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Francisco Cândido Xavier - Nosso Lar - pelo Espírito André Luiz 108

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O Impressionante Apelo
Ligado o receptor, suave melodia derramou-se no ambiente,
embalando-nos em harmoniosa sonoridade, vendo-se no espelho
da televisão a figura do locutor, no gabinete de trabalho. Daí a
instantes, começou ele a falar:
– Emissora do Posto Dois, de "Moradia". Continuamos a irra-
diar o apelo da colônia, em benefício da paz na Terra. Concitamos
os colaboradores de bom ânimo a congregar energias no serviço
de preservação do equilíbrio moral nas esferas do globo. Ajudai-
nos, quantos puderem ceder algumas horas de cooperação nas
zonas de trabalho que ligam as forças obscuras do Umbral à men-
te humana. Negras falanges da ignorância, depois de espalharem
os fachos incendiários da guerra na Ásia, cercam as nações euro-
péias, impulsionando-as a novos crimes. Nosso núcleo, junto aos
demais que se consagram ao trabalho de higiene espiritual, nos
círculos mais próximos da crosta, denuncia esses movimentos dos
poderes concentrados do mal, pedindo concurso fraterno e auxílio
possível. Lembrai-vos de que a paz necessita de trabalhadores de
defesa! Colaborai conosco na medida de vossas forças!... Há
serviço para todos, desde os campos da crosta às nossas portas!...
Que o Senhor nos abençoe.
Interrompeu-se a voz, ouvindo-se divina música, novamente.
A inflexão do estranho convite abalara-me as fibras mais íntimas.
Veio Lísias em meu socorro, explicando:
– Estamos ouvindo "Moradia", velha colônia de serviços mui-
to ligada às zonas inferiores. Como sabe, estamos em agosto de
1939. Seus últimos sofrimentos pessoais não lhe deram tempo
para ponderar sobre a angustiosa situação do mundo, mas posso
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afiançar que as nações do planeta se encontram na iminência de


tremendas batalhas.
– Que diz? - indaguei, aterrado - pois não bastou o sangue da
última grande guerra?
Lísias sorriu, fixando em mim os olhos brilhantes e profun-
dos, como a lastimar em silêncio a gravidade da hora humana.
Pela primeira vez o enfermeiro amigo não me respondeu. Seu
mutismo constrangera-me. Assombrava-me, sobretudo, a imensi-
dade dos serviços espirituais nos planos de vida nova a que me
recolhera. Pois havia cidades de espíritos generosos, suplicando
socorro e cooperação? Apresentara-se a voz do locutor com ento-
nação de verdadeiro S.O.S.. Vira-lhe a fisionomia abatida, no
espelho da televisão. Demonstrava ansiedade profunda nos olhos
inquietos. E a linguagem? Ouvira-lhe nitidamente o idioma portu-
guês, claro e correto. Julgava que todas as colônias espirituais se
intercomunicassem pelas vibrações do pensamento. Havia, ainda
ali, tão grande dificuldade no capítulo do intercâmbio? Identifi-
cando-me as perplexidades, Lísias esclareceu:
– Estamos ainda muito longe das regiões ideais da mente pu-
ra. Tal como na Terra, os que se afinam perfeitamente entre si
podem permutar pensamentos, sem as barreiras idiomáticas; mas,
de modo geral, não podemos prescindir da forma, no lato sentido
da expressão. Nosso campo de lutas é imensurável. A humanidade
terrestre, constituída de milhões de seres, une-se à humanidade
invisível do planeta, que integra muitos bilhões de criaturas. Não
seria, portanto, possível atingir as zonas aperfeiçoadas, logo após
a morte do corpo físico. Os patrimônios nacionais e lingüísticos
remanescem ainda aqui, condicionados a fronteiras psíquicas. Nos
mais diversos setores de nossa atividade espiritual existe elevado
número de espíritos libertos de todas as limitações, mas insta
considerar que a regra é sofrer-se dessas restrições. Nada engana-
rá o princípio de seqüência, imperante nas leis evolutivas.
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Nesse ínterim, interrompia-se a música, voltando o locutor:


– Emissora do Posto Dois, de "Moradia". Continuamos a irra-
diar o apelo da colônia em benefício da paz na Terra. Nevoeiros
pesados amontoam-se ao longo dos céus da Europa. Forças tene-
brosas do Umbral penetram em todas as direções, respondendo ao
apelo das tendências mesquinhas do homem. Há muitos benfeito-
res devotados, lutando com sacrifícios em favor da concórdia
internacional, nos gabinetes políticos. Alguns governos, no entan-
to, se encontram excessivamente centralizados, oferecendo escas-
sas possibilidades à colaboração de natureza espiritual. Sem ór-
gãos de ponderação e conselho desapaixonado, caminham esses
países para uma guerra de grandes proporções Oh! irmãos muito
amados, dos núcleos superiores, auxiliemos a preservação da
tranqüilidade humana!... Defendamos os séculos de experiência
de numerosas pátrias-mães da Civilização Ocidental!... Que o
Senhor nos abençoe.
Calou-se o locutor e voltaram as cariciosas melodias.
O enfermeiro permaneceu em silêncio, que não ousei inter-
romper. Após cinco minutos de harmonia repousante, a mesma
voz se fez novamente ouvir:
– Emissora do Posto Dois, de "Moradia". Continuamos a irra-
diar o apelo da colônia em benefício da paz na Terra. Companhei-
ros e irmãos, invoquemos o amparo das poderosas Fraternidades
da Luz, que presidem aos destinos da América! Cooperai conosco
na salvação de milenários patrimônios da evolução terrestre!
Marchemos em socorro das coletividades indefesas, amparemos
os corações maternais sufocados de angústia! Nossas energias
estão empenhadas em vigoroso duelo com as legiões da ignorân-
cia. Quanto estiver ao vosso alcance, vinde em nosso auxílio!
Somos a parte invisível da humanidade terrestre, e muitos de nós
volveremos aos fluidos carnais para resgatar prístinos erros. A
humanidade encarnada é igualmente nossa família. Unamo-nos
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numa só vibração. Contra o assédio das trevas, acendamos a luz;


contra a guerra do mal, movimentemos a resistência do bem. Rios
de sangue e lágrimas ameaçam os campos das comunidades euro-
péias. Proclamemos a necessidade do trabalho construtivo, dila-
temos nossa fé... Que o Senhor nos abençoe.
A essa altura, desligou Lísias o aparelho e vi-o enxugar dis-
cretamente uma lágrima, que seus olhos não conseguiam conter.
Num gesto expressivo, falou, comovido:
– Grandes abnegados, os irmãos de "Moradia"! Tudo inútil,
porém - acentuou, triste, depois de ligeira pausa -, a humanidade
terrestre pagará, em dias próximos, terríveis tributos de sofrimen-
to.
– Não há, todavia, recurso para conjurar a tremenda catástro-
fe? - perguntei, sensibilizado.
– Infelizmente - acrescentou Lísias em tom grave e doloroso
– a situação geral é muito crítica. Para atender às solicitações de
"Moradia" e de outros núcleos que funcionam nas vizinhanças do
Umbral, reunimos aqui numerosas assembléias, mas o Ministério
da União Divina esclareceu que a humanidade carnal, como per-
sonalidade coletiva, está nas condições do homem insaciável que
devorou excesso de substâncias no banquete comum. A crise
orgânica é inevitável. Nutriram-se várias nações de orgulho cri-
minoso, vaidade e egoísmo feroz. Experimentam, agora, a neces-
sidade de expelir os venenos letais.
Demonstrando, entretanto, o propósito de não prosseguir no
amarguroso assunto, Lísias convidou-me a recolher.
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Generoso Alvitre
No dia imediato, muito cedo, fiz leve refeição em companhia
de Lísias e familiares.
Antes que os filhos se despedissem, rumo ao trabalho do Au-
xílio, a senhora Laura encorajou-me o espírito hesitante, dizendo,
bem-humorada:
– Já lhe arranjei companhia para hoje. Nosso amigo Rafael,
funcionário da Regeneração, passará por aqui, a meu pedido.
Poderá aceitar-lhe a companhia em direção ao novo Ministério.
Rafael é antiga relação de nossa família e apresenta-lo-á, em meu
nome, ao Ministro Genésio.
Não poderia explicar o contentamento que me dominou a al-
ma. Estava radiante. Agradeci, comovido, sem encontrar palavras
que definissem meu júbilo. Lísias, por sua vez, demonstrou gran-
de alegria. Abraçou-me efusivamente antes de sair, sensibilizan-
do-me o coração. Ao beijar o filho, a senhora Laura recomendou:
– Você, Lísias, avise ao Ministro Clarêncio que comparecerei
ao expediente, logo que entregue nosso amigo aos cuidados de
Rafael.
Comovidíssimo, eu não conseguia agradecer tamanha dedica-
ção.
Ficando a sós, a desvelada genitora do meu amigo dirigiu-me
a palavra carinhosa:
– Meu irmão, permita-me algumas indicações para os seus
novos caminhos. Creio que a colaboração maternal sempre vale
alguma coisa e, já que sua mãezinha não reside em "Nosso Lar",
reivindico a satisfação de orientá-lo neste momento.
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– Gratíssimo - respondi, sensibilizado -; nunca saberei tradu-


zir meu reconhecimento à sua atenção.
Sorriu a bondosa senhora, acrescentando:
– Estou informada de que pediu trabalho há algum tempo...
– Sim, sim... - esclareci, relembrando as elucidações de Cla-
rêncio.
– Sei, igualmente, que não o obteve de pronto, recebendo,
mais tarde, a necessária autorização para visitar os Ministérios
que nos ligam mais fortemente à Terra.
Esboçando significativa expressão fisionômica, a boa senhora
acrescentou:
– É justamente neste sentido que lhe ofereço minhas suges-
tões humildes. Falo com o direito de experiência maior. Detendo,
agora, essa autorização, abandone, quanto lhe seja possível, os
propósitos de mera curiosidade. Não deseje personificar a maripo-
sa, de lâmpada em lâmpada. Sei que seu espírito de pesquisa
intelectual é muito forte. Médico estudioso, apaixonado de novi-
dades e enigmas, ser-lhe-á muito fácil deslizar na posição nova.
Não esqueça que poderá obter valores mais preciosos e dignos
que a simples análise das coisas. A curiosidade, mesmo sadia,
pode ser zona mental muito interessante, mas perigosa, por vezes.
Dentro dela, o espírito desassombrado e leal consegue movimen-
tar-se em atividades nobilitantes; mas os indecisos e inexperientes
podem conhecer dores amargas, sem proveito para ninguém.
Clarêncio ofereceu-lhe ingresso nos Ministérios, começando pela
Regeneração. Pois bem: não se limite a observar. Ao invés de
albergar a curiosidade, medite no trabalho e atire-se a ele na pri-
meira ocasião que se ofereça. Surgindo ensejo nas tarefas da
Regeneração, não se preocupe em alcançar o espetáculo dos ser-
viços nos demais Ministérios. Aprenda a construir o seu círculo
de simpatias e não olvide que o espírito de investigação deve
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manifestar-se após o espírito de serviço. Pesquisar atividades


alheias, sem testemunhos no bem, pode ser criminoso atrevimen-
to. Muitos fracassos, nas edificações do mundo, originam-se de
semelhante anomalia. Todos querem observar, raros se dispõem a
realizar. Somente o trabalho digno confere ao espírito o mereci-
mento indispensável a quaisquer direitos novos. O Ministério da
Regeneração está repleto de lutas pesadas, localizando-se ali a
região mais baixa de nossa colônia espiritual. Saem de lá todas as
turmas destinadas aos serviços mais árduos. Não se considere,
porém, humilhado por atender às tarefas humildes. Lembro-lhe
que em todas as nossas esferas, desde o planeta até os núcleos
mais elevados das zonas superiores, em nos referindo à Terra, o
Maior Trabalhador é o próprio Cristo e que Ele não desdenhou o
serrote pesado de uma carpintaria. O Ministro Clarêncio autori-
zou-o, gentilmente, a conhecer, visitar e analisar; mas pode, como
servidor de bom senso, converter observações em tarefa útil. É
possível receber alguém dos que administram, quando peça de-
terminado gênero de atividade reservada, com justiça, aos que
muito hão lutado e sofrido no capítulo da especialização; mas
ninguém se recusará a aceitar o concurso do espírito de boa-
vontade, que ama o trabalho pelo prazer de servir.
Meus olhos estavam úmidos. Aquelas palavras, pronunciadas
com meiguice maternal, caíam-me no coração como bálsamo
precioso. Poucas vezes sentira na vida tanto interesse fraternal
pela minha sorte. Semelhante conselho calava-me no fundo
d’alma e, como se desejasse temperar com amor os criteriosos
conceitos, a senhora Laura acrescentou com inflexão carinhosa:
– A ciência de recomeçar é das mais nobres que nosso espíri-
to pode aprender. São muito raros os que a compreendem nas
esferas da crosta. Temos escassos exemplos humanos, nesse
sentido. Lembremos, contudo, o de Paulo de Tarso, Doutor do
Sinédrio, esperança de uma raça, pela cultura e pela mocidade,
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alvo de geral atenção em Jerusalém, que voltou, um dia, ao deser-


to para recomeçar a experiência humana, como tecelão rústico e
pobre.
Não pude mais. Tomei-lhe as mãos, como filho agradecido, e
cobri-as do pranto jubiloso que me inundava o coração.
A genitora de Lísias, agora de olhos fixos no horizonte, mur-
murou:
– Muito grata, meu irmão. Creio que você não veio a esta ca-
sa atendendo ao mecanismo da casualidade. Estamos todos entre-
laçados em teia de amizade secular. Brevemente voltarei ao círcu-
lo da carne; entretanto, continuaremos sempre unidos pelo cora-
ção. Espero vê-lo animado e feliz, antes de minha partida. Faça
desta casa a sua habitação. Trabalhe e anime-se, confiando em
Deus.
Levantei os olhos rasos d’água, fixei-lhe a expressão carinho-
sa, experimentei a felicidade que nasce dos afetos puros e tive
impressão de conhecer minha interlocutora, de velhos tempos,
embora tentasse, debalde, identificar-lhe o carinho nas reminis-
cências mais distantes. Quis beijá-la muitas vezes, com o enterne-
cimento filial do coração, mas, nesse instante, alguém bateu à
porta.
Fitou-me a senhora Laura, mostrando indefinível ternura ma-
ternal e falou:
– É Rafael que vem buscá-lo. Vá, meu amigo, pensando em
Jesus. Trabalhe para o bem dos outros, para que possa encontrar
seu próprio bem.

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