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Elizabeth Oldfield
Julia 385
PROJETO REVISORAS
CAPÍTULO II
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
Nunca deveria ter citado aqueles nomes, fora uma enorme imprudência.
Passou o resto do dia preocupada, com medo de que Edward pudesse começar
a fazer perguntas. Como poderia explicar seu desabafo? Não seria fácil. Ele era
esperto, muito esperto. A única esperança era de que suas palavras fossem
esquecidas.
Quando ele ligou, alguns dias mais tarde, para discutir pontos dos
programas, receou que o assunto voltasse à baila. Mas ele se limitou a tratar
de trabalho. Aliviada, viu que seu desabafo não tinha sido levado a sério. E
isso a deixava mais tranquila.
Na segunda semana, Edward conseguiu algo que parecia impossível na
administração de Norman Harding: fazer com que toda a equipe que
trabalhava na rádio se entusiasmasse. Os comentários maldosos e mal-
humorados deram lugar a elogios. Pouco a pouco, todos começavam a sentir
que um trabalho bem-feito poderia proporcionar satisfação e alegria.
Sempre haveria uma ovelha negra, e esta parecia ser Lennie. Havia
momentos em que ele se rebelava, e outros em que obedecia sob protestos,
mas de vez em quando se via obrigado a admitir que as mudanças estavam
sendo para melhor.
De sua parte, Isabella achava contagiante o dinamismo do xeque. Desde
que obtivera carta branca para os novos programas, ela disparou a trabalhar.
Já não se sentia frustrada, não havia mais tempo para as incontáveis xícaras
de café que tomava antes. Agora estava ocupada da manhã até a noite, pois,
além de seu trabalho de locutora, dava telefonemas, pesquisava fatos,
estudava a história do Golfo e procurava assuntos de interesse. Uma ideia
puxava outra e ela estava tão envolvida por tudo que mal lhe sobrava tempo
para se preocupar com Nigel Dutton.
— Qual é seu próximo passo nos programas sobre a indústria de pesca? —
Edward perguntou.
Estavam na sala da diretoria, em meio a uma das reuniões regulares que
mantinham periodicamente.
— Falar com alguns pescadores, mas para isso preciso de um intérprete.
Acha que posso encontrar uma mulher daqui para me ajudar?
— Por que uma mulher? — ele perguntou, intrigado.
— Porque ainda não falei com mulher alguma de Ras-Al-Khan desde que
cheguei e achei que seria interessante.
— Desculpe-me, mas acho que não será possível. Pouquíssimas mulheres
trabalham por aqui. Quase se pode contá-las nos dedos.
— Elas preferem ficar em casa? — Isabella perguntou.
— Sim, mas nem por isso deixam de estar bem informadas. Minha
cunhada, por exemplo…
Ele se interrompeu ao perceber que estava dando detalhes familiares a
um empregado. Parecia arrependido. Nos últimos encontros, entrava em
assuntos pessoais com certa regularidade e Isabella compreendia. Ela também
estava confusa quanto ao relacionamento entre eles. De um lado, pareciam ter
ideias semelhantes, acreditar nas mesmas coisas; por outro mostravam-se
como que separados por milhões de anos-luz. Às vezes ela se esquecia de que
aquele homem era diferente dela em muitos aspectos. Quem seria Edward?
Um jovem europeu ou um xeque árabe? Era difícil saber.
— Quanto ao intérprete — ele continuou — tenho um primo em segundo
grau que gosta de praticar seu inglês. É só me dizer quando e onde precisa de
ajuda, que eu mando Abdullah. O rapaz tem dezoito anos e uma queda
especial por mulheres de olhos azuis, por isso cuidado…
— Está com medo que eu seduza seu primo? — perguntou, indignada.
— Acho que é mais perigoso Abdullah seduzir você — ele respondeu, frio.
— Mas não quero que ele faça uma tolice qualquer, como se apaixonar por
uma estrangeira, por exemplo.
— E por que não? A voz de Isabella soou fria como gelo. Tinha vontade de
lhe lembrar que metade dele também era estrangeira. Mas claro, o Edward que
falava com ela naquele instante era totalmente árabe!
— Porque ele deve se casar no ano que vem.
— Um casamento arranjado?
— É esse o costume.
— “Todos” os casamentos em Ras-Al-Khan são arranjados?
— Acha que eu deixaria que escolhessem uma noiva para mim?
Ela não sabia o que responder. Ele poderia estar querendo dizer que seu
casamento com Shamsa não tinha sido arranjado, que tinha escolhido a prima
por conveniência própria. Observando-a com atenção, ele prosseguiu:
— Diga-me uma coisa. Por que decidiu trabalhar em Ras-Al-Khan?
— Eu… bem… como experiência pessoal.
— Mas não faz sentido escolher uma rádio ainda em formação, em termos
de carreira.
— Queria alargar meus horizontes — continuou ela, pensando ter achado
uma boa resposta.
— Não alarga seus horizontes trabalhando num buraco. Quando mostrar
seu currículo, dizendo que trabalhou na Rádio Ras-Al-Khan, ninguém vai dar
valor a isto.
Ele tinha razão, mas Isabella se recusava a admitir qualquer coisa que
depusesse contra ela. Declarou, então:
— Trabalhar aqui é um desafio. É completamente diferente de tudo o que
fiz antes e estou gostando da experiência de morar num país estranho. Desde
criança, sempre adorei viajar, ver lugares novos, conhecer outras pessoas e…
— Por favor, pare de enfeitar os fatos e responda a minha pergunta — ele
ordenou.
— Eu queria ganhar dinheiro; um bom dinheiro — ela replicou, vendo que
não havia outro jeito, senão contar a verdade.
— Foi o que Jerry Thompson disse.
— Falou com Jerry Thompson? — sentia-se alarmada.
— Sim. O nome dele estava em sua ficha para referências e lhe telefonei
ontem. Estava tentando descobrir por que veio para cá. Afinal, você é uma
profissional mais qualificada do que a maioria de seus colegas. A começar por
Norman Harding, que não tem capacidade para assumir uma posição de chefia.
— Não compreendo como ele esteve à frente da rádio todo esse tempo —
ela comentou, aproveitando a oportunidade para mudar de assunto.
— Até bem pouco tempo, ninguém em Ras-Al-Khan tinha conhecimento
necessário para compreender como a programação é medíocre. E, para falar a
verdade, temos tido assuntos mais urgentes para tratar do que rádio. Mas,
com o grande desenvolvimento do país, vimos que não tínhamos pessoal
preparado para uma série de funções. Os estrangeiros foram trazidos para
suprir esta deficiência, mas nem todos fizeram o que precisava ser feito. Aos
poucos iremos recolocando o trem nos trilhos. Sempre há problemas de
adaptação para alguns funcionários; outros têm bastante boa vontade, mas
nenhuma iniciativa. Precisam ser guiados e acompanhados de perto. Outros,
enfim, como Lennie… — Edward parou. — Bem, ele é um caso especial. É
ótimo, desde que não esteja de mau humor, mas… Toda vez que sorri para
mim, tenho a impressão de que esteja aprontando alguma surpresa
desagradável. Por falar nisso, cuidei para que os programas dele sejam todos
gravados, nenhum ao vivo; ele costuma soltar demais a língua e isso pode
trazer complicações…
A ameaça estava no ar, e Isabella podia adivinhar o que aconteceria se
Lennie saísse muito da linha: o próximo passo seria em direção ao aeroporto,
sem volta.
— Acho que Lennie trabalharia bem se… se alguém lhe abrisse os olhos —
disse, assumindo uma posição de defesa, como fazia antes com o marido.
— Isso é meio difícil. Mas vamos falar de você. Jerry Thompson assegurou
que é criativa e eficiente; isso eu já sabia. Disse que se fosse trabalhar na
equipe dele em Londres, como ele queria, logo teria chegado a uma posição de
destaque. Você me faz lembrar Lauren.
— Lauren? Quem é?
— A produtora de televisão de quem lhe falei.
— Ah!
— Não diga “Ah!” com essa cara de quem não aprova. Lauren é muito
inteligente. Todos admiravam sua eficiência e o jeito objetivo de trabalhar.
Pois é — ele disse, perdido em lembranças — foi isso que me atraiu para ela
no princípio. Ela deixou bem claro que não se importava com minha posição ou
meu dinheiro. Nunca tentou me usar.
— Outras pessoas tentam?
— Tentavam. Você não sabe quanta gente pensa que posso realizar todos
os seus sonhos — ele comentou com desprezo. — Principalmente mulheres. Já
houve tempo em que eu queria me casar com uma europeia ou americana,
mas agora acho que devo fazê-lo com alguém de Ras-Al-Khan. Ocidente e
Oriente são muito diferentes. É impossível unir os dois.
Isabella não concordava. Como ele podia dizer tudo aquilo quando tinha
sangue ocidental e oriental nas veias? Onde estaria querendo chegar?
— Mas nos entendemos bem juntos — ela protestou. Em seguida achou
melhor completar — aqui, com o trabalho da rádio.
— De certo modo.
— Não acha que está se contradizendo? Diz que Oriente e Ocidente não
podem se unir, mas… sentiu-se atraído por Lauren.
— Isso foi no passado.
— Mas agora abriram seus olhos? — sua voz soou áspera. Edward mudou
de assunto imediatamente.
— Jerrry achou que você estava destruindo sua carreira ao se enterrar
aqui.
— Bobagem. Acho que poderei abrir meus horizontes em Râs-Al-Khan,
conhecer pessoas de países diferentes e aprender muito sobre os diferentes
estilos de vida desta gente daqui.
Isabella não estava gostando do rumo da conversa. O que mais Jerry teria
dito? O fato de que tinham investigado sua vida a deixava preocupada, embora
ninguém soubesse o verdadeiro motivo de ela ter aceitado aquele emprego.
— O salário foi a razão mais forte para vir parar aqui? — Edward insistiu,
franzindo as sobrancelhas. — De qualquer modo, você não estaria em má
situação em Londres. Ganharia muito bem, para uma pessoa de sua idade.
— Eu precisava de mais. Você não entenderia.
— Acha que não?
Por um instante, pensou que ele poderia entender, mas continuou com
uma risada:
— Desculpe, mas acho que não.
— Não quer experimentar?
— Não, obrigada — respondeu, com certa frieza. — Como você mesmo
disse, Oriente e Ocidente não se misturam. Em certos assuntos você e eu… —
ela disse, fazendo um gesto com a mão e fechando os olhos para dizer que não
havia jeito.
A expressão do rosto de Edward mostrava claramente seu desagrado por
ser colocado à margem. Já ia protestar, quando alguém bateu à porta,
desviando sua atenção.
— Tdala — ele comandou.
Sorriu, quando um homem de vestes brancas e barba negra entrou na
sala. Isabella reconheceu logo o irmão de Edward, o xeque Karim, que abraçou
o irmão com afeto.
— Até que enfim achei você!
Aquela manifestação de bom humor e carinho a comoveu, chegando a
sentir uma pontinha de inveja. Lembrou-se do seu relacionamento com Meg.
Mas não ter contado toda a verdade sobre sua vida pessoal à irmã tinha criado
certa barreira entre elas, apesar do amor fraternal que as unia. Seu
relacionamento com a mãe também se deteriorara há muito tempo.
Quando esta se casou pela segunda vez, depois de anos de viuvez,
Isabella recebeu bem o padrasto no seio da família, o mesmo não aconteceu
quando chegou a vez de Douglas, que não foi bem-vindo. A mãe logo lhe
atribuiu mil defeitos, prevendo problemas e se afastando do jovem casal.
Mesmo agora, quando já fazia quase um ano que o genro morrera, a mãe de
Isabella ainda não conseguia dizer uma palavra de elogio em relação a ele.
Feitas as apresentações, o recém-chegado perguntou sorrindo a Isabella.
— Meu irmão não está deixando as rédeas curtas demais? Ele tem jeito de
quem gosta de usar o chicote.
— Ainda não fui castigada — disse Isabella com bom humor. Achava que
poderia gostar do xeque Karim. Mesmo sendo a mais alta autoridade do
governo, não era nem um pouco afetado; ao contrário: sorria com sinceridade
e simpatia.
— Ouvi dizer que está organizando uma série de programas sobre Ras-Al-
Khan. Gostaria de saber mais sobre eles — Karim pediu.
Isabella falava de seus projetos quando um rapazote entrou, trazendo um
bule de café fresco e cheiroso.
— Ah, pelo menos alguém tem consideração por mim — Karim brincou. —
Quando Edward veio ficar em minha casa eu imaginava, inocente, que
poderíamos ter longas conversas à noite. Mas parece que ele prefere conversar
com a máquina de telex. O homem não foi feito para trabalhar vinte e quatro
horas por dia. Quando você se casar, vai ter de mudar seus hábitos, Edward,
nenhuma mulher…
— Tem mais alguma coisa que queira perguntar, sra. Swan? — Edward o
interrompeu. — Sabe, Karim, ela é uma pessoa bastante ocupada e já
tomamos muito do seu tempo.
A dispensa ficou bem clara. O xeque Karim ainda lhe ofereceu uma xícara
de café, mas Isabella preferiu uma retirada rápida.
Morta de sono, Isabella daria tudo para esquecer o despertador, rolar na
cama e voltar a dormir. Mas levantar junto com o sol parecia ser seu destino.
Mesmo nessa manhã, quando seus trabalhos na rádio só começavam ao meio-
dia, saiu bem cedo, passando na ponta dos pés ao lado do porteiro, que
dormia na recepção.
— Vamos buscar você às cinco e meia — Byron tinha dito. Com um lenço
cobrindo o cabelo cheio de rolos, ela olhava de um lado para outro. Na bruma
da manhã, achou que era a única pessoa a estar acordada naquele emirado.
Bocejou, espreguiçou-se, esperou e voltou a consultar o relógio. Quinze para
as seis. Pelo menos ninguém notava que estava ali, apesar de alguns
caminhões carregados de operários já passarem.
Estava parecendo uma extraterrestre com a cabeça cheia de rolos, e não
lembrava em nada a pessoa bem comportada e formal que lia o noticiário.
Usava um cafetã púrpura e calça larga, o que jamais lhe daria o título de uma
das “Dez Mais Elegantes do Ano”.
Dez para as seis. Uma gota de suor lhe escorreu pela testa. Ainda era
cedo, mas as temperaturas do Golfo geralmente beiravam os quarenta graus.
Com um grampo entre os lábios, enquanto arrumava um rolo que tinha se
soltado, lembrava-se da recomendação do fotógrafo. Ele queria que o cabelo
dela se parecesse com a “exótica e gloriosa juba de um leão”. Se Byron não
visse logo, não ia encontrar mais que um rabo de gato molhado!
Suspirou, aliviada, ao ver um microônibus surgir no horizonte e parar
guinchando à sua frente. Lá dentro já estavam outras duas belas modelos.
Byron, alto e magro, com roupas extravagantes, a cumprimentou. Ainda havia
outra mulher, uma americana gorda, sorridente, que era encarregada das
roupas e a quem chamavam de “Mama”. O veículo partiu em seguida, le-
vando-os até o porto.
Coberto pela neblina da manhã, o lugar estava transformado em algo
misterioso, onde passavam formas indistintas, marinheiros caminhando
vagarosamente, aves marinhas, embarcações …
— Rápido, rápido! Esta luz não vai durar muito! — Byron gritou, já
arrumando suas câmeras e as objetivas.
Todas entraram na cabina do barco, que tinha sido requisitada como
vestiário, além de servir de fundo para as fotos.
Isabella vestiu o conjunto de bermuda e top em estilo africano, foi
maquilada e penteada cuidadosamente pela “Mama”.
— Olhe, querida. Ficou bem como Byron queria! — disse esta, quando
acabou sua tarefa.
Apesar de todo o calor, o cabelo de Isabella estava armado e caía como
uma nuvem sobre seus ombros.
Byron fazia questão de conseguir o que queria e sabia como fazê-lo. A
timidez de Isabella diante das câmeras logo desapareceu. Ocupada demais
para pensar em si, obedecendo às ordens de Byron, deitou-se na proa, fez
cara de atenção atrás do leme, sentou-se de pernas cruzadas sobre enormes
caixotes que lotavam o navio. Depois de meia hora, o primeiro rolo de filme já
tinha chegado ao fim. Byron tratava cada foto como uma obra de arte. Tudo
tinha de estar perfeito. Aproveitava os restos da neblina, a cor de um lugar
específico, as tábuas gastas do deck para conseguir os efeitos que desejava. A
bruma se evaporou após alguns rolos de filme serem gastos. O céu agora
estava profundamente azul. O porto começava a ganhar vida e movimento.
As pessoas começaram a se aglomerar em volta do grupo. Primeiro foram
marinheiros de um barco próximo que se interessaram; depois outros homens
apareceram, com a pele profundamente queimada de sol e roupas típicas
exóticas. Um bando de garotos também chegou perto e todos se espichavam,
na ponta dos pés, para ver melhor o que estava acontecendo. Carros paravam,
cabeças apareciam pelas janelas. As pessoas paralisavam suas atividades,
naquele dia, para apreciar as belas moças em poses artísticas.
Quando, finalmente, as modelos vestiram os maios, que seriam para a
última série de fotos, Byron comandou:
— Vamos mudar o espírito, agora. É hora de sedução. Estiquem-se sobre
os colchões e pensem em algo bem sexy — continuou, arrumando os cabelos
de Isabella. — Imaginem o homem de seus sonhos vindo a cavalo do deserto e
morto de vontade de…
As palavras dele se dissolveram enquanto Isabella se apoiava sobre um
cotovelo e pensava em Edward, cavalgando um garanhão negro. Via-o com os
olhos da imaginação. E sonhava: um vento soprava forte, colando a túnica
branca sobre o corpo de Edward, realçando suas coxas musculosas e seu peito
forte. Ele pulava do cavalo e a tomava nos braços, carregando-a para uma
tenda. Tiraria sua roupa devagar, com carinho, e depois faria amor com ela,
sem pressa, com seu jeito maravilhoso.
— Vamos lá, vamos lá! — comandava Byron, outra vez. — Agora é hora
de champanhe e dança. Façam de conta que é champanhe de verdade.
Enquanto passavam as taças com refrigerante, Isabella pensava como era
perigoso ter pensamentos como os que acabara de fantasiar.
A eficiente “Mama” ajudava a criar o clima e logo ligou um gravador
portátil, enchendo o convés de música. Quando as moças começaram a
dançar, a platéia improvisada gritou e aplaudiu. Isabella dançava,
descontraída, achando muito agradável tomar alguma coisa fresca, com todo
aquele calor, mesmo que fosse simplesmente um refrigerante, servido em
lindas taças de champanhe…
De repente, uma das modelos, chegando perto dela, murmurou:
— Não quero assustar você, mas está vendo aquele carrão azul? Aquele
sem placas, o que quer dizer que é alguém da família que governa este lugar.
Parece que a realeza nos pegou em flagrante. Byron, Byron, pare com tudo!
Byron, porém, estava muito ocupado com suas lentes e câmeras para
perceber. Isabella olhou por cima da multidão, seguindo a direção que lhe fora
indicada, até ver um BMW azul-marinho estacionado na beira da estrada. Pelos
vidros escuros, se percebia que havia um só homem com túnica branca lá
dentro.
— Quem é? — perguntou, baixinho.
— Não sei. Deve ser algum xeque, talvez até o grande Ahmad. Byron,
pare, pelo amor de Deus! Estão nos espionando! — Chrisay implorou.
— É a polícia? — ele perguntou, espantado.
— Não, é algum “poderoso chefão”, e talvez isso seja bem pior!
Assustados, correram todos para a cabina. Byron repetia:
— Não se assustem, não há problema. Deve ser algum xeque mais jovem,
que gosta de apreciar belas formas femininas. Vocês conseguiram alegrar o dia
dele.
— Pois sim! Vou me lembrar de dizer isso ao juiz quando ele for decidir
quantos anos de cadeia vai me dar! — a modelo resmungou, vestindo-se o
mais depressa que podia.
Cadeia! As pernas de Isabella tremiam. Uma das ameaças favoritas de
Nigel Dutton era cadeia. Não, não podia sofrer a mesma pressão em Ras-Al-
Khan. Logo ela, que sempre se orgulhara de ser uma cidadã honesta, que
obedecia às leis! Mas parecia que o destino estava disposto a colocá-la atrás
das grades, de um jeito ou de outro. Reviveu a cena: três garotas com maios
provocantes, dançando em frente a uma multidão de homens
desascostumados àquilo.
Agora sabia porque devia ter atendido a seu bom senso e recusado o
convite para as fotos. Para o diabo o dinheiro extra! Tinha sido louca em
aceitar, especialmente porque Byron fazia parte da turma dos desmiolados
amigos de Lennie. Na noite anterior, Bob tinha dito que não aprovava que ela
se envolvesse no “circuito” de Lennie. Edward também tinha sido contra as
atividades fora da rádio. Por que não tinha ouvido? Preocupada, jogou seus
objetos dentro da sacola. E se o árabe por trás do vidro escuro fosse Edward?
Como reagiria? Será que a mandaria embora? Ou a jogaria na prisão? Sim,
aquele seria um bom modo de provar o quanto estava a favor das tradições
árabes: punir uma garota européia por desobediência às leis!
Se ao menos se lembrasse da marca do carro dele! Mas será que ele iria
perder seu tempo com um show daqueles? Era um homem de ação, não um
voyeur.
Isabella sentiu um frio no estômago. Ele podia estar agindo com
indiferença nos últimos dias, mas às vezes, quando olhava para ela,
demonstrava sensualidade e paixão. Sua cabeça podia dizer que as mulheres
européias não serviam, mas seu corpo o desmentia. Na verdade, existia uma
espécie de eletricidade entre eles, algo que fazia com que um despertasse
desejo no outro.
“Tente ser fria e racional”, disse para si mesma. “Afinal, a família é muito
grande, cheia de parentes, xeques que são primos de primos de primos. E
também não são os únicos a usar placas especiais nos carros; altos
funcionários do governo também têm esse privilégio. O BMW poderia ser de
qualquer um entre duzentas ou trezentas pessoas. Ora, Isabella, é bobagem
pensar que justamente Edward estivesse ali. Como Byron disse, podia muito
bem ser um frangote, achando tudo aquilo uma tremenda curtição!”
Quando voltou ao deck, procurou o carro com os olhos, mas ele já tinha
desaparecido. A multidão também já estava se dispersando, agora que não
havia mais garotas de maio para olhar. Carros se afastavam, marinheiros
voltavam ao trabalho e os garotinhos corriam, rindo. Quando o ônibus partiu, o
porto tinha voltado ao normal.
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
Agora que tinha conhecido o sabor dos beijos dele e a sensação provocada
por suas carícias, Isabella achava impossível tirar Edward da cabeça.
Divagava, indo de um extremo a outro num piscar de olhos. Desejava poder
afastá-lo de sua mente e de sua vida de uma vez por todas. Detestava o poder
que exercia sobre ela e tudo que acontecera entre ambos. Odiava Edward.
Não, gostava dele; mas jamais teria coragem de pensar em amor. Estava
confusa.
Depois do incidente no palácio, Edward fazia o possível para não ficarem a
sós. Agora, quase todos os contatos que tinham eram por telefone e, quando
se encontravam, era sempre na presença de outras pessoas. Isabella admitia
que ele tinha juízo, nesse caso. Mas teria o mesmo bom senso em outras
ocasiões? Podia um homem ajuizado se casar sem ser por amor?
A chance de descobrir tudo isso surgiu quando passou certa manhã com
Abdullah. Era um rapaz sorridente, com grandes olhos negros e uma barba
bem cuidada. Mostrou muito charme e simpatia ao servir de intérprete para
ela. Acompanhou-a com paciência nas entrevistas com os nakhodas, mestres
dos barcos de pesca.
— Vamos tomar alguma coisa num lugar com ar condicionado — ele
sugeriu, quando acabaram o trabalho.
— Não podemos ficar mais um pouco aqui? — ela pediu.
Abdullah estava pronto para tomar o jipe e a retornar à cidade, mas,
cortês, concordou em enfrentar o sol ardente mais um pouco. Levou-a até um
bar de instalações simples e nome pomposo: Hotel Qurayyah. Em meio à
conversa, declarou:
— Vou me casar no ano que vem. Ela se chama Fátima.
— Parabéns. Não se importa com o fato de o casamento ter sido um
arranjo das famílias? — foi a pergunta ditada por seu faro jornalístico. Era uma
oportunidade para conhecer os costumes do país.
— Por que me importaria? Isabella ficou realmente espantada.
— Não preferia ter escolhido sua esposa sozinho?
— Ah, não. Minha família sabe exatamente o tipo de moça que é melhor
para mim. Acho que eu próprio não seria capaz de escolher melhor. Os pais de
Fátima se dão muito bem com os meus, e temos muita coisa em comum. Ela é
inteligente e, às vezes, muito engraçada. Está aprendendo a tomar conta de
uma casa e cuidar de um homem. Por que acha que eu escolheria uma
estranha?
— Por amor, quem sabe? — sugeriu, curiosa com a reação que
provocariam suas palavras.
— Está falando em atração física, desejo sexual?
— Sim. Isto faz parte do amor.
— É só uma parte. Quando eu me casar, vai ser para sempre. O sexo tem
sua importância, é claro, mas também deve se pensar em respeito, afeição e
companheirismo. O amor tem várias formas — falava com convicção e firmeza.
Isabella concordou, espantada pela maturidade do rapaz. Lembrou-se do
próprio casamento e franziu a testa. Cada vez que se recordava disso, seu
coração voltada a sangrar.
— Os casamentos por aqui geralmente dão certo — ele continuou. — Há
bem poucos divórcios. Como as uniões são feitas com bom senso, conservam-
se fortes e estáveis, e nossas crianças crescem com segurança. Quase não há
lares desfeitos. Sabemos bem quais são as coisas mais importantes para nós.
— Pretende ter mais de uma esposa?
— Está escrito que as esposas devem ser tratadas com igualdade.
Sustentar uma esposa já custa um bocado; duas seria impossível — ele riu. —
Ao contrário do que vocês imaginam na Europa, os muçulmanos raramente
têm mais de uma esposa, hoje em dia. Os infiéis têm idéias erradas sobre
nós…
— Eu sou uma infiel? — ela perguntou, achando graça.
— Sim. Você e Edward. Não seguem o Corão…
— Edward?
— Ele precisa aceitar a fé do Islã antes de poder se casar com Shamsa,
senão…
— Senão… o quê?
— O tempo passa e ele continua solteiro. Ainda não mandou construir
uma casa para ele e a noiva. O xeque Sarur já anda aborrecido. Há anos vem
tentando casar suas filhas com Edward. Foi assim com a primeira, a segunda e
a terceira. Shamsa é a quarta tentativa e a última. Se ele escapar desta vez…
— Abdullah terminou, caindo na risada.
— Acha que poderá desistir?
— Desta vez, creio que não. Antes, ele morava fora e sofria outras
influências, mas agora que está vivendo em Ras-Al-Khan, não vai ser fácil
escapar. E também acho que não pretende fazê-lo.
— Shamsa é bonita? — Isabella perguntou, jurando a si mesma que não
estava interessada.
— É a mais bonita das irmãs. Vai ser uma esposa devotada. Adora
Edward.
— Mas por que o xeque Sarur faz tanta questão de ter Edward como
genro?
— Por que ele está destinado a ter um papel importante no futuro de Ras-
Al-Khan. Nosso ministro do Petróleo logo vai se aposentar e já apontam
Edward para sucedê-lo. Meu primo precisou batalhar muito para superar o
preconceito contra seu sangue estrangeiro, mas agora é respeitado e vai
longe.
— O sangue estrangeiro dele é importante? Afinal, o xeque Karim também
é mestiço.
— Não, Karim tem o mais puro sangue árabe! Edward é só meio irmão
dele. Pode alcançar altos postos no governo, mas nunca vai ser o governante
de Ras-Al-Khan, por causa do sangue infiel em suas veias.
Nesse ponto, Abdullah ficou vermelho, lembrando-se de que estava
conversando com uma “infiel”, como são chamadas, embora sem sentido
pejorativo, as pessoas que não seguem as leis sagradas islamitas.
— Não que o sangue seja ruim, mas o pai dele ofendeu nossos costumes
quando se casou com uma mulher européia — o rapaz revelou.
— O xeque Hamed teve duas esposas? — Isabella estava fascinada por
poder saber mais sobre Edward.
— Sim, mas não ao mesmo tempo. Ele se casou primeiro com uma sheika
de certo país vizinho. Ela morreu quando deu à luz Karim, que nasceu e foi
criado aqui — Abdullah se interrompeu para pedir mais um refrigerante. —
Quando Hamed fez trinta anos, cometeu um grande pecado: foi para a
Inglaterra e se casou pela segunda vez, com uma infiel.
— Por que ele foi para a Inglaterra?
— Para comprar os melhores cavalos para Ras-Al-Khan. Nós, árabes,
entendemos muito de animais. Mas lá ele conheceu a filha de um criador de
cavalos e fez a tolice de se apaixonar. O pai dele, nosso governante, não teria
se importado se ela fosse amante de Hamed, mas ele quis mesmo se casar
com ela. O velho, então, ficou furioso! Tentou fazer o filho mudar de idéia, mas
era uma briga de teimosos. Como não se aceitava que um árabe se casasse
com estrangeira, Hamed se afastou da família e de seu país. Estava tão
amargurado que jurou nunca mais voltar. Hoje em dia as pessoas já são mais
abertas e aceitariam um casamento misto, mas naquela época, não.
— Mas já faz algum tempo que Edward negocia o petróleo deste país, não
é?
— Apesar de Hamed nunca mais ter voltado, não desejava que o filho
perdesse seus direitos. O avô de Edward, Ahmad, também queria que o neto
participasse do desenvolvimento de Ras-Al-Khan. Quando era pequeno,
Edward foi aceito no seio da família Al Zahini, depois de muitas conversações
entre mediadores. Hamed não estava de acordo com a volta do filho. Acho que
era por orgulho.
Abdullah torceu o nariz e Isabella achou graça. O rapaz continuou :
— A morte de Hamed, há seis meses, derrubou os últimos obstáculos.
Parece que a mãe de Edward aprova que ele dedique sua vida a Ras-Al-Khan.
Acho que ela compreende que, adotando a nossa fé e casando-se com
Shamsa, ele redime os pecados do pai. A honra é uma coisa importantíssima
entre os árabes. Mas os preparativos para o casamento estão indo muito
devagar. Edward não concorda com uma porção de coisas e meu pai diz que…
Não completou a frase, achando melhor não revelar o que o pai dizia.
Pagou a conta e convidou Isabella para irem embora.
— Então, quando Edward deve se casar? — ela perguntou, caminhando
com o rapaz pela areia escaldante.
— Inshallah. Quer dizer, só Deus sabe — respondeu o rapaz.
Compreender os motivos de Edward não queria dizer que concordasse
com os caminhos que ele tinha escolhido, e as suas decisões não lhe diziam
respeito. Não podia interferir. Nem queria. Mas, nas semanas seguintes, até
terminar o período em que ele deveria dirigir a rádio, Isabella acalentava a
vontade de lhe perguntar se estava certo do que fazia. Qual teria sido a sua
reação se o fizesse? Talvez lhe respondesse, de modo bem claro, para cuidar
de sua própria vida e deixá-lo em paz. Mas o tempo passara e ela nada
dissera.
Agora Edward tinha ido embora. Esvaziara a grande mesa da sala da
diretoria, deixando Norman Harding terminar seu contrato de trabalho,
enquanto Mohammed Nasser assumia a direção geral. Assuntos ligados ao
petróleo exigiam sua presença. Antes de partir, porém, reunira os funcionários
para dizer o que tinha sido feito e o que esperava que se fizesse dali por
diante. Uma frase agradou Isabella de modo especial.
— O trabalho e a capacidade da sra. Swan têm sido de grande valor para
a Rádio Ras-Al-Khan.
Ao se lembrar dessas palavras, ela sorriu. Agora estava mais tranquila
quanto a seu contrato de trabalho. A lembrança das dívidas a serem pagas a
fez voltar para o motivo delas: seu passado, sua vida com Douglas.
Fazia então seis meses que estava casada quando, certo dia, fora ao
hospital onde o conhecera. Foi quando se encontrou com o cirurgião que tinha
operado o marido há um ano. Ela não conhecia bem o dr. Menzies, mas
lembrava-se dele dos tempos em que fazia um programa musical no hospital.
Mal sabia que naquele encontro teria a resposta para o comportamento de
Douglas, que a estava deixando aflita e desconcertada.
Depois de se cumprimentarem, o médico lhe dissera, preocupado:
— Precisa dar um jeito para que Douglas venha fazer seu check-up
regular. Ele perdeu o último e não está em condições de ficar fugindo assim
dos exames médicos.
— Que check-up”? Pensei que estava tudo… bem.
Estava espantada. Afinal a operação fora um sucesso, pelo menos era o
que Douglas afirmava.
— Oh, meu Deus, não! Quer dizer que não sabe… que ele não lhe contou…
Coitada! Venha até minha sala.
Lá, quando se sentaram, o médico a olhou por cima dos óculos e falou:
— Não posso lhe dar uma imagem cor-de-rosa, mas você me parece
madura e com juízo. O que não pode se dizer de seu marido. O que posso
fazer é lhe contar o que ele já devia lhe ter dito há muito tempo, antes de
pedi-la em casamento. A cirurgia que fizemos nele serviu apenas para
constatar que não há remédio para seus problemas cardíacos.
Se já não estivesse sentada, Isabella teria caído, tamanho foi o choque
que sentiu. Confusa, gaguejou:
— M-mas ele não p-parece doente. Às vezes fica um pouco pálido e
irritado, é verdade, mas achei que isso fosse porque tem trabalhado demais.
Está com uma firma nova e…
— Excesso de trabalho está fora de cogitação. Seu marido precisa se
cuidar, não se cansar fisicamente, não ter emoções fortes. Precisa de uma vida
tranquila, sem altos e baixos, se quiser ter ainda algum tempo de vida.
— T-tempo de vida? Quanto tempo de vida ele tem, doutor? perguntou,
angustiada.
— Se continuar como agora, sem se cuidar, sem fazer os exames de
rotina, talvez chegue a viver um ano.
— Só um ano?
— Se começar a viver tranquilamente, talvez tenha uns dois anos, quem
sabe três.
— Mas… Douglas sabe disso?
— Sim, ele mesmo veio me procurar depois da operação e insistiu para
saber toda a verdade.
— Oh, meu Deus! Douglas já é tão inseguro! Não, jamais seria capaz de
enfrentar esta… esta sentença de morte. Não é à-toa que ele está se
destruindo.
— Quer que eu faça alguma coisa?
— Não… acho que não… Preciso ir para casa, falar com Douglas — e
Isabella chorava, desconsolada.
Há muito tempo havia percebido que Douglas estava se destruindo, ou
melhor, agora, pensando bem, reconhecia que o comportamento do marido
sempre apresentara algo suspeito. Muitas vezes ela procurava uma desculpa
para encobrir-lhe os defeitos. Agora compreendia seu mau humor, sua
instabilidade emocional: estava vivendo um segredo terrível, um inferno
permanente. Como o dr. Menzies tinha dito, não era fácil falar no assunto.
Naquela noite, ela disse a Douglas, com toda a calma possível, o que tinha
ouvido do médico. Não perguntou por que ele não lhe dissera a verdade, já
que era tarde demais. Douglas precisava de seu amor e conforto, não de
palavras amargas.
— Olhe, Douglas, já pensei em tudo. Você vende a companhia de ônibus e
vamos viver do meu salário. Assim, sem tantas preocupações, você poderá
descansar mais.
Sentara-se no braço da poltrona em que ele estava, com uma mão em
seu ombro. Ele a afastou, levantando-se de um salto e olhando-a com raiva.
— Não quero a droga do seu dinheiro! E também não quero que sinta
pena de mim; não preciso disso, Isabella!
— Não é pena, é amor! — ela protestou.
— Não me venha com essa! Só casou comigo porque tinha pena de mim.
— Não é verdade!. Eu nem sabia que…
— Que eu ia morrer? Talvez não. Mas para você eu sempre fui um garoto
desajustado, e isso satisfazia seu instinto maternal. Ora, posso me virar muito
bem sem sua pena. E esqueça ests conversa de vender a companhia de
ônibus. Sei que sempre me achou péssimo para negócios. Agora vem com essa
bobagem só para ofuscar meu sucesso. Mas vou provar para você, para a
linguaruda da sua mãe, para todos, que não sou o fracassado que pensam!
Assustada com a palidez de Douglas, Isabella pediu:
— Por favor, acalme-se! Continue seus negócios, se quiser, mas diminua
as horas de trabalho. O dr. Menzies insistiu que você precisa fazer seus
exames e…
— E eu insisto para que você pare de se intrometer — Douglas gritou,
furioso.
— Só quero ajudar. Por favor!
— Pode ajudar muito, fechando a boca — disse, raivoso. — Não conte a
mais ninguém, nem à sua querida irmã Meg, sobre meu coração. Odeio
compaixão, não quero que sintam pena de mim. Jure! Jure por Deus que não
vai me trair! Nunca! Jure!
Sem saber o que fazer, ela jurou e Douglas caiu de joelhos em frente a
ela, chorando como um bebê. Pediu desculpas, prometeu que tudo ia melhorar
dali por diante, mas no dia seguinte já tinha voltado atrás. Disse que sua
saúde era assunto proibido entre ambos e saiu quando ela começou a
protestar.
Pensativa, Isabella comparou mentalmente Douglas e Edward: ambos
teimosos e obstinados. Só que o primeiro fracassara e o segundo conseguira
vencer os obstáculos e triunfar. Com ele, tudo estava bem.
Shamsa o amava, era bonita, jovem e estaria pronta para agradá-lo.
Talvez ele se apaixonasse por ela bem depressa… assim que dividissem a
mesma cama.
“Esqueça Edward'“, ordenou a si mesma. “Você não vai mais vê-lo. Ele
agora está nos Estados Unidos, negociando petróleo. Assim que voltar, deve
cuidar dos preparativos para o casamento. Afinal, Inshallah não quer dizer
'pode ser', mas 'vai ser', quando Alá desejar.
Considerou a própria situação: tudo estava correndo bem. Agora tomava o
máximo cuidado para não se envolver em atividades fora do seu trabalho na
rádio. Avisara Bob para arranjar outra datilógrafa para bater sua nova peça.
Recusara novas e tentadoras ofertas para posar novamente como modelo,
embora seu trabalho tivesse sido bastante apreciado, e Lennie insistisse em
que o incidente no porto não passara de um grande susto.
Nada comentou sobre o encontro que tivera com Edward, era assunto que
interessava apenas aos dois. E a raiva dele era somente contra ela; não
haveria prejuízo para mais ninguém.
Entretanto, não conseguia esquecer aquele corpo contra o seu, aquela
voz, aquele beijo…
Avaliava o quanto fora grande sua atraçâo naquela ocasião: mais um
gesto, mais um segundo e perderia todo o controle. Se ele tivesse decidido
fazer amor com ela, mesmo sobre o tapete, mal teria forças para resistir.
Tinha raiva dele por conseguir deixá-la tão submissa, mas, mais do que tudo,
sentia raiva de si mesma e de suas reações.
Refazendo as contas, viu que acabaria de pagar Nigel Dutton em dois
anos e meio. Seria muito bom não ter mais as garras daquele monstro para
atrapalhar, sua vida. Iria sentír-se livre como um passarinho! Poderia ir para
onde quisesse, fazer o que desejasse. Mas não era tão simples assim. Meg não
tinha falado em Nigel em sua última carta, mas isso não significava boas-
novas. Talvez ele estivesse ocupado com outra presa, ou outra aventura. Mas
será que se contentaria com os pagamentos mensais que lhe eram debitados?
Isabella resolveu parar de pensar em seus problemas e cuidar de seu
novo projeto: um programa sobre mergulhadores que procuram pérolas. O
telefone tocou. Era Mohammed Nasser, requisitando a presença dela. Quando
chegou ao escritório dele, ouviu-o elogiar, durante vários minutos, o programa
sobre pesca que ela produzira e que fora levado ao ar dois dias antes; depois
sorriu e disse:
— O que eu queria, mesmo, era pedir um favor. Diva está com caxumba e
Susan saiu de férias na semana passada.
— Diva e Susan da televisão? — ela perguntou, sem saber que rumos a
conversa estava tomando.
— Sim. E Clara, a outra apresentadora, ligou há dez minutos para dizer
que o filho foi atropelado. Não é nada grave, mas ela precisa permanecer ao
lado dele no hospital. Por isso… ficaria muito agradecido se pudesse fazer uma
substituição, só esta noite. Pelo que li em sua ficha, você já trabalhou num
programa educativo. Acho que não vai ter dificuldades.
— E se eu perder a voz, ou tiver uma crise? Meu trabalho na televisão foi
só por um mês e meio! E já faz tempo!
Falar atrás de um microfone, sem imagem, não era problema, mas, na
tela da tevê, qualquer falha ficava evidente!
— Tenho certeza de que você pode dar conta. A maior parte das notícias é
matéria filmada, com outros locutores. Com um pouco de ajuda, tudo irá bem.
É uma boa oportunidade para ampliar seus horizontes.
— Não seria melhor que Bob ampliasse os horizontes dele? — ela
perguntou. — Acho que ele se sairia melhor do que eu.
— As notícias sempre são lidas por uma mulher e os espectadores gostam
que certas coisas sejam mantidas. Por favor, me ajude. Você está sempre tão
calma e segura!
— Bajulador!
— Então, vai me fazer este favor?
— Acho que sim — ela respondeu, sorrindo.
Sim, os brincos estavam no lugar e não iriam cair e fazer barulho na mesa
durante o noticiário. Sim, a gola do conjunto de linho estava em ordem e seus
dedos não tremiam muito. Isabella tossiu, passou a mão pelos cabelos para
ver se continuavam presos e tomou um gole de água. Faltavam dois minutos
para começar a transmissão e ela sentia a cabeça vazia. Não se lembrava de
mais nada do que tinha decorado. Até as frases, no papel à sua frente,
pareciam escritas em chinês. Quando abriu a boca para ensaiar a primeira
linha, a voz saiu rouca e trémula. Como podia pensar em tom e pontuação, se
nem a voz saía? Uma criança de cinco anos seria capaz de algo melhor. Tossiu
mais uma vez.
— Mais dez segundos. Deixem o vídeo pronto. Cinco segundos — alguém
anunciou. — A entrada do programa já está no ar. Dez segundos para entrar
imagem… Cinco, quatro, três, dois, um, no ar!
A câmera focalizou Isabella, que tentava sorrir.
— Boa noite. Aqui estamos com as notícias. Mas, primeiro, vejamos as
manchetes de hoje.
Como num passe de mágica, a profissional tomou conta dela. Preocupada
em ler as notícias com clareza, esqueceu o medo de espirrar, soluçar ou ter
uma mosca voando em frente ao nariz. Quando a primeira reportagem filmada
entrou no ar, ela relaxou um pouco. Até ali, tudo bem. “Acalme-se, garota”,
pensou. Tinha até conseguido ler os nomes estranhos de uma delegação da
Tailândia. O resto das notícias não apresentou problema.
— A equipe de notícias e eu, Isabella Swan, lhe desejamos boa noite —
concluiu, meia hora mais tarde, com um sorriso brilhante.
Quando a luz da câmera se apagou, encostou-se na cadeira, com um
suspiro de alívio. A tensão a tinha deixado com os ombros duros durante
aquela meia hora, mas agora sentia-se relaxada. Suas pernas estavam moles
e o coração batia acelerado. Sentia vontade de rir e chorar ao mesmo tempo.
Será que tinha feito tudo certo?
Alguém bateu palmas atrás dela. Era o operador de vídeo, que disse:
— Muito bem! Não foi tão difícil assim, foi?
Ela sorriu e se admirou quando elogios e cumprimentos começaram a vir
de todos os lados. O diretor de notícias, um americano gorducho, perguntou:
— Como se sente sendo estrela por uma noite?
— Achei pior que enfrentar a cadeira do dentista! — ela respondeu, rindo.
— Telefone para Isabella, urgente! — uma garota anunciou, da porta do
estúdio.
— Vá correndo, garota — o diretor de notícias disse. — Pode ser
Mohammed querendo lhe dar os parabéns, ou algum diretor de cinema
oferecendo o papel principal de um filme!
— Isabella Swan falando — ela disse, ao pegar o aparelho.
— Boa noite. É o secretário de sua excelência o xeque Edward falando,
senhora. Meu senhor gostaria de lhe falar.
Os elogios sobre sua transmissão a tinham acalmado, mas, ao ouvir o
nome de Edward, voltou a ficar tensa. Por que ele iria querer falar com ela dos
Estados Unidos?
— Pode chamá-lo — respondeu, nervosa.
— Ele quer falar com a senhora pessoalmente. Já mandei um carro ir
buscá-la nos estúdios da televisão. Deve chegar aí em dez minutos.
— Quer dizer que ele está em Ras-Al-Khan?
— Sua excelência voltou do exterior ontem. O motorista irá apanhá-la na
porta principal. Esteja lá.
Aquilo era uma pergunta ou uma ordem? Isabella ainda estava pensando
como responder, quando a ligação foi interrompida.
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
Discretos! Ainda estava muito embriagada pela força dos beijos dele para
perceber o significado daquela palavra. Só a compreendeu bem quando
acordou, na manhã seguinte. Discretos! Levantou a cabeça do travesseiro.
Longe do calor de suas carícias, o que havia entre eles ficava bem diferente.
Agora ela compreendia que o pedido de discrição de Edward significava uma
coisa: que ele esperava ter um caso amoroso e secreto com ela.
O árabe rico e a empregada não eram mais que um cliché, uma imagem
que a repugnava. Falar de seu compromisso com Shamsa tinha sido um
pretexto, parte do processo para convencê-la, envolvê-la; e como ela se
deixara envolver! Como tinha sido tola! Respirou fundo, pensando no que
poderia ter acontecido se Edward não tivesse se controlado. Sacudiu a cabeça,
furiosa. Nem precisava imaginar… já sabia.
— Até quinta-feira — ele tinha murmurado, levando-a pelos corredores
silenciosos do palácio, e ela, cega pela ingenuidade, não protestou.
Pulando da cama, foi depressa pegar a lista telefónica. Eram apenas sete
horas da manhã, mas não havia tempo a perder. Dez minutos mais tarde
constatava, confusa, que havia uma porção de números para o palácio, mas a
maioria só dava sinal de ocupado. Outros eram atendidos por pessoas que
falavam apenas árabe e outros não respondiam. Já estava perdendo as
esperanças quando, finalmente, conseguiu falar com o secretário de Edward.
— Gostaria de falar com o xeque Edward, por favor.
Sentiu-se perturbada logo em seguida, certa de que o homem suspeitaria
de uma chamada àquela hora da manhã. O que ela pensaria do papel dela na
vida de Edward? Sabia que ela tinha ido ao palácio na noite anterior, portanto
podia deduzir que era a amante do patrão. Será que o xeque agia assim com
outras mulheres? Nunca tinha ouvido nada sobre isso, mas Edward teria sido
discreto. Discreto! Ele provavelmente tivera uma temporada cheia de mulheres
na Europa e na América, e agora queria continuar uma vida sexual variada no
Oriente, casado ou não. Sempre ouvia contar que os xeques ricos procediam
assim habitualmente… E Edward? Seria diferente? Para deixar claro que sua
reputação estava acima de qualquer suspeita, ela disse:
— Preciso discutir um problema da rádio.
— Sinto informar que sua excelência saiu há uma hora para fiscalizar um
poço marítimo, senhora. Gostaria de deixar algum recado?
— Quer dizer a ele que a sra. Swan não vai poder comparecer à reunião
de quinta-feira, por favor?
— Pois não.
— Tem certeza de que ele vai receber a mensagem? — perguntou, não
querendo deixar margem para falhas.
— Absoluta, senhora. Já anotei seu recado. Sua excelência será informado
assim que chegar.
Isabella agradeceu e desligou. Será que devia mandar um bilhete, além
do telefonema, para ter certeza de que Edward compreenderia? Mas como se
sairia escrevendo? Como expressaria, de forma bem clara, que não pretendia
se tornar sua amante; que não desejava ser a protagonista fácil de mais um
caso amoroso? Acabou desistindo.
O dia passou agitado. Cada vez que o telefone tocava, no estúdio ou no
apartamento, sentia um sobressalto, com medo de que Edward a mandasse
chamar outra vez. Mas agora não atenderia o chamado dele, isso era certo.
Entretanto, ele não a procurou. Um dia se passou, depois mais dois, e ela
acabou achando que, refletindo mais seriamente, ele desistiria da idéia de
iniciarem um relacionamento íntimo. Edward não era nenhum bobo. Seu avô
poderia fechar os olhos para um romance fora do país, mas jamais perdoaria
algo do gênero em Ras-Al-Khan, principalmente quando o neto já estava
prometido a Shamsa. O calor do desejo poderia ter feito nascer a vontade de
manter um caso com ela, mas o bom senso devia ter falado mais alto. A
nenhum dos dois interessava um romance ilícito.
Sentindo-se segura outra vez, ela dedicou toda sua energia ao trabalho. O
segundo programa foi ao ar e recebeu elogios, o terceiro estava pronto, o
quarto precisava de retoques e o quinto… Quando a quinta-feira chegou, tudo
o que desejava era descansar. Dormiu até tarde, um luxo incomum, e acordou
com o quarto banhado pela luz do sol. Enquanto tomava seu suco de frutas,
pensava no que ia fazer. Resolveu nadar durante a manhã; depois do almoço
escreveria para várias pessoas com quem há muito tempo estava em falta.
Quando se preparava para sair, a campainha tocou. Devia ser Bob. Ele
tinha prometido ir buscar a máquina de escrever que ainda estava no
apartamento dela.
— Já vou!
Vestiu um robe de cetim azul e atravessou a sala, mas seu sorriso se
apagou quando abriu a porta. Lá estava Edward, com uma camisa esporte
xadrez e jeans. Com o coração aos saltos, ela gaguejou.
— E-eu cancelei n-nosso encontro. Telefonei para seu escritório e seu
secretário prometeu lhe dar o recado. Ele prometeu!
— E me deu o recado, mas você já deve ter notado que jamais aceito
“não” como resposta — ele disse, sorrindo. Depois, olhou para os dois lados do
corredor e pediu:
— Posso entrar? Sei que pouca coisa escapa aos olhos dos moradores
deste condomínio, mas preferia que eles não soubessem da minha visita.
Especialmente quando você abre a porta com tão pouca roupa.
Isabella arrumou o robe que marcava as linhas de seu corpo, fazendo com
que Edward a olhasse de alto a baixo, sem esconder seu interesse. Naquele
momento estava longe do senhor árabe distante: com aquela roupa, parecia
outro homem. Não exatamente outro homem, ela pensou, com um aperto no
coração, sem se atrever a olhá-lo de frente. Se deixasse se envolver pelo calor
daqueles olhos, pela curva sensual daquela boca ficaria sem defesa. Apesar de
seu corpo todo vibrar de desejo, devia seguir a razão e cortar qualquer
tentativa de relacionamento amoroso, antes que criasse raízes.
— Desculpe, Edward, mas não quero sair com você — disse com firmeza.
— Quer, sim.
— Talvez até queira, mas não vou.
— Por quê? Porque está com medo que a gente possa… começar um
romance? Um caso?
— Isso mesmo — admitiu, com um fio de voz.
Como podia ver tão bem dentro dela? Era incrível como podia adivinhar
seus pensamentos.
— Mas um caso também não me serviria. As consequências seriam
desastrosas. Acha que seria capaz de arriscar sua reputação e a minha? — ele
perguntou, pondo o dedo na testa como se fosse um revólver.
— Bem… não.
— Então confie em mim.
— Sabe muito bem que é loucura deixar que alguém nos veja juntos. Você
mesmo disse que os boatos correm.
— Certo. Mas você queria saber mais sobre a vida do Golfo, não é? Então,
hoje vamos ser apenas amigos trabalhando num programa de rádio. Não há
mal nisso. Nem vão saber que estamos juntos.
— Como? Todos conhecem seu carro! Agora mesmo deve haver alguém
nos seguindo — ela disse.
— Para que isso não acontecesse, emprestei o jipe de Abdullah.
— Mas vão reconhecer você!
— Com estas roupas, sou mais um na multidão.
Disso Isabella duvidava. Com sua personalidade forte e beleza máscula,
chamaria a atenção onde estivesse.
— Ainda assim, eu prefiro…
Edward a interrompeu, assumindo ares de príncipe todo-poderoso,
apontando para a porta do quarto.
— Imshil Vá se arrumar. E depressa! — Mesmo sem saber por que o fazia,
ela o obedeceu.
Cinco minutos mais tarde, reapareceu vestida e penteada com muita
simplicidade.
Para alívio dela, conseguiram descer no elevador e chegar ao
estacionamento sem encontrar ninguém conhecido, e, assim que subiram no
jipe, o medo de serem apanhados em flagrante desapareceu. Partiram.
Primeiro seguiram a estrada que acompanhava o rio. À medida que
Edward mostrava lugares interessantes e contava sua história, Isabella
começou a relaxar. A cidade foi ficando para trás, dando lugar ao deserto,
onde algumas plantas rasteiras lutavam para sobreviver. Mais alguns
quilómetros adiante, as dunas começavam a se formar, de um vermelho
dourado, onde não se via sequer a marca de pés. Depois de algum tempo, ela
disse:
— Espero que saiba onde estamos indo. Já faz algum tempo que não vejo
sinal de vida.
— Não se preocupe. Conheço este lugar como a palma da minha mão.
Mais à direita, há uma estrada de pista dupla que liga o oásis à cidade, mas
estamos indo pela estrada velha, que é mais interessante. Assim você pode ter
uma idéia de como eram as viagens pelo deserto, antigamente.
Tinha razão. Olhando as linhas curvas das dunas sob o sol quente, era
fácil imaginar uma caravana surgindo no vapor que subia da areia. Fazia calor
dentro do jipe, apesar do ar condicionado.
— Como andam as coisas na rádio após minha saída? — perguntou
Edward, depois de um longo silêncio.
— Parece que entraram nos eixos — ela confessou, sorrindo. —
Mohammed tem tudo sob controle. É rígido, mas tem uma boa visão das
coisas. Está assumindo a parte do sr. Harding com muito sucesso.
— O Lennie está se comportando?
— Mais ou menos. Nunca se atreveu a ir muito longe com você, mas como
ainda não sabe até onde pode chegar com Mohamed, não decidiu se vai se
rebelar ou juntar as forças com ele.
Continuaram conversando animadamente, até que, num dado momento,
seus olhares se encontraram e se fixaram com intensidade. Isabella apressou-
se em olhar para fora da janela. Amigos, ele tinha dito, a serviço. Mas amigos
jamais se olhavam com tanta emoção.
— Você faz bem em não ficar muito tempo na piscina — ele murmurou. —
Há mulheres que ficam ao sol até parecerem camarões, mas sua pele tem um
tom dourado pálido que é perfeito.
Perfeito para quê? Para ele beijar e acariciar? Apesar de não conseguir
deixar de pensar no que significavam as palavras que ouvira, Isabella não
queria se deixar envolver pelo tom de intimidade que elas revelavam.
— A Rádio Ras-Al-Khan tem funcionado bem melhor agora que…
— Não quero falar sobre a rádio — ele interrompeu. — Prefiro conversar
sobre você.
— Mas já sabe tudo, leu minha ficha pessoal. Não há mais nada para
acrescentar — ela protestou.
— Há, sim. Para começar, gostaria que me contasse sobre seu casamento.
Acho estranho que seja viúva há menos de um ano e quase nunca fale de seu
marido. Não era feliz com ele?
— Não — ela admitiu, olhando para as dunas e para as montanhas
escuras no horizonte.
— Por que não?
— Bem… acho que nosso casamento foi um equívoco. — Sentia-se
desconcertada pela maneira direta com que Edward fazia as perguntas.
— Por quê?
— Meu casamento acabou, Edward. Prefiro não…
— Prefere que eu não me intrometa? — ele deixara de olhar para a
estrada para fitá-la.
— Não é fácil falar sobre coisas assim. Sabe, é como mostrar a cicatriz da
operação do apêndice — foi tudo o que conseguiu dizer, sorrindo sem jeito.
— Não queria interferir — ele se desculpou. — É que… bem… gostaria de
saber mais sobre você.
Isabella franziu a testa, pensando o que seria mais perigoso: ficar calada
ou contar parte da história de seu casamento. Se insistisse em nada falar,
Edward acabaria descobrindo que havia algo errado; isso não podia acontecer.
Ele já tinha entrado em contato com Jerry Thompson para saber sobre a
carreira dela e também podia resolver investigar a sua vida particular.
— Douglas e eu nos casamos porque ele precisava da minha força para
enfrentar qualquer tipo de situação. E eu… acho que tinha grande esperança
de curar Douglas… de sua insegurança.
— Mas não funcionou, não é? Agora que já sei o motivo, gostaria de saber
os fatos — pediu, como se estivessem discutindo um assunto qualquer.
Esta invasão da intimidade estava deixando Isabella apavorada. O que
poderia acontecer se não desse uma resposta satisfatória? Percebendo que ela
procurava se esquivar, lembraria do nome de Nigel Dutton! Com algumas
perguntas às pessoas certas… Depois de ouvir aquela história sórdida, será que
permitiria que uma mulher tão endividada continuasse trabalhando na Rádio
Ras-Al-Khan? A imagem era importante no meio das comunicações. Uma
ameaça de escândalo era capaz de arruinar uma carreira. A carreira dela!
Isabella achou melhor não fugir do assunto. Era preferível falar sobre o
passado com cautela. Uma passo em falso e…
— Douglas e eu nos conhecemos quando ele estava no hospital. Eu fazia
um programa lá, naquela época, e costumava visitar os pacientes para que
pedissem e dedicassem músicas.
— Por que ele estava no hospital?
— Tinha sofrido uma cirurgia no coração.
— E você se apaixonou por ele?
— Não foi à primeira vista. Era apenas mais um rosto, então. Quando nos
encontramos, depois, não o reconheci sem o pijama.
— Mas na certa ele reconheceu você.
Agora se viam melhor as montanhas cinza-azulada que ardiam ao sol do
meio-dia.
— Sim. Ele tinha saído do hospital e aberto uma firma de serviço de
ônibus. Eu trabalhava na rádio da cidade, quando Douglas fechou um contrato
de aluguel dos microônibus para reportagens externas. — Perdida em suas
memórias, ela demorou a continuar. — Ele fazia tudo com pressa, pois tinha
acabado de travar um duelo com a morte. Depois de algumas semanas, pediu-
me em casamento e me pressionou a aceitar. Disse-lhe que devíamos esperar,
mas não adiantou. Era como ser levada por um tufão. Com Douglas, tudo tinha
de ser na hora, imediato. A pressa dele me deixou orgulhosa.
— Estava apaixonada por ele?
— Acreditava estar. Acho que nunca tive tempo para pensar no que sentia
realmente. Douglas me acusava de confundir dó com amor. Talvez tivesse
razão.
— Dó? — Edward perguntou, intrigado.
— Ele precisava muito de afeto e acho que isso nos aproximou — explicou,
com um pouco de amargura. — Quando eu era pequena, sempre trazia
animaizinhos perdidos para casa. Uma vez achei uma gaivota com a asa
quebrada e insisti para que meu pai fizesse uma gaiola para ela. “Rabujenta”
era o nome dela, por causa de seu mau gênio. Passava todo meu tempo livre
tentando domesticá-la.
— E conseguiu?
— De jeito nenhum. Só ganhei umas boas bicadas. Sou a protetora dos
doentes, fracos e desvalidos. Meu coração mole sempre me fez procurar as
crianças com quem ninguém mais queria brincar, as crianças problemáticas…
Mas será que não podemos parar de falar no assunto? Não se pode mudar o
passado e eu prefiro esquecer.
Edward tirou uma mão bronzeada do volante para envolver a dela, e
pediu:
— Quero que me explique, habibati. Quero compreender. Por favor.
Era melhor falar. Quanto mais rápido melhor, para acabar logo com o
assunto:
— Bem, atendi à parte de Douglas que precisava de mim. Ele achava que
lhe dar toda minha atenção não passava de um direito já adquirido pelo
casamento. Recebia todo meu amor, meu carinho, tudo o que eu tinha para
dar, mas não ficava satisfeito. Se algum homem olhava para mim, ficava de
mau humor.
Isabella se interrompeu, pensando nos dias, nos meses de agonia que
passara com o marido.
— Mas ele tinha um motivo, havia muitos problemas. Sua saúde estava
em perigo e os negócios nunca foram bem. Foi mais uma coisa que ele fez com
pressa demais.
Ela se calou de novo. Tinha chegado perto da parte mais perigosa, mas
não iria adiante. Edward não devia suspeitar das dificuldades financeiras que
enfrentava.
— O problema era eu ter pena dele, pois teve uma infância infeliz. Os pais
o rejeitaram e passou por uma série de famílias temporárias antes de ser
adotado, com seis anos.
— Seis anos! Então já compreendia o que estava acontecendo! — Edward
comentou, penalizado.
Isabella sentiu um nó na garganta. Sempre que pensava nas carências de
Douglas, tinha vontade de chorar.
— S-sim. Ele foi uma criança rejeitada. A mãe era uma garota
desmiolada, que odiava ter de carregar a criança onde quer que fosse. O pai,
marinheiro, só aparecia em casa quando estava de folga, sempre bêbado e
violento. Os vizinhos acabaram avisando as autoridades, e Douglas foi parar
num orfanato, por questões de segurança. Então, começou a série de famílias
temporárias, até que, finalmente, os pais verdadeiros resolveram autorizar que
ele fosse adotado, legalmente. Agnes Swan e o marido gostaram dele. Nas
fotografias, parecia um anjo.
— Por que escolheram um garoto de seis anos e não um bebê?
— Conhecendo minha sogra, sei que ela quis evitar o trabalho que um
bebê dá: mamadeiras, fraldas e noites sem dormir. Tudo isso seria horrível
para ela.
— Mas garotos de seis anos também dão trabalho, Jaber, meu sobrinho, é
um bom exemplo de destruidor.
— Pelo que sei, o sr. Swan sabia lidar muito bem com Douglas, pondo o
menino na linha quando era preciso. Infelizmente, morreu quando o garoto fez
dez anos. Agnes já se cansara da novidade de ter um filho em casa. Não era
capaz de dar carinho algum. Douglas não podia levar amigos para casa para
brincar e a mãe ficava louca da vida se aparecia com os joelhos sujos ou a
roupa rasgada. Ela achava que cuidar dele era apenas dar-lhe dinheiro, nunca
um carinho ou uma palavra de estímulo. No fundo, ele sabia que não era
amado, Isabella parou para enxugar os olhos e continuou:
— Só depois de estarmos casados é que vi a imagem errada que ele tinha
sobre amor. Podia transbordar de afeto, mas nunca seria capaz de perceber
que alguém o amava. Não confiava nos outros… nem em mim. Eu sentia pena
dele e não posso culpá-lo por seu modo de agir. Matava-se de trabalho e me
acusava de todas as falhas possíveis, mas depois se arrependia e se
desmanchava em desculpas. Sempre o perdoei.
— Será que ele queria ser perdoado? — Edward perguntou.
— Não sei. Também pensei muito sobre isso. Talvez quisesse ouvir um
“basta”. Mas eu não podia me arriscar porque havia outras coisas envolvidas.
Ora… isso não adianta nada agora — disse, sorrindo com amargura.
— Seu marido era louco por dinheiro, então? Uma vez você me disse que
ele considerava o dinheiro muito importante — disse, impressionando Isabella
por sua memória. — Os negócios dele… Segure-se!
Ela mal teve tempo de se apoiar no painel, com as duas mãos, antes de
Edward pisar fundo nos freios. O jipe parecia estar numa montanha-russa
sobre os montes de areia. Um camelo vinha galopando na direção deles a toda
velocidade, indo de um lado para outro. Praguejando em árabe, Edward
tentava desviar, mas parecia que era impossível não trombar com o animal
que se aproximava, levantando nuvens de poeira. Enfim, conseguiram passar a
poucos centímetros dele. Pararam, então, e Isabella respirou fundo, levando a
mão ao peito!
— Nunca pensei que um camelo pudesse correr tanto! Pena que não foi
possível gravar este galope na minha fita de efeitos especiais!
Os dois olharam para ver o vulto desaparecer por trás de uma duna.
Edward suspirou aliviado e tirou os óculos escuros para enxugar a testa.
— Se estivéssemos numa estrada asfaltada, teríamos um acidente feio, na
certa. Você está bem? — perguntou, preocupado, olhando-a.
— Sim. Abalada, mas inteira — ela riu.
Vendo que nada lhe tinha acontecido, ele sorriu, pôs os óculos e ligou o
motor.
— Espero não ter atolado na areia. Desculpe o modo de dirigir, mas
parece que o camelo não conhece o código de trânsito.
— Mas aquele era um camelo selvagem. Os domesticados devem ser
melhores.
— Desculpe contrariar, mas não existem camelos selvagens. Todos têm
um dono, mesmo que esteja por perto.
Começou a explicar as leis do deserto e ela foi se acalmando. Como o
animal, ela também quase sofrera um baque. Se as perguntas pessoais
tivessem continuado, mais cedo ou mais tarde teria de acabar revelando a
verdade ou inventando mentiras. De qualquer modo, seria um desastre.
Logo a estrada se alargava um pouco, agora pavimentada com
pedregulhos, subindo por entre as montanhas. Não havia mais dunas, só a
terra seca, onde andavam algumas vacas magras, procurando a sombra das
poucas árvores sem viço. Quando Isabella pensava que nunca tinha visto tanta
aridez em sua vida, viraram uma curva e avistaram o azul de um lago: era o
oásis.
Em sua imaginação, o oásis não passava de um pouquinho de água, mas
aquele era um lago bem grande. Do outro lado havia uma porção de casas
brancas, ladeadas por palmeiras e tamareiras.
— Até que enfim vejo árvores verdes outra vez — exclamou, satisfeita.
— Aquela é a vila de Ali Obaid, e adiante, do lado esquerdo, fica o que
resta dos Jardins Suspensos de Sarur. A terra daquele lado é toda dele.
Era uma extensão imensa, e o carro andou mais uns seis quilômetros
antes de se aproximar de um enorme muro branco com pontas de ferro em
cima. Ele escondia um prédio estranho, mistura de iglu com um castelo cheio
de torres das histórias infantis. Mais uma das excentricidades de Sarur.
— Diferente! — ela comentou, rindo com Edward.
— Devia haver mais duas alas, uma de cada lado do gramado — ele
explicou.
A relva era uma visão inesperada, brilhante e bem cuidada.
— E um jardineiro vem regar este pedaço todos os dias. Só Sarur e Alá
sabem por que. Para mim, isto não passa de dinheiro e trabalho jogados fora
— Edward continuou.
— Já disse isso a seu tio?
— Já, mas ele não se importa. Ele e eu não concordamos em nada. Não
somos lá muito amigos, nem fingimos ser.
— E mesmo assim ele quer você para genro? A resposta veio com um
sorriso sardónico:
— Existem implicações políticas. Meu tio acha que o casamento com
Shamsa garante fidelidade a Ras-Al-Khan, apesar de eu já ter explicado que
minha lealdade está acima de qualquer suspeita. Venha, me dê sua mão.
O chão era irregular e, quando ele a ajudou a descer do jipe, teve de
tomar cuidado para não cair. Seguiu-o, andando com alguma dificuldade pelo
caminho cheio de pedregulhos e areia, ouvindo as explicações dele.
— O projeto original era diferente. Devia haver uma piscina, um pátio e
jardins. Sarur diz ter um fraco por jardins, mas, como sempre, ele faz tudo
errado. Começaram o jardim antes do projeto da casa. O fracasso foi total.
Para salvar alguma coisa, ele pegou as mudas e as levou para seu palácio em
Ras-Al-Khan. Agora só restou isto.
Isabella caminhava com esforço. O sol ardente se refletia na areia e a
queimava. Todo o seu desconforto foi, porém, esquecido ao ver, num canto,
entre latas de tinta e outros restos de materiais, hibiscos floridos. Os botões
vermelhos pareciam garotas em vestidos de festa.
— Olhe, Edward! Sobreviventes!
Com um sorriso, ele foi pegar uma flor. Voltou com ela na mão,
segurando-a com cuidado. Ao aproximar-se, prendeu-a com um gesto delicado
nos cabelos dela.
— Nós temos um simbolismo sobre isso: a flor colocada sobre a orelha
pode significar que a moça está livre ou comprometida, dependendo do lado
em que tenha sido posta.
Isabella tirou a flor do cabelo no mesmo instante, girando-a entre os
dedos. Quando levantou a cabeça, seus olhos traziam um desafio.
— Acha que eu estou livre?
— Não — ele reconheceu depois de um instante. — Não está livre. Para
mim, não.
Ela queria ser abraçada. Queria que estivessem no outro lado do mundo.
Queria que aquele momento durasse para sempre. Queria que acabasse logo.
Ela o odiava. Ela o amava. Confusa, afastou-se depressa, tendo dificuldade
para andar sobre os saltos finos. Edward tentou segurar-lhe o braço, mas ela
se soltou. Jogou fora a flor vermelha, sem se importar onde caiu. Olhando a
entrada da casa, disse:
— Estou morrendo de calor e de sede. Que pena seu tio não ter construído
uma piscina! — tentava brincar para disfarçar o constrangimento.
— Não posso lhe proporcionar um mergulho, mas sei como pode se
refrescar. Espere um pouco.
Ele voltou ao jipe, de onde pegou duas caixas grandes de isopor.
Carregando-as, fez sinal para que Isabella entrasse primeiro na casa. Lá o ar
fresco os recebeu.
— Não me diga que a casa fica refrigerada o tempo todo! — ela disse.
— E mobiliada, com tudo que se precisa. Sarur não gosta de deixar certas
coisas pela metade.
Isabella tirou as sandálias e, alegre como uma criança, se pôs a andar
pelo hall de mármore.
— Que delícia!
Edward riu e também tirou os sapatos, aproximando-se dela. O saguão
quadrado também servia de galeria de retratos. Isabella viu o xeque Ahmad,
Karim e Sarur, que estavam em três poses diferentes, mas não havia nenhum
retrato de Edward. Talvez só o colocassem depois que ele provasse sua
lealdade, casando-se com Shamsa.
— Mas por que ele deixou metade da casa habitável? — ela perguntou,
achando melhor falar de outras coisas, em vez de pensar no futuro de Edward,
no casamento de Edward.
— Em ocasiões especiais, como nas festas de Eid, Sarur recebe os homens
da vila de Al Obaid aqui, ou essa é a desculpa que ele dá. Seria bem mais
barato mandar uma caravana de carros para transportar todos até o palácio da
cidade em vez de manter este lugar com ar condicionado e tudo mais. Mas ele
não quer enxergar as coisas desse modo.
— Então já andaram discutindo sobre isso?
Edward concordou, sorrindo, e depois a levou para uma sala grande, com
decoração e móveis bastante estranhos, cheios de detalhes imprevisíveis.
Notando a surpresa de Isabella, Edward comentou:
— Há gosto para tudo…
Depois, abriu a porta de uma sala bem menor. Ali acabava a mistura de
estilos. A decoração mostrava tons suaves, com plantas e muita luz. O tapete
do chão era bege claro e as cortinas, imitando redes, cobriam as enormes
janelas que davam para os fundos da casa. Não havia móveis exóticos ali: só
uma porção de almofadas bordadas em tons de verde e branco. Edward
explicou:
— Este é o meu refúgio. Tirei todos os “objetos de arte”, assim, quando o
faxineiro vem, limpa tudo em dois segundos. Ao contrário de Sarur, prefiro a
simplicidade.
— Você se deita nas almofadas?
— Isso mesmo. E como não há empregados permanentes aqui, sempre
trago algo para comer. Nesta caixa… temos nosso almoço, mas nesta aqui
guardei uma coisa especial para você — disse, tirando uma garrafa do gelo.
— Champanhe!
— Lembrei de como você gosta.
— Mas você vai beber champanhe também?
— Claro. Por que não? — ele respondeu, pegando as taças.
— Bem, achei que… você vai se converter ao islamismo e muçulmanos
não bebem álcool. Bem… — ela se sentia estranha, arrependida de ter tocado
no assunto.
— Não sou muçulmano e por isso não estou quebrando lei alguma. Agora,
quer segurar as taças, para eu não me enxarcar, nem molhar você, ou o
tapete, quando estourar a tampa?
Prendeu a garrafa entre os joelhos, mordendo o lábio enquanto afrouxava
a rolha, que logo soltou com um ruído seco. Encheu as taças que Isabella
segurava e sentaram-se nas almofadas.
— Um brinde à minha modelo favorita — propôs, levantando a taça.
O coração de Isabella parou de bater. Aquele brilho quente tinha voltado
aos olhos dele, o mesmo que fazia a pele dela se arrepiar, seu sangue ferver.
Recusando-se a ceder, esticou as pernas, girou os pés e bebeu um gole. Se só
pensasse no champanhe e olhasse para um ponto qualquer, menos para o
homem de pele cor de bronze a seu lado, talvez tivesse uma chance de sair
daquela situação sem problemas.
— Quero que me faça um favor — ele falou baixinho. — Jogue a cabeça
para trás, vire para cá e sorria.
Ela preferia recusar, mas poderia ser uma atitude mesquinha, então fez o
que lhe era pedido, forçando um sorriso.
— Assim?
Ele se aproximou para soltar o lenço que lhe prendia os cabelos.
— Vamos tirar isto aqui e…
— Edward, por favor! — ela protestou, baixinho.
— Deixe, Isabella! A voz dele estava carregada de emoção. Soltou o lenço
e passou a arrumar os cabelos sobre os ombros dela, deslizando os dedos
entre os fios sedosos.
— Foi assim que pensei em você a semana inteira. Preciso lhe confessar
uma coisa: guardei a fotografia do jornal.
— Pendurou em seu quarto? — ela brincou, sem conseguir esconder o
espanto. — Pensei que não tinha gostado do ar de provocação.
— Não, não — ele respondeu, emocionado.
— Edward, não sou nem quero ser provocante!
— Eu sei. Sei que você não…
Com um murmúrio ele se levantou, agarrou a taça e se aproximou da
janela. Quando se voltou para olhá-la, seu rosto estava agressivo. Apontou
para uma porta e falou em tom de quem dá uma ordem.
— Disse que queria se refrescar. Então vá. Tem um banheiro aí, pode usá-
lo. Enquanto isso, preparo nosso almoço.
A ordem tinha sido clara e direta: queria que ela sumisse de sua frente,
queria que se afastasse dele, e ela sabia por quê. Observando-o, ela pensava
como conseguia manter o ar nobre num momento como aquele.
— Imshil — gritou, aflito para que ela se fosse logo. Olhou para a taça
vazia entre seus dedos e depois levantou a cabeça para pedir:
— Vá, por favor, vá. Não vê que eu a quero tanto que… Se você não for
já, vou abraçá-la. Passei a semana toda atormentado com sua lembrança. Não
quero Shamsa. Ela é apenas uma garota, e eu preciso de uma mulher, com
corpo de mulher e com desejos de mulher!
Atirou a taça contra a parede, quebrando-a em mil pedaços que se
espalharam pelo chão. Passou a mão pelos cabelos e deu as costas para ela.
— Eu quero você e você me quer, Isabella. Nós dois nos queremos e
estamos presos a uma situação em que… Agora vá, vá fazer seja lá o que for,
mas vá. Vá, por favor — implorou.
CAPÍTULO IX
Confusa, sem saber o que fazer ou como agir, Isabella entrou na primeira
porta que viu, no corredor. Era a do banheiro. “Quem sabe uma ducha não me
fará bem e… refrescará minhas idéias”, pensou. De baixo do jato agradável,
analisou mais calmamente o acontecido. Ela e Edward tinham brincado com
fogo, isso era claro. Mas ela tinha grande parte de culpa no que quase
acontecera. Sabia que entre ambos havia uma forte atração física. E, então,
por que ela aceitara quando ele a convidou para sair? Estava agindo como uma
adolescente, deixando-se guiar pelo coração e pelo desejo. E onde estava seu
bom senso, de que tanto se orgulhava? Que loucura!
— Loucos! Nós dois — ela disse para si mesma, tentando afastar os
pensamentos, que tumultuavam sua mente.
Para se distrair, pôs-se a analisar a sala de banho. Bonita, bem decorada,
funcional e com tudo o que se pode desejar como produtos e objetos de
higiene pessoal.
Abriu as torneiras. E que banho gostoso!
A água não estava gelada, como nem poderia se esperar no meio do
deserto, mas era refrescante. Fechando os olhos, ela começou a se lavar,
deliciando-se com o jato forte. O calor ia embora, fazendo parecer que até os
pensamentos estavam mais claros… Quando tudo ia entrando nos eixos,
novamente a porta do box se abriu por trás dela. Braços dourados e fortes a
envolveram pela cintura, e foi puxada para trás, de encontro a um corpo
másculo.
— Perdoe-me — Edward murmurou junto ao ouvido dela. — Não posso…
não consigo me controlar. Não posso ficar longe de você. Sei que não
deveríamos começar algo que não podemos levar adiante, mas…
Isabella permaneceu imóvel, apesar de seu coração disparar e seu corpo
todo desejar aquele homem.
— Edward, não! Logo você vai se casar e eu… não quero me envolver,
não, por favor; não vamos recomeçar…
— Eu já me repeti mil vezes que não podemos, não devemos continuar
assim. Você pensa que tem sido fácil para mim? Mas, quando estamos juntos,
me esqueço das promessas que fiz a mim mesmo de não ceder. Não posso!
Não consigo, Isabella! Como seria bom se estivéssemos em outro lugar do
mundo, sem pressões, sem barreiras…
— Mas não estamos no Ocidente, Edward.
— E se estivéssemos, você faria amor comigo?
— Mas isso é só uma hipótese — ela respondeu, torturada, achando que
estavam fazendo um jogo perigoso.
— Você faria amor comigo? — ele voltou a perguntar, abraçando-a com
mais força.
“Ah, meu Deus!”, ela pensou. “Eu amo este homem! Se houvesse um
mundo onde Edward não fosse se casar com Shamsa e se Nigel Dutton não
existisse…”
— Sim! Sim, eu faria amor com você! Agora está satisfeito?
— Não, não estou, nem você — respondeu, acariciando os seios dela. —
Por que não podemos fazer o que mais queremos? Ninguém sabe que estamos
aqui. Quando o jardineiro chegar, já teremos ido embora. Por que a culpa, se
sabemos da força do que sentimos um pelo outro?
— Será que sabemos? — ela perguntou baixinho, insegura.
— Já sabe que sou louco por você. Pouco tempo depois que nos
conhecemos, demonstrei meu amor de forma zangada e ciumenta, reconheço,
por causa das circunstâncias. E quero você desde aquele momento. Então, o
que há de errado em nos amarmos? Não, não responda. Hoje… só hoje,
habibati — ele pediu baixinho, ainda lhe acariciando os seios, excitando-a mais
e mais.
O desejo e o bom senso travavam uma batalha violenta. Teria coragem
para amá-lo só por um dia, só uma vez? Amar e continuar a viver, fingindo
que aquele dia no oásis fora algo Passageiro e sem importância? Agiria só por
desejo sexual? Não! O que existia entre ela e Edward era diferente!
“Diferente!”
Tentava iludir a si própria! Não era essa a defesa usada por quem se deixava
seduzir? Ou seria preferível fazer amor com Edward uma só vez pelo menos?
“Sim!”, seu corpo pedia. “Não”, ordenava seu bom senso… Edward continuava
a acariciá-la, beijar-lhe a nuca, mordiscando a pele macia e cheirosa, colando
seu corpo ao dela para lhe dizer o quanto a queria, como poderiam ir juntos ao
paraíso. Insistindo na carícia nos bicos rijos dos seios, escorregando pelo
ventre a mão quente, até as coxas, excitando-a, fazendo-a vibrar.
— Você é tão bonita!
Deixando escapar um gemido de prazer, ela se inclinou para trás,
repousando a cabeça no ombro dele. Tentou reagir, molemente:
— Não posso! Me recuso a fazer amor assim toda molhada. Rindo, feliz,
Edward a envolveu nos braços e a beijou, com lábios ardentes e gulosos,
enquanto a água escorria. Gotas que pareciam diamantes brilhavam sobre os
cabelos negros e os ombros dele.
— Isabella Swan, eu a amo. Você diz as coisas de tal jeito que elas vão
direto ao meu coração. Você está molhada? Eu também vou me molhar… Só
hoje, meu amor! Vamos!
— Só hoje — ela concordou, sem mais forças para reagir. — Venha!
Ele entrou na água.
Começou a ensaboá-lo, esfregando-lhe o sabonete sobre o peito. Com a
água que caía, os pêlos do corpo dele eram como renda negra sobre ouro
queimado. Estar nua com ele parecia natural e era excitante. Com ele, podia
ser ela mesma, não precisava se controlar como com Douglas. Edward era
forte, saudável, um animal em sua mais perfeita forma. Faria amor com a
mesma energia que fazia tudo na vida, com a mesma perfeição. Mas era
preciso lembrar de que era só por uma vez.
— Pode acabar sozinho da cintura para baixo. Estou ficando com frio —
disse, depois de lhe ensaboar as costas.
— Ficou com medo? — provocou, enquanto ela saía do chuveiro e se
envolvia numa toalha macia.
Ele terminou de se lavar e se enxugou em dois tempos. Enrolou a toalha
na cintura e sorriu.
— Acho que foi melhor assim. Meu controle está por um fio. Bem, você
me lavou e agora vou te enxugar. Isto é uma ordem, meu amor.
— Sim, meu amor e senhor — ela respondeu, rindo.
— Olhe para mim — comandou, com a voz rouca de desejo. Fitou os seios
dela e recomeçou a acariciá-los; uniram-se então num abraço molhado e
quente, num roçar de pele e toalhas, boca com boca, corpo com corpo.
— Vamos tentar ir mais devagar — disse, respirando fundo.
Isabella soltou os cabelos, que mantivera presos durante o banho. Num
gesto de carinho, Edward começou a penteá-los, a alisá-los com suavidade.
Revelava mais um lado de sua personalidade. Não era um homem qualquer,
mas uma mistura de Oriente e Ocidente. Um homem primitivo que sabia que o
mundo é uma selva, mas também um artista capaz de grande sensibilidade.
Será que Shamsa sabia a sorte que tinha? Isabella preferiu não pensar no
assunto, só lhe importava o “ali” e o “agora”. Inclinou-se, para beijá-lo,
envolvendo-o nos braços. Seus corpos se uniram mais uma vez, os lábios
voltaram a se encontrar, com o fogo da paixão ardente, e ela deixou seu corpo
se apoiar inteiramente no dele, ansiando por carícias. Quando ele se afastou,
descendo a cabeça sobre o corpo dela, suspirou de prazer e desejo.
Sem saber como, voltaram à sala ao lado, deitando-se sobre as
almofadas. Já seca, a pele de Isabella pulsava de ansiedade. Correu as mãos
pelos ombros dele, maravilhada: era tão firme, tão forte, tão bonito e bem
dotado! Edward deslizou as suas pelo corpo dela, beijando-lhe a cavidade do
umbigo, depois correu a língua até os seios, fazendo uma volta deliciosa para
envolver cada bico com seus lábios, e então continuou a viagem até a nuca,
mordiscando a ponta da orelha, terminando a jornada nos lábios de Isabella.
Depois de mais um beijo ardente e apaixonado, abaixou-se novamente. O que
ele estava fazendo, o roçar de seu rosto contra a pele dela, o mordiscar leve
de seus dentes, a deixava louca de desejo. As unhas de Isabella marcaram a
pele dele, enquanto ela jogava a cabeça para trás. — Querido… Meu amor —
murmurou. Então o fez deitar-se sobre as almofadas, para retribuir o prazer
que lhe estava dando. Usou seus lábios e sua língua até ele gemer e
estremecer, arrebatado.
— Oh, meu Deus! Sem poder esperar mais, Edward possuiu-a. Uniram-se
num abraço forte, transmitindo um ao outro o calor de suas paixões, até que o
gozo os levou ao paraíso da paz e da mais profunda satisfação.
Sem pensar no dia que passava, continuaram deitados juntos. Quando
fizeram amor pela segunda vez, foi diferente. Havia agora um reconhecimento
mais tranquilo e carinhoso dos corpos. Edward era delicado, mas também
muito ardente: sabia como dar muito prazer à companheira. Com os olhos
quase fechados, ainda sorrindo, ela sabia que também era capaz de agradá-lo.
Saciado, ele a acalentou nos braços até vê-la adormecida, depois a cobriu com
uma colcha acetinada. Por mais de uma hora, ficou junto à janela, perdido em
seus pensamentos.
A sala estava mergulhada na luz dourada do fim da tarde quando ela
despertou. Esfregando os olhos, apoiou-se sobre o cotovelo. Junto à janela,
delineava-se uma silhueta escura. Edward já tinha vestido seu jeans, mas o
peito continuava nu.
— Dormi muito? — ela perguntou.
— Um pouco, habibati, Precisamos ir embora.
— Não quero. Não quero que este dia se acabe — ela disse, sentando-se,
deixando a colcha escorregar pelo corpo abaixo.
Ele se aproximou com um sorriso melancólico. Ajoelhou-se ao lado dela,
acariciando-lhe o rosto.
— Nem eu. Nem posso dizer quando vamos poder vir aqui outra vez.
Preciso tomar uma série de medidas agora. Tudo mudou e eu não quero
ofender ninguém. Por isso devemos ter um certo cuidado. Daqui para a frente,
nosso relacionamento deve…
— Não diga nada, por favor! — ela implorou, encostando seu rosto no dele
para sentir o calor de sua pele, o perfume de seus cabelos. — Beije-me pela
última vez antes de irmos.
Ele a beijou, sentindo prazer em deslizar os dedos entre os fios macios
dos cabelos dela, num abraço apaixonado. Quando quis se levantar, Isabella
passou as mãos por trás do pescoço dele, puxou-o para si, roçando os seios
nus contra a pele dele.
— Vá se vestir — ele pediu baixinho, quase implorando.
— Daqui a pouco.
Abraçou-o com mais força e passou a beijar-lhe o ombro com os lábios
abertos para melhor sentir o gosto daquela pele dourada. Gemendo, ele
procurou seus lábios para um beijo desesperado. As mãos voltavam a correr
sobre a pele dela, explorando cada curva com paixão. Ainda murmurou um
protesto pelo que estava fazendo, mas nada podia impedir a paixão que
crescia, e caíram novamente sobre as almofadas.
O céu já se tingira de laranja e vermelho, e o sol se punha quando
voltaram ao jipe. Edward desceu para pôr o cadeado no portão, mas parou
para olhar. Seguindo a direção dos olhos dele, ela viu uma figura de túnica que
se aproximava dali de bicicleta. Era o jardineiro! Não sabia o que fazer. Já não
adiantava mais se abaixar, pois o rapaz estava perto. Não se mexeu em seu
lugar, mas o homem quase caiu da bicicleta ao ver que o patrão estava
acompanhado. Parou ao seu lado e conversaram em árabe.
Ao voltar ao jipe, Edward bateu a porta e arrancou depressa, deixando
uma nuvem de poeira atrás deles.
— Talvez eu devesse ter dado um dinheiro ao rapaz — ele disse para si
mesmo. — Não, por que fazer isso?
Atravessaram o deserto em silêncio, cada um com seus pensamentos.
Sentindo-se quase flutuando, por causa do amor feito naquela tarde, Isabella
não tinha vontade de falar. Palavras fariam com que tivesse de analisar o que
acontecera e ela preferia não pensar em nada. O céu já estava negro e as
estrelas brilhavam quando chegaram a Ras-Al-Khan. Edward evitou a entrada
iluminada do condomínio, indo direto para o estacionamento. Quando desligou
o motor, disse:
— Não devemos nos acariciar em público, mas… — beijou-a com ternura,
depois continuou, sério. — Estive planejando o que vamos fazer. Infelizmente,
vou ter de partir amanhã bem cedo para Oslo, onde devo ficar alguns dias;
quando voltar, podemos organizar tudo e…
— Vamos falar nisso quando você voltar… só quando você voltar — ela
pediu, sem querer estragar a magia do momento.
Queria dormir embalada pelo amor dele, sem enfrentar a realidade. O
último beijo, antes que ela voltasse ao apartamento, toi longo, apaixonado e
dolorido: já tinha o gosto da separação.
Ainda estava num mundo irreal quando o telefone tocou. Devia ser Bob,
pedindo algum favor, ou Lennie. com alguma brincadeira.
— Alô? — ela disse, sem entusiasmo.
— Lyss? Sou eu, Meg.
A atmosfera de sonho que ainda a envolvia desapareceu de imediato. Algo
urgente deveria estar acontecendo para Meg fazer uma chamada internacional.
Casada com um desenhista que não ganhava muito e com dois filhos para
sustentar, a irmã era bastante econômica. Não iria ligar sem uma razão forte.
— O que… o que aconteceu? — perguntou, preocupada.
— Nigel Dutton apareceu aqui e…
— Olhe, Meg, pelo jeito a ligação vai ser comprida e não quero que gaste
seu dinheiro. Desligue e eu a chamo de novo.
— Não me interessa a droga do custo da ligação! — a irmã retrucou,
nervosa. — Nigel Dutton sabe que você está no exterior. Ele me forçou a
contar. E está ameaçando ir à polícia. Sei que você deve dinheiro a ele, mas…
mas ele disse que são vinte mil libras! Não é verdade, é?
— Mais ou menos.
— Lyss! Como…
— Desligue, Meg, que eu ligo em seguida. Acalme-se enquanto isso,
depois me conte tudo o que aconteceu.
O pior tinha vindo, o que parecia inevitável. Mas, de certo modo, Isabella
se sentia aliviada. Parecia que era outra pessoa, vendo tudo com frieza e
calma, como se as coisas não se passassem com ela. Voltava a ser a pessoa
firme, que sempre enfrentava os problemas de frente. Ligou para a irmã e
pediu que ela contasse tudo, desde o começo.
— Houve a ameaça de um atentado a bomba na estação de rádio em que
você disse a Nigel Dutton que iria trabalhar. O prédio teve de ser evacuado e
você não estava lá — Meg disse.
— E daí?
— Uma reportagem sobre o assunto foi para o ar. Cliff e eu vimos seu
amigo Jerry Thompson ser entrevistado com os outros colegas. O atentado não
passou de um trote, mas Nigel Dutton viu o noticiário e notou sua ausência.
Deve ter desconfiado de alguma coisa, pois telefonou para a rádio, e disseram
que você nunca trabalhou lá. O cretino apareceu aqui faz uma hora. Eu estava
sozinha com as crianças e… Desculpe, mas não consigo deixar de tremer
sempre que falo com aquele homem asqueroso. Bem que tentei enganá-lo,
Lyss, eu juro!
Meg parou um instante, pois estava quase chorando. Respirou fundo e
continuou:
— Tentei dizer que você estava afastada do emprego por doença, que
devia voltar logo ao trabalho, mas ele me chamou de mentirosa. Disse que já
fazia meses que estava sendo enganado e que não iria mais suportar isso.
Acusou-me até de sua cúmplice.
— Claro que não, Meg! A dívida é minha, você não tem nada a ver com
ela. Ele só queria assustá-la.
— Pois conseguiu — a irmã disse, contrariada, com voz trêmula.
Isabella sentiu um frio no estômago. Ela era responsável por aquele
sofrimento.
— Sinto muito, muito mesmo, ter envolvido você com Nigel Dutton. Nunca
pensei que ele pudesse atacá-la. Mas não se preocupe. Amanhã mesmo vou
comprar uma passagem para voltar para casa e resolver tudo.
— E se não puder? Ele estava furioso, Lyss. É do tipo vingativo e…
— Não tenha medo. Assim que ele souber que estou ganhando muito
bem, vai me dar mais tempo para saldar a dívida.
Depois que a irmã desligou, Isabella viu que fingira mostrar uma coragem
que na verdade não tinha. Meg aceitou suas palavras de consolo como sempre.
Ela era três anos mais velha, mas sempre entrava em pânico, enquanto
Isabella se mantinha fria e enfrentava as dificuldades. Mas havia um limite
para suas forças. Já estava cansada de ser forte e carregar os problemas
sozinha. Enxugou as lágrimas que teimavam em correr por seu rosto.
Precisava de alguém que a protegesse. Queria que Edward estivesse ali, que a
abraçasse e dissesse que ia resolver tudo para ela. Mas era o mesmo que
desejar a lua. Ele não lhe pertencia, nem jamais viria a pertencer. Estava
comprometido com Shamsa. Vinte mil libras! Sem isso, a vida de Isabella
ficaria arruinada; mas o que significaria esta soma para Edward? Apenas
alguns trocados… Ele não ostentava sua riqueza, mas era evidente que a
possuía, e devia ser considerável. E se esquecesse o orgulho e pedisse ajuda?
Riu, balançando a cabeça. Chegar perto de Edward agora, para pedir
dinheiro? Nunca! Depois de fazerem amor, “especialmente” porque tinham
feito amor, ela jamais poderia agir assim. Não queria ser considerada uma
leviana, uma interesseira. Como ele a desprezaria! Não, ela preferia morrer do
que enfrentar a desilusão e o desprezo daqueles olhos negros…
Dormiu mal naquela noite. Ficou rolando na cama, enquanto pensava no
que ia dizer quando se encontrasse com Nigel Dutton. Antes do amanhecer,
enfrentou a dura realidade. Só havia um jeito de afastá-lo de sua vida: acabar
de pagar o que lhe devia. Sentia arrepios ao pensar que voltaria a encontrar
aquele homem que a olhava como um animal faminto. Mas não poderia
permitir que o nome de Douglas fosse coberto de lama num julgamento
público.
Na manhã seguinte, procurou Mohammed e explicou que um problema
sério a obrigava a voltar à Inglaterra. Sentindo a boca amarga por ter de
mentir, disse:
— Minha mãe está doente. Preciso ir o quanto antes. Mohammed viu que
ela estava preocupada, com olheiras, e deu-lhe permissão para que se
afastasse por uma semana.
— Não se preocupe. Bob e Lennie dão conta do serviço. Afinal, dois de
seus programas já estão gravados, não é? Se for preciso, podemos chamar
alguém para ajudar. Quando pretende partir?
— Hoje já não há mais lugar no avião, por isso vou amanhã cedo.
— Está bem. E, olhe, às vezes as coisas não são tão ruins quanto
parecem.
Se ele soubesse! Talvez ela não voltasse, mas preferiu nada dizer naquele
momento. Mas o que faria com Edward? Ele já teria partido para Oslo e talvez
fosse melhor assim. Ela o amava, tinha certeza disso. E ele? Será que iria
comprometer todo o seu futuro por este sentimento? Seria difícil. Certamente
a queria apenas como amante ocasional. Quando falou que precisavam se
organizar, só estava tentando fazer com que os encontros proibidos se
tornassem regulares. Mas não era isso o que Isabella desejava! Talvez a
viagem dela fosse um presente do destino; poderia se afsatar com dignidade.
Se, por acaso, voltasse, seria forçada a lhe dizer que, apesar de apaixonada
por ele, não queria ser apenas sua amante, vê-lo às escondidas e nada mais.
O resto do dia foi péssimo. A notícia de que a mãe dela estava doente se
espalhou depressa e, além de ter de comprar a passagem, adiantar o serviço
na rádio e deixar tudo em ordem, teve de atender às pessoas que toda hora
vinham lhe desejar felicidades. Sentia-se horrível de ter de mentir quando
estavam sendo tão bons para ela, mas não havia outra saída. Depois do
almoço, Harding, que ia embora do país, telefonou para dizer que Sarur lhe
havia pedido, quando fora se despedir dele, que levasse Isabella à sua
presença.
— Por que eu? — ela perguntou.
— Não sei. Talvez ele tenha visto você na televisão e esteja com vontade
de conhecê-la pessoalmente. Sabe como ele é estranho. Não tem nada que ver
com o setor de comunicações, mas sempre me chamava para dar palpites. Fica
louco por alguma coisa durante meia hora e depois… perde o interesse. Mas,
como é o herdeiro do trono, é melhor obedecer. Senão ele pode mandar cortar
sua cabeça.
Ela deu um suspiro e se conformou com mais esse compromisso. Foi
assim que, mais tarde, viu-se sozinha na presença do xeque.
Com a mão cheia de anéis, ele lhe fez sinal para se sentar. Era gordo,
tinha o rosto inchado e a pele amarelada. Depois de examiná-la atentamente,
ajeitou-se sobre a cadeira de veludo e pigarreou. Isabella precisou prestar
bastante atenção, pois Sarur falava com um sotaque muito forte.
— Sinto que a senhora tenha de deixar Ras-Ai-Khan tão pouco tempo
depois de ter chegado. Mas a culpa dessa partida é toda sua.
— Como?
Tentava entender o que ele queria dizer e acabou pensando que alguém
tinha lhe contado sobre a suposta doença de sua mãe.
— E a senhora não vai voltar — ele acrescentou.
— Como? — ela repetiu.
— A senhora não vai voltar. Não queremos que volte. A senhora é
indesejável em Ras-Al-Khan.
— Não estou entendendo.
— Seu contrato está encerrado. Não queremos mais a senhora aqui — ele
insistiu.
— Sempre me disseram que meu trabalho tinha muito valor para a rádio
— ela protestou, esquecendo-se de que falava com uma personalidade.
Já tinha imaginado a possibilidade de não voltar para a rádio, mas ser
despedida era algo bem diferente. E a dívida? Sabia que quase não havia
chances de fazer Nigel concordar em recebê-la em partes, mas se aceitasse…
Como poderia esperar pagá-la se não estivesse mais trabalhando para a Rádio
Ras-Al-Khan?
— Até o xeque Edward disse que estava satisfeito com meus programas
e…
— Edward não quer mais a senhora aqui.
— Mas… — ela balbuciou, olhando espantada para aquele homem enorme
à sua frente.
Será que Edward tinha algo a ver com tudo isso? Por que não lhe falara
pessoalmente, então? Com o coração apertado, enxergou a verdade. Talvez
ele tivesse feito amor com ela no oásis por saber que seria despedida no dia
seguinte. Isso explicava a insistência dele. Isabella mordeu o lábio. Aquilo não
podia ser verdade. Ele não agiria assim, não podia ser tão oportunista e falso.
Não, não podia ser!
— Mas eu… Nada disso faz sentido! — conseguiu dizer, afinal.
— Os preparativos para o casamento começam assim que meu sobrinho
voltar de Oslo. Não vai mais se envolver com os problemas da rádio, nem com
as pessoas que trabalham lá. A senhora está me entendendo? — o xeque
continuou, inclinanto-se para a frente.
— Sim, senhor — respondeu, compreendendo que ele já sabia da
aventura no oásis com Edward.
— Mas a senhora não vai embora com as mãos vazias. Sei que seu
contrato só termina daqui a algum tempo e por isso vai receber um dinheiro
extra. Vinte mil libras chegam?
Isabella sentiu um baque no peito, sem poder acreditar. Não, não podia
estar ouvindo bem. Mas o xeque repetiu:
— Vinte mil… chegam?
Vinte mil? Só podia ser milagre! Agora ficaria livre das garras de Nigel
Dutton… Agora Douglas poderia descansar em paz. O xeque parecia um
demônio gordo e velho, mas estava agindo como um anjo disfarçado.
— Sim… sim, senhor.
— Pode ir, então. Meu secretário ja esta com o dinheiro pronto.
— Obrigada. Muito obrigada.
Sentia-se aliviada. Conseguiu até esboçar um sorriso de agradecimento,
ao se despedir. Sarur também sorria, mas com ironia.
— Vejo que nós dois ficamos satisfeitos, sra. Swan. E isso me deixa muito
feliz.
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
FIM