508-990, tel. (0-11) 818-4324
Maria José Nóbrega - R. Ribeiro do Vale, 183, São Paulo, SP, CEP 04568-000
Fábrica de Quadrinhos - Av.9 de Julho, 3265, São Paulo, SP, CEP 01407-000, tel. (0-
11) 884-8867
BIBLIOGRAFIA
O Mundo das Histórias em Quadrinhos, Leila Rentroia Lannone e Roberto Antônio
LAnnone, Modema, tel. (0-11) 6090-1500, 13 reais
Era uma vez... O maravilhoso mundo dos contos de fadas e seu poder de formar
leitores
Era uma vez um garoto pobre e feio que queria ser ator. Uma de suas poucas alegrias
era assistir histórias populares encenadas pelo pai, que era sapateiro, em um teatrinho
feito de papelão. Quando o pai morreu, o sonho do menino ficou mais distante, já que
ele teria que sustentar a família. Um dia, o garoto partiu para bem longe e passou fome
e frio até conhecer um homem que pagou seus estudos e viagens pelo mundo. O
menino não se tornou ator, mas ficou rico e famoso escrevendo histórias infantis.
Vídeos
Planos de aula
É fácil reconhecer um conto de fadas. Animais que falam, fadas madrinhas, reis e
rainhas não podem faltar, assim como a introdução "era uma vez". As narrativas se
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passam em um lugar distante — "muito longe daqui" — e têm personagens com nomes
comuns ou apelidos, como João e Chapeuzinho Vermelho. Esses elementos facilitam a
memorização e tornam a narrativa apropriada à oralidade. "No conto maravilhoso, o
leitor é transportado para um mundo onde tudo é possível: tapetes voam e galinhas
põem ovos de ouro. Essa é a magia da fantasia", explica Lilian Mangerona Corneta
Rotta, mestre em literatura pela Universidade Estadual Paulista.
Para a escritora Ana Maria Machado, os contos de fadas pertencem ao gênero literário
mais rico do imaginário popular. "Essas histórias funcionam como válvula de escape e
permitem que a criança vivencie seus problemas psicológicos de modo simbólico,
saindo mais feliz dessa experiência."
A idéia foi difundida após a divulgação dos estudos do psicólogo austríaco Bruno
Bettelheim (1903-1990). Para ele, nenhum tipo de leitura é tão enriquecedor e
satisfatório do que os contos de fadas, pois eles ensinam sobre os problemas interiores
dos seres humanos e apresentam soluções em qualquer sociedade. Ou seja, a fantasia
ajuda a formar a personalidade e por isso não pode faltar na educação. "A criança
aumenta seu repertório de conhecimentos sobre o mundo e transfere para os
personagens seus principais dramas", diz a terapeuta Mariúza Pregnolato Tanouye, de
São Paulo.
A leitura das histórias no passado tinha mais um propósito muito claro: apontar padrões
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sociais para as crianças. O objetivo das moças ingênuas era encontrar um príncipe,
como mostrado em A Bela Adormecida e Cinderela. Em A Polegarzinha, de Andersen,
a recompensa final da protagonista, Dedolina, também era o casamento. Já garotas
desobedientes, como Chapeuzinho Vermelho, deparavam com situações dramáticas,
como enfrentar o Lobo Mau. Essa história tinha forte caráter moral na sociedade rural
do século 17: camponesas não deviam andar sozinhas. "Isso mostra como os contos
serviam para instruir mais que divertir", afirma Mariúza.
Por que histórias de reis e rainhas e de moçoilas à espera de um príncipe ainda fazem
sentido hoje em dia? "Os contos são um patrimônio da humanidade. Eles foram
escritos em outra época e a criança consegue compreender isso. Clássicos são
clássicos porque se perpetuam, e as obras infantis devem ser respeitadas como a
literatura para adultos", diz Katia Canton. Ela explica, no entanto, que as histórias
mudam de acordo com a cultura e a época. Canibalismo e incesto, por exemplo, foram
retirados de histórias antigas. Na versão original de Chapeuzinho Vermelho, o Lobo
devora a Vovó e a própria Chapeuzinho, e o Caçador não existe. A vida da menina foi
poupada na versão dos irmãos Grimm.
Os contos de fadas não devem ficar restritos às séries iniciais. Na adolescência, esse
tipo de leitura contribui para a formação de alunos leitores e críticos. Na Escola Novos
Caminhos, em Santos (SP), alunos de 5ª a 8ª série também lêem os contos durante as
aulas. Ada Priscila da Silva, professora de Língua Portuguesa, pede para cada aluno
levar um livro de casa e relembrar momentos de leitura com os pais. "Eles se
emocionam e contam fatos significativos vividos em família e proporcionados pela
leitura. É um estímulo para os estudos de literatura." Quais personagens mais
marcaram a vida dos jovens? Os alunos respondem e justificam as escolhas com uma
redação. Os campeões são o Lobo Mau, o Soldadinho de Chumbo, Branca de Neve e
Cinderela — os adolescentes traçam um paralelo com os políticos atuais e com as
cobranças dos padrões sociais.
OS CONTOS DE GRIMM, tradução de Tatiana Belinky, 288 págs., Ed. Paulus, tel. (11)
3789-4000, 54 reais
RAPUNZEL, tradução de Maria Heloisa Penteado, 16 págs., Ed. Ática, 15,90 reais
lareira junto com sua amada. Trata-se do primeiro conto totalmente criado por
Andersen. A história não tem um final feliz.
Bibliografia
A PSICANÁLISE DOS CONTOS DE FADAS, Bruno Bettelheim, 366 págs., Ed. Paz e
Terra, tel. (11) 3337-8399, 49,50 reais
COMO E POR QUE LER OS CLÁSSICOS UNIVERSAIS DESDE CEDO, Ana Maria
Machado, 146 págs., Ed. Objetiva, tel. (21) 2556-7824, 29,90 reais