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PAIXÃO NO DESERTO

Elizabeth Oldfield

Julia 385

Copyright: Elizabeth Oldfield


Título original: Sunstroke
Publicado originalmente em 1985 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: Cris Borba
Copyright para a língua portuguesa: 1986
Editora Nova Cultural Ltda. — São Paulo — Caixa Postal 2372
Esta obra foi composta na Fesan Editora Ltda. e impressa na Divisão Gráfica da Editora
Abril S. A.
Foto da capa: RJB

Os beijos de Edward eram mais quentes


que o sol do deserto

Isabella fechava os olhos e ainda podia sentir


as mãos de Edward acariciando-a, incendiando-
a de paixão. Ao conhecê-lo, passou a viver
como num sonho das Mil e Uma Noites. Agora,
no entanto, era mandada de volta a Londres,
para longe do homem que ocupava o seu
coração.
Como pudera se apaixonar por um xeque que
estava noivo de outra, que pertencia a um
mundo tão diferente do seu? Mas, por mais que
tentasse, não conseguia se esquecer da tarde
que passaram juntos no oásis. Naquele dia,
logo depois de se entregar a ele, Isabella o
ouvira dizer que a amava…

PROJETO REVISORAS

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos.


Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente
proibida.
Cultura: um bem universal.

Digitalização: Palas Atenéia


Revisão: Lu Matos
CAPÍTULO I

Ras-Al-Khan ardia sob o sol inclemente do começo da tarde, em pleno


verão. Aquela atmosfera sufocante, que parecia vir de uma fornalha infernal,
deixava as ruas sem vida. A cidade toda se tornava uma massa imóvel de
concreto sob a luz que a tudo ofuscava. Da janela do salão da cobertura,
Isabella procurava sinais de vida na paisagem desbotada. Apenas um carro
desafiava aquele calor na rua lá embaixo. O veículo parou bem em frente ao
edifício, e três homens vestidos com cafetãs brancos desceram, procurando
depressa abrigar-se à sombra. Alguém, porém, permaneceu no carro.
Ouviu passos e então uma voz a seu lado lhe perguntou:
— O que a nossa funcionária mais nova acha desta ilustre estação de
rádio?
Assustada, Isabella voltou à realidade. Sonhar acordada devia ser contra o
regulamento e ela sentiu-se apanhada em flagrante, como uma criança
travessa.
— Estou gostando muito de trabalhar para a Rádio Ras-Al-Khan —
respondeu, sorrindo.
O recém-chegado já a encontrara uma vez e se apresentara como
banqueiro. “Como é mesmo o nome dele?”, tentou se lembrar, um pouco
apreensiva.
Desta vez ele a bombardeou com perguntas. Nome? Isabella Swan.
Estado civil? Viúva. Residência? O Colonnade, aquele conhecido prédio de
apartamentos. O dela tinha um quarto só, no sexto andar. Quando chegara ao
Golfo Árabe? Há pouco mais de um mês. Objetivo? Tornar-se a terceira
integrante de um grupo de locutores da rádio; seria a única mulher da equipe.
Quando o banqueiro ia fazer algum comentário, sua esposa entrou e
chamou-lhe a atenção para outra coisa. Isabella pôde, então, voltar a ver a
paisagem. Cada vez que olhava o traçado geométrico da cidade, algo diferente
chamava sua atenção. Casas e prédios de telhados chatos, quase todos com
antenas de televisão, se espalhavam até a linha do horizonte, pontilhados aqui
e ali com graciosos minaretes. Torres douradas brilhavam ao sol, e as árvores
de tamarindo, vistas do alto, pareciam manchas verdes. As pistas do aeroporto
estavam visíveis e, a distância, uma fina neblina perolada indicava onde
terminava a cidade e começava o deserto.
Do outro lado ficava a Comiche, uma sofisticada estrada cheia de curvas,
toda florida, que diziam ter sido inspirada na estrada que liga Monte Carlo a
Nice. Abaixo, as águas cor de turquesa do golfo, onde navegavam frotas de
petroleiros que sumiam no horizonte. Isabella suspirou, lembrando-se de sua
obsessão: reunir dinheiro suficiente para conseguir fazer um milagre.
Dinheiro amaldiçoado! Odiava a importância que ele estava ocupando em
sua vida. Dormia sobressaltada e acordava aflita. Não havia saída. O xecado
de Ras-Al-Khan nadava em riqueza; limusines reluzentes deslizavam pelas
ruas, jatos particulares iam e vinham no aeroporto. Os bairros estavam cheios
de mansões luxuosas, onde os arquitetos recebiam carta branca para fazer o
que a imaginação ditasse. Até os edifícios municipais, apelidados de “loucuras
de Sarar”, faziam lembrar castelos de contos de fadas. Isabella sorriu,
divertida, ao olhar para as torres do Departamento de Eletricidade, que mais
pareciam confeitos de açúcar, inspirados em Walt Disney.
Voltou a olhar ao redor, tentando achar seu colega de trabalho, Bob
Maury; lá estava ele, num canto. Era alto, louro e vivia cercado de mulheres.
Como sempre, conversava animado. Achando que era melhor não interromper,
ela resolveu analisar melhor o salão. Aquele era o apartamento de Norman
Harding, seu chefe e encarregado do serviço de comunicações do país, que
vivia em alto estilo.
Que móveis! E que plantas! Como ficariam bem em seu apartamento! As
antiguidades estavam fora do alcance de Isabella, mas poderia encher o
apartamento de vasos, se ao menos… Quantas vezes, desde a morte de
Douglas, tinha repetido para si própria as mesmas palavras?
Mordeu os lábios. Apesar de gastar um pouco mais do previsto de seu
primeiro salário, mesmo assim conseguira mandar uma boa quantia para seu
principal credor, Nigel Dutton. Fizera isso através da irmã, Meg, para que não
soubessem onde se encontrava. Tinha reduzido as despesas ao mínimo
durante o mês; esperava assim poder pagar a dívida no menor tempo possível,
mais isso era uma tarefa muito difícil. “Se não estivesse à mercê de Nigel
Dutton… nas garras daquele monstro gordo e atrevido. Se ao menos…”
pensou, arrepiada.
A esposa do banqueiro se afastou para conversar com uma amiga e ele
voltou a falar com Isabella:
— E o rádio? Uma garota inteligente como você já deve ter percebido
que…
O silêncio que se fez, de repente, mudou o rumo da conversa.
— Meu Deus! O velho Norman convidou figurões desta vez! Do outro lado
do salão, o chefe de Isabella cumprimentava um grupo de quatro árabes,
vestidos de cafetãs brancos. Os presentes arrumavam colarinhos, ajeitavam
cabelos, todos se empertigavam como se quisessem chamar a atenção dos que
acabavam de chegar. Até Bob parou de falar.
— Quem são eles? — ela sussurrou.
— Norman está apertando a mão de sua excelência, o xeque Karim
Hamed Al Zahini, neto do grande xeque Ahmad. Karim é o segundo na linha de
sucessão ao trono, depois de seu tio, Sarar — foi a informação que obteve.
— E também é o ministro da Informação e Cultura, o nosso patrão, de
acordo com os papéis, não é assim? — perguntou Isabella.
— Sim, entre outras coisas — o banqueiro informou — sua excelência está
sendo preparada para assumir o governo de Ras-Al-Khan, por isso sempre se
envolve com uma série de compromissos de áreas diferentes. É o titular da
pasta da Informação, sempre ocupado com outros assuntos. Por isso se vê
obrigado a deixar certas decisões nas mãos de subalternos… como nosso
anfitrião — o banqueiro completou com desprezo.
— Então não é ele que dita os destinos da programação? — Isabella
começava a perceber a realidade dos fatos e queria certificar-se deles.
— Ele faz o melhor que pode, mas não dá conta de tudo. Karim conseguiu
reorganizar a rádio e a televisão por aqui, mas os programas em língua inglesa
ficam nas mãos de incompetentes, como o velho Norman — o banqueiro
apenas sussurrou com desdém.
— Será que vamos ser apresentados? — perguntou ela, não querendo se
envolver em comentários sobre o caráter de seu chefe.
Esse tipo de fofoca era bastante comum. Na verdade, as maledicências
pareciam ser o ponto de união entre certos grupos de estrangeiros. Isabella
sentiu um arrepio na espinha. Que grande filão teriam para explorar, se
descobrissem os problemas dela!
— Você e eu estamos numa escala muito baixa para merecer uma
audiência — o banqueiro explicou. — De qualquer modo, Karim não vai ficar
mais do que cinco minutos. Já é de admirar que tenha vindo até aqui. O velho
Norman deve ter insistido durante algum tempo para que sua excelência se
dignasse a dar o ar de sua graça… Mas pode acreditar: vão-se embora num
minuto. Karim não costuma perder tempo com conversa à-toa.
Nesse momento, a mulher do banqueiro o puxou pelo braço, com ciúme, e
ele se afastou. Isabella não se importou. Estava fascinada pelo xeque Karim e
seus acompanhantes. Há um mês morava no Golfo, mas quase não tivera
oportunidade de conhecer o povo do país, até já começava a imaginar que não
haveria muita chance para isso. As mulheres, sempre vestidas de seda preta e
com o rosto coberto, eram muito tímidas, e os homens… Um par de olhos
negros pousava nela a todo instante, com certeza atraídos por seus cabelos
castanho-escuro; eram olhares rápidos e com ar de culpa.
Karim e dois de seus acompanhantes foram apresentados aos convidados
de maior prestígio. Um deles ouvia polidamente a sra. Harding falando sem
parar. Era mais alto que os outros; os ombros fortes, bem marcados sob a
dishdasha branca, havia algo em sua postura altiva que chamou a atenção de
Isabella. Não se podia ver bem seu rosto, pois tinha se inclinado para ouvir
melhor a anfitriã e o abrigo da cabeça o escondia. Não havia dúvida, contudo,
de que era alguém especial. Ela estava muito curiosa para descobrir como ele
era de perto.
Subitamente, ele levantou a cabeça e, como se guiado por um radar,
vagou o olhar pelo salão e o fixou sobre ela, cujo coração quase parou. Os
olhos negros não foram rápidos nem fugiram às pressas. Ao contrário, ele até
se posicionou melhor para apreciá-la, como que se divertindo com o seu ar
assustado. O brilho daqueles olhos inteligentes, por trás de longos cílios
negros, indicava uma personalidade forte, de alguém que não media esforços
para conseguir seu objetivo, de alguém que sabia o que queria da vida. A
simples presença física daquele homem fazia a pele de Isabella formigar e seu
rosto ficar vermelho. Seria melhor baixar a cabeça, mas como? Estava
hipnotizada pelo poder daquele estranho, presa ao olhar dele.
O árabe parecia ter pouco mais de trinta anos, pele morena não muito
escura. O nariz não parecia tão grande quanto o de alguns de seus
companheiros. Ficava magnífico com as roupas típicas e, apesar de ter os
cabelos escondidos sob a kaffia, aquele rosto bonito e marcante era algo
impossível de não se notar. Isabella começou a mexer nas pontas da echarpe
de seda que trazia ao pescoço, desconcertada. Parecia presa por uma corrente
invisível àquele estranho, apesar de haver uma boa distância entre eles. A
autoconfiança que emanava dele era incrível, apesar de fixá-la com ousadia,
continuava a conversar calmamente com a anfitriã. Como podia continuar
assim, seguro e frio, enquanto seus olhos transmitiam mensagens tão cálidas?
— Você está muito elegante — alguém disse baixinho ao ouvido de
Isabella, quebrando o encantamento. Virando-se, viu Lennie Leith, que
trabalhava com ela e Bob na rádio. Sócio de uma butique da cidade, o rapaz
era fanático por moda e logo se pôs a elogiar a roupa dela.
— Esta cor fica muito bem em você.
— Obrigada. Quem é aquele homem lá? Por que a voz dela tremia,
insegura?
— Qual? — Lennie perguntou, mais interessado em um garçom que ia
passando com uma bandeja de bebidas. Quando resolveu responder, já era
tarde demais. Como o banqueiro previra, os figurões se despediam,
apressados, e num instante sumiram pela porta.
A moça se irritou, agora talvez não pudesse descobrir o que “precisava”
saber.
— O mais alto — ela insistiu.
— Talvez seja amigo de Karim, um assessor, ou até o motorista — Lennie
respondeu com pouco caso.
— O motorista? — perguntou, surpresa.
— Talvez. Os árabes não se incomodam com protocolo; são muito
democráticos. Homens importantes podem ser vistos com outros bem simples.
Isabella riu, aliviando sua tensão, e se repreendeu por ter sido tão boba.
Tinha reagido como uma tola! Onde estava a mulher fria e racional que
aprendera a ser em relação ao sexo oposto? Talvez fosse o clima quente ou o
fato de estar num país estranho que tivesse reduzido suas defesas. Duas
semanas depois da morte de Douglas, descobriu que uma jovem viúva é
considerada presa fácil e não estava disposta a ficar sob a mira de ninguém.
Com um olhar gelado, conseguia afastar qualquer homem que tentasse uma
maior aproximação. Até amigos como Bob eram tratados de maneira distante.
Que teria lhe acontecido para se perder naqueles olhos negros? Resolveu fazer
daquilo uma brincadeira e disse:
— Preciso aprender a separar o joio do trigo. Fico sonhando em achar um
príncipe árabe que caía a meus pés me oferecendo fortunas, e acabo
confundindo o príncipe com seu motorista! — riu.
Talvez sua reação pelo belo árabe fosse resultado dos dois coquetéis que
tinha tomado…
— Acho que por hoje não vai mais aparecer príncipe árabe algum, doçura.
E Karim está fora do páreo, muito bem-casado há dez anos. Ele tem reputação
de ser devotado à família — Lennie disse, olhando para os lados. — Parece que
o adorável Bob abandonou você.
— Na verdade, fui eu quem o abandonou. E não acho que seja tão
adorável…
— Ora, o que é isso? Ele ainda não lhe contou o quanto admira seu corpo
escultural?
— Somos apenas amigos — respondeu aborrecida, mas com firmeza.
— Eu não teria tanta certeza. Seus dias de solidão podem estar contados.
Ah, lá está ele entre as admiradoras! Aposto que está falando da peça que
escreveu. Deve ser uma tragédia!
— Não. É uma comédia e parece que muito boa. Estou morrendo de
vontade de lê-la.
— Não vá me dizer que é você quem vai datilografar todas aquelas
bobagens que ele escreveu!
— Pretendo, sim. Bob já pediu emprestada uma das máquinas do
escritório e vai levar lá para casa. Vou fazer o serviço durante as minhas
folgas.
— Vai trabalhar por amor? — Lennie perguntou com um ar malicioso.
— Não, senhor! Bob insistiu em pagar!
— Ah! Achou um modo de ganhar uns dirhams a mais, então?
— Não é isso!
Apesar da negativa, Isabella se viu obrigada a analisar os próprios
motivos. Sobrava muito tempo livre, não havia quase o que fazer na rádio…
mas teria se oferecido esperando, inconscientemente, por um pagamento?
Teria agido por dinheiro ou por amizade? Estaria tão obcecada pelo lado
material das coisas?
Por sorte, Lennie perdeu o interesse pelo assunto. Dizia-se seu amigo e a
tratava bem, mas não lhe inspirava confiança. Isabella tinha a certeza de que
não pensaria duas vezes em revelar sua história, se achasse que podia se
promover com isso. Que furo de reportagem seria, se descobrisse por que era
tão importante para ela conseguir dinheiro!
— Mais de quarenta graus à sombra é para matar qualquer um! — Lennie
comentou. — Quem tinha condições de fugir para um clima melhor já foi. Este
lugar é morto para a vida social no verão. Ontem à noite tive de ficar falando
para dezessete ouvintes entre os quais um gato e duas baratas!
— Não se sente mal, aceitando um salário inteiro da Rádio Ras-Al-Khan,
quando passa tanto tempo nos clubes noturnos? — ela perguntou.
Além de trabalhar na rádio e na butique, Lennie também prestava serviços
em clubes noturnos de dois hotéis.
— Nunca! — ele riu com desdém.
— Pois devia! Eu me apavoro com o que acontece por aqui. As pessoas
não dão a mínima importância à rádio e…
— A única razão de se trabalhar na Rádio Ras-Al-Khan é o dinheiro que
pagam. Você não é diferente dos outros, neste caso, Isabella.
— Claro que sou! Já tentei convercer o sr. Harding a me deixar produzir
alguma coisa interessante, em vez dessas vinte faixas de discos de sucesso,
que se repetem até cansar. É incrível que a programação seja ocupada só por
elas! Ainda não ouvi nenhuma reportagem nem entrevista interessante!
Lennie fingiu não ouvir os protestos e continuou:
— Lembra-se de que me disse que gostaria de ganhar algum dinheiro
extra como manequim?
— Disse mesmo?
Isabella era muito dedicada a sua função na rádio e achava difícil pensar
em fazer outro tipo de trabalho.
— Já faz tempo. Quando lhe falei de meu amigo fotógrafo, Byron, você
disse que tinha posado como modelo, na Inglaterra. Bem, ele está com um
serviço grande por fazer. Um dos hotéis de luxo vai abrir sua loja de roupas
esportivas na área de compras e planejou um folheto recheado de fotografias.
Byron está precisando de uma mulher bonita, charmosa e que tenha fogo por
baixo da pele.
— E eu sou assim? — Isabella perguntou, rindo.
— Ainda não reparou o interesse que está provocando nos homens
presentes? Duvido! Até eu consigo perceber que não é nenhuma garota
gelada. Por fora é até bem comportada, mas…
Esperou, como se fosse um ator querendo dar o máximo de efeito à sua
fala. Depois completou:
— Mas esses seus lábios carnudos escancaram a sensualidade que você
tenta esconder.
— Pare com isso! — ela ameaçou baixinho.
Sentindo que estava zangada de verdade, Lennie se apressou em dizer:
— O trabalho não vai ocupar muito tempo. Apenas algumas horas de uma
só manhã por semana. O cache é alto e, se o primeiro for bem, Byron poderá
chamá-la para outros trabalhos. Por que não liga para ele? Já me disse que
gostaria que você fosse ao estúdio dele, para conhecê-la e ver se eu não
estava mentindo ao falar de suas qualidades. Depois, é só ir à loja, escolher as
roupas.
Isabella estava em dúvida. Seria apenas uma manhã, mas poderia alterar
todo o seu esquema de vida. Sabia que tinha obrigações a cumprir com a
Rádio Ras-Al-Khan em primeiro lugar. Conseguiria dar um jeito de conciliar as
fotos com seu trabalho? Seria falta de ética aceitar outro tipo de atividade? Na
verdade, esses trabalhos temporários não rendiam grande coisa. Lennie
ganhava um dinheiro extra com sua butique, e Bob passava horas escrevendo
peças, na esperança de ficar rico e famoso. Por que ela não poderia aproveitar
o tempo livre para ganhar mais?
__ Vou telefonar ao Byron esta tarde — decidiu.
Sabia que não conseguiria atender ao prazo final de Nigel Dutton; não
havia esperança. Mas, quanto mais dinheiro pudesse oferecer, melhor seria
sua posição para negociar. Sentiu um frio no estômago. Talvez Nigel não
quisesse ou não estivesse disposto a negociar.

CAPÍTULO II

CAPÍTULO II

Isabella olhava com impaciência para os dois homens sentados no sofá da


recepção, desconsolados.
— Não sei por que estão surpresos assim. Há tempo que deviam esperar
por reformas.
— Ei, de que lado está, afinal? — Lennie perguntou, irritado.
— Do lado de melhores programas! — ela respondeu. — Os ouvintes de
língua inglesa de Ras-Al-Khan já sofreram demais. Está na hora de terem
alguma coisa decente para ouvir. Para ser franca fico muito feliz em saber que
alguém quer mudar algo por aqui. Vocês têm de concordar que o sr. Harding é
incapaz de melhorar alguma coisa!
— Mas o que faz você pensar que este tal xeque Tarik seja competente?
Nada sabe sobre ele! — Lennie disse.
— Seja quem for, conseguiu pôr Norman contra a parede — Bob
comentou. — Nunca vi o velho tão submisso, se desculpando sem parar.
Também, tudo estava tão desorganizado! Que situação! Já se passara
uma semana do coquetel quando Norman Harding reunira o pessoal da rádio
para soltar sua bomba! Ou a bomba do xeque Tarik, para ser mais exato. Com
a voz rouca e apagada, ele explicou que a dolce vita que levavam chegara ao
fim. Os programas seriam revisados, as horas de transmissão estendidas,
haveria cortes nas despesas e novas regras viriam.
Com uma ponta de ressentimento e malícia, disse:
— Estão apertando bem o cerco. O xeque chegou a dizer que não vê
motivos para o Estado continuar sustentando um bando de aproveitadores.
Bob ficara indignado ao ser chamado de aproveitador, e seu protesto se
juntou ao coro dos descontentes. Agora, os três apresentadores sabiam que
eram considerados muito bem pagos, por um mínimo de serviço prestado.
— Como vou poder continuar trabalhando nos clubes noturnos, se tiver de
ficar pregado ao microfone, horas e horas? — Lennie lamentou-se.
— Acho que vai ter de dizer adeus ao seu título de “Rei da Noite” — Bob
gracejou, pensando no efeito das medidas sobre o amigo.
— Ria enquanto pode, Bob! — Lennie suspirou, amargo. — Já pensou bem
em quem é esse sujeito? É o exterminador em pessoa! Só vai ficar entre nós
durante um mês e meio, mas isso é tempo mais do que suficiente para cortar
tudo e todos que ele considere peso morto.
Pela primeira vez, o entusiasmo de Isabella pelo xeque ficou abalado. Seu
contrato era de dezoito meses, mas ela esperava ficar três anos. Na verdade,
precisava ficar os três anos. De que outra forma poderia se ver livre de Nigel
Dutton? Conseguira saldar apenas uma pequena parte de seus compromissos.
E se as dívidas e o nome de Douglas fossem levados a um tribunal? Isso nunca
poderia acontecer! Seria capaz de remover montanhas para não denegrir a
memória de seu marido.
— Sei alguma coisa desse xeque Tarik — Bob disse, de repente. — Eu
estava na festa de um magnata do petróleo, na semana passada, quando
falaram do irmão mais novo de Karim. Tenho certeza de que é o mesmo
sujeito. É ele quem negocia com o petróleo de Ras-Al-Khan no exterior e
sempre consegue contratos vantajosos. É muito respeitado pelo monarca e por
toda a comunidade petrolífera local.
— Será que tem um harém? — Lennie perguntou com ironia.
— Ora, ele não é nenhum playboy. Disseram que deve se casar com uma
das filhas do xeque Sarur — Bob informou.
— E o que mais você sabe sobre ele?
— Pelo que entendi, morava em Londres até alguns meses atrás, mas
estava sempre viajando para Nova York. Parece que tem um diploma de
engenheiro especializado na área de petróleo, mais um doutorado na
Universidade de Harvard. Foi apontado como um dos “dez mais” da Economia
deste ano.
— Mas por que um gênio do petróleo vai perder tempo com comunicação?
— Isabella perguntou, intrigada.
— Não faço ideia. O velho Norman diz que o xeque está à procura de nova
idéias para os programas diários.
— Tomara que se interesse por teatro e aprecie as minhas peças, suspirou
Bob, esparançoso.
— Vá esperando sentado! — retrucou Lennie, mordaz.
— Parem de discutir! — Isabella pediu. — Não é hora de perder tempo
com briguinhas sem sentido. Precisamos nos unir e pensar no que vamos dizer
ao xeque daqui a… duas horas. — disse, olhando o relógio. Vamos tomar um
refrigerante e aproveitar para discutir o assunto antes disso.
No final, não chegaram a uma conclusão quanto ao que iam dizer. Lennie
acreditava que o xeque nada entendia de rádio e que logo perderia o interesse
pelo trabalho. Bob achou melhor passar o tempo dando um mergulho na
piscina. Os dois desapareceram, deixando Isabella sozinha no recinto que
servia de escritório, sala de espera e recepção.
Era necessário impressionar bem o novo chefe. Ela tinha de mostrar-lhe
sua capacidade para que pagasse bem pelo serviço dela, e também a aceitasse
por pelo menos três anos, que era o tempo de que precisava.
Isabella era uma excelente profissional. Na Inglaterra, trabalhara
bastante, com idéias inovadoras, numa rádio modesta. Depois recusara várias
propostas de uma emissora maior, em Londres! Lágrimas brotaram em seus
olhos. Jerry Thompson, um nome importante no meio radiofônico, a convidara
para que fosse trabalhar com sua equipe; estava pronta para aceitar, depois
da morte de Douglas. Dias antes de assinar o contrato, porém, viu o anúncio
da Rádio Ras-Al-Khan pedindo locutores, oferecendo um salário muito mais
alto. E fora assim que ela dera adeus a Londres.
Quais seriam suas chances de impressionar bem esse tal xeque? Era o
que pensava enquanto examinava sua aparência no espelho. Sentia-se
satisfeita consigo mesma. Mas e daí? Isso adiantaria alguma coisa?
Provavelmente receberia um daqueles olhares de lado e logo seria esquecida.
Se, como Bob dissera, o xeque era um homem de negócios, estaria muito
ocupado em elaborar programas e reduzir custos para se importar com ela.
Quando pensou num xeque de petróleo cortando custos, teve vontade de rir.
Duas horas mais tarde, armada com uma lista de sugestões para melhorar
os programas, resolveu subir para o andar da diretoria. O enorme hall estava
vazio. O que teria acontecido a Bob e Lennie? Consultou seu relógio e viu que
faltava menos de um minuto para a hora marcada. Será que eles não sabiam
que pontualidade era importante? Olhou pela janela, mas só viu o jardineiro lá
embaixo, regando as plantas.
Ouviu passos vindos de trás. Alguém subia a escada, de dois em dois
degraus.
— Onde andou se escondendo? — perguntou, risonha, em tom de
brincadeira.
Seu coração quase parou; depois, disparou. Em vez de algum dos colegas
de trabalho, era um homem alto, com a roupa típica árabe, que acabava de
chegar.
— Desculpe… eu não esperava…
A voz sumiu na sua garganta. O homem era o mesmo que a tinha olhado
com tanto interesse na festa de Norman Harding: o motorista. Não quis olhar
diretamente para ele. Uma vez só já chegava! Não ia permitir que aqueles
olhos penetrantes a hipnotizassem de novo.
— Está procurando seu patrão? — perguntou, enfim. Pelo ar de espanto
dele, julgou que não falasse inglês. Mas, como continuasse encarando-a, ela
resolveu modular o timbre da voz, falando devagar e gesticulando.
— Seu patrão é o xeque Karim, entende?
Como poderia evitar aqueles olhos penetrantes?
Percebeu que se divertiam enquanto ela se esforçava para transmitir sua
mensagem. Isabella teve o horrível pressentimento de que aquele homem
sabia exatamente o efeito que exercia sobre ela. Apontando para a sala de
reuniões, voltou a falar, tentando ser clara:
— Xeque Karim não está aqui. O irmão dele, xeque Edward, vai fazer uma
reunião daqui a pouco. Conhece o xeque Edward, o irmão menor do xeque
Karim? Irmão menor? — repetiu, fazendo sinal com os dedos.
— Não sou tão pequeno assim — ele disse, com um sorriso. — Assim
acaba me ofendendo, sra. Swan.
O brilho insolente daqueles olhos fizeram Isabella perceber seu erro.
Sentiu o rosto queimar. Aquele homem nunca poderia ser um motorista! Tinha
muita confiança em si, falava muito bem… Suas roupas eram da melhor
qualidade. Em baixo do braço, carregava uma porção de pastas azuis.
— Oh… o senhor é o xeque Edward!
Ela se odiou por ter demorado tanto a perceber a verdade, mas era difícil
pensar com clareza debaixo daquele olhar penetrante. Só então se lembrou de
que talvez devesse chamá-lo de “vossa excelência” ou algo assim.
Dirigindo-se para a sala de reuniões e indicando a Isabella que o seguisse,
ele continuou:
— Eu mesmo. Tenho tentado agilizar os serviços por aqui. As secretárias
não parecem capazes de cuidar de duas coisas ao mesmo tempo. Por isso
resolvi eu mesmo trazer as pastas. É um prazer vê-la… outra vez.
Pondo as pastas sobre a mesa, apertou a mão dela com firmeza. Depois
prosseguiu:
— Vamos aos negócios. Ouvi a fita que mandou antes de se juntar a nós,
sra. Swan. Está ótima.
Sentou-se na cabeceira da mesa e começou a organizar os papéis das
pastas. Sua habilidade a deixou surpresa. Tivera pouco contato com as
pessoas do lugar, estava acostumada com os floreios da diplomacia árabe, por
isso as atitudes dele lhe causaram um choque.
— Ah, está falando do demo-tape
Referiu-se à fita de gravações de comentários falados que tinha feito
antes, ligados com músicas. Norman não mais falara nela depois da entrevista,
apesar de a ter ouvido com interesse, na época. O xeque levantou os olhos,
admirando-se ao vê-la ainda de pé.
— Sente-se, por favor. Achei as partes onde faz apreciações muito boas
sobre o comportamento humano. Por que não faz algo parecido aqui?
Já encantada pelo olhar dele, Isabella agora descobria que a voz era
fascinante também. Tinha um tom grave e aveludado, agradável aos ouvidos.
— Acho que ainda não apareceu a oportunidade — respondeu,
encabulada.
— Não se espera por oportunidades. Deve-se criá-las.
— Mas não posso tomar decisões… — ela começou, surpresa pelo tom de
censura que ele usava.
— Não perca seu tempo com desculpas.
Sentindo-se pressionada, olhou-o com firmeza. Seria esse executivo frio o
mesmo homem que sorria com simpatia há instantes atrás? Confusa,
aprumou-se na cadeira, preparando-se para fazer sua defesa. Merecia ser
ouvida.
— Não sou eu quem toma as decisões aqui, as rédeas não estão em
minhas mãos…
— E é mais fácil passar o dia deitada ao sol do que trabalhar
honestamente por um bom salário, não é mesmo? — ele completou. Suas
palavras soavam como uma chicotada.
— Não, senhor! Não é verdade!
— Então a senhora é a única. Pelo que sei, a piscina do condomínio
Colonnade tem sempre pelo menos um membro da equipe de rádio, enquanto
o outro está no estúdio. Um aqui e outro lá. É difícil imaginar o que o terceiro
faz.
As frases do xeque pareciam descargas de metralhadora; cada palavra
feria como um tiro. Isabella observou os traços firmes daquele rosto, os
cabelos escondidos sob o tecido branco, preso fortemente por cordas negras, o
agal. O brilho dos olhos convencia Isabella de que os ancestrais dele deviam
raptar donzelas, só para se divertir.
— Gostaria de poder organizar alguns programas de interesse local — ela
disse. — E…
— Que tipo de programa?
— Se me deixasse terminar ao menos uma frase, talvez conseguisse
explicar — respondeu, zangada, esquecendo que aquele era seu patrão.
— Continue — ele levantou as sobrancelhas, surpreso.
— Gostaria de pesquisar a herança cultural do Golfo em geral, Ras-Al-
Khan em especial. Esta metrópole não passava de uma vila de pescadores
quarenta anos atrás. Deve haver muita coisa a se contar sobre todas as
mudanças que houve. Acho que há muito material humano para se levantar.
Posso entrevistar os moradores do lugar e os estrangeiros. Ao contrário do que
se pensa, não são todos os estrangeiros que passam o dia todo besuntados
com loção solar. Alguns trabalham com dedicação — concluiu, sem resistir a
uma ofensiva.
— Como a senhora?
— Sim, senhor.
— Então planeje um programa-piloto e poderemos discutir amanhã. Mas
aonde andam seus parceiros de crime? Parece que estão atrasados.
Edward consultou seu reluzente relógio de ouro. Isabella sabia que não
valia a pena defender os colegas naquele instante e sentiu-se aliviada quando
ele mudou de assunto.
— Deve estar se perguntando como vim parar aqui, não é?
— Sim… é verdade — ela admitiu.
— É uma surpresa até para mim. Para resumir, meu irmão, Karim, deixou
o Ministério da Informação em segundo plano para se dedicar à Defesa. Foi
então que me chamaram para fazer o que ele não estava conseguindo.
— O senhor vai ser o novo ministro?
— Não. Há outros planos para mim.
Isabella não ficou sabendo quais eram eles, pois Lennie e Bob chegaram,
e Edward os mandou entrar. O xeque recebeu as desculpas com frieza e
começou a reunião. Os fatos estavam todos ao alcance de sua mão e, depois
de definir as áreas que pretendia reorganizar, começou a atacar os pontos
falhos.
— Parece que estão se esquecendo de algumas regras por aqui. Para
começar, “todos” devem trabalhar as horas estipuladas pelo contrato e,
quando eu digo “trabalhar”, quero dizer que devem estar presentes no estúdio.
— E se nada tivermos para fazer? Em geral vamos embora se não
precisamos falar ao microfone — Lennie rebateu.
Isabella teve vontade de sumir no chão. Como Lennie podia dizer uma
coisa daquela, naquele momento? Olhou de soslaio para a cabeceira da mesa e
sentiu um arrepio ao ver que ele também a olhava. A crítica que vinha daquele
olhar era muito forte.
— Vai haver mais trabalho quando forem aumentadas as horas de
programas ao vivo — ela disse, tentando consertar as coisas e mostrar que
não concordava com Lennie.
— Isso é verdade, sra. Swan — o xeque concordou. — Mas três locutores
parecem demais quando há tantas fitas ruins de música e muito lixo importado
indo ao ar, no momento. Um chimpanzé bem treinado daria conta do trabalho
sozinho, ou um robô.
Lennie riu, mas riu sozinho. Isabella e Bob sabiam que o xeque não
estava para brincadeiras.
— Acho que dois locutores são mais do que o suficiente — Edward
anunciou.
Isabella ficou gelada. Tinha sido a última a ser contratada e isso poderia
significar que seria a primeira a ser mandada embora. Será que o fato de ser
mulher não diminuiria ainda mais suas chances? Talvez o xeque Edward fosse
como os grandes chefes do deserto, que preferiam ver suas esposas em casa,
cuidando das tarefas domésticas e criando os filhos.
— Não concordam que dois locutores chegam? — ele perguntou.
— No momento, sim — Isabella respondeu com honestidade. — Mas e se
substituíssemos os programas importados por outros produzidos aqui?
Poderíamos criar uma hora de esportes, cobrir os acontecimentos locais…
Tanta coisa interessante!
— Ah, é? Se isso realmente acontecesse, então eu concordaria em manter
três locutores. Até mais poderiam ser contratados para fazer um trabalho útil.
Mas, por enquanto, só dois são necessários — o xeque disse.
— E quem são esses dois?
Isabella precisava saber. Imagens de Nigel Dutton e da dívida assumida
assombravam seus pensamentos.
— Sra. Swan, no Golfo temos um ditado que diz: “Aquele que não
conhece o falcão, acaba por cozinhá-lo”. Mas pode ter certeza de que não corre
o risco de ser cozida, a não ser que eu decida que é isso que merece. Bem,
senhores, o problema de organização de trabalho está em minhas mãos. Se,
como a sra. Swan sugeriu, houver um aumento de serviço e mais respeito aos
horários, não precisaremos alterar o quadro de funcionários. Por falar nisso, sr.
Lennie, o trabalho bem feito não deixa energias para… curtições noturnas.
Posso contar com sua cooperação? Se não…
Os ombros musculosos se movimentaram por baixo da túnica branca,
como se ele fosse um leopardo pronto para atacar. Olhou então para os três.
— Se não, tenho certeza de que a Rádio Ras-Al-Khan pode sobreviver sem
os senhores.
Isabella sabia que a rádio poderia passar sem eia, mas e ela? Conseguiria
passar sem a rádio? Era quase impossível conseguir outro emprego que
pagasse tão bem… Se não saldasse logo uma boa parte de sua dívida, não
sabia como escaparia das garras de Nigel Dutton, Gelada de medo, pensava e
repensava em seus problemas. Se ao menos houvesse algum modo de
conseguir dinheiro mais depressa…
Uma carta de Meg esperava por ela, quando voltou para casa naquela
noite. Leu cada palavra com ansiedade. Nigel tinha parado Meg na rua e a
pressionara muito.
“Não posso contar que você está fora do país? Acho que ele suspeita de
alguma coisa, e odeio dizer mentiras.”
Lembrando as palavras da irmã, o coração de Isabella bateu forte.
Pensava se Nigel já teria descoberto que ela não estava naquele emprego, em
Londres. Esperava poder esconder a verdade por seis meses, pelo menos, mas
sabia que isso era esperar demais. Nigel Dutton só estava escolhendo o melhor
momento para dar o bote.
Douglas tinha sido o responsável pela entrada daquele velho e conhecido
mau caráter na vida dela. Como diretor presidente da Dutton & Company, uma
próspera empresa fabricante de ônibus, Nigel gozava de uma situação de
destaque na cidade. Ela ainda se lembrava dele como o prefeito pomposo,
distribuindo prêmios em escolas, fazendo discursos. Não havia cerimônia oficial
sem sua presença.
A princípio, a relação entre ele e Douglas tinha sido puramente comercial.
Pouco antes do casamento, Douglas comprara uma pequena empresa de
ônibus, que só tinha veículos de segunda mão. Mas, imaginando-se dono de
uma frota de carros de luxo, começou logo a achar que aqueles não serviam:
— Espere um pouco antes de comprar ônibus novos, Douglas. Dê uma
chance para que o número de passageiros aumente. Se esperar até o ano que
vem, vai ter mais dinheiro em caixa — Isabella implorou. A essa altura já
estavam casados e tinham assumido inúmeros compromissos.
— Ano que vem? Não pretendo esperar até lá — respondeu, zangado.
Estava novamente com aquele ar teimoso, seu velho conhecido, e, para evitar
cenas de mau humor, ela se calou. Foram feitas encomendas para a Dutton &
Company, e logo dois novos ônibus chegaram. Como próximo passo, o sr. e a
sra. Dutton foram convidados para jantar.
Com um sorriso de quem tentava esconder o sentimento de culpa por algo
malfeito, o marido pedira:
— Você não se importa, não é? Nigel está louco para conhecer você. É seu
fã. Diz que sempre ouve seus programas.
— Pois eu não estou com a mínima vontade de ser apresentada a ele, É
um sujeito sem caráter, que engana a esposa. Todo mundo na cidade sabe que
ele vive correndo atrás de saias.
— Seja simpática com ele, Lyss.
Douglas não estava se comportando como sempre; havia algo de errado
em tudo aquilo. Afinal, tinha ciúmes até quando ela sorria para um amigo.
— Por que, Douglas?
— Ele pode nos ajudar — respondeu, evasivo, evitando os Olhos da
mulher.
— Não me diga que atrasou o pagamento daqueles malditos ônibus! Foi
isso mesmo! — ela exclamou, vendo a verdade estampada no rosto do marido.
— Apenas por alguns meses, mas Nigel tem sido muito compreensivo,
Lyss.
— Duvido!
— É verdade. Seja boazinha com ele, por mim.
E, por causa de Douglas, ela se esforçou para sorrir e ser amável, mesmo
quando a mão de Nigel segurou a sua mais do que o tempo necessário;
mesmo quando aqueles olhinhos negros pareciam querer despi-la… Suportou a
voz desagradável da esposa dele, falando sem parar de doenças e de animais
de estimação. Duas semanas depois, forçou-se a sorrir, outra vez, quando
foram jantar com os Dutton, sem nada poder fazer quando Nigel passou a mão
em seu ombro de propósito, fazendo os dedos tocarem-lhe os seios. Sentiu-se
muito mal e, desanimada, constatou que esses encontros estavam se tornando
um programa regular.
— Você está com as prestações em dia, Douplas? — insistiu certa vez.
— Sim.
— Então por que temos de recebê-los novamente? A mulher de Nigel me
cansa e ele… ele…
Isabella se conteve para não contar como procurava tocá-la, fingindo ser
acidentalmente; como sentia nojo dele.
— Nigel acha você maravilhosa! Disse até que, se fosse vinte anos mais
moço, eu não teria tido chance — Douglas comentou.
— Isso é o que ele pensa! É um homem sujo, horroroso! Por favor, não
vamos mais vê-lo! — ela pediu.
— Mas Nigel conhece todos na cidade, sabe dos bons contatos. É ele quem
pode dar um empurrão nos meus negócios, fazer as coisas melhorarem para
nós.
— Não me importa. Só sei que é um sujeito perigoso. Tem certeza de que
pagou o dinheiro que devia, Douglas?
— Não amole! Será que não pode confiar em mim? Isabella sabia que não,
mas como em tantas outras vezes, não insistiu. Os jantares continuaram. Nigel
Dutton não passava do limite aceitável, mas a intuição de Isabella dizia que
alguma coisa ruim estava por acontecer. Nigel parecia estar esperando uma
ocasião favorável. Quinze dias depois da morte do marido, ela descobriu do
que se tratava…
Guardando a carta da irmã, disse a si mesma que precisava manter a
cabeça fria, mesmo que isso lhe custasse muito. Mas como? Devia vinte mil
libras a Nigel! E era a parte menor da dívida original… Trinta mil libras já
tinham sido pagas com a venda da mobília comprada com tanto carinho e
sacrifício, quando se casara.
Preocupada, passou a mão na testa. Estaria sendo covarde ao deixar as
coisas como estavam? Gostaria de ter contado tudo a Meg e a Cliff, seu
cunhado, mas o orgulho e a vontade de preservar a imagem de Douglas a
impediram. Douglas! Seus olhos se encheram de lágrimas ao pensar no marido
impetuoso… um garoto perdido e desorientado.

CAPÍTULO III

Fazia muito calor na cabina radiofônica naquela manhã ensolarada.


Isabella colocou os fones de ouvido, conferiu o volume de voz com o técnico e
esperou o sinal para começar. Os acordes familiares do hino de Ras-Al-Khan
ecoaram na sala.
— Bom dia. Aqui é Isabella Swan falando da Rádio Ras-Al-Khan.
Iniciaremos nossas transmissões com a leitura do Sagrado Corão, como
fazemos habitualmente!
Meia hora mais tarde, depois de ler as notícias e passar o microfone para
Bob, ela foi para sua mesa de trabalho. Ficaria ali até as nove, quando leria a
previsão do tempo e daria as últimas notícias locais.
Estava satisfeita: não só planejara o plano-piloto que o xeque Edward lhe
sugerira, como ainda projetara mais dois programas em detalhes e fizera o
esquema para mais quatro. Cada um deles era uma colagem de notícias e
informações sobre diferentes aspectos da vida em Ras-Al-Khan. O primeiro
tratava da indústria pesqueira e destacava as etapas mais interessantes e
curiosas de cada fase da produção. O segundo falava sobre as fragrâncias dos
perfumes árabes.
O telefone tocou enquanto conferia suas pesquisas. Atendeu-o distraída,
mais preocupada com os dados que conferia.
— Isabella Swan.
— Bom dia, como vai? Morrendo de trabalhar?
A voz que brincava com ela era estranha. Devia ser Lennie, que fazia
ótimas imitações de vozes e usava Isabella para testar o efeito que causavam.
Estava sempre representando pelo telefone: já fora John Travolta, o chinês da
lavanderia, e até o presidente da República… Mas, desta vez, a quem estaria
imitando?
— Estou ótima — ela respondeu. — Morrendo de saudade de você, é claro.
Felizmente tenho meu trabalho para consolar…
— Morrendo de saudade de mim?
A voz dele mostrava que estava se divertindo. Isabella percebeu um
sotaque de Yorkshire, mas não conseguiu identificar a quem Lennie estaria
imitando. Seria alguma celebridade ou alguém que conheciam em Ras-Al-Khan
e que falava daquela maneira?
— E que tipo de trabalho está consolando você? — ele perguntou.
— O planejamento de uma série de programas para o tal do xeque.
Depois de trabalhar três horas como uma escrava, ontem à noite, estou
começando a ver o que me espera. Preciso fazer contato com mil e uma
fontes, vou morar na biblioteca… Acho que o mais difícil vai ser achar as
pessoas certas para entrevistar, isso sem falar na barreira da língua. Vou
precisar de um bom intérprete. Ainda não conheço bem as coisas por aqui e
não sei como funciona toda a burocracia. Não sei como vou dar conta de fazer
os contatos entre as transmissões.
Envolvida pela conversa, Isabella nem estava mais preocupada com quem
Lennie estaria imitando. Certa de que era ele, resolveu brincar:
— Andar por aí com esse calor não é fácil. Afinal, pode-se acabar torrado
enquanto se espera por um táxi. Não acha que seria bem mais fácil se eu
tivesse meu próprio carro? Talvez deva fazer um empréstimo para comprar um
Mercedes. O que acha?
— Acho que o tal xeque iria dizer não.
— Mesmo se eu pedisse com jeitinho? — brincou, com voz sensual.
— E que jeitinho seria esse?
— Adivinhe! Ponha a imaginação para funcionar…
— Estou sem nenhuma. Diga o que pretende fazer. Já cansada daquela
brincadeira, Isabella disse:
— Está bem, Lennie, desisto. Quem é que você está imitando desta vez?
Como ele continuasse em silêncio, ela insistiu:
— Sei que é você, pode parar de brincar. Não me faça perder tempo;
tenho muito o que fazer. Quem está imitando?
— Aqui é Edward.
— Não vá me dizer que é sua excelência o xeque Edward Hamed Al
Zahini! Está perdendo seu senso de humor.
— Pois repito. É Edward quem está falando.
Alice gelou; lembrou-se de que era muito cedo e Lennie ainda devia estar
dormindo. A pessoa que estava falando com ela era “mesmo” o xeque! Lennie
não seria capaz de imitar tão bem aquela voz melodiosa.
— Gostaria de discutir suas idéas para os novos programas. Pode subir e
falar comigo, agora?
— Desculpe, pensei que estava falando com…
— “Agora” — ele repetiu e desligou.
Com o coração aos saltos, Isabella recolheu os papéis e conseguiu chegar
à sala da diretoria. Tremia inteirinha quando bateu à porta.
— Entre — ele ordenou, fazendo um sinal com a cabeça.
— Com licença. Bom dia, senhor.
Parecia uma colegial assustada. Resolveu usar o “senhor” para compensar
a gafe de instantes atrás. Precisava tratá-lo com todo o respeito que ele
merecia.
— Bom dia, sra. Swan.
Não conseguia saber se ele estava zangado, se ia despedi-la por
impertinência ou se deixaria passar o engano. As pastas espalhadas sobre a
mesa revelavam que ele estava trabalhando de verdade. Ela se sentou e
esperou, vendo-o fazer anotações à margem de um ofício.
Não, ele não podia despedi-la assim. Ou podia? Era um homem orgulhoso,
mas não teria um pouco de senso de humor? Estava sentindo um frio no
estômago. O que teria dito a ele no telefone? Tentava se lembrar,
desesperada, mas sentia a cabeça embotada. Não sabia como agir. O xeque
pôs aquela folha de papel de lado e pegou outra. Será que a ficha dela estava
entre aqueles papéis? Teria chamado Isabella para rasgar o contrato na frente
dela?
Ele levantou a cabeça e olhou-a por um bom tempo; era impossível
adivinhar seus pensamentos.
— A senhora não respondeu à minha pergunta.
— Sua pergunta? — Não conseguia entender do que se tratava.
— A senhora não me explicou que “jeitinho” pretende usar para me
convencer a lhe emprestar o dinheiro para comprar seu Mercedes.
O tom da voz dele deixou Isabella confusa e ela baixou os olhos. Será que
estava brincando? E, se estivesse, com que intenção o faria? Como deveria
reagir: rindo ou pedindo desculpas? Arriscando-se a levantar um pouco a
cabeça, viu que ele passava a mão no queixo, esperando uma resposta.
Não pôde deixar de observar aquela mão forte, numa postura
dominadora.
— Não foi isso que eu quis dizer — ela disse, com um fio de voz.
— Não quis? Não vai esperar que eu acredite que não gostaria de ter um
carro daqueles. Pelas roupas que usa, posso deduzir que está de olho nas
melhores coisas da vida.
Isabella não sabia se ele a estava condenando ou lhe fazendo um elogio.
Sempre achava que era capaz de se sair bem em situações difíceis, mas,
daquela vez, sentia-se perdida e intimidada.
— Eu não estava falando a sério. A idéia de um empréstimo não passou
de uma brincadeira. Não quero carro algum.
O rosto do xeque finalmente mostrou que estava zangado, furioso, até.
— Ah, não? Tenha a coragem de assumir o que pensa! Não precisa voltar
atrás, sra. Swan. Entendi perfeitamente o que queria dizer com a expressão
“jeitinho”. Não é um meio muito original, mas podemos tentar… Infelizmente,
não lhe posso prometer desde já o dinheiro para o carro; vai depender dos
resultados … se for um “jeitinho” satisfatório.
— Não! O senhor não entendeu… Eu não quero o carro, nem quero…
— Não me quer? — ele interrompeu. — Não é verdade. Sei que me quis
desde a primeira vez em que me viu e confesso que também me senti atraído.
Tenho o que a senhora parece querer: dinheiro. E a senhora tem o que eu
quero…
Isabella levantou-se da cadeira, furiosa; sentia o sangue ferver nas veias.
— O senhor está enganado! Fez um grande erro ao me julgar. Não
pretendo me vender e nem sou uma leviana qualquer, “excelência”!
O xeque arrumou sua kaffia por trás dos ombros fortes e respondeu,
cortante:
— Também não sou um obcecado por mulheres… Não fico louco com o
simples balançar de quadris femininos, nem costumo recompensar as mulheres
com braceletes de diamantes, ou carros de luxo, fique sabendo! Não tenho
intenção de ser explorado, nem vou deixar que explorem as coisas de Ras-Al-
Kahn. Vocês estrangeiros…
— Por favor, não me inclua em grupo nenhum. Só faz um mês que estou
no Golfo e…
— Vocês de fora fizeram o que bem entenderam por muito tempo, mas
isso vai mudar — continuou, apontando para uma cadeira. — Faça o favor de
se sentar. Podemos começar? Tem permissão para me chamar de Edward e
vou chamá-la de Isabella, se me,permitir.
Ela o olhava, sem compreender como podia passar de insinuações eróticas
para assuntos sérios, assim de repente. Talvez sua raiva já tivesse esfriado.
— Peço desculpas se a ofendi — ele disse com um sorriso, que a confundiu
ainda mais. — Mas achei que valia a pena saber que tipo de mulher você era,
realmente. É melhor deixar tudo claro desde o começo. E esses papéis? Devem
ser seus projetos. Posso vê-los? Obrigado, Isabella.
— Espero que consiga entender, Edward — respondeu com voz gelada e
impessoal. Não conseguia perceber claramente onde ele pretendia chegar.
Sentira-se atraído por ela ou apenas queria testá-la para ver como se
comportaria? Agora, com a cabeça fria, considerou que seria capaz de se sair
bem da situação, qualquer que fosse ela. Afinal, já tivera problemas sérios com
o marido, estava tendo dificuldades com Nigel, e sempre conseguira dar a
volta por cima. Não seria desta vez que iria entregar os pontos. Ele continuou:
— Claro que vou entender. E acalme-se, por favor. Já vi que não é mulher
para ficar dizendo: “Sim, senhor. Não, senhor”.
— Era o que esperava de mim?
— Não, por favor! Diga-me, Isabella, você é fria como aparenta ou está
escondendo o jogo? Que mulher se esconde debaixo dessa capa de gelo? —
Perturbada, ela só conseguiu articular:
— Não sei.
— Não pode ter chegado aos vinte e sete anos sem saber — ele replicou,
com os olhos brilhando.
Devia manter a linha a qualquer custo naquele momento, por isso
perguntou com frieza:
— Como sabe a minha idade?
— Examinei sua ficha, como a de todos. Sei que começou a carreia numa
rádio de hospital, que faz pouco menos de um ano que ficou viúva e…
O sorriso sensual desapareceu e ele continuou, sério:
— Também sei que é bastante capaz para muitas outras atividades, além
de ler um monte de notícias prontas e outras baboseiras, como o faz
atualmente na Rádio Ras-Al-Khan.
Acabando de fechar a pasta sobre assuntos pessoais, passou a estudar as
anotações dela. Perguntava objetivamente, escutava as respostas com
atenção, para depois fazer mais perguntas sobre detalhes. Aceitou a maioria
das idéias, rejeitando outras que achou muito extravagantes para um país
muçulmano.
O tempo passou e Isabella conseguiu relaxar, pois Edward tinha o dom de
pôr as pessoas à vontade, se o quisesse. O mundo do rádio os absorveu,
tornando-os iguais, fazendo com que o começo embaraçoso da reunião fosse
esquecido.
Perto do meio-dia, ele diminuiu um pouco o ritmo de trabalho e disse:
— Sei que não fuma. Importa-se se eu fumar?
— Não, é claro que não.
— Tinha abandonado o vício há três anos… ou melhor, pensei que
tivesse… Mas, desde que voltei para cá, recomecei outra vez. Acho que é por
causa dos nervos.
“Nervos!”, ela pensou, vendo-o abrir a cigarreira. “Ele não parece ter um
só nervo no corpo!”
— Desculpe se estou indo muito rapidamente — ele disse. — Mas só me
deram seis semanas para pôr isso aqui em ordem.
— Depois volta para o mundo do petróleo?
— Não é exatamente voltar, porque não me afastei totalmente. Lá é o
meu lugar. Trabalharei com rádio nessas seis semanas apenas. Não pretendo
ficar nenhum minuto a mais depois disso.
— Ofereceu seus serviços à Rádio Ras-Al-Khan ou… foi obrigado? —
perguntou, intrigada.
— Meu avô me pediu. Ele sabe da influência que os meios de comunicação
têm, cada vez mais, sobre as pessoas. Acha que o ideal é ter gente daqui
mesmo trabalhando no rádio e na televisão, mas… — interrompeu-se para
sorrir com malícia — como isso não pode acontecer de uma hora para outra,
vocês, estrangeiros, são um mal necessário.
— Obrigada — respondeu, rindo, já descontraída.
— Estamos interessados em treinar pessoas para trabalhar em
comunicação de massas, aqui e no exterior, mas vai levar algum tempo para
que estejam realmente preparadas.
— E, até lá, vai se aguentando com pessoas como eu? — ela sugeriu,
fazendo-o rir. — Onde estudou comunicação?
— Na verdade, em nenhum lugar. Confio na minha intuição e experiência.
Não estava se gabando, falava com sinceridade e não havia como não
aceitar suas idéias. Ele já pensara ter um conhecimento profundo das funções
e do funcionamento de uma estação de rádio.
— Convivi durante alguns anos com uma pessoa que ocupava um alto
posto na televisão em Nova York — ele explicou. — Prestei bastante atenção.
Quando se vem de um lugar em desenvolvimento como Ras-Al-Khan, é sempre
bom estar alerta para tudo o que se possa aprender, para o funcionamento de
tudo, em todos os setores.
— E este seu amigo o introduziu no mundo do rádio, também?
— Sim, mas era uma amiga. Eu quase a deixei louca com tantas
perguntas. Por fim, compreendeu que qualquer trabalho, seja ele petróleo,
televisão ou o que fosse, consegue me interessar de imediato — riu. — Mas
nem tanto. Ainda tenho muito do senhor de harém, que aprecia os outros
prazeres da vida.
Os olhos de Isabella ficaram presos nos dele e seu coração disparou.
Desde a morte de Douglas, tinha procurado abafar todos os seus pensamentos
sobre sexo, até encontrar Edward. Ele disse o que achava realmente desde o
primeiro instante e tinha razão. Não podia negar, sentia-se atraída e excitada
por aquele homem de olhar penetrante e palavras diretas, ditas numa voz
sensual.
Procurou mudar de assunto, passando para um terreno neutro.
— Como ganhou esse sotaque de Yorkshire? Não é muito forte, mas
percebi quando falou comigo pelo telefone.
— Minha mãe é de lá. Ainda não tinha percebido que sou mestiço? Nem
lhe contaram minha história? Ora, a família Al Zahini é o assunto preferido nas
conversas dos estrangeiros.
Afastou-se. Voltava a classificá-la como estrangeira e ela não gostou.
Irritada, disse:
— Não costumo ouvir fofocas.
— Nem os mexericos à beira da piscina?
— Nada. E não costumo passar todo meu tempo livre à beira da piscina —
insistiu, defendendo-se contra as acusações explícitas dele.
— Talvez não. Não está queimada de sol. Como preenche seu tempo livre,
Isabella?
Podia ser tolice, mas não pôde deixar de perceber o modo como ele
pronunciava seu nome. Os sons saíam por entre os lábios como uma canção de
amor.
— Ultimamente, andei gravando sons de efeitos especiais. Não havia nada
no gênero e achei que o estúdio poderia precisar de algo assim, de repente.
Também estou datilografando uma peça de Bob.
— Ah, ele escreve peças? E esta é boa?
— Não sei. Não sou crítica de teatro! — riu, zombeteira.
— Mas também não é ignorante. Acha que a peça é boa para ser
transmitida pelo rádio ou pela televisão de Ras-AI-Khan?
— Talvez, mas…
— Peça a Bob que me dê uma cópia, quando acabar. Se ele concordar, é
claro.
— Claro que vai concordar. Produza a peça e Bob será seu amigo para
sempre.
Isabella sorriu, pensando na rapidez com que Edward tomava suas
decisões.
— Ótimo. Seria bom que pelo menos uma pessoa não me julgasse um
vilão. Não estou aqui para destruir, mas para criar. Pena que o tempo seja
muito curto; preciso ser rápido. Só espero que as pessoas tenham maturidade
suficiente para entender o que estou tentando fazer.
— Acho que temos… a maioria, pelo menos — ela disse, lembrando a
teimosia de Lennie.
— Então todos vão ser meus amigos… inclusive você? — ele perguntou,
levantando uma sobrancelha.
Algo no tom daquela pergunta deixou-a com os sentidos alerta. Era
melhor manter a relação entre eles num nível bem profissional.
— Por que não? Nós dois queremos que a Rádio Ras-AI-Khan produza
divertimento e informações, e que possa estimular o público ouvinte. Nosso
objetivo é alargar os horizontes das pessoas, além de entretê-las.
— Isso quer dizer que podemos trabalhar juntos como amigos?
— Sim.
— Bons amigos?
— Sim — ela respondeu, sem compreender onde ele queria chegar com
tanta insistência.
— Amigos de trabalho e só? — ele provocou.
— Sim, claro!
— E o que fazemos com a atração que existe entre nós? Mais uma vez
ficou embaraçada. Por que ele estava sendo tão agressivo? Como podia falar
de atração com tanta calma, com tanta facilidade? Seria outro teste?
— Ora, não existe nada entre nós. Além do mais, sei que deve se casar
com sua prima, uma das filhas do xeque Sarur.
— Não foi você quem disse que não ouvia mexericos? Mas é melhor que
fique sabendo direito das coisas. Ainda é preciso acertar alguns detalhes, antes
de eu ficar noivo de Shansa.
Edward calou-se e ficou arrumando as pastas por algum tempo.
Finalmente disse:
— Não me leve a mal. Eu não estava sugerindo nenhum tipo de ligação.
Só fui honesto quanto… — ele se interrompeu e afastou o assunto com um
sinal de mão. — A última coisa em que estou pensando é em ir para a cama
com você.
— E seria a última coisa que eu faria — ela respondeu, furiosa por pensar
que estava sendo julgada uma presa fácil.
— Seria tão ruim assim? — ele perguntou, mas logo mudou de assunto,
voltando a ser um executivo eficiente. — Obrigado por me ceder parte de seu
tempo. Nosso encontro foi instrutivo e proveitoso.
E me balançou também, Isabella pensou, arrumando seus papéis. Ele
continuou:
— Tem permissão para continuar com os dois primeiros programas, como
estão no projeto. Pagaremos suas despesas com táxi, material e aquilo de que
precisar. Mas não perca seu tempo com um pedido de um Mercedes por que o
tal xeque… — disse, bem-humorado.
— Não vou pedir — ela não conseguiu deixar de sorrir.
Como podia deixá-la tão assustada num instante e tão à vontade no
outro? Sempre tivera orgulho de saber se conduzir com frieza e calma diante
das mais variadas situações, mas agora se sentia como numa montanha-russa
desgovernada.
— Está satisfeita com o que recebe aqui na rádio? — Edward perguntou,
enquanto se dirigiam para a escada.
— Muito. O salário é ótimo — respondeu, com sinceridade.
— Há coisas mais importantes na vida do que o dinheiro… O tom áspero e
a certeza com que disse aquilo fizeram Isabella ter vontade de protestar. Ele
não sabia de nada! Como poderia compreender a agonia de alguém que tem
tudo aquilo que ganha comprometido pelos próximos três anos.
— Já passou necessidade? — perguntou, irritada.
— Não — e o tom de voz demonstrava surpresa.
— Já ficou acordado noite após noite pensando de onde viria o próximo
tostão?
— Não.
— Então eu agradeceria se não fosse tão inflexível. Acredite, dinheiro é
importante, muito importante. Quem tem dinheiro tem proteção, liberdade e
auto-estima. Sem dinheiro… — interrompeu-se subitamente. Não seria sensato
falar de seus problemas. Por sorte, estavam ao lado do estúdio e ela poderia
escapar. Mais três minutos e leria as notícias do meio-dia. Mas quando ia se
afastar, dedos firmes seguraram seu pulso.
— O que a fez ficar tão amarga em relação ao dinheiro? — Edward
perguntou.
— Não foi “o que”, foi “quem” — respondeu, soltando-se. — E a resposta
para isso é meu marido e um homem chamado Nigel Dutton!

CAPÍTULO IV

Nunca deveria ter citado aqueles nomes, fora uma enorme imprudência.
Passou o resto do dia preocupada, com medo de que Edward pudesse começar
a fazer perguntas. Como poderia explicar seu desabafo? Não seria fácil. Ele era
esperto, muito esperto. A única esperança era de que suas palavras fossem
esquecidas.
Quando ele ligou, alguns dias mais tarde, para discutir pontos dos
programas, receou que o assunto voltasse à baila. Mas ele se limitou a tratar
de trabalho. Aliviada, viu que seu desabafo não tinha sido levado a sério. E
isso a deixava mais tranquila.
Na segunda semana, Edward conseguiu algo que parecia impossível na
administração de Norman Harding: fazer com que toda a equipe que
trabalhava na rádio se entusiasmasse. Os comentários maldosos e mal-
humorados deram lugar a elogios. Pouco a pouco, todos começavam a sentir
que um trabalho bem-feito poderia proporcionar satisfação e alegria.
Sempre haveria uma ovelha negra, e esta parecia ser Lennie. Havia
momentos em que ele se rebelava, e outros em que obedecia sob protestos,
mas de vez em quando se via obrigado a admitir que as mudanças estavam
sendo para melhor.
De sua parte, Isabella achava contagiante o dinamismo do xeque. Desde
que obtivera carta branca para os novos programas, ela disparou a trabalhar.
Já não se sentia frustrada, não havia mais tempo para as incontáveis xícaras
de café que tomava antes. Agora estava ocupada da manhã até a noite, pois,
além de seu trabalho de locutora, dava telefonemas, pesquisava fatos,
estudava a história do Golfo e procurava assuntos de interesse. Uma ideia
puxava outra e ela estava tão envolvida por tudo que mal lhe sobrava tempo
para se preocupar com Nigel Dutton.
— Qual é seu próximo passo nos programas sobre a indústria de pesca? —
Edward perguntou.
Estavam na sala da diretoria, em meio a uma das reuniões regulares que
mantinham periodicamente.
— Falar com alguns pescadores, mas para isso preciso de um intérprete.
Acha que posso encontrar uma mulher daqui para me ajudar?
— Por que uma mulher? — ele perguntou, intrigado.
— Porque ainda não falei com mulher alguma de Ras-Al-Khan desde que
cheguei e achei que seria interessante.
— Desculpe-me, mas acho que não será possível. Pouquíssimas mulheres
trabalham por aqui. Quase se pode contá-las nos dedos.
— Elas preferem ficar em casa? — Isabella perguntou.
— Sim, mas nem por isso deixam de estar bem informadas. Minha
cunhada, por exemplo…
Ele se interrompeu ao perceber que estava dando detalhes familiares a
um empregado. Parecia arrependido. Nos últimos encontros, entrava em
assuntos pessoais com certa regularidade e Isabella compreendia. Ela também
estava confusa quanto ao relacionamento entre eles. De um lado, pareciam ter
ideias semelhantes, acreditar nas mesmas coisas; por outro mostravam-se
como que separados por milhões de anos-luz. Às vezes ela se esquecia de que
aquele homem era diferente dela em muitos aspectos. Quem seria Edward?
Um jovem europeu ou um xeque árabe? Era difícil saber.
— Quanto ao intérprete — ele continuou — tenho um primo em segundo
grau que gosta de praticar seu inglês. É só me dizer quando e onde precisa de
ajuda, que eu mando Abdullah. O rapaz tem dezoito anos e uma queda
especial por mulheres de olhos azuis, por isso cuidado…
— Está com medo que eu seduza seu primo? — perguntou, indignada.
— Acho que é mais perigoso Abdullah seduzir você — ele respondeu, frio.
— Mas não quero que ele faça uma tolice qualquer, como se apaixonar por
uma estrangeira, por exemplo.
— E por que não? A voz de Isabella soou fria como gelo. Tinha vontade de
lhe lembrar que metade dele também era estrangeira. Mas claro, o Edward que
falava com ela naquele instante era totalmente árabe!
— Porque ele deve se casar no ano que vem.
— Um casamento arranjado?
— É esse o costume.
— “Todos” os casamentos em Ras-Al-Khan são arranjados?
— Acha que eu deixaria que escolhessem uma noiva para mim?
Ela não sabia o que responder. Ele poderia estar querendo dizer que seu
casamento com Shamsa não tinha sido arranjado, que tinha escolhido a prima
por conveniência própria. Observando-a com atenção, ele prosseguiu:
— Diga-me uma coisa. Por que decidiu trabalhar em Ras-Al-Khan?
— Eu… bem… como experiência pessoal.
— Mas não faz sentido escolher uma rádio ainda em formação, em termos
de carreira.
— Queria alargar meus horizontes — continuou ela, pensando ter achado
uma boa resposta.
— Não alarga seus horizontes trabalhando num buraco. Quando mostrar
seu currículo, dizendo que trabalhou na Rádio Ras-Al-Khan, ninguém vai dar
valor a isto.
Ele tinha razão, mas Isabella se recusava a admitir qualquer coisa que
depusesse contra ela. Declarou, então:
— Trabalhar aqui é um desafio. É completamente diferente de tudo o que
fiz antes e estou gostando da experiência de morar num país estranho. Desde
criança, sempre adorei viajar, ver lugares novos, conhecer outras pessoas e…
— Por favor, pare de enfeitar os fatos e responda a minha pergunta — ele
ordenou.
— Eu queria ganhar dinheiro; um bom dinheiro — ela replicou, vendo que
não havia outro jeito, senão contar a verdade.
— Foi o que Jerry Thompson disse.
— Falou com Jerry Thompson? — sentia-se alarmada.
— Sim. O nome dele estava em sua ficha para referências e lhe telefonei
ontem. Estava tentando descobrir por que veio para cá. Afinal, você é uma
profissional mais qualificada do que a maioria de seus colegas. A começar por
Norman Harding, que não tem capacidade para assumir uma posição de chefia.
— Não compreendo como ele esteve à frente da rádio todo esse tempo —
ela comentou, aproveitando a oportunidade para mudar de assunto.
— Até bem pouco tempo, ninguém em Ras-Al-Khan tinha conhecimento
necessário para compreender como a programação é medíocre. E, para falar a
verdade, temos tido assuntos mais urgentes para tratar do que rádio. Mas,
com o grande desenvolvimento do país, vimos que não tínhamos pessoal
preparado para uma série de funções. Os estrangeiros foram trazidos para
suprir esta deficiência, mas nem todos fizeram o que precisava ser feito. Aos
poucos iremos recolocando o trem nos trilhos. Sempre há problemas de
adaptação para alguns funcionários; outros têm bastante boa vontade, mas
nenhuma iniciativa. Precisam ser guiados e acompanhados de perto. Outros,
enfim, como Lennie… — Edward parou. — Bem, ele é um caso especial. É
ótimo, desde que não esteja de mau humor, mas… Toda vez que sorri para
mim, tenho a impressão de que esteja aprontando alguma surpresa
desagradável. Por falar nisso, cuidei para que os programas dele sejam todos
gravados, nenhum ao vivo; ele costuma soltar demais a língua e isso pode
trazer complicações…
A ameaça estava no ar, e Isabella podia adivinhar o que aconteceria se
Lennie saísse muito da linha: o próximo passo seria em direção ao aeroporto,
sem volta.
— Acho que Lennie trabalharia bem se… se alguém lhe abrisse os olhos —
disse, assumindo uma posição de defesa, como fazia antes com o marido.
— Isso é meio difícil. Mas vamos falar de você. Jerry Thompson assegurou
que é criativa e eficiente; isso eu já sabia. Disse que se fosse trabalhar na
equipe dele em Londres, como ele queria, logo teria chegado a uma posição de
destaque. Você me faz lembrar Lauren.
— Lauren? Quem é?
— A produtora de televisão de quem lhe falei.
— Ah!
— Não diga “Ah!” com essa cara de quem não aprova. Lauren é muito
inteligente. Todos admiravam sua eficiência e o jeito objetivo de trabalhar.
Pois é — ele disse, perdido em lembranças — foi isso que me atraiu para ela
no princípio. Ela deixou bem claro que não se importava com minha posição ou
meu dinheiro. Nunca tentou me usar.
— Outras pessoas tentam?
— Tentavam. Você não sabe quanta gente pensa que posso realizar todos
os seus sonhos — ele comentou com desprezo. — Principalmente mulheres. Já
houve tempo em que eu queria me casar com uma europeia ou americana,
mas agora acho que devo fazê-lo com alguém de Ras-Al-Khan. Ocidente e
Oriente são muito diferentes. É impossível unir os dois.
Isabella não concordava. Como ele podia dizer tudo aquilo quando tinha
sangue ocidental e oriental nas veias? Onde estaria querendo chegar?
— Mas nos entendemos bem juntos — ela protestou. Em seguida achou
melhor completar — aqui, com o trabalho da rádio.
— De certo modo.
— Não acha que está se contradizendo? Diz que Oriente e Ocidente não
podem se unir, mas… sentiu-se atraído por Lauren.
— Isso foi no passado.
— Mas agora abriram seus olhos? — sua voz soou áspera. Edward mudou
de assunto imediatamente.
— Jerrry achou que você estava destruindo sua carreira ao se enterrar
aqui.
— Bobagem. Acho que poderei abrir meus horizontes em Râs-Al-Khan,
conhecer pessoas de países diferentes e aprender muito sobre os diferentes
estilos de vida desta gente daqui.
Isabella não estava gostando do rumo da conversa. O que mais Jerry teria
dito? O fato de que tinham investigado sua vida a deixava preocupada, embora
ninguém soubesse o verdadeiro motivo de ela ter aceitado aquele emprego.
— O salário foi a razão mais forte para vir parar aqui? — Edward insistiu,
franzindo as sobrancelhas. — De qualquer modo, você não estaria em má
situação em Londres. Ganharia muito bem, para uma pessoa de sua idade.
— Eu precisava de mais. Você não entenderia.
— Acha que não?
Por um instante, pensou que ele poderia entender, mas continuou com
uma risada:
— Desculpe, mas acho que não.
— Não quer experimentar?
— Não, obrigada — respondeu, com certa frieza. — Como você mesmo
disse, Oriente e Ocidente não se misturam. Em certos assuntos você e eu… —
ela disse, fazendo um gesto com a mão e fechando os olhos para dizer que não
havia jeito.
A expressão do rosto de Edward mostrava claramente seu desagrado por
ser colocado à margem. Já ia protestar, quando alguém bateu à porta,
desviando sua atenção.
— Tdala — ele comandou.
Sorriu, quando um homem de vestes brancas e barba negra entrou na
sala. Isabella reconheceu logo o irmão de Edward, o xeque Karim, que abraçou
o irmão com afeto.
— Até que enfim achei você!
Aquela manifestação de bom humor e carinho a comoveu, chegando a
sentir uma pontinha de inveja. Lembrou-se do seu relacionamento com Meg.
Mas não ter contado toda a verdade sobre sua vida pessoal à irmã tinha criado
certa barreira entre elas, apesar do amor fraternal que as unia. Seu
relacionamento com a mãe também se deteriorara há muito tempo.
Quando esta se casou pela segunda vez, depois de anos de viuvez,
Isabella recebeu bem o padrasto no seio da família, o mesmo não aconteceu
quando chegou a vez de Douglas, que não foi bem-vindo. A mãe logo lhe
atribuiu mil defeitos, prevendo problemas e se afastando do jovem casal.
Mesmo agora, quando já fazia quase um ano que o genro morrera, a mãe de
Isabella ainda não conseguia dizer uma palavra de elogio em relação a ele.
Feitas as apresentações, o recém-chegado perguntou sorrindo a Isabella.
— Meu irmão não está deixando as rédeas curtas demais? Ele tem jeito de
quem gosta de usar o chicote.
— Ainda não fui castigada — disse Isabella com bom humor. Achava que
poderia gostar do xeque Karim. Mesmo sendo a mais alta autoridade do
governo, não era nem um pouco afetado; ao contrário: sorria com sinceridade
e simpatia.
— Ouvi dizer que está organizando uma série de programas sobre Ras-Al-
Khan. Gostaria de saber mais sobre eles — Karim pediu.
Isabella falava de seus projetos quando um rapazote entrou, trazendo um
bule de café fresco e cheiroso.
— Ah, pelo menos alguém tem consideração por mim — Karim brincou. —
Quando Edward veio ficar em minha casa eu imaginava, inocente, que
poderíamos ter longas conversas à noite. Mas parece que ele prefere conversar
com a máquina de telex. O homem não foi feito para trabalhar vinte e quatro
horas por dia. Quando você se casar, vai ter de mudar seus hábitos, Edward,
nenhuma mulher…
— Tem mais alguma coisa que queira perguntar, sra. Swan? — Edward o
interrompeu. — Sabe, Karim, ela é uma pessoa bastante ocupada e já
tomamos muito do seu tempo.
A dispensa ficou bem clara. O xeque Karim ainda lhe ofereceu uma xícara
de café, mas Isabella preferiu uma retirada rápida.
Morta de sono, Isabella daria tudo para esquecer o despertador, rolar na
cama e voltar a dormir. Mas levantar junto com o sol parecia ser seu destino.
Mesmo nessa manhã, quando seus trabalhos na rádio só começavam ao meio-
dia, saiu bem cedo, passando na ponta dos pés ao lado do porteiro, que
dormia na recepção.
— Vamos buscar você às cinco e meia — Byron tinha dito. Com um lenço
cobrindo o cabelo cheio de rolos, ela olhava de um lado para outro. Na bruma
da manhã, achou que era a única pessoa a estar acordada naquele emirado.
Bocejou, espreguiçou-se, esperou e voltou a consultar o relógio. Quinze para
as seis. Pelo menos ninguém notava que estava ali, apesar de alguns
caminhões carregados de operários já passarem.
Estava parecendo uma extraterrestre com a cabeça cheia de rolos, e não
lembrava em nada a pessoa bem comportada e formal que lia o noticiário.
Usava um cafetã púrpura e calça larga, o que jamais lhe daria o título de uma
das “Dez Mais Elegantes do Ano”.
Dez para as seis. Uma gota de suor lhe escorreu pela testa. Ainda era
cedo, mas as temperaturas do Golfo geralmente beiravam os quarenta graus.
Com um grampo entre os lábios, enquanto arrumava um rolo que tinha se
soltado, lembrava-se da recomendação do fotógrafo. Ele queria que o cabelo
dela se parecesse com a “exótica e gloriosa juba de um leão”. Se Byron não
visse logo, não ia encontrar mais que um rabo de gato molhado!
Suspirou, aliviada, ao ver um microônibus surgir no horizonte e parar
guinchando à sua frente. Lá dentro já estavam outras duas belas modelos.
Byron, alto e magro, com roupas extravagantes, a cumprimentou. Ainda havia
outra mulher, uma americana gorda, sorridente, que era encarregada das
roupas e a quem chamavam de “Mama”. O veículo partiu em seguida, le-
vando-os até o porto.
Coberto pela neblina da manhã, o lugar estava transformado em algo
misterioso, onde passavam formas indistintas, marinheiros caminhando
vagarosamente, aves marinhas, embarcações …
— Rápido, rápido! Esta luz não vai durar muito! — Byron gritou, já
arrumando suas câmeras e as objetivas.
Todas entraram na cabina do barco, que tinha sido requisitada como
vestiário, além de servir de fundo para as fotos.
Isabella vestiu o conjunto de bermuda e top em estilo africano, foi
maquilada e penteada cuidadosamente pela “Mama”.
— Olhe, querida. Ficou bem como Byron queria! — disse esta, quando
acabou sua tarefa.
Apesar de todo o calor, o cabelo de Isabella estava armado e caía como
uma nuvem sobre seus ombros.
Byron fazia questão de conseguir o que queria e sabia como fazê-lo. A
timidez de Isabella diante das câmeras logo desapareceu. Ocupada demais
para pensar em si, obedecendo às ordens de Byron, deitou-se na proa, fez
cara de atenção atrás do leme, sentou-se de pernas cruzadas sobre enormes
caixotes que lotavam o navio. Depois de meia hora, o primeiro rolo de filme já
tinha chegado ao fim. Byron tratava cada foto como uma obra de arte. Tudo
tinha de estar perfeito. Aproveitava os restos da neblina, a cor de um lugar
específico, as tábuas gastas do deck para conseguir os efeitos que desejava. A
bruma se evaporou após alguns rolos de filme serem gastos. O céu agora
estava profundamente azul. O porto começava a ganhar vida e movimento.
As pessoas começaram a se aglomerar em volta do grupo. Primeiro foram
marinheiros de um barco próximo que se interessaram; depois outros homens
apareceram, com a pele profundamente queimada de sol e roupas típicas
exóticas. Um bando de garotos também chegou perto e todos se espichavam,
na ponta dos pés, para ver melhor o que estava acontecendo. Carros paravam,
cabeças apareciam pelas janelas. As pessoas paralisavam suas atividades,
naquele dia, para apreciar as belas moças em poses artísticas.
Quando, finalmente, as modelos vestiram os maios, que seriam para a
última série de fotos, Byron comandou:
— Vamos mudar o espírito, agora. É hora de sedução. Estiquem-se sobre
os colchões e pensem em algo bem sexy — continuou, arrumando os cabelos
de Isabella. — Imaginem o homem de seus sonhos vindo a cavalo do deserto e
morto de vontade de…
As palavras dele se dissolveram enquanto Isabella se apoiava sobre um
cotovelo e pensava em Edward, cavalgando um garanhão negro. Via-o com os
olhos da imaginação. E sonhava: um vento soprava forte, colando a túnica
branca sobre o corpo de Edward, realçando suas coxas musculosas e seu peito
forte. Ele pulava do cavalo e a tomava nos braços, carregando-a para uma
tenda. Tiraria sua roupa devagar, com carinho, e depois faria amor com ela,
sem pressa, com seu jeito maravilhoso.
— Vamos lá, vamos lá! — comandava Byron, outra vez. — Agora é hora
de champanhe e dança. Façam de conta que é champanhe de verdade.
Enquanto passavam as taças com refrigerante, Isabella pensava como era
perigoso ter pensamentos como os que acabara de fantasiar.
A eficiente “Mama” ajudava a criar o clima e logo ligou um gravador
portátil, enchendo o convés de música. Quando as moças começaram a
dançar, a platéia improvisada gritou e aplaudiu. Isabella dançava,
descontraída, achando muito agradável tomar alguma coisa fresca, com todo
aquele calor, mesmo que fosse simplesmente um refrigerante, servido em
lindas taças de champanhe…
De repente, uma das modelos, chegando perto dela, murmurou:
— Não quero assustar você, mas está vendo aquele carrão azul? Aquele
sem placas, o que quer dizer que é alguém da família que governa este lugar.
Parece que a realeza nos pegou em flagrante. Byron, Byron, pare com tudo!
Byron, porém, estava muito ocupado com suas lentes e câmeras para
perceber. Isabella olhou por cima da multidão, seguindo a direção que lhe fora
indicada, até ver um BMW azul-marinho estacionado na beira da estrada. Pelos
vidros escuros, se percebia que havia um só homem com túnica branca lá
dentro.
— Quem é? — perguntou, baixinho.
— Não sei. Deve ser algum xeque, talvez até o grande Ahmad. Byron,
pare, pelo amor de Deus! Estão nos espionando! — Chrisay implorou.
— É a polícia? — ele perguntou, espantado.
— Não, é algum “poderoso chefão”, e talvez isso seja bem pior!
Assustados, correram todos para a cabina. Byron repetia:
— Não se assustem, não há problema. Deve ser algum xeque mais jovem,
que gosta de apreciar belas formas femininas. Vocês conseguiram alegrar o dia
dele.
— Pois sim! Vou me lembrar de dizer isso ao juiz quando ele for decidir
quantos anos de cadeia vai me dar! — a modelo resmungou, vestindo-se o
mais depressa que podia.
Cadeia! As pernas de Isabella tremiam. Uma das ameaças favoritas de
Nigel Dutton era cadeia. Não, não podia sofrer a mesma pressão em Ras-Al-
Khan. Logo ela, que sempre se orgulhara de ser uma cidadã honesta, que
obedecia às leis! Mas parecia que o destino estava disposto a colocá-la atrás
das grades, de um jeito ou de outro. Reviveu a cena: três garotas com maios
provocantes, dançando em frente a uma multidão de homens
desascostumados àquilo.
Agora sabia porque devia ter atendido a seu bom senso e recusado o
convite para as fotos. Para o diabo o dinheiro extra! Tinha sido louca em
aceitar, especialmente porque Byron fazia parte da turma dos desmiolados
amigos de Lennie. Na noite anterior, Bob tinha dito que não aprovava que ela
se envolvesse no “circuito” de Lennie. Edward também tinha sido contra as
atividades fora da rádio. Por que não tinha ouvido? Preocupada, jogou seus
objetos dentro da sacola. E se o árabe por trás do vidro escuro fosse Edward?
Como reagiria? Será que a mandaria embora? Ou a jogaria na prisão? Sim,
aquele seria um bom modo de provar o quanto estava a favor das tradições
árabes: punir uma garota européia por desobediência às leis!
Se ao menos se lembrasse da marca do carro dele! Mas será que ele iria
perder seu tempo com um show daqueles? Era um homem de ação, não um
voyeur.
Isabella sentiu um frio no estômago. Ele podia estar agindo com
indiferença nos últimos dias, mas às vezes, quando olhava para ela,
demonstrava sensualidade e paixão. Sua cabeça podia dizer que as mulheres
européias não serviam, mas seu corpo o desmentia. Na verdade, existia uma
espécie de eletricidade entre eles, algo que fazia com que um despertasse
desejo no outro.
“Tente ser fria e racional”, disse para si mesma. “Afinal, a família é muito
grande, cheia de parentes, xeques que são primos de primos de primos. E
também não são os únicos a usar placas especiais nos carros; altos
funcionários do governo também têm esse privilégio. O BMW poderia ser de
qualquer um entre duzentas ou trezentas pessoas. Ora, Isabella, é bobagem
pensar que justamente Edward estivesse ali. Como Byron disse, podia muito
bem ser um frangote, achando tudo aquilo uma tremenda curtição!”
Quando voltou ao deck, procurou o carro com os olhos, mas ele já tinha
desaparecido. A multidão também já estava se dispersando, agora que não
havia mais garotas de maio para olhar. Carros se afastavam, marinheiros
voltavam ao trabalho e os garotinhos corriam, rindo. Quando o ônibus partiu, o
porto tinha voltado ao normal.

CAPÍTULO V

— Como estou cansada! Parece que já trabalhei um dia inteiro e ainda


nem é meio-dia, pensou Isabella, tomando seu lugar atrás dos microfones para
ler o noticiário matinal. Ao acabar o informativo, ela adiantou ainda alguns
trabalhos já iniciados. E pensar que ainda teria de ler as notícias das seis e um
boletim mais tarde! Quem sabe se, mudando de atividade, não iria se sentir
melhor? Por exemplo, que tal dar uma “pegadinha” no programa sobre a
pesca? Era o que se decidira a fazer, quando Bob apareceu.
— O que acha de um trabalho sobre poesia? Quis falar sobre a idéia com
Edward, mas ele está envolvido com problemas ligados a petróleo hoje e não
apareceu. Sabe, até já entrei em contato com um sujeito da sociedade de arte
dramática e…
Por quinze minutos ele falou sem parar. Isabella sentia seus olhos
pesarem. Sem que Bob o notasse, deixou escapar um bocejo. Ele falava e
falava, entusiasmado. Por sorte ela não precisava fazer comentários e
simplesmente concordava com a cabeça, sem estar realmente prestando
atenção em suas palavras. Por fim Bob se despediu e desapareceu. Ela não
aguentava mais e deitou a cabeça sobre os braços, em cima da mesa. “Vou
descansar só um minutinho…”
Acordou, sobressaltada, quando o telefone tocou junto ao seu ouvido.
— Alô?
Olhou para o relógio. Porque seus dedos estavam adormecidos. Já eram
cinco e meia! Tinha dormido por quase duas horas. Se não fosse o telefone,
provavelmente teria perdido o programa das seis!
— Aqui é o secretário de sua excelência, o xeque Edward — a voz cheia de
sotaque anunciou. — Sua excelência quer vê-la no palácio esta noite. Um carro
irá buscá-la às seis e trinta e cinco. Posso dizer ao meu patrão que a senhora
virá? — perguntou, pomposo.
— S-sim.
— Sua excelência espera ansioso por sua visita. Terminada a ligação,
Isabella repôs o aparelho no gancho e franziu a testa. Seu temor de que
Edward fosse o homem na limusine voltou. Teria sido vista? Sim. Não. Talvez.
Atormentada pela indecisão, precisou de todo seu controle profissional para ler
o noticiário. Já eram seis e trinta e cinco.
Havia um homem vestido de branco esperando-a ao lado de um belo
carro. Curvou-se quando ela se aproximou e abriu-lhe a porta de trás.
Inquieta, Isabella repensava seus problemas. Por que Edward não lhe
telefonara pessoalmente? Por que tinha de ir ao palácio? O que seria tão
importante para não poder esperar até o dia seguinte? O velho medo
ressurgiu: Edward podia ter resolvido dispensá-la. E daí, o que faria? É
verdade que ele tinha elogiado seu trabalho, mas também mencionara excesso
de pessoal, enfatizando a economia que seria feita com cortes de funcionários.
Pelo que conhecia de seu chefe, sabia que, quando ele chegasse a uma
decisão, não demoraria a pôr suas idéias em prática. E, então, o que ela
poderia fazer?
— A senhora parece cansada — o motorista comentou, sorrindo pelo
espelho.
Querendo ser polida, respondeu com delicadeza:
— Sim, foi um dia bem quente, não?
— Aqui é melhor no inverno.
Vendo que ele estava com vontade de conversar, Isabella perguntou sobre
uma corrida de camelos que aconteceria em Ras-Al-Khan, quando a
temperatura o permitia. A conversa só terminou ao chegarem aos portões
preto e dourado do palácio.
Quando o carro atravessou a entrada. Isabella percebeu que penetrava
num outro mundo. O concreto armado e a poeira da cidade tinham ficado para
trás. Ao dobrarem a curva, seus olhos se arregalaram: a grama verde se
espalhava dos lados da rampa e, por entre as árvores, fontes jorravam,
refrescando o ar. Mais à frente via-se o palácio: um monumento de arte
oriental, varandas decoradas por pilares, com detalhes requintados e de bom
gosto.
Parando junto ao portal, o motorista a entregou aos cuidados de um
criado, que surgiu sem fazer o mínimo ruído. Com um movimento de cabeça,
indicou que Isabella devia segui-lo. Passaram por vários ambientes suntuosos.
O palácio era um labirinto de prédios baixos, ligados por pátios. Acabavam de
entrar no domínio da família. Um triciclo e uma bicicleta estavam encostados
num canto. O criado fez sinal com a mão, indicando que por ali havia crianças.
O palácio, residência de Karim e sua família, parecia um lugar feliz. Ouviam-se
risos infantis vindos de algum lugar.
Entraram numa ala separada e o criado bateu a uma porta.
Reconhecendo aquela voz grave e sonora, Isabella teve medo de novo de
ser despedida; voltaram-lhe à mente as imagens do trabalho como modelo
naquela manhã. Sentiu vontade de sair correndo dali, mas respirou fundo e
entrou.
— Boa noite, sra. Swan — Edward disse com frieza, levantando de trás de
uma enorme escrivaninha.
— Boa noite. A resposta foi automática, pois a surpresa lhe tinha roubado
toda a capacidade de pensar. Vendo-o em roupas ocidentais, pela primeira
vez, ela estava sem palavras. Edward vestia-se à européia e parecia
completamente à vontade. Fez sinal para o criado, que se afastou em silêncio.
— O que pensa que estava fazendo esta manhã? — perguntou com um
tom de voz em que as palavras pareciam navalhas, de tão cortantes. Na frente
do criado, ele se mantivera controlado, mas agora parecia pronto para o
ataque.
— E-era você no BMW? Você me viu?
— Sim. E foi muita sorte sua ter sido “eu” — continuou, furioso.
— Sorte? Por quê? Ele deu um passo à frente, ameaçador, depois outro e
mais outro, forçando-a a ir para trás, até ficar encostada à parede.
— Sorte sua só eu ter visto você ir contra a lei — esbravejou, debruçando-
se sobre ela. — Se a polícia ou outra autoridade tivesse presenciado o fato,
você seria presa, julgada e logo condenada. Podia ter pego cadeia, ser
deportada ou um depois do outro.
— Mas sempre há garotas de maiô em volta das piscinas! — ela se
defendeu.
— Não pode haver comparação entre se expor numa piscina privada e
num porto, cheio de homens por todos os lados.
Isabella reuniu toda sua coragem. Recusava-se a se submeter para ser
agradável.
— Eu me “expus”, como você disse, por apenas alguns minutos; nunca
pensei que tirar fotos com maiô fosse crime até… que fosse tarde demais. Só
acho que prisão ou deportação por uma coisa dessas é um exagero!
— Não seja teimosa! E não adianta tentar se defender assim — o tom da
voz dele era cada vez mais cortante.
Isabella percebeu que a situação se agravava a cada instante. Precisava
fazer alguma coisa… e depressa. Começou a falar:
— Sei que por aqui as mulheres costumam se vestir e se comportar com o
máximo decoro, mas acho que os limites entre o certo e o errado não estão
muito bem definidos. Sei que aparecer de maiô no porto não é muito…
sensato, mas ainda acho que está dando importância demasiada ao fato. Não
ficamos lá mais do que…
— Não é tanto pelo maiô — ele disse entredentes. — A bebida alcoólica é
que é ilegal!
— Bebida alcoólica?
— Por favor, Isabella, você deve saber muito bem que é proibido beber
álcool em público num país muçulmano. Ras-Al-Khan ainda é muito liberal e
permite que os estrangeiros comprem bebidas para consumir em casa, ou em
certos bares e hotéis. Mas ficar se exibindo com álcool na frente de um bando
de operários de docas, ignorantes, foi demais! Estavam violando todas as leis!
— Que álcool? — ela perguntou.
Agora, parecia que Edward queria agredi-la fisicamente. Quase colado a
ela, gritou:
— O champanhe! Ou pensa que não vi?
O rosto dele estava tão perto do de Isabella, que ela podia sentir o calor
de seu hálito na pele, o perfume de sândalo que ele usava. Tentou escapar,
mas não conseguiu.
— Não estávamos bebendo champanhe; era refrigerante! — explicou.
— Refrigerante? — ele perguntou, intrigado.
— Eram taças de champanhe, mas cheias de refrigerante. A surpresa dele
deu uma vantagem inesperada a Isabella, que se sentiu com coragem para
desafiá-lo. Olhando-o no fundo dos olhos, disse:
— Pode perguntar ao Byron ou ao resto da equipe. Se tivesse chegado
mais perto, poderia ter visto a diferença de cor com seus próprios olhos!
Mande um mensageiro até o barco e peça para trazer as garrafas vazias como
prova! Agora, quer fazer o favor de se afastar? — pediu, tremendo, com o
peito arfando a cada respiração.
Os olhos dele brilhavam de forma diferente, para mostrar que seu humor
tinha mudado. Não estava zangado, mas parecia ainda mais perigoso.
— Oh, não, beleza! — ele sussurrou. — Não pense que vai escapar assim.
Pode ter se explicado, mas será que ainda não percebeu o inferno que me fez
passar?
Segurou-a pelos pulsos, quase colando seu corpo ao dela. Isabella sentiu
estar perdendo o controle sobre si mesma. Era difícil respirar, pensar com
clareza. Fechou os olhos, tentando achar uma saída, mas aquela proximidade
física a deixava confusa. Tentou mais uma vez se soltar, mas ele a mantinha
segura, sem forçá-la. Pensando bem, ficar imóvel seria melhor, pois roçar seu
corpo no de Edward lhe provocava uma sensação deliciosa.
— Não fiz você passar nada! — protestou, tentando manter a voz num
tom normal.
— E o que diz do meu dilema? Era meu dever entregar você e aquelas
outras pessoas para as autoridades. Se eu resolvesse esquecer, estaria
desprezando as leis de Ras-Al-Khan. Faz idéia do quanto está me excitando? —
balbuciou, quando Isabella tentou escapar mais uma vez.
— Sim! E muito bem!
Maldizia a reação de seu corpo. Com os pulsos presos, cada movimento
dela se tornava o roçar de curvas femininas contra um corpo viril. Colada a ele,
sentia o quanto estava excitado e sabia que seu corpo reagia da mesma forma.
— Solte-me! — pediu.
— Por quê? Você me causou dor, preocupação e ansiedade. Não acha que
é justo me dar uma recompensa?
— Como?
— Assim — e, com um murmúrio, debruçou-se sobre ela. Algo parecido
com um choque elétrico a atingiu ao ser beijada com a fúria da paixão e a
fome do desejo. Depois de quase um ano de viuvez, estava tão sensível que
este impulso a fez tremer da cabeça aos pés. O corpo de Edward era firme e
másculo, e Isabella podia sentir seu cotorno viril contra os quadris. Se
estivesse com os braços soltos naquele momento, ela certamente o abraçaria,
levada pelo instinto. Mas Edward agora a segurava com uma só mão, pois a
outra descia, acariando-lhe o rosto e o pescoço, até chegar ao seio.
— Habibati — murmurou — Preciso me deliciar com sua beleza, sentir o
gosto de seu seio — suspirou ele, acariciando os bicos rijos com a ponta dos
dedos.
Isabella sentiu um arrepio, sem saber se era um protesto ou a
manifestação de seu desejo. Quando os lábios dele cobriram os seus mais uma
vez, ela se entregou. Parecia perdida na sensação daqueles lábios junto aos
seus, perdida quando os dedos dele envolveram o outro seio numa carícia
sensual que a fez tremer. Todo o seu corpo ansiava por ele.
— Edward — ela murmurou.
— Vamos fazer amor — ele disse baixinho, com sua voz grave. —
“Precisamos” fazer. Não posso fingir mais. Fico dizendo a mim mesmo que não
é possível, mas eu quero você. Não vai ser fácil, mas…
Parecia falar quase para si mesmo, beijando o pescoço de Isabella. Depois
a soltou de repente, afastando-se um pouco. Como que hipnotizado, passou os
dedos pelos cabelos castanhos que caíam soltos sobre os ombros dela, macios
como seda.
— Seu cabelo é tão bonito! — e acariciava a nuca de Isabella, abraçando-
a depois. — Deixe-o solto quando fizermos amor — implorou.
— Não… quer dizer, não vou deixar… Não podemos! — murmurou,
angustiada, afastando-o com as mãos. — Isso é loucura, Edward, e você o
sabe. Primeiro me chama ao seu escritório e depois… Fala em ficarmos juntos,
mas sabe que está errado, que é impossível.
De repente, ele mudou. Foi com outra voz, controlada, que replicou.
— Aqui, não. Está pensando que eu me arriscaria a fazer amor com você
aqui, na casa do meu irmão? — riu e se afastou, arrumando a gravata dentro
do paletó. — É verdade que ninguém nos perturbaria. Eu disse ao criado para
não nos interromper, e ele obedece às ordens.
Ficou parado por um instante, tentando se controlar completamente.
Depois continuou:
— Por que estou obcecado pela idéia de… ir para a cama com você?
Agora ele não estava mais tão perto, e Isabella conseguiu pensar com
bom senso.
— Nem eu ia querer — retorquiu, seca.
— Então não precisa ir.
— Obrigada.
Os dois se olhavam como duas crianças teimosas. Ambos ainda sofriam os
efeitos do que acabara de acontecer. Há poucos instantes estavam colados um
ao outro, extasiados, e agora ela se sentia rejeitada, diminuída, vulgar e cheia
de culpa. Tudo por causa dele. Não devia tê-la envolvido nos braços, dizer
todas aquelas coisas que povoavam sua imaginação de erotismo. Sentia as
pernas fracas e, para se recuperar, procurou analisar suas reações e justificar
seu comportamento. Tinha se levantado muito cedo naquela manhã. Ou seria
o contato com Edward que a fazia comportar-se daquela maneira? O que
acontecera não fazia sentido. Da última vez que tinham se encontrado na rádio
ele agira como o patrão distante que dava respostas frias, vestido em sua
túnica branca, mas agora…
Lá estava, atrás de sua escrivaninha, apoiando as mãos abertas sobre a
madeira polida.
— Gostaria que não posasse mais como modelo. Você já ganha um bom
salário com seu trabalho na rádio, e não acho que precise de mais dinheiro.
Talvez tenha agido por impulso esta manhã, mas mesmo assim…
— Isto é uma ordem? — perguntou, irônica. — Estava tirando as fotos no
meu horário de folga.
— Não se venda por qualquer coisa, minha bela — ele disse, com um
sorriso malicioso.
— Não sou “sua bela”! — foi a resposta indignada.
— Não?… Não importa. Prefiro que não arranje serviço extra. Pode
prejudicar seu trabalho na rádio.
— Não vejo por quê.
— Não quero que trabalhe como modelo! — repetiu, cortante. — Não deve
exibir seu corpo, nem vestida, nem seminua. Isso não é trabalho para quem lê
notícias, além de enfraquecer sua imagem. Não pode esperar ser levada a
sério quando quer ser símbolo sexual, também.
— O público jamais ligaria uma garota numa foto de moda com uma voz
no rádio — ela protestou.
— É que em Ras-Al-Khan as notícias… as fofocas se espalham muito
depressa; por isso faça o que eu lhe digo. Se insistir em desobedecer, eu…
—Vai fazer o quê? Castigar-me? É muito engraçada a sua posição. Não
quer que eu seja um símbolo sexual para o público, mas gostaria de me ter
como um símbolo sexual particular. Qual é o problema? Sua noiva não fica tão
bem de maiô quanto eu?
Ela sabia que tinha ido longe demais. Com os olhos brilhando de fúria,
Edward desceu o punho fechado sobre a mesa, num gesto violento. Se ele a
tocasse, não seria para acariciá-la. O barulho do telex a salvou, imprimindo
uma mensagem, que distraiu os dois. Durante o tempo que a máquina levou
para terminar, Edward conseguiu se controlar.
— Nem faço idéia de como Shamsa fica de maiô. Ela está sempre vestida
da cabeça aos pés, como convém a um sheikha de dezesseis anos.
— Ela só tem dezesseis anos?
— Sim, e é muito dócil. Vai fazer tudo o que eu pedir. Ela não vai querer
discutir.
— E é isso que quer? — perguntou, ainda ofendida pela indireta.
— Não — foi a resposta abafada.
— Então… por quê? — ela voltou a perguntar. Tiriq riu, balançando a
cabeça.
— Há muita coisa para se considerar. Tenho compromissos com Ras-Al-
Khan, com meu avô. Não quero desapontá-lo. Ele já sofreu muito.
Passou a mão pelos cabelos negros e depois disse — O carro está
esperando para levar você de volta ao estúdio. Precisa voltar para ler o
noticiário das dez, nao é? Então é melhor ir indo. Boa noite.
Mais uma vez ele a dispensava com a mais absoluta frieza. E ela se foi,
cruzando os corredores imensos, com o coração apertado.

CAPÍTULO VI

Agora que tinha conhecido o sabor dos beijos dele e a sensação provocada
por suas carícias, Isabella achava impossível tirar Edward da cabeça.
Divagava, indo de um extremo a outro num piscar de olhos. Desejava poder
afastá-lo de sua mente e de sua vida de uma vez por todas. Detestava o poder
que exercia sobre ela e tudo que acontecera entre ambos. Odiava Edward.
Não, gostava dele; mas jamais teria coragem de pensar em amor. Estava
confusa.
Depois do incidente no palácio, Edward fazia o possível para não ficarem a
sós. Agora, quase todos os contatos que tinham eram por telefone e, quando
se encontravam, era sempre na presença de outras pessoas. Isabella admitia
que ele tinha juízo, nesse caso. Mas teria o mesmo bom senso em outras
ocasiões? Podia um homem ajuizado se casar sem ser por amor?
A chance de descobrir tudo isso surgiu quando passou certa manhã com
Abdullah. Era um rapaz sorridente, com grandes olhos negros e uma barba
bem cuidada. Mostrou muito charme e simpatia ao servir de intérprete para
ela. Acompanhou-a com paciência nas entrevistas com os nakhodas, mestres
dos barcos de pesca.
— Vamos tomar alguma coisa num lugar com ar condicionado — ele
sugeriu, quando acabaram o trabalho.
— Não podemos ficar mais um pouco aqui? — ela pediu.
Abdullah estava pronto para tomar o jipe e a retornar à cidade, mas,
cortês, concordou em enfrentar o sol ardente mais um pouco. Levou-a até um
bar de instalações simples e nome pomposo: Hotel Qurayyah. Em meio à
conversa, declarou:
— Vou me casar no ano que vem. Ela se chama Fátima.
— Parabéns. Não se importa com o fato de o casamento ter sido um
arranjo das famílias? — foi a pergunta ditada por seu faro jornalístico. Era uma
oportunidade para conhecer os costumes do país.
— Por que me importaria? Isabella ficou realmente espantada.
— Não preferia ter escolhido sua esposa sozinho?
— Ah, não. Minha família sabe exatamente o tipo de moça que é melhor
para mim. Acho que eu próprio não seria capaz de escolher melhor. Os pais de
Fátima se dão muito bem com os meus, e temos muita coisa em comum. Ela é
inteligente e, às vezes, muito engraçada. Está aprendendo a tomar conta de
uma casa e cuidar de um homem. Por que acha que eu escolheria uma
estranha?
— Por amor, quem sabe? — sugeriu, curiosa com a reação que
provocariam suas palavras.
— Está falando em atração física, desejo sexual?
— Sim. Isto faz parte do amor.
— É só uma parte. Quando eu me casar, vai ser para sempre. O sexo tem
sua importância, é claro, mas também deve se pensar em respeito, afeição e
companheirismo. O amor tem várias formas — falava com convicção e firmeza.
Isabella concordou, espantada pela maturidade do rapaz. Lembrou-se do
próprio casamento e franziu a testa. Cada vez que se recordava disso, seu
coração voltada a sangrar.
— Os casamentos por aqui geralmente dão certo — ele continuou. — Há
bem poucos divórcios. Como as uniões são feitas com bom senso, conservam-
se fortes e estáveis, e nossas crianças crescem com segurança. Quase não há
lares desfeitos. Sabemos bem quais são as coisas mais importantes para nós.
— Pretende ter mais de uma esposa?
— Está escrito que as esposas devem ser tratadas com igualdade.
Sustentar uma esposa já custa um bocado; duas seria impossível — ele riu. —
Ao contrário do que vocês imaginam na Europa, os muçulmanos raramente
têm mais de uma esposa, hoje em dia. Os infiéis têm idéias erradas sobre
nós…
— Eu sou uma infiel? — ela perguntou, achando graça.
— Sim. Você e Edward. Não seguem o Corão…
— Edward?
— Ele precisa aceitar a fé do Islã antes de poder se casar com Shamsa,
senão…
— Senão… o quê?
— O tempo passa e ele continua solteiro. Ainda não mandou construir
uma casa para ele e a noiva. O xeque Sarur já anda aborrecido. Há anos vem
tentando casar suas filhas com Edward. Foi assim com a primeira, a segunda e
a terceira. Shamsa é a quarta tentativa e a última. Se ele escapar desta vez…
— Abdullah terminou, caindo na risada.
— Acha que poderá desistir?
— Desta vez, creio que não. Antes, ele morava fora e sofria outras
influências, mas agora que está vivendo em Ras-Al-Khan, não vai ser fácil
escapar. E também acho que não pretende fazê-lo.
— Shamsa é bonita? — Isabella perguntou, jurando a si mesma que não
estava interessada.
— É a mais bonita das irmãs. Vai ser uma esposa devotada. Adora
Edward.
— Mas por que o xeque Sarur faz tanta questão de ter Edward como
genro?
— Por que ele está destinado a ter um papel importante no futuro de Ras-
Al-Khan. Nosso ministro do Petróleo logo vai se aposentar e já apontam
Edward para sucedê-lo. Meu primo precisou batalhar muito para superar o
preconceito contra seu sangue estrangeiro, mas agora é respeitado e vai
longe.
— O sangue estrangeiro dele é importante? Afinal, o xeque Karim também
é mestiço.
— Não, Karim tem o mais puro sangue árabe! Edward é só meio irmão
dele. Pode alcançar altos postos no governo, mas nunca vai ser o governante
de Ras-Al-Khan, por causa do sangue infiel em suas veias.
Nesse ponto, Abdullah ficou vermelho, lembrando-se de que estava
conversando com uma “infiel”, como são chamadas, embora sem sentido
pejorativo, as pessoas que não seguem as leis sagradas islamitas.
— Não que o sangue seja ruim, mas o pai dele ofendeu nossos costumes
quando se casou com uma mulher européia — o rapaz revelou.
— O xeque Hamed teve duas esposas? — Isabella estava fascinada por
poder saber mais sobre Edward.
— Sim, mas não ao mesmo tempo. Ele se casou primeiro com uma sheika
de certo país vizinho. Ela morreu quando deu à luz Karim, que nasceu e foi
criado aqui — Abdullah se interrompeu para pedir mais um refrigerante. —
Quando Hamed fez trinta anos, cometeu um grande pecado: foi para a
Inglaterra e se casou pela segunda vez, com uma infiel.
— Por que ele foi para a Inglaterra?
— Para comprar os melhores cavalos para Ras-Al-Khan. Nós, árabes,
entendemos muito de animais. Mas lá ele conheceu a filha de um criador de
cavalos e fez a tolice de se apaixonar. O pai dele, nosso governante, não teria
se importado se ela fosse amante de Hamed, mas ele quis mesmo se casar
com ela. O velho, então, ficou furioso! Tentou fazer o filho mudar de idéia, mas
era uma briga de teimosos. Como não se aceitava que um árabe se casasse
com estrangeira, Hamed se afastou da família e de seu país. Estava tão
amargurado que jurou nunca mais voltar. Hoje em dia as pessoas já são mais
abertas e aceitariam um casamento misto, mas naquela época, não.
— Mas já faz algum tempo que Edward negocia o petróleo deste país, não
é?
— Apesar de Hamed nunca mais ter voltado, não desejava que o filho
perdesse seus direitos. O avô de Edward, Ahmad, também queria que o neto
participasse do desenvolvimento de Ras-Al-Khan. Quando era pequeno,
Edward foi aceito no seio da família Al Zahini, depois de muitas conversações
entre mediadores. Hamed não estava de acordo com a volta do filho. Acho que
era por orgulho.
Abdullah torceu o nariz e Isabella achou graça. O rapaz continuou :
— A morte de Hamed, há seis meses, derrubou os últimos obstáculos.
Parece que a mãe de Edward aprova que ele dedique sua vida a Ras-Al-Khan.
Acho que ela compreende que, adotando a nossa fé e casando-se com
Shamsa, ele redime os pecados do pai. A honra é uma coisa importantíssima
entre os árabes. Mas os preparativos para o casamento estão indo muito
devagar. Edward não concorda com uma porção de coisas e meu pai diz que…
Não completou a frase, achando melhor não revelar o que o pai dizia.
Pagou a conta e convidou Isabella para irem embora.
— Então, quando Edward deve se casar? — ela perguntou, caminhando
com o rapaz pela areia escaldante.
— Inshallah. Quer dizer, só Deus sabe — respondeu o rapaz.
Compreender os motivos de Edward não queria dizer que concordasse
com os caminhos que ele tinha escolhido, e as suas decisões não lhe diziam
respeito. Não podia interferir. Nem queria. Mas, nas semanas seguintes, até
terminar o período em que ele deveria dirigir a rádio, Isabella acalentava a
vontade de lhe perguntar se estava certo do que fazia. Qual teria sido a sua
reação se o fizesse? Talvez lhe respondesse, de modo bem claro, para cuidar
de sua própria vida e deixá-lo em paz. Mas o tempo passara e ela nada
dissera.
Agora Edward tinha ido embora. Esvaziara a grande mesa da sala da
diretoria, deixando Norman Harding terminar seu contrato de trabalho,
enquanto Mohammed Nasser assumia a direção geral. Assuntos ligados ao
petróleo exigiam sua presença. Antes de partir, porém, reunira os funcionários
para dizer o que tinha sido feito e o que esperava que se fizesse dali por
diante. Uma frase agradou Isabella de modo especial.
— O trabalho e a capacidade da sra. Swan têm sido de grande valor para
a Rádio Ras-Al-Khan.
Ao se lembrar dessas palavras, ela sorriu. Agora estava mais tranquila
quanto a seu contrato de trabalho. A lembrança das dívidas a serem pagas a
fez voltar para o motivo delas: seu passado, sua vida com Douglas.
Fazia então seis meses que estava casada quando, certo dia, fora ao
hospital onde o conhecera. Foi quando se encontrou com o cirurgião que tinha
operado o marido há um ano. Ela não conhecia bem o dr. Menzies, mas
lembrava-se dele dos tempos em que fazia um programa musical no hospital.
Mal sabia que naquele encontro teria a resposta para o comportamento de
Douglas, que a estava deixando aflita e desconcertada.
Depois de se cumprimentarem, o médico lhe dissera, preocupado:
— Precisa dar um jeito para que Douglas venha fazer seu check-up
regular. Ele perdeu o último e não está em condições de ficar fugindo assim
dos exames médicos.
— Que check-up”? Pensei que estava tudo… bem.
Estava espantada. Afinal a operação fora um sucesso, pelo menos era o
que Douglas afirmava.
— Oh, meu Deus, não! Quer dizer que não sabe… que ele não lhe contou…
Coitada! Venha até minha sala.
Lá, quando se sentaram, o médico a olhou por cima dos óculos e falou:
— Não posso lhe dar uma imagem cor-de-rosa, mas você me parece
madura e com juízo. O que não pode se dizer de seu marido. O que posso
fazer é lhe contar o que ele já devia lhe ter dito há muito tempo, antes de
pedi-la em casamento. A cirurgia que fizemos nele serviu apenas para
constatar que não há remédio para seus problemas cardíacos.
Se já não estivesse sentada, Isabella teria caído, tamanho foi o choque
que sentiu. Confusa, gaguejou:
— M-mas ele não p-parece doente. Às vezes fica um pouco pálido e
irritado, é verdade, mas achei que isso fosse porque tem trabalhado demais.
Está com uma firma nova e…
— Excesso de trabalho está fora de cogitação. Seu marido precisa se
cuidar, não se cansar fisicamente, não ter emoções fortes. Precisa de uma vida
tranquila, sem altos e baixos, se quiser ter ainda algum tempo de vida.
— T-tempo de vida? Quanto tempo de vida ele tem, doutor? perguntou,
angustiada.
— Se continuar como agora, sem se cuidar, sem fazer os exames de
rotina, talvez chegue a viver um ano.
— Só um ano?
— Se começar a viver tranquilamente, talvez tenha uns dois anos, quem
sabe três.
— Mas… Douglas sabe disso?
— Sim, ele mesmo veio me procurar depois da operação e insistiu para
saber toda a verdade.
— Oh, meu Deus! Douglas já é tão inseguro! Não, jamais seria capaz de
enfrentar esta… esta sentença de morte. Não é à-toa que ele está se
destruindo.
— Quer que eu faça alguma coisa?
— Não… acho que não… Preciso ir para casa, falar com Douglas — e
Isabella chorava, desconsolada.
Há muito tempo havia percebido que Douglas estava se destruindo, ou
melhor, agora, pensando bem, reconhecia que o comportamento do marido
sempre apresentara algo suspeito. Muitas vezes ela procurava uma desculpa
para encobrir-lhe os defeitos. Agora compreendia seu mau humor, sua
instabilidade emocional: estava vivendo um segredo terrível, um inferno
permanente. Como o dr. Menzies tinha dito, não era fácil falar no assunto.
Naquela noite, ela disse a Douglas, com toda a calma possível, o que tinha
ouvido do médico. Não perguntou por que ele não lhe dissera a verdade, já
que era tarde demais. Douglas precisava de seu amor e conforto, não de
palavras amargas.
— Olhe, Douglas, já pensei em tudo. Você vende a companhia de ônibus e
vamos viver do meu salário. Assim, sem tantas preocupações, você poderá
descansar mais.
Sentara-se no braço da poltrona em que ele estava, com uma mão em
seu ombro. Ele a afastou, levantando-se de um salto e olhando-a com raiva.
— Não quero a droga do seu dinheiro! E também não quero que sinta
pena de mim; não preciso disso, Isabella!
— Não é pena, é amor! — ela protestou.
— Não me venha com essa! Só casou comigo porque tinha pena de mim.
— Não é verdade!. Eu nem sabia que…
— Que eu ia morrer? Talvez não. Mas para você eu sempre fui um garoto
desajustado, e isso satisfazia seu instinto maternal. Ora, posso me virar muito
bem sem sua pena. E esqueça ests conversa de vender a companhia de
ônibus. Sei que sempre me achou péssimo para negócios. Agora vem com essa
bobagem só para ofuscar meu sucesso. Mas vou provar para você, para a
linguaruda da sua mãe, para todos, que não sou o fracassado que pensam!
Assustada com a palidez de Douglas, Isabella pediu:
— Por favor, acalme-se! Continue seus negócios, se quiser, mas diminua
as horas de trabalho. O dr. Menzies insistiu que você precisa fazer seus
exames e…
— E eu insisto para que você pare de se intrometer — Douglas gritou,
furioso.
— Só quero ajudar. Por favor!
— Pode ajudar muito, fechando a boca — disse, raivoso. — Não conte a
mais ninguém, nem à sua querida irmã Meg, sobre meu coração. Odeio
compaixão, não quero que sintam pena de mim. Jure! Jure por Deus que não
vai me trair! Nunca! Jure!
Sem saber o que fazer, ela jurou e Douglas caiu de joelhos em frente a
ela, chorando como um bebê. Pediu desculpas, prometeu que tudo ia melhorar
dali por diante, mas no dia seguinte já tinha voltado atrás. Disse que sua
saúde era assunto proibido entre ambos e saiu quando ela começou a
protestar.
Pensativa, Isabella comparou mentalmente Douglas e Edward: ambos
teimosos e obstinados. Só que o primeiro fracassara e o segundo conseguira
vencer os obstáculos e triunfar. Com ele, tudo estava bem.
Shamsa o amava, era bonita, jovem e estaria pronta para agradá-lo.
Talvez ele se apaixonasse por ela bem depressa… assim que dividissem a
mesma cama.
“Esqueça Edward'“, ordenou a si mesma. “Você não vai mais vê-lo. Ele
agora está nos Estados Unidos, negociando petróleo. Assim que voltar, deve
cuidar dos preparativos para o casamento. Afinal, Inshallah não quer dizer
'pode ser', mas 'vai ser', quando Alá desejar.
Considerou a própria situação: tudo estava correndo bem. Agora tomava o
máximo cuidado para não se envolver em atividades fora do seu trabalho na
rádio. Avisara Bob para arranjar outra datilógrafa para bater sua nova peça.
Recusara novas e tentadoras ofertas para posar novamente como modelo,
embora seu trabalho tivesse sido bastante apreciado, e Lennie insistisse em
que o incidente no porto não passara de um grande susto.
Nada comentou sobre o encontro que tivera com Edward, era assunto que
interessava apenas aos dois. E a raiva dele era somente contra ela; não
haveria prejuízo para mais ninguém.
Entretanto, não conseguia esquecer aquele corpo contra o seu, aquela
voz, aquele beijo…
Avaliava o quanto fora grande sua atraçâo naquela ocasião: mais um
gesto, mais um segundo e perderia todo o controle. Se ele tivesse decidido
fazer amor com ela, mesmo sobre o tapete, mal teria forças para resistir.
Tinha raiva dele por conseguir deixá-la tão submissa, mas, mais do que tudo,
sentia raiva de si mesma e de suas reações.
Refazendo as contas, viu que acabaria de pagar Nigel Dutton em dois
anos e meio. Seria muito bom não ter mais as garras daquele monstro para
atrapalhar, sua vida. Iria sentír-se livre como um passarinho! Poderia ir para
onde quisesse, fazer o que desejasse. Mas não era tão simples assim. Meg não
tinha falado em Nigel em sua última carta, mas isso não significava boas-
novas. Talvez ele estivesse ocupado com outra presa, ou outra aventura. Mas
será que se contentaria com os pagamentos mensais que lhe eram debitados?
Isabella resolveu parar de pensar em seus problemas e cuidar de seu
novo projeto: um programa sobre mergulhadores que procuram pérolas. O
telefone tocou. Era Mohammed Nasser, requisitando a presença dela. Quando
chegou ao escritório dele, ouviu-o elogiar, durante vários minutos, o programa
sobre pesca que ela produzira e que fora levado ao ar dois dias antes; depois
sorriu e disse:
— O que eu queria, mesmo, era pedir um favor. Diva está com caxumba e
Susan saiu de férias na semana passada.
— Diva e Susan da televisão? — ela perguntou, sem saber que rumos a
conversa estava tomando.
— Sim. E Clara, a outra apresentadora, ligou há dez minutos para dizer
que o filho foi atropelado. Não é nada grave, mas ela precisa permanecer ao
lado dele no hospital. Por isso… ficaria muito agradecido se pudesse fazer uma
substituição, só esta noite. Pelo que li em sua ficha, você já trabalhou num
programa educativo. Acho que não vai ter dificuldades.
— E se eu perder a voz, ou tiver uma crise? Meu trabalho na televisão foi
só por um mês e meio! E já faz tempo!
Falar atrás de um microfone, sem imagem, não era problema, mas, na
tela da tevê, qualquer falha ficava evidente!
— Tenho certeza de que você pode dar conta. A maior parte das notícias é
matéria filmada, com outros locutores. Com um pouco de ajuda, tudo irá bem.
É uma boa oportunidade para ampliar seus horizontes.
— Não seria melhor que Bob ampliasse os horizontes dele? — ela
perguntou. — Acho que ele se sairia melhor do que eu.
— As notícias sempre são lidas por uma mulher e os espectadores gostam
que certas coisas sejam mantidas. Por favor, me ajude. Você está sempre tão
calma e segura!
— Bajulador!
— Então, vai me fazer este favor?
— Acho que sim — ela respondeu, sorrindo.
Sim, os brincos estavam no lugar e não iriam cair e fazer barulho na mesa
durante o noticiário. Sim, a gola do conjunto de linho estava em ordem e seus
dedos não tremiam muito. Isabella tossiu, passou a mão pelos cabelos para
ver se continuavam presos e tomou um gole de água. Faltavam dois minutos
para começar a transmissão e ela sentia a cabeça vazia. Não se lembrava de
mais nada do que tinha decorado. Até as frases, no papel à sua frente,
pareciam escritas em chinês. Quando abriu a boca para ensaiar a primeira
linha, a voz saiu rouca e trémula. Como podia pensar em tom e pontuação, se
nem a voz saía? Uma criança de cinco anos seria capaz de algo melhor. Tossiu
mais uma vez.
— Mais dez segundos. Deixem o vídeo pronto. Cinco segundos — alguém
anunciou. — A entrada do programa já está no ar. Dez segundos para entrar
imagem… Cinco, quatro, três, dois, um, no ar!
A câmera focalizou Isabella, que tentava sorrir.
— Boa noite. Aqui estamos com as notícias. Mas, primeiro, vejamos as
manchetes de hoje.
Como num passe de mágica, a profissional tomou conta dela. Preocupada
em ler as notícias com clareza, esqueceu o medo de espirrar, soluçar ou ter
uma mosca voando em frente ao nariz. Quando a primeira reportagem filmada
entrou no ar, ela relaxou um pouco. Até ali, tudo bem. “Acalme-se, garota”,
pensou. Tinha até conseguido ler os nomes estranhos de uma delegação da
Tailândia. O resto das notícias não apresentou problema.
— A equipe de notícias e eu, Isabella Swan, lhe desejamos boa noite —
concluiu, meia hora mais tarde, com um sorriso brilhante.
Quando a luz da câmera se apagou, encostou-se na cadeira, com um
suspiro de alívio. A tensão a tinha deixado com os ombros duros durante
aquela meia hora, mas agora sentia-se relaxada. Suas pernas estavam moles
e o coração batia acelerado. Sentia vontade de rir e chorar ao mesmo tempo.
Será que tinha feito tudo certo?
Alguém bateu palmas atrás dela. Era o operador de vídeo, que disse:
— Muito bem! Não foi tão difícil assim, foi?
Ela sorriu e se admirou quando elogios e cumprimentos começaram a vir
de todos os lados. O diretor de notícias, um americano gorducho, perguntou:
— Como se sente sendo estrela por uma noite?
— Achei pior que enfrentar a cadeira do dentista! — ela respondeu, rindo.
— Telefone para Isabella, urgente! — uma garota anunciou, da porta do
estúdio.
— Vá correndo, garota — o diretor de notícias disse. — Pode ser
Mohammed querendo lhe dar os parabéns, ou algum diretor de cinema
oferecendo o papel principal de um filme!
— Isabella Swan falando — ela disse, ao pegar o aparelho.
— Boa noite. É o secretário de sua excelência o xeque Edward falando,
senhora. Meu senhor gostaria de lhe falar.
Os elogios sobre sua transmissão a tinham acalmado, mas, ao ouvir o
nome de Edward, voltou a ficar tensa. Por que ele iria querer falar com ela dos
Estados Unidos?
— Pode chamá-lo — respondeu, nervosa.
— Ele quer falar com a senhora pessoalmente. Já mandei um carro ir
buscá-la nos estúdios da televisão. Deve chegar aí em dez minutos.
— Quer dizer que ele está em Ras-Al-Khan?
— Sua excelência voltou do exterior ontem. O motorista irá apanhá-la na
porta principal. Esteja lá.
Aquilo era uma pergunta ou uma ordem? Isabella ainda estava pensando
como responder, quando a ligação foi interrompida.

CAPÍTULO VII

— E daí? Mohammed indicou você para o Oscar? — o americano brincou,


quando ela voltou.
— Não, era o xeque Edward. Quer que eu vá vê-lo esta noite.
— Esta noite? Você deve ter deixado o xeque de boca aberta com seu
desempenho, garota! Talvez ele queira lhe dar a comenda dos cavaleiros de
Ras-Al-Khan!
— Pois eu não vou!
Como podia atender àquela ordem de Edward, quando sabia que ainda
não recuperara o domínio sobre si mesma? Como ele iria se comportar? Seria
o executivo frio, o amante impetuoso, ou… alguma surpresa ainda lhe estava
sendo reservada? Já era quase meia-noite, que direito tinha ele de chamá-la a
uma hora daquelas? Nada em seu contrato dizia que ela deveria ficar à
disposição do chefe a qualquer hora do dia ou da noite.
— Não, não vou! — repetiu, furiosa por ter ficado tão emocionada.
— Acho que deveria ir — o americano aconselhou. — Quem sabe ele
mande estender o tapete vermelho para lhe dar os parabéns… Vale a pena
fazer um pouco de política, menina. Por que se indispor com o poder, só para
ser do contra?
Isabella parou para pensar. Edward não iria despedi-la só por ela faltar a
um encontro, mas, de qualquer modo, era o senhor do seu destino. Afinal,
precisava conservar o salário que estava recebendo. Então, por que provocar
problemas desnecessários? Suspirou, pondo de lado sua revolta.
— Está bem, eu vou.
— Isso mesmo, garota. Ande, vá correndo tirar essa maquilagem
carregada, própria para as câmeras. Bem, também pode deixar a pintura de
guerra e tentar desviar Edward dos braços de sua prometida.
— Não, obrigada — ela respondeu, torcendo o nariz.
Minutos mais tarde, entrava no Mercedes que a esperava à porta do
estúdio, usando apenas um pouco de sombra e brilho nos lábios. O motorista
não era o mesmo que a tinha levado da outra vez. Felizmente, não
demonstrou vontade de conversar. Cansada, depois da tensão das últimas
horas, ela só queria ficar em paz. Encostou-se no assento de couro macio e
deixou seus pensamentos voarem enquanto o carro rodava. Edward devia ter
apreciado seu desempenho na televisão. Afinal, todos tinham gostado. Assim,
não havia o que temer.
Qual seria a reação de Douglas se a tivesse visto na tela? Teria ficado
contente? A resposta sincera seria “não”. Apesar de dizer que se orgulhava da
carreira da esposa, no fundo ele tinha ciúme de seu sucesso, de sua força e
saúde. Isabella não podia culpá-lo. Qualquer pessoa que estivesse na mesma
situação teria as emoções distorcidas e confusas. Fechou os olhos. “Oh,
Douglas! Se ao menos me tivesse deixado ajudá-lo! Poderíamos ter enfrentado
os problemas juntos. Se ao menos…”
Mais uma vez os guardas abriram os portões e mais uma vez o carro
atravessou os jardins. Quase nada se via, no escuro da noite. O motorista
parou e Isabella saiu, virando-se para ver a figura vestida de branco que
deixava o palácio. Forçando um sorriso, preparou-se para cumprimentar o
criado, mas surpresa constatou que Edward em pessoa tinha vindo recebê-la.
— Boa noite, sra. Swan.
— Boa noite.
Sentia os nervos à flor da pele. Enquanto estavam separados, conseguira
se convencer de que a atração que sentia por ele tinha acabado; agora,
porém, percebia que se enganara e temia o que pudesse acontecer. Não
conseguia compreender bem o que se passava com ela; só sabia que esperava
ardentemente que ele aprovasse o que estava fazendo.
— Viu televisão esta noite, quando li as notícias? — perguntou, ansiosa.
Edward esperou que o Mercedes se afastasse e só então disse:
— Vi, sim. Foi um dia cheio para você, não?
Isabella ficou alerta. A voz soava mais fria do que habitualmente; seria
imaginação dela ou os olhos dele brilhavam com uma fúria contida? Fosse qual
fosse a razão que tinha para pedir a presença dela, certamente não seria para
entregar flores. O ar agressivo do xeque o confirmava amplamente. E o pior
era que ela não estava em condições físicas nem emocionais para se defender.
Afastando uma mecha de cabelo da testa, respondeu:
— Realmente, foi um dia bem cheio. Não se importa se conversarmos
amanhã? Estou tão cansada…
— Siga-me! — ele comandou, virando-lhe as costas. Isabella se ressentiu
muito, mas parecia que o único jeito era segui-lo através das grossas portas.
Atravessaram o saguão de mármore e o pátio enluarado, sem que ele olhasse
uma só vez para trás. Ela fervia de raiva. Com que direito ele se atrevia a
tratá-la assim? Edward continuava a andar pelos corredores silenciosos, tendo
certeza de que era seguido. Quase era preciso correr para conseguir
acompanhá-lo.
— Não acha que minha apresentação foi boa, para uma estreante? Todos
no estúdio aprovaram — embora ofegante, ela se apressou a falar, antes que
ele dissesse alguma coisa.
Em tom impessoal, ele respondeu.
— Sem dúvida. Esteve brilhante.
Brilhante! Aquele elogio, mesmo dito com tanta frieza, a deixou feliz.
Precisava, realmente, que ele a aprovasse!
— Obrigada! — foi tudo o que conseguiu balbuciar.
— Também brilhou nas páginas da edição de hoje do Ras-Al-Khan Times.
Acho que devo aplaudi-la.
— Ras-Al-Khan Times? De que está falando?
Edward agarrou o jornal que estava sobre a mesa e o aproximou do rosto
dela, num gesto agressivo.
— Estou falando de como deve ter animado o café da manhã de muita
gente com seu sorriso provocante. E como estava “respeitável” ao aparecer
nas telas, lendo o noticiário. Que contraste: amante e esposa numa só mulher,
a fantasia de todo homem! — ele ironizou.
— Do que está falando? — ela voltou a perguntar, confusa, pois não tinha
visto os jornais naquele dia.
— Posso descrever a situação com palavras bem menos educadas. Pedi
para não posar outra vez, mas você posou. E, agora, isso! O que está
havendo? Pretende chamar a atenção a todo custo?
Só então viu a propaganda que ocupava meia página! Lá estava ela,
vestida com um maiô inteiriço, deitada de costas, uma perna dobrada,
sorrindo, perdida num mundo só seu.
Depois de passar uma noite cheia de angústia nos estúdios de televisão,
não tinha mais coragem para suportar aquela agressividade toda. Reunindo as
forças que lhe restavam, respondeu:
— Estou usando um maiô respeitável. O anúncio passou pela mão dos
censores, que o aprovaram; por isso ninguém pode sentir-se moralmente
ofendido. Nunca mais posei. Obedeci às suas ordens. Esta fotografia foi tirada
daquela vez, no navio, junto com uma porção de outras.
— Provocantes como esta? — ele gritou, batendo o dedo no jornal.
— Não tive a intenção de ser provocante.
— Não teve a intenção! Também foi coincidência aparecer na televisão no
mesmo dia em que saiu a propaganda no jornal?
— Não sabia que iam me chamar para aparecer na televisão. Estava
apenas ajudando numa emergência. Como também não sabia que planejavam
lançar este anúncio. Só me tinham dito que as fotos eram para um folheto de
propaganda. Desculpe se…
Edward arrancou a kaffia da cabeça, jogando-a sobre a mesma e passou a
mão pelos cabelos.
— Desculpa! Não vê o que aconteceu? Por causa da sua falta de
responsabilidade, reduziu a credibilidade do serviço de notícias a zero!
— Não, não é verdade! — ela reagiu.
— Está bem, está bem… Talvez não a zero, mas conseguiu abalar a
confiança do público. Acha que pode fazer as notícias parecerem verdadeiras,
quando são apresentadas por uma mulher que aparece em pose de sereia, nas
páginas dos jornais? Existe uma coisa chamada linha de conduta,
principalmente num país islamítico, onde é importante que a pessoa que lê as
notícias seja séria e recatada, mas você…
Estava furioso, e Isabella continuava calada. Sentia-se incapaz de lutar.
Que ele ardesse de ódio! Que acusasse! Já não prestava mais atenção ao
desabafo. Quando ele finalmente terminou, respondeu, com tanta calma
quanto possível:
— Tenho tanta consideração pelo serviço de comunicação de Ras-Al-Khan
quanto você. Sinto muito pelo que aconteceu, mas continuo achando que sua
reaçâo está sendo exagerada. O anúncio no jornal é uma coisa comum e
duvido muito que alguém ligue as duas imagens, a do jornal e a da televisão.
No foto, meu cabelo está solto e armado, cobrindo parte do rosto, enquanto
que esta noite apareci usando um coque com uma aparência bem diferente.
— Talvez — ele admitiu, olhando-a bem.
— Sem dúvida!
A convicção com que replicou tirou todo o poder de luta dele. Pegou o
jornal e examinou o anúncio mais uma vez.
— Você pode ter razão.
— Claro que tenho! Quem não me conhece jamais ligaria uma coisa com a
outra.
— Talvez eu tenha exagerado. É que eu… é que eu a desejei tanto quando
vi a fotografia esta manhã! — confessou, deixando Isabella alarmada. — Olhei
para as curvas do seu corpo, imaginei a maciez de sua pele, seu perfume e… e
achei que todos os homens estariam pensando a mesma coisa. Mas é claro que
não. Eles nunca tiveram você nos braços. Talvez só eu sinta a provocação —
completou, jogando o jornal sobre a mesa.
— Mas eu não quero provocar ninguém! — ela protestou.
— Não, talvez não tenha consciência disso.
Com o indicador, começou a acariciar os lábios dela. O olhar sério e a
sensualidade daquele dedo que afagava com tanta intimidade acenderam uma
chama em Isabella. Quando ia beijá-la, ela sentiu o corpo inteiro se preparar
para aquele contato, mas conseguiu dar uma passo atrás, dizendo:
— Preciso ir embora.
— Está bem — ele concordou, também recuando. — Ouvi falar que seu
programa foi muito bom. Mohammed já lhe pediu mais algum?
— Já me pediu para preparar mais seis — ela respondeu, aliviada por
terem mudado de assunto.
— Está contente com isso?
— Muito. Esta parte do mundo é fascinante e até agora só a conheço
superficialmente. Estou morrendo de vontade de saber mais sobre os costumes
e sobre o povo daqui.
— Está morrendo de vontade de saber mais sobre mim?
— Não… Você não é típico representante desse povo.
— Mas conheço muito sobre a vida do Golfo — ele protestou, brincando. —
Quando era menino, costumava acampar no deserto, dormir sob a luz das
estrelas. Já prometi a mim mesmo que voltaria a fazer isso.
Interrompeu-se, pensativo. Depois suspirou e continuou:
— Mas como você disse, não sou típico. Às vezes vejo Ras-Al-Khan e seus
costumes como um estranho, como você. Quando se é criado na Europa ou na
América, é difícil não comparar o modo de vida daqui com o de lá.
O olhar que dirigiu a Isabella mostrava que logo se arrependeu do que
tinha dito e emendou:
— Não me leve a mal. Sou muito chegado à minha família aqui, mas,
como você deve imaginar, há coisas que me frustram. Quase tudo ainda é
deixado nas mãos de Alá, e os homens se tornam indolentes e submissos.
Ainda assim, é importante que eu dê minha contribuição à família Al Zahini. Eu
me converter ao islamismo e me casar com Shamsa tem um sentido. Todos
querem muito que faça isso, mas às vezes fico imaginando se também… se
também desejo o mesmo.
— Preferia ficar solteiro?
— Não. Quero me casar… ter filhos… Não pretendo ficar sozinho. Preciso
ter uma esposa, alguém para viver comigo.
— Então?
— Nada. Não ligue para isso. Acho que é meu lado ocidental interferindo
outra vez. Vai passar. Quando vai ser seu próximo dia de folga?
— Quinta-feira. Por quê? — ela perguntou, alarmada pela súbita troca de
assunto.
— Na quinta-feira vou levar você até o oásis de Ali Obaid, onde Sarur tem
um refúgio inacabado, outra de suas loucuras — disse, com certo desprezo. —
Ele teve a idéia ridícula de reconstruir os jardins suspensos da Babilónia no
meio do deserto. Não deu certo, é claro, mas é um ótimo refúgio para quando
quero ficar sozinho. Na quinta-feira, ficarei sozinho lá… com você.
O clima eletrizante que parecia haver entre eles voltou a vibrar, e Isabella
sentiu que era hora de girar nos calcanhares e sair dali depressa, correndo. O
bom senso lhe dizia para fugir daquele homem que olhava para ela como se
quisesse devorá-la, mas não conseguia se mexer. Edward se aproximou e a
envolveu num abraço. Seus lábios se colaram no mesmo instante. Passaram a
se beijar com a fúria da paixão. Isabella colou seu corpo ao dele, renovando as
forças ao sentir a intensidade do desejo dele. Edward queria fazer amor com
ela, que também o desejava. As mãos que passeavam pelo seu corpo logo
procuraram o zíper do vestido nas costas.
— Edward, querido — ela murmurou.
Então ele a abraçou com força, ofegante. Levantou a cabeça devagar, e
seus olhos estavam cheios de angústia.
— Não… não podemos. Não aqui, não hoje, habibati. Seria muito arriscado
— explicou, pondo as mãos nos ombros dela, como se quisesse recompor os
dois. — Precisamos… ter juízo — ele completou, com certa dificuldade.
— Não quero ter juízo! Eu quero…
— Eu sei o que você quer. Eu também quero. Mas precisamos ser
discretos — murmurou, acariciando os cabelos dela e se afastou. Isabella
percebeu que ele o fazia com dificuldade, mas também com determinação.

CAPÍTULO VIII

Discretos! Ainda estava muito embriagada pela força dos beijos dele para
perceber o significado daquela palavra. Só a compreendeu bem quando
acordou, na manhã seguinte. Discretos! Levantou a cabeça do travesseiro.
Longe do calor de suas carícias, o que havia entre eles ficava bem diferente.
Agora ela compreendia que o pedido de discrição de Edward significava uma
coisa: que ele esperava ter um caso amoroso e secreto com ela.
O árabe rico e a empregada não eram mais que um cliché, uma imagem
que a repugnava. Falar de seu compromisso com Shamsa tinha sido um
pretexto, parte do processo para convencê-la, envolvê-la; e como ela se
deixara envolver! Como tinha sido tola! Respirou fundo, pensando no que
poderia ter acontecido se Edward não tivesse se controlado. Sacudiu a cabeça,
furiosa. Nem precisava imaginar… já sabia.
— Até quinta-feira — ele tinha murmurado, levando-a pelos corredores
silenciosos do palácio, e ela, cega pela ingenuidade, não protestou.
Pulando da cama, foi depressa pegar a lista telefónica. Eram apenas sete
horas da manhã, mas não havia tempo a perder. Dez minutos mais tarde
constatava, confusa, que havia uma porção de números para o palácio, mas a
maioria só dava sinal de ocupado. Outros eram atendidos por pessoas que
falavam apenas árabe e outros não respondiam. Já estava perdendo as
esperanças quando, finalmente, conseguiu falar com o secretário de Edward.
— Gostaria de falar com o xeque Edward, por favor.
Sentiu-se perturbada logo em seguida, certa de que o homem suspeitaria
de uma chamada àquela hora da manhã. O que ela pensaria do papel dela na
vida de Edward? Sabia que ela tinha ido ao palácio na noite anterior, portanto
podia deduzir que era a amante do patrão. Será que o xeque agia assim com
outras mulheres? Nunca tinha ouvido nada sobre isso, mas Edward teria sido
discreto. Discreto! Ele provavelmente tivera uma temporada cheia de mulheres
na Europa e na América, e agora queria continuar uma vida sexual variada no
Oriente, casado ou não. Sempre ouvia contar que os xeques ricos procediam
assim habitualmente… E Edward? Seria diferente? Para deixar claro que sua
reputação estava acima de qualquer suspeita, ela disse:
— Preciso discutir um problema da rádio.
— Sinto informar que sua excelência saiu há uma hora para fiscalizar um
poço marítimo, senhora. Gostaria de deixar algum recado?
— Quer dizer a ele que a sra. Swan não vai poder comparecer à reunião
de quinta-feira, por favor?
— Pois não.
— Tem certeza de que ele vai receber a mensagem? — perguntou, não
querendo deixar margem para falhas.
— Absoluta, senhora. Já anotei seu recado. Sua excelência será informado
assim que chegar.
Isabella agradeceu e desligou. Será que devia mandar um bilhete, além
do telefonema, para ter certeza de que Edward compreenderia? Mas como se
sairia escrevendo? Como expressaria, de forma bem clara, que não pretendia
se tornar sua amante; que não desejava ser a protagonista fácil de mais um
caso amoroso? Acabou desistindo.
O dia passou agitado. Cada vez que o telefone tocava, no estúdio ou no
apartamento, sentia um sobressalto, com medo de que Edward a mandasse
chamar outra vez. Mas agora não atenderia o chamado dele, isso era certo.
Entretanto, ele não a procurou. Um dia se passou, depois mais dois, e ela
acabou achando que, refletindo mais seriamente, ele desistiria da idéia de
iniciarem um relacionamento íntimo. Edward não era nenhum bobo. Seu avô
poderia fechar os olhos para um romance fora do país, mas jamais perdoaria
algo do gênero em Ras-Al-Khan, principalmente quando o neto já estava
prometido a Shamsa. O calor do desejo poderia ter feito nascer a vontade de
manter um caso com ela, mas o bom senso devia ter falado mais alto. A
nenhum dos dois interessava um romance ilícito.
Sentindo-se segura outra vez, ela dedicou toda sua energia ao trabalho. O
segundo programa foi ao ar e recebeu elogios, o terceiro estava pronto, o
quarto precisava de retoques e o quinto… Quando a quinta-feira chegou, tudo
o que desejava era descansar. Dormiu até tarde, um luxo incomum, e acordou
com o quarto banhado pela luz do sol. Enquanto tomava seu suco de frutas,
pensava no que ia fazer. Resolveu nadar durante a manhã; depois do almoço
escreveria para várias pessoas com quem há muito tempo estava em falta.
Quando se preparava para sair, a campainha tocou. Devia ser Bob. Ele
tinha prometido ir buscar a máquina de escrever que ainda estava no
apartamento dela.
— Já vou!
Vestiu um robe de cetim azul e atravessou a sala, mas seu sorriso se
apagou quando abriu a porta. Lá estava Edward, com uma camisa esporte
xadrez e jeans. Com o coração aos saltos, ela gaguejou.
— E-eu cancelei n-nosso encontro. Telefonei para seu escritório e seu
secretário prometeu lhe dar o recado. Ele prometeu!
— E me deu o recado, mas você já deve ter notado que jamais aceito
“não” como resposta — ele disse, sorrindo. Depois, olhou para os dois lados do
corredor e pediu:
— Posso entrar? Sei que pouca coisa escapa aos olhos dos moradores
deste condomínio, mas preferia que eles não soubessem da minha visita.
Especialmente quando você abre a porta com tão pouca roupa.
Isabella arrumou o robe que marcava as linhas de seu corpo, fazendo com
que Edward a olhasse de alto a baixo, sem esconder seu interesse. Naquele
momento estava longe do senhor árabe distante: com aquela roupa, parecia
outro homem. Não exatamente outro homem, ela pensou, com um aperto no
coração, sem se atrever a olhá-lo de frente. Se deixasse se envolver pelo calor
daqueles olhos, pela curva sensual daquela boca ficaria sem defesa. Apesar de
seu corpo todo vibrar de desejo, devia seguir a razão e cortar qualquer
tentativa de relacionamento amoroso, antes que criasse raízes.
— Desculpe, Edward, mas não quero sair com você — disse com firmeza.
— Quer, sim.
— Talvez até queira, mas não vou.
— Por quê? Porque está com medo que a gente possa… começar um
romance? Um caso?
— Isso mesmo — admitiu, com um fio de voz.
Como podia ver tão bem dentro dela? Era incrível como podia adivinhar
seus pensamentos.
— Mas um caso também não me serviria. As consequências seriam
desastrosas. Acha que seria capaz de arriscar sua reputação e a minha? — ele
perguntou, pondo o dedo na testa como se fosse um revólver.
— Bem… não.
— Então confie em mim.
— Sabe muito bem que é loucura deixar que alguém nos veja juntos. Você
mesmo disse que os boatos correm.
— Certo. Mas você queria saber mais sobre a vida do Golfo, não é? Então,
hoje vamos ser apenas amigos trabalhando num programa de rádio. Não há
mal nisso. Nem vão saber que estamos juntos.
— Como? Todos conhecem seu carro! Agora mesmo deve haver alguém
nos seguindo — ela disse.
— Para que isso não acontecesse, emprestei o jipe de Abdullah.
— Mas vão reconhecer você!
— Com estas roupas, sou mais um na multidão.
Disso Isabella duvidava. Com sua personalidade forte e beleza máscula,
chamaria a atenção onde estivesse.
— Ainda assim, eu prefiro…
Edward a interrompeu, assumindo ares de príncipe todo-poderoso,
apontando para a porta do quarto.
— Imshil Vá se arrumar. E depressa! — Mesmo sem saber por que o fazia,
ela o obedeceu.
Cinco minutos mais tarde, reapareceu vestida e penteada com muita
simplicidade.
Para alívio dela, conseguiram descer no elevador e chegar ao
estacionamento sem encontrar ninguém conhecido, e, assim que subiram no
jipe, o medo de serem apanhados em flagrante desapareceu. Partiram.
Primeiro seguiram a estrada que acompanhava o rio. À medida que
Edward mostrava lugares interessantes e contava sua história, Isabella
começou a relaxar. A cidade foi ficando para trás, dando lugar ao deserto,
onde algumas plantas rasteiras lutavam para sobreviver. Mais alguns
quilómetros adiante, as dunas começavam a se formar, de um vermelho
dourado, onde não se via sequer a marca de pés. Depois de algum tempo, ela
disse:
— Espero que saiba onde estamos indo. Já faz algum tempo que não vejo
sinal de vida.
— Não se preocupe. Conheço este lugar como a palma da minha mão.
Mais à direita, há uma estrada de pista dupla que liga o oásis à cidade, mas
estamos indo pela estrada velha, que é mais interessante. Assim você pode ter
uma idéia de como eram as viagens pelo deserto, antigamente.
Tinha razão. Olhando as linhas curvas das dunas sob o sol quente, era
fácil imaginar uma caravana surgindo no vapor que subia da areia. Fazia calor
dentro do jipe, apesar do ar condicionado.
— Como andam as coisas na rádio após minha saída? — perguntou
Edward, depois de um longo silêncio.
— Parece que entraram nos eixos — ela confessou, sorrindo. —
Mohammed tem tudo sob controle. É rígido, mas tem uma boa visão das
coisas. Está assumindo a parte do sr. Harding com muito sucesso.
— O Lennie está se comportando?
— Mais ou menos. Nunca se atreveu a ir muito longe com você, mas como
ainda não sabe até onde pode chegar com Mohamed, não decidiu se vai se
rebelar ou juntar as forças com ele.
Continuaram conversando animadamente, até que, num dado momento,
seus olhares se encontraram e se fixaram com intensidade. Isabella apressou-
se em olhar para fora da janela. Amigos, ele tinha dito, a serviço. Mas amigos
jamais se olhavam com tanta emoção.
— Você faz bem em não ficar muito tempo na piscina — ele murmurou. —
Há mulheres que ficam ao sol até parecerem camarões, mas sua pele tem um
tom dourado pálido que é perfeito.
Perfeito para quê? Para ele beijar e acariciar? Apesar de não conseguir
deixar de pensar no que significavam as palavras que ouvira, Isabella não
queria se deixar envolver pelo tom de intimidade que elas revelavam.
— A Rádio Ras-Al-Khan tem funcionado bem melhor agora que…
— Não quero falar sobre a rádio — ele interrompeu. — Prefiro conversar
sobre você.
— Mas já sabe tudo, leu minha ficha pessoal. Não há mais nada para
acrescentar — ela protestou.
— Há, sim. Para começar, gostaria que me contasse sobre seu casamento.
Acho estranho que seja viúva há menos de um ano e quase nunca fale de seu
marido. Não era feliz com ele?
— Não — ela admitiu, olhando para as dunas e para as montanhas
escuras no horizonte.
— Por que não?
— Bem… acho que nosso casamento foi um equívoco. — Sentia-se
desconcertada pela maneira direta com que Edward fazia as perguntas.
— Por quê?
— Meu casamento acabou, Edward. Prefiro não…
— Prefere que eu não me intrometa? — ele deixara de olhar para a
estrada para fitá-la.
— Não é fácil falar sobre coisas assim. Sabe, é como mostrar a cicatriz da
operação do apêndice — foi tudo o que conseguiu dizer, sorrindo sem jeito.
— Não queria interferir — ele se desculpou. — É que… bem… gostaria de
saber mais sobre você.
Isabella franziu a testa, pensando o que seria mais perigoso: ficar calada
ou contar parte da história de seu casamento. Se insistisse em nada falar,
Edward acabaria descobrindo que havia algo errado; isso não podia acontecer.
Ele já tinha entrado em contato com Jerry Thompson para saber sobre a
carreira dela e também podia resolver investigar a sua vida particular.
— Douglas e eu nos casamos porque ele precisava da minha força para
enfrentar qualquer tipo de situação. E eu… acho que tinha grande esperança
de curar Douglas… de sua insegurança.
— Mas não funcionou, não é? Agora que já sei o motivo, gostaria de saber
os fatos — pediu, como se estivessem discutindo um assunto qualquer.
Esta invasão da intimidade estava deixando Isabella apavorada. O que
poderia acontecer se não desse uma resposta satisfatória? Percebendo que ela
procurava se esquivar, lembraria do nome de Nigel Dutton! Com algumas
perguntas às pessoas certas… Depois de ouvir aquela história sórdida, será que
permitiria que uma mulher tão endividada continuasse trabalhando na Rádio
Ras-Al-Khan? A imagem era importante no meio das comunicações. Uma
ameaça de escândalo era capaz de arruinar uma carreira. A carreira dela!
Isabella achou melhor não fugir do assunto. Era preferível falar sobre o
passado com cautela. Uma passo em falso e…
— Douglas e eu nos conhecemos quando ele estava no hospital. Eu fazia
um programa lá, naquela época, e costumava visitar os pacientes para que
pedissem e dedicassem músicas.
— Por que ele estava no hospital?
— Tinha sofrido uma cirurgia no coração.
— E você se apaixonou por ele?
— Não foi à primeira vista. Era apenas mais um rosto, então. Quando nos
encontramos, depois, não o reconheci sem o pijama.
— Mas na certa ele reconheceu você.
Agora se viam melhor as montanhas cinza-azulada que ardiam ao sol do
meio-dia.
— Sim. Ele tinha saído do hospital e aberto uma firma de serviço de
ônibus. Eu trabalhava na rádio da cidade, quando Douglas fechou um contrato
de aluguel dos microônibus para reportagens externas. — Perdida em suas
memórias, ela demorou a continuar. — Ele fazia tudo com pressa, pois tinha
acabado de travar um duelo com a morte. Depois de algumas semanas, pediu-
me em casamento e me pressionou a aceitar. Disse-lhe que devíamos esperar,
mas não adiantou. Era como ser levada por um tufão. Com Douglas, tudo tinha
de ser na hora, imediato. A pressa dele me deixou orgulhosa.
— Estava apaixonada por ele?
— Acreditava estar. Acho que nunca tive tempo para pensar no que sentia
realmente. Douglas me acusava de confundir dó com amor. Talvez tivesse
razão.
— Dó? — Edward perguntou, intrigado.
— Ele precisava muito de afeto e acho que isso nos aproximou — explicou,
com um pouco de amargura. — Quando eu era pequena, sempre trazia
animaizinhos perdidos para casa. Uma vez achei uma gaivota com a asa
quebrada e insisti para que meu pai fizesse uma gaiola para ela. “Rabujenta”
era o nome dela, por causa de seu mau gênio. Passava todo meu tempo livre
tentando domesticá-la.
— E conseguiu?
— De jeito nenhum. Só ganhei umas boas bicadas. Sou a protetora dos
doentes, fracos e desvalidos. Meu coração mole sempre me fez procurar as
crianças com quem ninguém mais queria brincar, as crianças problemáticas…
Mas será que não podemos parar de falar no assunto? Não se pode mudar o
passado e eu prefiro esquecer.
Edward tirou uma mão bronzeada do volante para envolver a dela, e
pediu:
— Quero que me explique, habibati. Quero compreender. Por favor.
Era melhor falar. Quanto mais rápido melhor, para acabar logo com o
assunto:
— Bem, atendi à parte de Douglas que precisava de mim. Ele achava que
lhe dar toda minha atenção não passava de um direito já adquirido pelo
casamento. Recebia todo meu amor, meu carinho, tudo o que eu tinha para
dar, mas não ficava satisfeito. Se algum homem olhava para mim, ficava de
mau humor.
Isabella se interrompeu, pensando nos dias, nos meses de agonia que
passara com o marido.
— Mas ele tinha um motivo, havia muitos problemas. Sua saúde estava
em perigo e os negócios nunca foram bem. Foi mais uma coisa que ele fez com
pressa demais.
Ela se calou de novo. Tinha chegado perto da parte mais perigosa, mas
não iria adiante. Edward não devia suspeitar das dificuldades financeiras que
enfrentava.
— O problema era eu ter pena dele, pois teve uma infância infeliz. Os pais
o rejeitaram e passou por uma série de famílias temporárias antes de ser
adotado, com seis anos.
— Seis anos! Então já compreendia o que estava acontecendo! — Edward
comentou, penalizado.
Isabella sentiu um nó na garganta. Sempre que pensava nas carências de
Douglas, tinha vontade de chorar.
— S-sim. Ele foi uma criança rejeitada. A mãe era uma garota
desmiolada, que odiava ter de carregar a criança onde quer que fosse. O pai,
marinheiro, só aparecia em casa quando estava de folga, sempre bêbado e
violento. Os vizinhos acabaram avisando as autoridades, e Douglas foi parar
num orfanato, por questões de segurança. Então, começou a série de famílias
temporárias, até que, finalmente, os pais verdadeiros resolveram autorizar que
ele fosse adotado, legalmente. Agnes Swan e o marido gostaram dele. Nas
fotografias, parecia um anjo.
— Por que escolheram um garoto de seis anos e não um bebê?
— Conhecendo minha sogra, sei que ela quis evitar o trabalho que um
bebê dá: mamadeiras, fraldas e noites sem dormir. Tudo isso seria horrível
para ela.
— Mas garotos de seis anos também dão trabalho, Jaber, meu sobrinho, é
um bom exemplo de destruidor.
— Pelo que sei, o sr. Swan sabia lidar muito bem com Douglas, pondo o
menino na linha quando era preciso. Infelizmente, morreu quando o garoto fez
dez anos. Agnes já se cansara da novidade de ter um filho em casa. Não era
capaz de dar carinho algum. Douglas não podia levar amigos para casa para
brincar e a mãe ficava louca da vida se aparecia com os joelhos sujos ou a
roupa rasgada. Ela achava que cuidar dele era apenas dar-lhe dinheiro, nunca
um carinho ou uma palavra de estímulo. No fundo, ele sabia que não era
amado, Isabella parou para enxugar os olhos e continuou:
— Só depois de estarmos casados é que vi a imagem errada que ele tinha
sobre amor. Podia transbordar de afeto, mas nunca seria capaz de perceber
que alguém o amava. Não confiava nos outros… nem em mim. Eu sentia pena
dele e não posso culpá-lo por seu modo de agir. Matava-se de trabalho e me
acusava de todas as falhas possíveis, mas depois se arrependia e se
desmanchava em desculpas. Sempre o perdoei.
— Será que ele queria ser perdoado? — Edward perguntou.
— Não sei. Também pensei muito sobre isso. Talvez quisesse ouvir um
“basta”. Mas eu não podia me arriscar porque havia outras coisas envolvidas.
Ora… isso não adianta nada agora — disse, sorrindo com amargura.
— Seu marido era louco por dinheiro, então? Uma vez você me disse que
ele considerava o dinheiro muito importante — disse, impressionando Isabella
por sua memória. — Os negócios dele… Segure-se!
Ela mal teve tempo de se apoiar no painel, com as duas mãos, antes de
Edward pisar fundo nos freios. O jipe parecia estar numa montanha-russa
sobre os montes de areia. Um camelo vinha galopando na direção deles a toda
velocidade, indo de um lado para outro. Praguejando em árabe, Edward
tentava desviar, mas parecia que era impossível não trombar com o animal
que se aproximava, levantando nuvens de poeira. Enfim, conseguiram passar a
poucos centímetros dele. Pararam, então, e Isabella respirou fundo, levando a
mão ao peito!
— Nunca pensei que um camelo pudesse correr tanto! Pena que não foi
possível gravar este galope na minha fita de efeitos especiais!
Os dois olharam para ver o vulto desaparecer por trás de uma duna.
Edward suspirou aliviado e tirou os óculos escuros para enxugar a testa.
— Se estivéssemos numa estrada asfaltada, teríamos um acidente feio, na
certa. Você está bem? — perguntou, preocupado, olhando-a.
— Sim. Abalada, mas inteira — ela riu.
Vendo que nada lhe tinha acontecido, ele sorriu, pôs os óculos e ligou o
motor.
— Espero não ter atolado na areia. Desculpe o modo de dirigir, mas
parece que o camelo não conhece o código de trânsito.
— Mas aquele era um camelo selvagem. Os domesticados devem ser
melhores.
— Desculpe contrariar, mas não existem camelos selvagens. Todos têm
um dono, mesmo que esteja por perto.
Começou a explicar as leis do deserto e ela foi se acalmando. Como o
animal, ela também quase sofrera um baque. Se as perguntas pessoais
tivessem continuado, mais cedo ou mais tarde teria de acabar revelando a
verdade ou inventando mentiras. De qualquer modo, seria um desastre.
Logo a estrada se alargava um pouco, agora pavimentada com
pedregulhos, subindo por entre as montanhas. Não havia mais dunas, só a
terra seca, onde andavam algumas vacas magras, procurando a sombra das
poucas árvores sem viço. Quando Isabella pensava que nunca tinha visto tanta
aridez em sua vida, viraram uma curva e avistaram o azul de um lago: era o
oásis.
Em sua imaginação, o oásis não passava de um pouquinho de água, mas
aquele era um lago bem grande. Do outro lado havia uma porção de casas
brancas, ladeadas por palmeiras e tamareiras.
— Até que enfim vejo árvores verdes outra vez — exclamou, satisfeita.
— Aquela é a vila de Ali Obaid, e adiante, do lado esquerdo, fica o que
resta dos Jardins Suspensos de Sarur. A terra daquele lado é toda dele.
Era uma extensão imensa, e o carro andou mais uns seis quilômetros
antes de se aproximar de um enorme muro branco com pontas de ferro em
cima. Ele escondia um prédio estranho, mistura de iglu com um castelo cheio
de torres das histórias infantis. Mais uma das excentricidades de Sarur.
— Diferente! — ela comentou, rindo com Edward.
— Devia haver mais duas alas, uma de cada lado do gramado — ele
explicou.
A relva era uma visão inesperada, brilhante e bem cuidada.
— E um jardineiro vem regar este pedaço todos os dias. Só Sarur e Alá
sabem por que. Para mim, isto não passa de dinheiro e trabalho jogados fora
— Edward continuou.
— Já disse isso a seu tio?
— Já, mas ele não se importa. Ele e eu não concordamos em nada. Não
somos lá muito amigos, nem fingimos ser.
— E mesmo assim ele quer você para genro? A resposta veio com um
sorriso sardónico:
— Existem implicações políticas. Meu tio acha que o casamento com
Shamsa garante fidelidade a Ras-Al-Khan, apesar de eu já ter explicado que
minha lealdade está acima de qualquer suspeita. Venha, me dê sua mão.
O chão era irregular e, quando ele a ajudou a descer do jipe, teve de
tomar cuidado para não cair. Seguiu-o, andando com alguma dificuldade pelo
caminho cheio de pedregulhos e areia, ouvindo as explicações dele.
— O projeto original era diferente. Devia haver uma piscina, um pátio e
jardins. Sarur diz ter um fraco por jardins, mas, como sempre, ele faz tudo
errado. Começaram o jardim antes do projeto da casa. O fracasso foi total.
Para salvar alguma coisa, ele pegou as mudas e as levou para seu palácio em
Ras-Al-Khan. Agora só restou isto.
Isabella caminhava com esforço. O sol ardente se refletia na areia e a
queimava. Todo o seu desconforto foi, porém, esquecido ao ver, num canto,
entre latas de tinta e outros restos de materiais, hibiscos floridos. Os botões
vermelhos pareciam garotas em vestidos de festa.
— Olhe, Edward! Sobreviventes!
Com um sorriso, ele foi pegar uma flor. Voltou com ela na mão,
segurando-a com cuidado. Ao aproximar-se, prendeu-a com um gesto delicado
nos cabelos dela.
— Nós temos um simbolismo sobre isso: a flor colocada sobre a orelha
pode significar que a moça está livre ou comprometida, dependendo do lado
em que tenha sido posta.
Isabella tirou a flor do cabelo no mesmo instante, girando-a entre os
dedos. Quando levantou a cabeça, seus olhos traziam um desafio.
— Acha que eu estou livre?
— Não — ele reconheceu depois de um instante. — Não está livre. Para
mim, não.
Ela queria ser abraçada. Queria que estivessem no outro lado do mundo.
Queria que aquele momento durasse para sempre. Queria que acabasse logo.
Ela o odiava. Ela o amava. Confusa, afastou-se depressa, tendo dificuldade
para andar sobre os saltos finos. Edward tentou segurar-lhe o braço, mas ela
se soltou. Jogou fora a flor vermelha, sem se importar onde caiu. Olhando a
entrada da casa, disse:
— Estou morrendo de calor e de sede. Que pena seu tio não ter construído
uma piscina! — tentava brincar para disfarçar o constrangimento.
— Não posso lhe proporcionar um mergulho, mas sei como pode se
refrescar. Espere um pouco.
Ele voltou ao jipe, de onde pegou duas caixas grandes de isopor.
Carregando-as, fez sinal para que Isabella entrasse primeiro na casa. Lá o ar
fresco os recebeu.
— Não me diga que a casa fica refrigerada o tempo todo! — ela disse.
— E mobiliada, com tudo que se precisa. Sarur não gosta de deixar certas
coisas pela metade.
Isabella tirou as sandálias e, alegre como uma criança, se pôs a andar
pelo hall de mármore.
— Que delícia!
Edward riu e também tirou os sapatos, aproximando-se dela. O saguão
quadrado também servia de galeria de retratos. Isabella viu o xeque Ahmad,
Karim e Sarur, que estavam em três poses diferentes, mas não havia nenhum
retrato de Edward. Talvez só o colocassem depois que ele provasse sua
lealdade, casando-se com Shamsa.
— Mas por que ele deixou metade da casa habitável? — ela perguntou,
achando melhor falar de outras coisas, em vez de pensar no futuro de Edward,
no casamento de Edward.
— Em ocasiões especiais, como nas festas de Eid, Sarur recebe os homens
da vila de Al Obaid aqui, ou essa é a desculpa que ele dá. Seria bem mais
barato mandar uma caravana de carros para transportar todos até o palácio da
cidade em vez de manter este lugar com ar condicionado e tudo mais. Mas ele
não quer enxergar as coisas desse modo.
— Então já andaram discutindo sobre isso?
Edward concordou, sorrindo, e depois a levou para uma sala grande, com
decoração e móveis bastante estranhos, cheios de detalhes imprevisíveis.
Notando a surpresa de Isabella, Edward comentou:
— Há gosto para tudo…
Depois, abriu a porta de uma sala bem menor. Ali acabava a mistura de
estilos. A decoração mostrava tons suaves, com plantas e muita luz. O tapete
do chão era bege claro e as cortinas, imitando redes, cobriam as enormes
janelas que davam para os fundos da casa. Não havia móveis exóticos ali: só
uma porção de almofadas bordadas em tons de verde e branco. Edward
explicou:
— Este é o meu refúgio. Tirei todos os “objetos de arte”, assim, quando o
faxineiro vem, limpa tudo em dois segundos. Ao contrário de Sarur, prefiro a
simplicidade.
— Você se deita nas almofadas?
— Isso mesmo. E como não há empregados permanentes aqui, sempre
trago algo para comer. Nesta caixa… temos nosso almoço, mas nesta aqui
guardei uma coisa especial para você — disse, tirando uma garrafa do gelo.
— Champanhe!
— Lembrei de como você gosta.
— Mas você vai beber champanhe também?
— Claro. Por que não? — ele respondeu, pegando as taças.
— Bem, achei que… você vai se converter ao islamismo e muçulmanos
não bebem álcool. Bem… — ela se sentia estranha, arrependida de ter tocado
no assunto.
— Não sou muçulmano e por isso não estou quebrando lei alguma. Agora,
quer segurar as taças, para eu não me enxarcar, nem molhar você, ou o
tapete, quando estourar a tampa?
Prendeu a garrafa entre os joelhos, mordendo o lábio enquanto afrouxava
a rolha, que logo soltou com um ruído seco. Encheu as taças que Isabella
segurava e sentaram-se nas almofadas.
— Um brinde à minha modelo favorita — propôs, levantando a taça.
O coração de Isabella parou de bater. Aquele brilho quente tinha voltado
aos olhos dele, o mesmo que fazia a pele dela se arrepiar, seu sangue ferver.
Recusando-se a ceder, esticou as pernas, girou os pés e bebeu um gole. Se só
pensasse no champanhe e olhasse para um ponto qualquer, menos para o
homem de pele cor de bronze a seu lado, talvez tivesse uma chance de sair
daquela situação sem problemas.
— Quero que me faça um favor — ele falou baixinho. — Jogue a cabeça
para trás, vire para cá e sorria.
Ela preferia recusar, mas poderia ser uma atitude mesquinha, então fez o
que lhe era pedido, forçando um sorriso.
— Assim?
Ele se aproximou para soltar o lenço que lhe prendia os cabelos.
— Vamos tirar isto aqui e…
— Edward, por favor! — ela protestou, baixinho.
— Deixe, Isabella! A voz dele estava carregada de emoção. Soltou o lenço
e passou a arrumar os cabelos sobre os ombros dela, deslizando os dedos
entre os fios sedosos.
— Foi assim que pensei em você a semana inteira. Preciso lhe confessar
uma coisa: guardei a fotografia do jornal.
— Pendurou em seu quarto? — ela brincou, sem conseguir esconder o
espanto. — Pensei que não tinha gostado do ar de provocação.
— Não, não — ele respondeu, emocionado.
— Edward, não sou nem quero ser provocante!
— Eu sei. Sei que você não…
Com um murmúrio ele se levantou, agarrou a taça e se aproximou da
janela. Quando se voltou para olhá-la, seu rosto estava agressivo. Apontou
para uma porta e falou em tom de quem dá uma ordem.
— Disse que queria se refrescar. Então vá. Tem um banheiro aí, pode usá-
lo. Enquanto isso, preparo nosso almoço.
A ordem tinha sido clara e direta: queria que ela sumisse de sua frente,
queria que se afastasse dele, e ela sabia por quê. Observando-o, ela pensava
como conseguia manter o ar nobre num momento como aquele.
— Imshil — gritou, aflito para que ela se fosse logo. Olhou para a taça
vazia entre seus dedos e depois levantou a cabeça para pedir:
— Vá, por favor, vá. Não vê que eu a quero tanto que… Se você não for
já, vou abraçá-la. Passei a semana toda atormentado com sua lembrança. Não
quero Shamsa. Ela é apenas uma garota, e eu preciso de uma mulher, com
corpo de mulher e com desejos de mulher!
Atirou a taça contra a parede, quebrando-a em mil pedaços que se
espalharam pelo chão. Passou a mão pelos cabelos e deu as costas para ela.
— Eu quero você e você me quer, Isabella. Nós dois nos queremos e
estamos presos a uma situação em que… Agora vá, vá fazer seja lá o que for,
mas vá. Vá, por favor — implorou.

CAPÍTULO IX

Confusa, sem saber o que fazer ou como agir, Isabella entrou na primeira
porta que viu, no corredor. Era a do banheiro. “Quem sabe uma ducha não me
fará bem e… refrescará minhas idéias”, pensou. De baixo do jato agradável,
analisou mais calmamente o acontecido. Ela e Edward tinham brincado com
fogo, isso era claro. Mas ela tinha grande parte de culpa no que quase
acontecera. Sabia que entre ambos havia uma forte atração física. E, então,
por que ela aceitara quando ele a convidou para sair? Estava agindo como uma
adolescente, deixando-se guiar pelo coração e pelo desejo. E onde estava seu
bom senso, de que tanto se orgulhava? Que loucura!
— Loucos! Nós dois — ela disse para si mesma, tentando afastar os
pensamentos, que tumultuavam sua mente.
Para se distrair, pôs-se a analisar a sala de banho. Bonita, bem decorada,
funcional e com tudo o que se pode desejar como produtos e objetos de
higiene pessoal.
Abriu as torneiras. E que banho gostoso!
A água não estava gelada, como nem poderia se esperar no meio do
deserto, mas era refrescante. Fechando os olhos, ela começou a se lavar,
deliciando-se com o jato forte. O calor ia embora, fazendo parecer que até os
pensamentos estavam mais claros… Quando tudo ia entrando nos eixos,
novamente a porta do box se abriu por trás dela. Braços dourados e fortes a
envolveram pela cintura, e foi puxada para trás, de encontro a um corpo
másculo.
— Perdoe-me — Edward murmurou junto ao ouvido dela. — Não posso…
não consigo me controlar. Não posso ficar longe de você. Sei que não
deveríamos começar algo que não podemos levar adiante, mas…
Isabella permaneceu imóvel, apesar de seu coração disparar e seu corpo
todo desejar aquele homem.
— Edward, não! Logo você vai se casar e eu… não quero me envolver,
não, por favor; não vamos recomeçar…
— Eu já me repeti mil vezes que não podemos, não devemos continuar
assim. Você pensa que tem sido fácil para mim? Mas, quando estamos juntos,
me esqueço das promessas que fiz a mim mesmo de não ceder. Não posso!
Não consigo, Isabella! Como seria bom se estivéssemos em outro lugar do
mundo, sem pressões, sem barreiras…
— Mas não estamos no Ocidente, Edward.
— E se estivéssemos, você faria amor comigo?
— Mas isso é só uma hipótese — ela respondeu, torturada, achando que
estavam fazendo um jogo perigoso.
— Você faria amor comigo? — ele voltou a perguntar, abraçando-a com
mais força.
“Ah, meu Deus!”, ela pensou. “Eu amo este homem! Se houvesse um
mundo onde Edward não fosse se casar com Shamsa e se Nigel Dutton não
existisse…”
— Sim! Sim, eu faria amor com você! Agora está satisfeito?
— Não, não estou, nem você — respondeu, acariciando os seios dela. —
Por que não podemos fazer o que mais queremos? Ninguém sabe que estamos
aqui. Quando o jardineiro chegar, já teremos ido embora. Por que a culpa, se
sabemos da força do que sentimos um pelo outro?
— Será que sabemos? — ela perguntou baixinho, insegura.
— Já sabe que sou louco por você. Pouco tempo depois que nos
conhecemos, demonstrei meu amor de forma zangada e ciumenta, reconheço,
por causa das circunstâncias. E quero você desde aquele momento. Então, o
que há de errado em nos amarmos? Não, não responda. Hoje… só hoje,
habibati — ele pediu baixinho, ainda lhe acariciando os seios, excitando-a mais
e mais.
O desejo e o bom senso travavam uma batalha violenta. Teria coragem
para amá-lo só por um dia, só uma vez? Amar e continuar a viver, fingindo
que aquele dia no oásis fora algo Passageiro e sem importância? Agiria só por
desejo sexual? Não! O que existia entre ela e Edward era diferente!
“Diferente!”
Tentava iludir a si própria! Não era essa a defesa usada por quem se deixava
seduzir? Ou seria preferível fazer amor com Edward uma só vez pelo menos?
“Sim!”, seu corpo pedia. “Não”, ordenava seu bom senso… Edward continuava
a acariciá-la, beijar-lhe a nuca, mordiscando a pele macia e cheirosa, colando
seu corpo ao dela para lhe dizer o quanto a queria, como poderiam ir juntos ao
paraíso. Insistindo na carícia nos bicos rijos dos seios, escorregando pelo
ventre a mão quente, até as coxas, excitando-a, fazendo-a vibrar.
— Você é tão bonita!
Deixando escapar um gemido de prazer, ela se inclinou para trás,
repousando a cabeça no ombro dele. Tentou reagir, molemente:
— Não posso! Me recuso a fazer amor assim toda molhada. Rindo, feliz,
Edward a envolveu nos braços e a beijou, com lábios ardentes e gulosos,
enquanto a água escorria. Gotas que pareciam diamantes brilhavam sobre os
cabelos negros e os ombros dele.
— Isabella Swan, eu a amo. Você diz as coisas de tal jeito que elas vão
direto ao meu coração. Você está molhada? Eu também vou me molhar… Só
hoje, meu amor! Vamos!
— Só hoje — ela concordou, sem mais forças para reagir. — Venha!
Ele entrou na água.
Começou a ensaboá-lo, esfregando-lhe o sabonete sobre o peito. Com a
água que caía, os pêlos do corpo dele eram como renda negra sobre ouro
queimado. Estar nua com ele parecia natural e era excitante. Com ele, podia
ser ela mesma, não precisava se controlar como com Douglas. Edward era
forte, saudável, um animal em sua mais perfeita forma. Faria amor com a
mesma energia que fazia tudo na vida, com a mesma perfeição. Mas era
preciso lembrar de que era só por uma vez.
— Pode acabar sozinho da cintura para baixo. Estou ficando com frio —
disse, depois de lhe ensaboar as costas.
— Ficou com medo? — provocou, enquanto ela saía do chuveiro e se
envolvia numa toalha macia.
Ele terminou de se lavar e se enxugou em dois tempos. Enrolou a toalha
na cintura e sorriu.
— Acho que foi melhor assim. Meu controle está por um fio. Bem, você
me lavou e agora vou te enxugar. Isto é uma ordem, meu amor.
— Sim, meu amor e senhor — ela respondeu, rindo.
— Olhe para mim — comandou, com a voz rouca de desejo. Fitou os seios
dela e recomeçou a acariciá-los; uniram-se então num abraço molhado e
quente, num roçar de pele e toalhas, boca com boca, corpo com corpo.
— Vamos tentar ir mais devagar — disse, respirando fundo.
Isabella soltou os cabelos, que mantivera presos durante o banho. Num
gesto de carinho, Edward começou a penteá-los, a alisá-los com suavidade.
Revelava mais um lado de sua personalidade. Não era um homem qualquer,
mas uma mistura de Oriente e Ocidente. Um homem primitivo que sabia que o
mundo é uma selva, mas também um artista capaz de grande sensibilidade.
Será que Shamsa sabia a sorte que tinha? Isabella preferiu não pensar no
assunto, só lhe importava o “ali” e o “agora”. Inclinou-se, para beijá-lo,
envolvendo-o nos braços. Seus corpos se uniram mais uma vez, os lábios
voltaram a se encontrar, com o fogo da paixão ardente, e ela deixou seu corpo
se apoiar inteiramente no dele, ansiando por carícias. Quando ele se afastou,
descendo a cabeça sobre o corpo dela, suspirou de prazer e desejo.
Sem saber como, voltaram à sala ao lado, deitando-se sobre as
almofadas. Já seca, a pele de Isabella pulsava de ansiedade. Correu as mãos
pelos ombros dele, maravilhada: era tão firme, tão forte, tão bonito e bem
dotado! Edward deslizou as suas pelo corpo dela, beijando-lhe a cavidade do
umbigo, depois correu a língua até os seios, fazendo uma volta deliciosa para
envolver cada bico com seus lábios, e então continuou a viagem até a nuca,
mordiscando a ponta da orelha, terminando a jornada nos lábios de Isabella.
Depois de mais um beijo ardente e apaixonado, abaixou-se novamente. O que
ele estava fazendo, o roçar de seu rosto contra a pele dela, o mordiscar leve
de seus dentes, a deixava louca de desejo. As unhas de Isabella marcaram a
pele dele, enquanto ela jogava a cabeça para trás. — Querido… Meu amor —
murmurou. Então o fez deitar-se sobre as almofadas, para retribuir o prazer
que lhe estava dando. Usou seus lábios e sua língua até ele gemer e
estremecer, arrebatado.
— Oh, meu Deus! Sem poder esperar mais, Edward possuiu-a. Uniram-se
num abraço forte, transmitindo um ao outro o calor de suas paixões, até que o
gozo os levou ao paraíso da paz e da mais profunda satisfação.
Sem pensar no dia que passava, continuaram deitados juntos. Quando
fizeram amor pela segunda vez, foi diferente. Havia agora um reconhecimento
mais tranquilo e carinhoso dos corpos. Edward era delicado, mas também
muito ardente: sabia como dar muito prazer à companheira. Com os olhos
quase fechados, ainda sorrindo, ela sabia que também era capaz de agradá-lo.
Saciado, ele a acalentou nos braços até vê-la adormecida, depois a cobriu com
uma colcha acetinada. Por mais de uma hora, ficou junto à janela, perdido em
seus pensamentos.
A sala estava mergulhada na luz dourada do fim da tarde quando ela
despertou. Esfregando os olhos, apoiou-se sobre o cotovelo. Junto à janela,
delineava-se uma silhueta escura. Edward já tinha vestido seu jeans, mas o
peito continuava nu.
— Dormi muito? — ela perguntou.
— Um pouco, habibati, Precisamos ir embora.
— Não quero. Não quero que este dia se acabe — ela disse, sentando-se,
deixando a colcha escorregar pelo corpo abaixo.
Ele se aproximou com um sorriso melancólico. Ajoelhou-se ao lado dela,
acariciando-lhe o rosto.
— Nem eu. Nem posso dizer quando vamos poder vir aqui outra vez.
Preciso tomar uma série de medidas agora. Tudo mudou e eu não quero
ofender ninguém. Por isso devemos ter um certo cuidado. Daqui para a frente,
nosso relacionamento deve…
— Não diga nada, por favor! — ela implorou, encostando seu rosto no dele
para sentir o calor de sua pele, o perfume de seus cabelos. — Beije-me pela
última vez antes de irmos.
Ele a beijou, sentindo prazer em deslizar os dedos entre os fios macios
dos cabelos dela, num abraço apaixonado. Quando quis se levantar, Isabella
passou as mãos por trás do pescoço dele, puxou-o para si, roçando os seios
nus contra a pele dele.
— Vá se vestir — ele pediu baixinho, quase implorando.
— Daqui a pouco.
Abraçou-o com mais força e passou a beijar-lhe o ombro com os lábios
abertos para melhor sentir o gosto daquela pele dourada. Gemendo, ele
procurou seus lábios para um beijo desesperado. As mãos voltavam a correr
sobre a pele dela, explorando cada curva com paixão. Ainda murmurou um
protesto pelo que estava fazendo, mas nada podia impedir a paixão que
crescia, e caíram novamente sobre as almofadas.
O céu já se tingira de laranja e vermelho, e o sol se punha quando
voltaram ao jipe. Edward desceu para pôr o cadeado no portão, mas parou
para olhar. Seguindo a direção dos olhos dele, ela viu uma figura de túnica que
se aproximava dali de bicicleta. Era o jardineiro! Não sabia o que fazer. Já não
adiantava mais se abaixar, pois o rapaz estava perto. Não se mexeu em seu
lugar, mas o homem quase caiu da bicicleta ao ver que o patrão estava
acompanhado. Parou ao seu lado e conversaram em árabe.
Ao voltar ao jipe, Edward bateu a porta e arrancou depressa, deixando
uma nuvem de poeira atrás deles.
— Talvez eu devesse ter dado um dinheiro ao rapaz — ele disse para si
mesmo. — Não, por que fazer isso?
Atravessaram o deserto em silêncio, cada um com seus pensamentos.
Sentindo-se quase flutuando, por causa do amor feito naquela tarde, Isabella
não tinha vontade de falar. Palavras fariam com que tivesse de analisar o que
acontecera e ela preferia não pensar em nada. O céu já estava negro e as
estrelas brilhavam quando chegaram a Ras-Al-Khan. Edward evitou a entrada
iluminada do condomínio, indo direto para o estacionamento. Quando desligou
o motor, disse:
— Não devemos nos acariciar em público, mas… — beijou-a com ternura,
depois continuou, sério. — Estive planejando o que vamos fazer. Infelizmente,
vou ter de partir amanhã bem cedo para Oslo, onde devo ficar alguns dias;
quando voltar, podemos organizar tudo e…
— Vamos falar nisso quando você voltar… só quando você voltar — ela
pediu, sem querer estragar a magia do momento.
Queria dormir embalada pelo amor dele, sem enfrentar a realidade. O
último beijo, antes que ela voltasse ao apartamento, toi longo, apaixonado e
dolorido: já tinha o gosto da separação.
Ainda estava num mundo irreal quando o telefone tocou. Devia ser Bob,
pedindo algum favor, ou Lennie. com alguma brincadeira.
— Alô? — ela disse, sem entusiasmo.
— Lyss? Sou eu, Meg.
A atmosfera de sonho que ainda a envolvia desapareceu de imediato. Algo
urgente deveria estar acontecendo para Meg fazer uma chamada internacional.
Casada com um desenhista que não ganhava muito e com dois filhos para
sustentar, a irmã era bastante econômica. Não iria ligar sem uma razão forte.
— O que… o que aconteceu? — perguntou, preocupada.
— Nigel Dutton apareceu aqui e…
— Olhe, Meg, pelo jeito a ligação vai ser comprida e não quero que gaste
seu dinheiro. Desligue e eu a chamo de novo.
— Não me interessa a droga do custo da ligação! — a irmã retrucou,
nervosa. — Nigel Dutton sabe que você está no exterior. Ele me forçou a
contar. E está ameaçando ir à polícia. Sei que você deve dinheiro a ele, mas…
mas ele disse que são vinte mil libras! Não é verdade, é?
— Mais ou menos.
— Lyss! Como…
— Desligue, Meg, que eu ligo em seguida. Acalme-se enquanto isso,
depois me conte tudo o que aconteceu.
O pior tinha vindo, o que parecia inevitável. Mas, de certo modo, Isabella
se sentia aliviada. Parecia que era outra pessoa, vendo tudo com frieza e
calma, como se as coisas não se passassem com ela. Voltava a ser a pessoa
firme, que sempre enfrentava os problemas de frente. Ligou para a irmã e
pediu que ela contasse tudo, desde o começo.
— Houve a ameaça de um atentado a bomba na estação de rádio em que
você disse a Nigel Dutton que iria trabalhar. O prédio teve de ser evacuado e
você não estava lá — Meg disse.
— E daí?
— Uma reportagem sobre o assunto foi para o ar. Cliff e eu vimos seu
amigo Jerry Thompson ser entrevistado com os outros colegas. O atentado não
passou de um trote, mas Nigel Dutton viu o noticiário e notou sua ausência.
Deve ter desconfiado de alguma coisa, pois telefonou para a rádio, e disseram
que você nunca trabalhou lá. O cretino apareceu aqui faz uma hora. Eu estava
sozinha com as crianças e… Desculpe, mas não consigo deixar de tremer
sempre que falo com aquele homem asqueroso. Bem que tentei enganá-lo,
Lyss, eu juro!
Meg parou um instante, pois estava quase chorando. Respirou fundo e
continuou:
— Tentei dizer que você estava afastada do emprego por doença, que
devia voltar logo ao trabalho, mas ele me chamou de mentirosa. Disse que já
fazia meses que estava sendo enganado e que não iria mais suportar isso.
Acusou-me até de sua cúmplice.
— Claro que não, Meg! A dívida é minha, você não tem nada a ver com
ela. Ele só queria assustá-la.
— Pois conseguiu — a irmã disse, contrariada, com voz trêmula.
Isabella sentiu um frio no estômago. Ela era responsável por aquele
sofrimento.
— Sinto muito, muito mesmo, ter envolvido você com Nigel Dutton. Nunca
pensei que ele pudesse atacá-la. Mas não se preocupe. Amanhã mesmo vou
comprar uma passagem para voltar para casa e resolver tudo.
— E se não puder? Ele estava furioso, Lyss. É do tipo vingativo e…
— Não tenha medo. Assim que ele souber que estou ganhando muito
bem, vai me dar mais tempo para saldar a dívida.
Depois que a irmã desligou, Isabella viu que fingira mostrar uma coragem
que na verdade não tinha. Meg aceitou suas palavras de consolo como sempre.
Ela era três anos mais velha, mas sempre entrava em pânico, enquanto
Isabella se mantinha fria e enfrentava as dificuldades. Mas havia um limite
para suas forças. Já estava cansada de ser forte e carregar os problemas
sozinha. Enxugou as lágrimas que teimavam em correr por seu rosto.
Precisava de alguém que a protegesse. Queria que Edward estivesse ali, que a
abraçasse e dissesse que ia resolver tudo para ela. Mas era o mesmo que
desejar a lua. Ele não lhe pertencia, nem jamais viria a pertencer. Estava
comprometido com Shamsa. Vinte mil libras! Sem isso, a vida de Isabella
ficaria arruinada; mas o que significaria esta soma para Edward? Apenas
alguns trocados… Ele não ostentava sua riqueza, mas era evidente que a
possuía, e devia ser considerável. E se esquecesse o orgulho e pedisse ajuda?
Riu, balançando a cabeça. Chegar perto de Edward agora, para pedir
dinheiro? Nunca! Depois de fazerem amor, “especialmente” porque tinham
feito amor, ela jamais poderia agir assim. Não queria ser considerada uma
leviana, uma interesseira. Como ele a desprezaria! Não, ela preferia morrer do
que enfrentar a desilusão e o desprezo daqueles olhos negros…
Dormiu mal naquela noite. Ficou rolando na cama, enquanto pensava no
que ia dizer quando se encontrasse com Nigel Dutton. Antes do amanhecer,
enfrentou a dura realidade. Só havia um jeito de afastá-lo de sua vida: acabar
de pagar o que lhe devia. Sentia arrepios ao pensar que voltaria a encontrar
aquele homem que a olhava como um animal faminto. Mas não poderia
permitir que o nome de Douglas fosse coberto de lama num julgamento
público.
Na manhã seguinte, procurou Mohammed e explicou que um problema
sério a obrigava a voltar à Inglaterra. Sentindo a boca amarga por ter de
mentir, disse:
— Minha mãe está doente. Preciso ir o quanto antes. Mohammed viu que
ela estava preocupada, com olheiras, e deu-lhe permissão para que se
afastasse por uma semana.
— Não se preocupe. Bob e Lennie dão conta do serviço. Afinal, dois de
seus programas já estão gravados, não é? Se for preciso, podemos chamar
alguém para ajudar. Quando pretende partir?
— Hoje já não há mais lugar no avião, por isso vou amanhã cedo.
— Está bem. E, olhe, às vezes as coisas não são tão ruins quanto
parecem.
Se ele soubesse! Talvez ela não voltasse, mas preferiu nada dizer naquele
momento. Mas o que faria com Edward? Ele já teria partido para Oslo e talvez
fosse melhor assim. Ela o amava, tinha certeza disso. E ele? Será que iria
comprometer todo o seu futuro por este sentimento? Seria difícil. Certamente
a queria apenas como amante ocasional. Quando falou que precisavam se
organizar, só estava tentando fazer com que os encontros proibidos se
tornassem regulares. Mas não era isso o que Isabella desejava! Talvez a
viagem dela fosse um presente do destino; poderia se afsatar com dignidade.
Se, por acaso, voltasse, seria forçada a lhe dizer que, apesar de apaixonada
por ele, não queria ser apenas sua amante, vê-lo às escondidas e nada mais.
O resto do dia foi péssimo. A notícia de que a mãe dela estava doente se
espalhou depressa e, além de ter de comprar a passagem, adiantar o serviço
na rádio e deixar tudo em ordem, teve de atender às pessoas que toda hora
vinham lhe desejar felicidades. Sentia-se horrível de ter de mentir quando
estavam sendo tão bons para ela, mas não havia outra saída. Depois do
almoço, Harding, que ia embora do país, telefonou para dizer que Sarur lhe
havia pedido, quando fora se despedir dele, que levasse Isabella à sua
presença.
— Por que eu? — ela perguntou.
— Não sei. Talvez ele tenha visto você na televisão e esteja com vontade
de conhecê-la pessoalmente. Sabe como ele é estranho. Não tem nada que ver
com o setor de comunicações, mas sempre me chamava para dar palpites. Fica
louco por alguma coisa durante meia hora e depois… perde o interesse. Mas,
como é o herdeiro do trono, é melhor obedecer. Senão ele pode mandar cortar
sua cabeça.
Ela deu um suspiro e se conformou com mais esse compromisso. Foi
assim que, mais tarde, viu-se sozinha na presença do xeque.
Com a mão cheia de anéis, ele lhe fez sinal para se sentar. Era gordo,
tinha o rosto inchado e a pele amarelada. Depois de examiná-la atentamente,
ajeitou-se sobre a cadeira de veludo e pigarreou. Isabella precisou prestar
bastante atenção, pois Sarur falava com um sotaque muito forte.
— Sinto que a senhora tenha de deixar Ras-Ai-Khan tão pouco tempo
depois de ter chegado. Mas a culpa dessa partida é toda sua.
— Como?
Tentava entender o que ele queria dizer e acabou pensando que alguém
tinha lhe contado sobre a suposta doença de sua mãe.
— E a senhora não vai voltar — ele acrescentou.
— Como? — ela repetiu.
— A senhora não vai voltar. Não queremos que volte. A senhora é
indesejável em Ras-Al-Khan.
— Não estou entendendo.
— Seu contrato está encerrado. Não queremos mais a senhora aqui — ele
insistiu.
— Sempre me disseram que meu trabalho tinha muito valor para a rádio
— ela protestou, esquecendo-se de que falava com uma personalidade.
Já tinha imaginado a possibilidade de não voltar para a rádio, mas ser
despedida era algo bem diferente. E a dívida? Sabia que quase não havia
chances de fazer Nigel concordar em recebê-la em partes, mas se aceitasse…
Como poderia esperar pagá-la se não estivesse mais trabalhando para a Rádio
Ras-Al-Khan?
— Até o xeque Edward disse que estava satisfeito com meus programas
e…
— Edward não quer mais a senhora aqui.
— Mas… — ela balbuciou, olhando espantada para aquele homem enorme
à sua frente.
Será que Edward tinha algo a ver com tudo isso? Por que não lhe falara
pessoalmente, então? Com o coração apertado, enxergou a verdade. Talvez
ele tivesse feito amor com ela no oásis por saber que seria despedida no dia
seguinte. Isso explicava a insistência dele. Isabella mordeu o lábio. Aquilo não
podia ser verdade. Ele não agiria assim, não podia ser tão oportunista e falso.
Não, não podia ser!
— Mas eu… Nada disso faz sentido! — conseguiu dizer, afinal.
— Os preparativos para o casamento começam assim que meu sobrinho
voltar de Oslo. Não vai mais se envolver com os problemas da rádio, nem com
as pessoas que trabalham lá. A senhora está me entendendo? — o xeque
continuou, inclinanto-se para a frente.
— Sim, senhor — respondeu, compreendendo que ele já sabia da
aventura no oásis com Edward.
— Mas a senhora não vai embora com as mãos vazias. Sei que seu
contrato só termina daqui a algum tempo e por isso vai receber um dinheiro
extra. Vinte mil libras chegam?
Isabella sentiu um baque no peito, sem poder acreditar. Não, não podia
estar ouvindo bem. Mas o xeque repetiu:
— Vinte mil… chegam?
Vinte mil? Só podia ser milagre! Agora ficaria livre das garras de Nigel
Dutton… Agora Douglas poderia descansar em paz. O xeque parecia um
demônio gordo e velho, mas estava agindo como um anjo disfarçado.
— Sim… sim, senhor.
— Pode ir, então. Meu secretário ja esta com o dinheiro pronto.
— Obrigada. Muito obrigada.
Sentia-se aliviada. Conseguiu até esboçar um sorriso de agradecimento,
ao se despedir. Sarur também sorria, mas com ironia.
— Vejo que nós dois ficamos satisfeitos, sra. Swan. E isso me deixa muito
feliz.

CAPÍTULO X

Londres, de novo. Usar calça de lã outra vez era estranho. Isabella


esperava junto à janela, tensa. O dia lá fora estava úmido e frio. O vento fazia
redemoinhos com as folhas mortas do outono. Olhando para Cliff, o cunhado,
que a esperava no estacionamento ao lado do prédio, ela sorriu. Era um amigo
de verdade. Aceitou sem críticas quando ela deu explicações sobre a dívida e
não duvidou quando lhe contou como tinha conseguido as vinte mil libras.
Disse-lhe que as recebera por rescisão de contrato. Ele não fez nenhuma
pergunta indiscreta. Como sempre, respeitou o desejo de Isabella de não falar
sobre o passado, especialmente no que se referia a Douglas.
De longe, Cliff levantava os polegares, fazendo um sinal de boa sorte,
para encorajá-la. Estava bem frio. Isabella agora usava botas de cano alto em
vez das sandálias; que mudança drástica! Apesar de só estar na Inglaterra há
dois dias, já sentia saudade do calor do Golfo. A recepcionista interrompeu-lhe
os pensamentos.
— O sr. Dutton vai recebê-la agora. É a primeira porta à esquerda.
Nigel continuava asqueroso. Depois de apertar a mão dela, como sempre
demorando demais, voltou a sentar-se em sua cadeira. Isabella sentia-se
despida até a última peça, pelo olhar dele, que parecia dizer: “Agora você está
onde eu quero!” Procurou ser polido, agradeceu pelos cheques que ela tinha
mandado, falou sobre o tempo e não resistiu a uma repreensão:
— Você foi uma garota muito má, fingindo que estava em Londres quando
se encontrava no Oriente Médio. Isso não foi direito, minha querida… nem
muito esperto.
— Eu pensei que podia ganhar muito mais lá do que aqui. E o único
motivo que tinha era poder pagar o que lhe devo o mais rápido possível. Não
vejo a hora de saldar minha dívida.
Nigel não parecia muito satisfeito. Pela expressão de seu rosto, esperava
que ela aparecesse humilde, pronta para atender aos sórdidos pedidos dele.
Mas, achando que a calma dela era só aparente, propôs:
— Não precisa se preocupar tanto com os pagamentos. Podemos achar
um jeito de esticar o prazo, suavizar as prestações. Não sou um monstro, meu
bem. Se você se comportar direitinho …
— Ainda quer que eu durma com o senhor? — ela perguntou, com a
mesma voz clara que usava para suas locuções na rádio.
O susto apagou o sorriso maldoso do rosto de Nigel. A porta do escritório
estava fechada, mas as paredes eram finas, apenas divisórias.
— Shhh! Alguém pode nos ouvir!
— Mas não é isso que o senhor tem em mente? — ela insistiu. — O senhor
que que eu more em Londres para que possa passar um fim de semana erótico
sempre que quiser, não é?
Olhando em volta, pensando se alguém teria ouvido as palavras dela, ele
arrumou a gravata, depois pigarreou e ajeitou-se na cadeira. Queria reassumir
a posição dominante na conversa.
— A senhora está usando palavras muito cruas. Não acha melhor
conversarmos sobre o assunto enquanto damos uma volta de carro pelo
campo? Podemos almoçar juntos.
— Meu cunhado está me esperando. Não tenho muito tempo a perder.
— Olhe aqui, mocinha! — ele começou, vermelho de raiva.
— Só quero deixar as coisas bem claras. Sei que o senhor não quer que
eu volte para Ras-Al-Khan, para trabalhar duro e lhe devolver o dinheiro em
prestações, certo? — ela disse, com um sorriso enigmático.
— Não… tenho certeza de que estaria bem melhor naquela estação de
rádio em Londres.
— E também para ser sua amante, não é?
— Está sendo muito direta… — ele proferiu.
— Nem tanto. Acho que posso deixar um pouco mais claro. Acho que o
senhor está me coagindo e…
— Nossas posições também estão bem claras — ele a interrompeu. — Não
se esqueça de que me deve um monte de dinheiro e que tenho sido paciente
até agora.
— Mas sua paciência tem limites e, se eu não fizer o que o senhor quer,
vai me dar um ultimato, não é mesmo?
— Não é bem um ultimato… Vamos pôr as coisas do seguinte modo: ou
você me paga ou se fixa em Londres e… e podemos nos ver de vez em quando
para jantar juntos.
— Ser sua amante?
— Bem… sim. Ser minha amante — ele concordou, apesar de contrariado.
— E se eu não lhe pagar e me recusar a me fixar em Londres?
— Então só me restará a alternativa de tomar as medidas legais. Posso
garantir que seu marido, ou o nome dele, não vai sair do tribunal cheirando a
rosas. A escolha é sua, querida — disse com ironia.
Isabella abriu a bolsa e tirou um pacote de dentro.
— Neste caso, eu prefiro pagar tudo de uma vez. Quer pedir ao caixa para
vir contar, por favor? Desejo que ele confira o dinheiro na minha presença e
que me dê um recibo.
— Onde conseguiu isso? — Nigel Dutton perguntou, inclinando-se para a
frente, com os olhos arregalados.
O vermelho de seu rosto virou púrpura quando ela tirou mais dois pacotes
com dinheiro da bolsa.
— Quer chamar o caixa, por favor? — disse, fingindo não ter ouvido a
pergunta.
Isabella achou maravilhoso ver o caixa contar maço por maço, nota por
nota. Quando ele saiu e o recibo já estava a salvo em sua bolsa, ela se
levantou.
— Então nosso negócio está encerrado de uma vez por todas.
— Talvez sim, talvez não. Pode me dar vontade de espalhar por aí a
história do fracasso que seu marido era — ele provocou.
— Douglas era um homem doente. Tinha motivos para ser um fracasso.
— Tinha motivos! Como pode uma mulher inteligente como você ser cega
no que se refere a Douglas? Mas se eu resolver falar?
Isabella foi até a porta e tirou um minigravador do bolso.
— Não, o senhor não vai falar. Porque, se o fizer, eu também falo. Duvido
que o senhor queira que sua esposa ouça os planos que sugeriu para instalar
um ninho de amor em Londres.
O bom senso dizia a Isabella que deveria estar contente, esquecer os
traumas do passado e começar vida nova. Ainda era jovem, talentosa, e não
devia mais um tostão a ninguém. Tudo indicava que tinha um futuro brilhante
pela frente. Ligara para Jerry Thompson, e ele recebeu o telefonema com
muita satisfação.
— Até que enfim você resolveu parar de perder seu tempo com o deserto.
Já era hora! Se não tem nada programado ainda, o que acha de dar uma
mãozinha para um velho amigo?
— Seria um prazer. O que quer que eu faça?
— Sandie foi chamada para um trabalho temporário em Nova York e está
louca para ir, mas eu a venho segurando. Se você pudesse ficar no lugar dela,
seria ótimo! Transmite um programa diário no fim da tarde, isto é, cinco tardes
por semana. É uma mistura de música e entrevistas, reportagens de interesse
e comentários sobre qualidade de produtos e preços.
— Acho que vai ser um bom modo de ver se eu ainda sirvo para trabalhar
numa rádio inglesa. Estando em Londres deve ser mais fácil conseguir algo
permanente, não acha?
— Sinto não poder ficar com você como colaboradora permanente,
Isabella, mas não estão permitindo novas contratações — Jerry respondeu. —
O que acha de ficar com o apartamento de Sandie enquanto ela estiver fora? É
pequeno, mas muito bem decorado.
E era mesmo: funcional e bem decorado, com todo o espaço muito bem
aproveitado. Moderno, cômodo, bem situado, confortável. Ali ela poderia ter
tudo o que desejasse. Tudo, não; faltava uma coisa: paz. Além de ficar com o
lugar de Sandie na rádio e no apartamento, Isabella se via obrigada a atender
os amigos dela também. Sempre havia alguém batendo à porta. Eram pessoas
que tinham os interesses e as profissões mais variados: professores,
praticantes de esqui aquático, redatores e empresários. Uma vez ficou
acordada até três da manhã, sendo convencida a ir morar num kibbutz, em
Israel. E os convites para sair choviam… Deveria estar feliz, afinal ficara
afastada tanto tempo de programas e passeios… Tinha até recebido uma
proposta de casamento de certo dinamarquês que conhecera e que se
apaixonara por ela. Mas não conseguia esquecer Edward.
Estava pensando nele aquela tarde na rádio, depois de acabar seu
programa. Estava tudo quieto. Só havia mais umas três pessoas, mas estavam
trabalhando, cada uma em sua mesa. Não achava certo se comportar como
uma colegial apaixonada, mas também não conseguia aceitar o fato de que,
apesar daquele dia no oásis ter sido mágico, ele fora só um acidente e não
fazia parte do resto de sua vida. Era bobagem perder tempo e energia
pensando em Edward. Sabia, desde o começo, que o relacionamento entre eles
não tinha futuro. Por que então chorar por causa de um homem que a usou e
descartou?
Não! O amor que tinham feito fora puro, apaixonado e maravilhoso.
Edward tinha se envolvido tanto quanto ela. Ou seria tudo imaginação? Era
melhor enfrentar a realidade. Edward jamais tentou iludi-la. Tinha sido franco
sobre o casamento, que deveria acontecer em breve. Talvez ele a quisesse
como amante e só. Por que só a queriam como amante? Era melhor se
convencer de que nada houvera de especial entre eles; não havia motivos para
acreditar que Edward a amava. Mas ele tinha dito: “Isabella Swan, eu te amo”.
Talvez tivesse amado, só por um dia, um momento. Será que o afeto podia
nascer e morrer em apenas vinte e quatro horas? O dele, talvez, mas o dela,
nunca!
Lembrou-se de seu encontro com Sarur. “Edward não quer a senhora
aqui”, ele tinha dito.
Agora, no frio de Londres, via com clareza que ele tivera bom senso,
mandando-a embora. Por que não conseguia aceitar o fato de que ele tinha
usado outra pessoa para dizer o desagradável? O tio de Edward devia ter
motivos particulares para querer Isabella bem longe, e seu sobrinho devia
estar de pleno acordo com ele.
Com certeza o jardineiro do oásis os denunciou, e quando Edward chegou
ao palácio, a confusão já estava armada. Talvez não desejasse realmente
mandar Isabella embora, mas era preciso aceitar exigências e as imposições…
E se Sarur tivesse feito tudo aqlilo sem o conhecimento de Edward? Mas para
que alimentar falsas esperanças? Quando voltasse de Oslo, ele iria descobrir
tudo. Se a amasse de verdade, já poderia tê-la procurado. Sim, na certa ele se
desculparia, daria alguma explicação, provaria sua inocência. Mas não a
procurou, nem mandou notícias.
Era em tudo isso que pensava, quando acordava no meio da noite, e não
mais em Douglas e em seus problemas. No dia em que pagou a dívida,
conseguiu sepultar também sua ligação emocional com o marido. Agora sim
podia ver sua vida com o marido de forma mais clara. Já não sentia culpa.
Sabia que tinha feito tudo o que podia por ele, antes e depois de sua morte. Já
podia pensar nele em paz. Mas só tinha trocado um fantasma por outro. Agora
era Edward que assombrava suas noites.
Sem perceber que alguém se aproximava, só levantou a cabeça quando
sentiu uma mão em seu ombro.
— Sei que não me chamou, mas vim mesmo assim — alguém disse,
imitando Humphrey Bogard.
— Lennie! O que está fazendo por aqui? Não me diga que foi despedido!
— Imagine só! Eu despedido! Jamais!
Era engraçado pensar que estava diante de uma pessoa que podia lhe dar
notícias de Edward.
— O que está fazendo em Londres? E como está Bob? Sabe alguma coisa
de… ah, quem está por lá? — ela perguntou, quase se traindo.
— Vamos tomar um café e daí eu lhe conto tudo.
Será que ele iria falar sobre Edward? E será que ela queria ouvir? Como
reagiria às notícias sobre ele? Talvez fosse melhor não saber de nada.
— Estou aqui na Inglaterra um pouco a serviço e um pouco de férias —
Lennie disse, afinal. — Além de visitar meus parentes e amigos, quero
entrevistar pessoas importantes que vão fazer turismo em Ras-Al-Khan no
inverno. A rádio dá notícias sobre as personalidades antes delas chegarem lá o
que aumenta o interesse da população local. Mohammed também deseja que
eu entre em contato com umas pessoas na BBC por minha conta, visitar as
rádios independentes para ver o que há de novo na música.
— Ei, o que aconteceu, Lennie? Nunca vi você com tanta disposição para o
trabalho! — Isabella comentou.
— Está bem, Isabella. Sei que não trabalhava bem quando você estava lá.
Mas agora está diante de um novo Lennie. Acho que eu desci uma ladeira sem
freios, mas Edward funcionou como um breque e me fez encarar o trabalho de
maneira diferente.
— E como está sua excelência? — Isabella perguntou, apesar de ter se
prometido que não perguntaria.
— Muito bem. Até apareceu na primeira página do jornal outro dia.
— E-ele se c-casou? — ela perguntou, sentindo as pernas amolecerem.
— Não. Foi indicado para ministro do Petróleo e Recursos Minerais. Vai
assumir dentro de quatro ou cinco semanas. Por falar nele, Edward está aqui
na Inglaterra agora.
Isabella ficou gelada. Queria perguntar para que, mas sentiu medo de
gaguejar outra vez. E se ele estivesse em viagem de lua-de-mel ou para
apresentar a noiva à mãe?
— Veio participar de um seminário sobre recursos de energia em Oxford
— Lennie informou, para alívio de Isabella.
— E como está Bob? — ela perguntou, quase feliz.
— Ainda enrolado com suas peças de teatro. Sempre pensando na criação
de diálogos e cenas. Na semana passada ele…
Lennie levou meia hora para contar todas as novidades. Depois foi a vez
de Isabella falar sobre sua vida em Londres, fingindo.
— Parece que você está se dando bem por aqui— Lennie comentou.
— Sair de Ras-Al-Khan deve ter sido a melhor coisa que me aconteceu —
ela mentiu, sorrindo.
Algumas noites mais tarde, Isabella lia, no apartamento, quando ouviu
passos na escada.
— Ora, bolas! Mas hoje eu me recuso a ser sociável! — resmungou,
contrariada.
Os passos pararam diante da porta de entrada e a pessoa tocou a
campanhia uma, duas, três vezes. Irritada, ela se levantou e foi abrir.
— Está bem! Agora quer tirar o dedo da campainha e…
A boca continuou aberta, mas as palavras não saíram. Quando conseguiu
se recuperar, gaguejou:
— O que quer aqui?
Com um casaco de pele de carneiro, calça de veludo e um belo suéter,
Edward esperava, com a mão encostada no batente da porta. Alto e
imponente, dava a impressão de alguém com uma missão muito importante.
— Preciso que me responda a algumas perguntas.
— Desculpe, mas não estou com vontade de responder nada — ela disse.
Tentou fechar a porta, mas ele a impediu e entrou. Tirando o casaco,
examinou o apartamento.
— Foi aqui que gastou seu dinheiro? Parabéns.
— O apartamento é alugado. A decoração é da dona! — respondeu, com
raiva pelo tom arrogante dele. — E, antes que diga mais alguma coisa, quero
que saiba que saí de Ras-Al-Khan porque seu tio mandou. O dinheiro foi uma
indenização pelo resto do contrato que não foi cumprido. Não pedi nada. Seu
tio foi quem quis me dar. As vinte mil libras foram para…
Edward a interrompeu como se fosse um promotor público fazendo uma
acusação:
— Mas você se atirou em cima do dinheiro! Ficou tão feliz com ele, que só
faltou fretar o primeiro avião no aeroporto para vir para cá. Estava com medo
que lhe pedissem aquela soma de volta? Sarur me contou como você vibrou de
felicidade, e o secretário dele confirmou. Parecia que tinha realizado seus
sonhos!
— Sim, eu fiquei… contente com o dinheiro… mas tinha motivos — Isabella
declarou.
— Claro, motivos nunca faltam. Visto como o motivo de sua saída, que
sua mãe estava doente, era mentira — disse comcerta ironia.
— Sim, mas…
Ela estava confusa, espantada. Edward a tinha pego de surpresa,
interrogando sem parar; precisava de tempo. Todas as suas brilhantes idéias
para melhorar a rádio se evaporaram, junto com seu idealismo.
— Costumo julgar com acerto as pessoas, mas você conseguiu me
enganar. Nunca se incomodou em pensar por que estava recebendo seu
dinheiro, nem de quem? Ou isso não interessava? — perguntou, cruel.
— Claro que me importo, Edward! Pelo amor de Deus! Você não pode me
condenar pelo que aconteceu. Foi seu tio quem me despediu, mas foi você
quem se livrou de mim. Foi você!
— Por que ia me livrar da mulher com quem eu queria me casar?
— Casar? Mas ia se casar com Shamsa! — ela murmurou, abismada.
— Não. Acho que, no fundo, eu sempre soube que não poderia levar esse
projeto adiante.
— Mas… mas nunca falou em nada… nada sério e permanente entre nós —
ela protestou, sentindo-se fraca e derrotada.
— Eu disse que amava você.
— Só de passagem.
— Foi o que pensou? Talvez tenha razão. Pode achar estranho, mas eu
nunca tinha dito a uma mulher que a amava, antes.
— Mas por que não me disse que queria se casar comigo? — ela
perguntou, sentindo seu mundo se despedaçar.
— Bem que tentei. Disse que precisávamos nos organizar e ter cuidado
para não ofender ninguém, mas você não me deixou terminar. Eu estava
cansado e você também. Achei que seria melhor conversar melhor, com mais
tempo, quando eu voltasse…
— Mas achei que você queria que eu fosse sua amante, apenas!
— Eu a queria como minha esposa! Isso já passou, mas eu precisava de
tempo para pensar em como daria a notícia para meu avó e para Karim. Sabia
que Sarur iria contra, que ficaria louco da vida por eu rejeitar sua quarta filha.
E ficou mesmo! — Edward riu, amargurado.
— Seu avô também não concordaria com nosso casamento — ela
protestou, arrasada.
— Por que não? Meu avô só quer minha felicidade e que eu faça bem meu
serviço em Ras-Al-Khan. Quando soubesse do interesse que tem pelo país, ele
concordaria logo.
Isabella ia protestar, mas ele tinha lhe dado as costas e olhava de novo a
decoração, atento.
— Já que não gastou sua “indenização” neste apartamento, seria demais
perguntar o que fez com o dinheiro, então?
— A “indenização” já foi gasta. Eu tinha uma dívida antiga para pagar.
— Uma dívida de vinte mil libras? Não me faça rir!
— Pois era de cinquenta mil no começo — ela informou, sentindo-se como
quem está contando vantagem.
— Como uma pessoa como você consegue arranjar uma dívida de
cinquenta mil libras? Explique-se! — falou, segurando fortemente seu braço.
A pressão dos dedos dele mostrava o quanto procurava se controlar.
Zangado, ainda a desejava, e seus olhos não mentiam. Ainda a queria,
precisava tocá-la, mas ao mesmo tempo a desprezava.
— Não quero falar sobre isso, Edward. Mas você pode ter certeza de que o
dinheiro foi muito bem gasto — ela disse, enfrentando os olhos dele.
— Para quê? — perguntou, sacudindo-a de leve.
— Liberdade!
— Muito engraçado. Liberdade! Conseguiu a sua, mas e a minha?
Soltou-lhe o braço para abraçá-la com violência, colando todo o corpo dela
ao seu.
— Que liberdade eu posso ter, se fico excitado só de pensar em você?
Como posso ter sossego, quando só consigo amaldiçoar você por ter me
mostrado o paraíso num dia e o inferno no outro? Continuo no inferno Isabella.
Liberdade… Sossego… E eu?
Quando a boca dele cobriu a dela, foi com força, com violência. Queria
que ela pagasse, que fosse punida pela infelicidade que estava sentindo.
Isabella tentava escapar, mas ele se recusava a soltá-la. Forçava sua cabeça
para trás e a beijava com mais força, até que a paixão de seu beijo se
acalmou. Sussurrou alguma coisa em árabe, depois levantou a blusa de
Isabella, acariciando um seio, enquanto sua boca se suavizou em beijos
sedutores. Tirou a blusa dela e o resto da roupa tão depressa que nem deu
tempo para protestos. Sem reagir, ela se deixou cair sobre a cama. A mão dele
alisava sua pele em fogo.
— Eu sou o tolo que ama você — ele murmurou. — O louco que não
consegue esquecer seus seios maravilhosos, que sonho com os segredos e as
delícias que você guarda entre as coxas. Sou aquele que daria a volta ao
mundo só para beijar você — continuou, enquanto arrancava a própria roupa.
— Mas, mais do que tudo, sou o apaixonado que gostaria de passar o resto da
vida fazendo isto com você!

CAPÍTULO XI

Quando Isabella acordou, na manhã seguinte, e quis abraçar o corpo ao


seu lado só encontrou o vazio e o frio. Edward se fora. Mais uma vez ela
estava só.
Nos dias que se seguiram, cada vez que voltava ao apartamento, sentia
uma mistura de angústia, saudade e esperança. Será que ele estaria
esperando por ela? Mas os dias se passavam sem que nada acontecesse.
Precisava começar a aceitar a idéia de que fora tudo, como de outras vezes,
apenas mais uma noite, mais um instante fugidio e sem consequências.
Não podia, porém, deixar de sonhar, imaginando como seria bom se as
coisas fossem diferentes, se viesse a casar-se com Edward. Teria amor,
alegria, o prazer de saber que um pertencia ao outro. Quando aparecessem
em público em Ras-Al-Khan, seriam discretos, como convém a um xeque e sua
esposa, mas quando estivessem a sós… Ela trabalharia menos na rádio para
devotar mais tempo ao marido. Nada a impediria de continuar sua carreira,
mesmo quando viessem os filhos. Filhos… os filhos de Edward!
Antes de se casarem, ela e Douglas conversavam sobre os filhos que
gostariam de ter, mas depois não os quis. Compreendia agora que, na
verdade, ele jamais teve a intenção de formar uma família. O que, em parte
era bom. Com toda a sua instabilidade emocional, imaturo conto era, não
estava preparado para assumir a paternidade. Mas Edward não era Douglas.
Seu amor não seria exigente e dominador, não seria egoísta. Era maduro,
tinha uma alma mais generosa. Ele a amaria como companheira, com a qual
se divide tudo. Não haveria segredos, mentiras, disfarces. Como deveria ser
maravilhoso poder ser amada assim! Com paz, compreensão e respeito.
Seriamaravilhoso se ele a amasse. Mas ele não a amava. Não a queria mais.
Não tornara a aparecer.
Isabella se esforçou para parar de sonhar. Nos primeiros tempos, se
conseguia passar uma hora inteira sem se lembrar de Edward, dava-se por
satisfeita. Um dia ficou uma manhã toda sem pensar nele e achou que estava
quase curada. Mas um telefonema de Lennie veio acabar com aquela euforia.
Ele continuava o mesmo brincalhão de sempre; desta vez imitou Gregory
Peck.
— Ainda está em Londres? — ela perguntou, sem entusiasmo.
— Meu tempo está se acabando. Sábado é meu último dia por aqui;
depois vou sumir nas dunas do horizonte — ele riu — O que acha de ir jantar
comigo no sábado?
— Não é má idéia. Sábado vai ser um dia horrível e mereço uns
momentos bons… — disse, explicando depois que estava terminando o
contrato temporário com Jerry e que deveria desocupar o apartameríto de
Sandie no começo da outra semana.
— E depois? O que pretende fazer da vida?
— Bem, vou me mudar para um pensionato até achar um outro lugar.
Quanto a trabalho, não arranjei nada, ainda.
— Bem, no caso de esta ser sua última refeição decente, antes que a
pobreza bata à sua parta, o que acha de fazermos uma extravagância; vamos
até Paris, jantar no Maxim's? Não se esqueça de trazer seu passaporte, e
venha bem bonita…
— O Maxim's? Ora, Lennie, deixe de brincadeira! Já pensou quanto custa
uma noitada dessas? E ir para a França.
O amigo achou graça e afirmou:
— Não se preocupe com as despesas. Deixe por minha conta. Vou mandar
um carro buscar você às seis horas para deixá-la no aeroporto de Heathrow.
Estarei esperando por você, doçura. Combinado? Vai ser uma loucura
sensacional! Au revoirl
— Lennie… — começou a protestar, mas a ligação foi interrompida.
Maxim's? Era piada com certeza. Lennie ia buscá-la num táxi e então iriam no
máximo até o Soho, bem popular, ou outro lugar sereno. No máximo,
jantariam num restaurantezinho qualquer de nome francês. Combinava bem
com o humor de Lennie.
Isabella resolveu entrar na brincadeira. Escolheu o vestido mais bonito
que tinha: justo e provocante. É claro que nem lhe passava pela idéia de
fascinar Lennie; mas estava se sentindo tão deprimida que achou que
precisava levantar um pouco seu moral … E sentiu-se melhor quando, já
pronta, olhou-se no espelho. Tinha a certeza de que estava bonita, elegante e
chamaria a atenção de todos. Edward podia não querer mais saber dela, mas
os outros homens ficariam de queixo caído, quando passasse.
Tomou um cuidado especial com a maquilagem, ressaltando os olhos
azuis e os lábios sensuais. Depois deixou o cabelo cair, macio e sedoso sobre
os ombros. Estava colocando brincos de ouro, bem vistosos, quando uma
buzina a fez ir até a janela. Eram seis horas em ponto e um Mercedes preto
estava estacionado em frente ao pequeno prédio. Vestiu o abrigo de veludo
negro, pegou a bolsa e desceu. Que luxo! Será que iriam mesmo ao Maxim's?
— O fato de o senhor vir me buscar faz parte de uma brincadeira? —
perguntou ao motorista, enquanto rodavam pela estrada. O aeroporto estava
cada vez mais próximo, mas ela ainda não conseguia aceitar o fato de que
Lennie realmente pretendia levá-la a Paris, só para jantar.
— Não sei, madame. Tudo o que posso lhe informar é que o aluguel do
carro foi feito pelo telefone.
Para surpresa de Isabella, quando chegaram ao aeroporto, passaram
diretamente pelos terminais, indo para uma área mais retira
— Chegamos, madame. Atravessando a porta, a senhora deve pegar o
corredor da esquerda. As instruções diziam que o cavalheiro vai estar
esperarando pela senhora na terceira porta à direita.
Sentindo-se como Alice no País das Maravilhas, cada vez mais curiosa,
Isabella seguiu pelo comedor. Quando chegou à terceira porta à direita, parou
e bateu.
— Ta'ala! — uma voz conhecida disse.
— Não, não pode ser — ela murmurou consigo mesma, depois disse alto:
— Não! Não é possível!
Saiu correndo pelo corredor. Não podia recomeçar tudo de novo, ser
enganada outra vez! Nunca!
— Isabella, espere! O som dos passos indicava que ele estava bem perto.
— Por favor, me deixe em paz! — ela implorou, continuando a andar tão
depressa quanto o permitiam seus saltos altos.
Edward a alcançou, segurou-a pelos ombros e a fez parar. Seus olhos
brilhavam quando ela o encarou, furiosa.
— Já falei, deixe-me em paz! — ela repetiu, sem se importar em estar
quase gritando e ser observada por passantes curiosos.
Também não se incomodou quando um par de aeromoças passou por
eles, rindo. As moças se afastaram rapidamente, mas ainda olharam para trás
umas duas vezes.
— Vamos até a sala para podermos conversar — ele pediu.
— De jeito nenhum!
— Isabella, não me contrarie. Não discuta mais, venha, senão…
— O que pretende fazer? Agir pela força? — ela desafiou. Sem mais
discutir, ele a pegou no colo e, não se incomodando com os protestos dela,
levou-a à sala de onde saíra. Lá, fechou a porta com o pé e a deixou cair sobre
o sofá de couro branco.
— Desculpe o uso de força, mas a culpa é sua — ele disse, sorrindo para
uma Isabella toda vermelha, que se levantou e tentou agir com dignidade.
— Não. A culpa é sua. Por que me trouxe aqui? não quero ser uma… uma
propriedade sua, que você chama e manda embora quando tem vontade.
— Eu sei, já deixou isso bem claro. Mas tentar falar com você em seu
apartamento seria perda de tempo: nem adiantaria tentar.
— Eu nem abriria a porta.
— Foi o que pensei. É por isso que achei melhor conversar com você no
meu território.
Com os olhos faiscando, ela olhou em volta. O lugar era bem mais luxuoso
do que a sala vip do aeroporto. Era uma sala especial e exclusiva, finíssima,
mobiliada e decorada com muito bom gosto.
— Por que diz que este é seu território? — perguntou.
— Não é bem meu. Uma porção de altos executivos também usa esta
sala, mas ninguém deve nos perturbar esta noite. Sarur, com sua mania de
esbanjar dinheiro, é um dos sócios proprietários deste lugar. Só que agora
estou em negociação para vender a parte dele para outra pessoa.
— Seu tio se cansou de ser um dos donos do aeroporto? — ela perguntou,
com desprezo.
— Meu tio morreu.
— Morreu? Quando? — estava abismada!
— Um dia depois da última vez em que nos encontramos. Edward foi até o
bar no canto da sala e voltou com dois martínis secos, estendendo um para
Isabella.
— Já fazia algum tempo que estava doente, mas a morte foi repentina.
Meu avô me chamou de volta a Ras-Al-Khan. Precisei ir, para comparecer às
cerimônias do funeral. A morte do herdeiro significou a mudança de uma
porção de coisas. Havia providências que precisavam ser tomadas, tanto ao
nível de família quanto ao de governo. Por isso é que tive de ficar algum tempo
sem procurar você.
— Não fez a mínima falta. Passei muito bem esta temporada toda sem
você. Só não estou entendendo uma coisa…
— O que é?
— Como conseguiu convencer Lennie a ficar do seu lado? Sei que ele não
é de muita confiança, mas achei que gostava um pouco de mim, que era meu
amigo!
Edward pareceu se divertir com a situação.
— Habibati vou levar você para jantar em agradecimento pelo trabalho
que fez na rádio Ras-Al-Khan. Eu disse que queria agradecer a sua dedicação,
e que não tive oportunidade, porque você partiu de uma hora para outra.
— Nota dez para a ingenuidade! — foi a observação sardônica de Isabella.
Será que não achou que um jantar no Maxim's é um pouco demais para um
patrão agradecer a uma empregada? É impossível não ter desconfiado, havia
algo mais do que gratidão num convite desses…
— Lennie não duvida de nada que venha de xeques do petróleo — Edward
retrucou, devolvendo a observação — Aceitou tudo o que eu disse, sem fazer
pergunta nem mostrar surpresa.
— Lennie pode acreditar em tudo o que você diz, fazer o que você quer,
mas eu…
Isabella parou. As palavras se recusavam a sair, porque Edward tinha se
inclinado e tomado a mão dela. Agora beijava a ponta dos seus dedos, um a
um, com muita sensualidade. Olhava para ela de um jeito que a deixava toda
arrepiada. Sem conseguir soltar a mão pediu, baixinho:
— Por favor, não! Por favor, não me faça…
— Fazer você o que, habibati? — ele disse, continuando a acariciá-la.
— Não me faça querer você outra vez.
— Mas não estou fazendo você querer nada — ele murmurou.
— Está, sim! Está fazendo eu querer você, quer que eu precise de você.
Quer que eu me sinta como se minha vida e minha felicidade dependessem de
você!
— Cliff disse que já é hora de você depender de alguém, em vez de
sempre ter alguém dependendo de você.
— Falou com meu cunhado? — ela perguntou, de olhos arregalados.
— Sim, falei com Cliff, Meg e também com um sujeito desagradável,
chamado Nigel Dutton.
— Quando? — ela conseguira livrar a mão.
— Há dois dias, quando consegui me ver livre dos compromissos em Ras-
Al-Khan. Eu ainda não entendia bem os fatos, Isabella. Muita coisa não fazia
sentido. Por que não me contou do problema que estava enfrentando? Eu teria
compreendido. Teria pago a dívida imediatamente.
— Não podia. Jamais poderia pedir seu dinheiro — ela disse, com a cabeça
baixa.
— Este é seu defeito, habibati — Edward disse, sorrindo com ternura. —
Nunca recebe nada de ninguém, não é? Só sabe dar.
— Meg e Cliff… falaram muito sobre Douglas? — ela perguntou,
preocupada?
— Contaram o que sabiam. Cliff disse que jamais entendeu seu
relacionamento com Douglas. Vocês eram tão diferentes um do outro. Por que
não o impediu de contrair uma dívida tão grande?
— Eu não podia — ela sussurrou.
— Por que não? — Como ela continuasse calada, declarou:
— Isabella, não seria certo começarmos nossa vida de casados com a
sombra de Douglas entre nós.
— Quer se casar comigo? — ela perguntou, sem poder acreditar.
Edward a tomou nos braços e a beijou com paixão.
— Amo você, e tenho certeza de que também me ama. O que fazem duas
pessoas que se amam e não têm impedimentos? Casam-se! Poderíamos viver
juntos, simplesmente. Mas se fizermos isso em Ras-Al-Khan, corremos o
perigo de sermos presos, julgados e apedrejados — continuou, com um sorriso
maroto.
— Então não serve. Minha pele fica roxa com facilidade — ela respondeu,
rindo.
— Neste caso, quer se casar comigo?
— Quero, sim!
Edward a tomou nos braços e a beijou com paixão.
— Estamos fugindo do assunto — disse, afinal. — Quero saber tudo sobre
sua vida com Douglas. Tudo, habibati.
Isabella soltou-se dos braços dele e sentou-se, um pouco mais afastada,
Respirou fundo, enquanto pensava em como começar. No princípio, as
palavras saíam com dificuldade: depois começaram a rolar rápidas e fáceis.
Quase no final, ela suspirou.
— Eu não calculava exatamente quanto as coisas estavam ruins. Sabia
que Douglas deixaria algumas contas para pagar, mas pensei em impostos,
coisas pequenas. Achei que o pouco que tinha guardado para emergências
daria para cobrir qualquer despesa que surgisse, sem muito problema.
— Sabia que Cliff já sujeitava, há muito tempo, das dificuldades de
Douglas?
— Sim. Cliff sempre prestou atenção a tudo. Eu tive vontade de explicar a
situação a ele e a Meg, após a morte de Douglas. Depois achei que a verdade
ia diminuir o conceito já nada bom que eles tinham do meu marido. Não quis
comprometer a imagem de um morto. Sabe, Cliff nunca gostou muito de
Douglas e, se eu contasse a verdade, sentiria desprezo por ele. Não era isso
que eu queria.
— Então você o protegeu, tanto em vida quanto depois da morte.
Edward a abraçou com carinho e ouviu com atenção enquanto ela
terminava seu desabafo. Depois a beijou, murmurando palavras de conforto,
acalmando-a, dizendo que agora estava com ela e que podia se sentir segura.
Uma discreta batida na porta fez com que se separassem.
Um comissário de bordo entrou. Pela breve conversa em árabe, Isabella
compreendeu que um avião aguardava Edward para voltar a Ras-Al-Khan.
— Ah, meu amor, você não vai voltar esta noite para o Golfo, vai? — ela
pergurítou, triste, quando o comissário se afastou.
— Sinto dizer que não vamos ao Maxim's. Na verdade, não pretendia
convidar você para ir lá. Foi só uma desculpa para enganar o Lennie.
— Mas não pode me deixar agora! — ela protestou.
— Quem disse que vou deixar você? Não trouxe seu passaporte? Então
quer me dar, por favor? É para cumprir as formalidades.
Isabella estava confusa, não conseguia acreditar no que ouvia e
perguntou:
— Que formalidades? Não está querendo que eu vá com você assim…
agora… sem me preparar.
— E por que não? Venha, o avião está esperando — ele respondeu e
estendeu a mão.
Ela continuou a protestar enquanto era levada pelo corredor, até
chegarem ao jato com o escudo da família Al Zahini.
— Quanto tempo vamos ficar fora? — conseguiu perguntar, subindo os
degraus, sem saber se estava sonhando ou acordada.
Pararam de falar, pois os comissários lhes desejavam boas-vindas a
bordo. Edward deu instruções sobre o jantar, que seria servido mais tarde;
quanto aos drinques, deviam ser oferecidos imediatamente. Depois, passou o
braço pelos ombros de Isabella e a levou até a cabina principal.
— Vamos voltar a Londres daqui a uma semana — explicou. — Daqui a
cinco dias vou ser confirmado como ministro do Petróleo e quero que esteja
comigo. Minha mãe também vai para a cerimónia de posse.
Diante a surpresa de Isabella por saber que a mãe dele iria a Ras-Al-
Khan, explicou:
— As desavenças já foram enterradas há muito tempo. Meu tio é quem
ainda não aceitava os fatos, mas agora que ele se foi, tudo será mais simples.
O xeque Ahmad, meu avô, fez questão de mandar um convite pessoal à minha
mãe. Por falar nisso, é melhor que eu lhe conte: ela reservou uma casa no
mesmo terreno que habita, para ser o lar inglês para mim e minha esposa.
Você não é obrigada a aceitar, se não quiser. Quando voltarmos à Inglaterra,
vamos até lá para conhecer o lugar aí então, você resolve. Não há pressa.
Estou certo de que você sabe tomar decisões acertadas. Mas sogras sempre
são sogras: cuidado — brincou, apertando a mão dela.
— Espere só para conhecer a sua! — ela riu. — Vai precisar de todo o seu
charme para conquistá-la…
Pensando bem, era capaz de sua mãe se tornar fã incondicional de
Edward. Olhando para a elegante cabina, ela comentou, surpresa.
— Não sabia que tinha seu próprio avião.
— Por favor, Isabella — ele protestou. — Achei que me conhecesse
melhor.
— Outra loucura de Sarur?
— Pois é. Mas aproveite enquanto pode, pois já consegui achar um
magnata do petróleo, do Texas que está interessado em comprá-lo. Quando
chegarmos a Ras-Al-Khan, o aparelho vai perder tudo o que pertencia a meu
tio e ser transformado num escritório voador, para executivo, antes de ser
entregue, nos Estados Unidos. Venha dar uma olhada.
O avião era impressionante.
— É mais emocionante do que jantar no Maxim's — Isabella comentou
enquanto conhecia o compartimento onde o comissário, ocupado com o
refrigerador e os pratos quentes, deixou que ela apreciasse o pato à lorange,
que estava sendo preparado.
Visitaram em seguida à cabine de comando, a sala de projeção de filmes e
a dos computadores.
— Como? Não tem mesa de bilhar?- Isabella brincou.
— Não. Até Sarur tinha limites — admitiu.
Chegaram então à última cabina, um quarto. As paredes eram revestidas
com seda rosa, o tapete era branco, a cama… Edward sorriu, vendo o espanto
de Isabella.
— Se me perguntar para que meu tio quis uma cama com dossel, não vou
saber responder. Precisou ser armada aqui dentro, o que quer dizer que vai ter
de ser desmontada em breve, quando vendermos o avião.
Isabella alisou as cortinas de cetim branco com rendas.
— Que pena! É tão bonita!
Edward passou os braços pela cintura dela, puxando-a para si, e
murmurou ao seu ouvido.
— Já fez amor numa cama assim?
— Não — respondeu, encostando-se nele.
— Já fez amor a trinta e cinco mil pés de altura?
— Nunca.
— Quer experimentar? — sugeriu, beijando-lhe a nuca.
— E o comissário de bordo? Que faremos se ele resolver entrar?
— Não há perigo. A porta está trancada e o jantar pode esperar. O
comissário só vai nos aborrecer se o avião estiver caindo.
— Quanta consideração!
Era um sonho de Mil e uma Noites. Como cenário para o amor, o céu
estrelado, aparecendo pela janela, na pureza das alturas sem nuvens.
Lá estava ela, com o homem que amava, indo para o país que a
encantara, viver a vida que tantas vezes imaginara ser apenas uma fantasia
impossível.
Quando os braços fortes de Edward a envolveram com carinho, olhou mais
uma vez o firmamento todo pontilhado de pingos brilhantes e murmurou,
antes de se entregar inteiramente ao ato de amor. “Aquele astronauta tinha
razão… O mundo era azul… todo azul…”

FIM

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