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atual da divisão analítico x continental. Grau geral de confiança: moderado para alto.
As conclusões são fortes ou ambiciosas. Gostaria de ouvir opiniões.
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I. O nome 'filosofia analítica' parece vir da ênfase do influente Bertrand Russell em expressar
pensamentos complexos como combinações de pensamentos mais simples, para que eventualmente
pensamentos complexos sejam ligados, por uma longa cadeia de traduções, a pensamentos
maximamente simples, ou 'atômicos' (expressando fatos igualmente atômicos). É um processo de
'análise', que faz sentido à luz de uma tese de Russell chamada 'atomismo lógico'. Contudo, há muito
tempo na filosofia analítica o atomismo lógico está em ampla medida abandonado, e o método
peculiar de Russell não é mais empregado.
Permanece assim a dúvida sobre quais aspectos caracterizariam algo como um exemplar de filosofia
analítica. Creio que há dois aspectos fundamentais. O primeiro trata sobre os fins e os meios da
filosofia (itens '1' e '2' abaixo, seção II), e o segundo sobre a história e contexto sociológico em que a
filosofia é feita (seção III).
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II. A filosofia analítica como «projeto de pesquisa» se caracteriza de duas maneiras. (1) Pela
pretensão 'epistêmica' ou 'cognitiva', isto é, a pretensão de estabelecer teses como plausíveis,
promissoras, razoáveis, aproximadamente verdadeiras, contraditórias, bem fundamenadas,
improváveis, e assim em diante. (2) Pelo método 'científico', isto é, pela tentativa de satisfazer o item
'1' por meio da expressão clara e precisa de teses e modelos, em conjunção com a análise rigorosa de
argumentos e evidências. (Mesmo que as evidências não sejam observacionais ou experimentais.)
Note que muito menos aparatos formais são usados do que costumeiramente se pensa. A maior parte
da filosofia analítica é feita em inglês puro e simples. Realmente ninguém influente tem a pretensão
de formalizar tudo com modelos lógicos.
Notem que, por '2', a filosofia analítica preserva parte do espírito da análise de Russell, mas não é a
mesma coisa. Notem também que tanto por '1' quanto por '2' a filosofia analítica não se caracteriza
pela aceitação de alguma tese específica, nem pelo emprego de um método específico. Quase
qualquer tese é compatível com '1' e '2'.
Bem na verdade, consigo fazer pouco sentido de uma empreitada que satisfaça '1' mas não '2', ou que
negue '1' mas ainda pretenda afirmar alguma coisa verdadeira. Parece que aspirar a '1' mas não
respeitar '2' é fazer filosofia ruim. Por outro lado, simplesmente não aspirar a 1 é fazer filosofia com
fins políticos, sociológicos, existenciais, ou terapêuticos, ao invés de 'epistêmicos' ou 'cognitivos'. O
que NÃO É demérito.
Enfatizando: Não satisfazer '1' e '2' NÃO É demérito. Não fazer filosofia analítica NÃO É demérito.
Há objetivos mais nobres do que '1' sendo realizados em departamentos de filosofia, como fazer algo
que terá mais chances de ter um impacto social significativo.
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III. A filosofia analítica se caracteriza como «fenômeno sociológico» por uma rede complexa de
influências intelectuais e laços culturais e institucionais. Lugares centrais são grandes universidades
norteamericanas, britânicas, nórdicas, e australianas, e algumas universaidades alemãs, austríacas, e
polonesas. Grandes influências incluem Frege, Russell, Wittgenstein, Carnap, Austin, Quine, Grice,
Kripke, Nagel, Lewis, Davidson, Parfit, Rawls, Korsgaard, Chalmers, Fine, e Williamson.
Todavia, pelo menos nos últimos 40 anos, parece que argumentos, linhas de raciocínio, e tópicos de
discussão oriundos do que foi dito 'filosofia continental' têm ingressado na filosofia analítica. Por
isso há muito se diz que a divisão 'analitico x continental' tem deixado de fazer sentido.
Têm sido tratados ao modo analítico, – com vistas de estabelecer como plausíveis, verdadeiras, ou
falsas ('1'), de maneira clara, precisa, e rigorosa ('2'), – ideias centrais de tradições como:
fenomenologia, teoria crítica, idealismo alemão, teoria feminista, filosofia hegeliana e sociologia
marxiana, teoria hermenêutica, existencialismo, o perspectivismo de Nietzsche, a desconstrução de
Derrida, a epistemologia de Foucault, e a filosofia da mente psicanalítica. Também têm se tratado
analiticamente outras correntes intelectuais que porventura não se classificou como "analíticas,"
como a ética de Confúcio, a filosofia da mente budista, a metafísica budista e taoísta, a teologia
natural de Aquino, a lógica e metafísica medieval, o pragmatismo de James e Dewey, e o
pragmaticismo de Peirce. Além do cânone de filosofia grega clássica e de filosofia européia
moderna.
Notem o quão variadas são as tradições de pensamento enfiadas no termo guarda-chuva 'filosofia
continental'. As teses e os traços metodológicos gerais são, a meu entender, muito variantes de
tradição para tradição. Não à toa a distinção analítico x continental tem sido pouco iluminadora.
Em todo caso, pela autoimagem que a filosofia analítica tem formado, todos estes estudos se
enquadram como filosofia analítica. Isto é pois, além de serem trabalhos anglófonos, com influência
de autores paradigmaticamente analíticos, e laços institucionais com lugares como Princeton, MIT,
Oxford, Universidade de Chicago, LSE, ANU, Penn State, NYU, e Universidade de Helsinki, –
assim satisfazendo os critérios para que os trabalhos sejam sociologicamente de filosofia analítica, –
os trabalhos parecem possuir a pretensão característica da filosofia analítica (1: estabelecer teses
como verdadeiras), e com os métodos característicos da filosofia analítica (2: clareza, precisão, e
rigor hipertrofiados).
Concordo com o que já ouvi ser dito: Se a distinção analítico x continental está caindo, é por dois
motivos. Primeiro, por um relaxamento do que se entende por 'filosofia analítica'. O que importa não
é o objeto de pesquisa, mas sim o método. Existencialismo analítico é possível, por exemplo.
Segundo, por uma incorporação do que seria 'filosofia continental' dentro da filosofia analítica,
substituindo a metodologia intelectualmente preguiçosa associada a algumas tradições continentais
por uma metodologia que faz jus às pretensões 'epistêmicas' ou 'cognitivas' de áreas como a
fenomenologia, a filosofia da linguagem de Derrida, e a hermenêutica. (Afinal, é visado estabelecer
respectivamente teses verdadeiras sobre a mente, a linguagem, e intepretação textual.)
(Note que, ignorando o critério sociológico e tomando os critérios 1 e 2, sujeitos antigos como
Aristóteles, Aquino, Descartes, e Kant são filósofos analíticos. Tomando o critério 1 e o critério
sociológico, mas ignorando o critério 2, sujeitos obscuros como Ludwig Wittgenstein são analíticos.)
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IV. Possivelmente de maneira auxiliar, podemos esboçar um terceiro aspecto característico de
trabalhos de filosofia analítica: interdisciplinaridade.
É comum que se maneje um ferramental amplo da lógica matemática, da teoria da computação, da
estatística e teoria da probabilidade, e da teoria dos jogos, e que se interaja também com trabalhos e
pesquisadoras de áreas como inteligência artificial, físíca de partículas, cosmologia, biologia
evolutiva (incluindo embriologia, biologia evolutiva do desenvolvimento, genética populacional, e
outras áreas), neuropsicologia, psicologia do desenvolvimento, psicologia social, antropologia
cognitiva e cultural, e até mesmo da física química, da macrosociologia, da macroeconomia, e da
teoria cultural.
Uma perspectiva que está muito pouco em voga é que a filosofia possui autonomia em relação às
ciências em algum sentido forte. A atitude atual é que os tipos de fato que a filosofia visa estabelecer
podem não ser estabelecíveis sem descobertas empíricas. Em todo caso, depende da área e do
departamento que se examina.
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V. Quatro discussões boas e mais informais sobre estes temas podem ser encontradas abaixo!
Um texto que Gregory Gaboardi fez sobre o tema:
(https://www.facebook.com/gregory.gaboardi/posts/981939911864680)
Uma discussão extensa que aconteceu em meu perfil:
(https://www.facebook.com/DanielCredico/posts/10212380559533285)
Um ótimo texto na The Stone, que linka para vários outros textos:
(https://opinionator.blogs.nytimes.com/…/bridging-the-analy…/)
Um ótimo texto com bastante enfoque histórico:
(https://philosophynow.org/…/Analytic_versus_Continental_Phi…)