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Introdução ao Direito

Exame 2014/15

1. Poderá o juiz alegar a falta de previsão legal para se abster de


julgar? Fundamente legalmente a sua resposta.
O artigo 8.º do Código Civil tem como destinatários os tribunais (juízes) aos
quais impõe duas posturas que devem assumir: a obrigação de julgar e o dever
de obediência à lei.
No n.º 3 do artigo 8.º a lei dá relevância ao valor da jurisprudência e da
prática jurisprudencial seguida pelos tribunais – ao dizer que o julgador terá em
consideração todos os casos que mereçam um tratamento análogo – com o
objetivo de evitar decisões contraditórias sobre as mesmas questões jurídicas e
de promover deste modo alguma uniformidade e também, indiretamente,
previsibilidade e estabilidade na aplicação da lei.
Sintonizado com o artigo 8º, está a integração de lacunas que vem regulada
no artigo 10º: a existência de uma lacuna nunca pode ter como resultado que
um caso concreto fique por decidir por parte do julgador (tribunal) uma vez que
o artigo 8º não lhe permite invocar a falta de lei.
Falhada a possibilidade de uma interpretação extensiva, de modo que a
lacuna subsiste, ela deve ser preenchida, em primeiro lugar, por analogia. A
analogia pressupõe que há um caso semelhante ao caso omisso e que para o
caso semelhante há uma norma e que entre o caso omisso e a situação
regulada por uma norma há uma verdadeira semelhança real de modo que a
analogia se justifica, pois no caso omisso procedem as mesmas razões que
justificam a regulamentação do caso previsto na lei. Por isso, aplica-se a norma
ao caso omisso.
Não havendo analogia possível, a lei prevê como último recurso que a
situação é resolvida “segundo a norma que o próprio intérprete criaria se
houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.” Portanto, o julgador não
legisla; apenas tem de criar uma norma com as características de um regra
geral e abstrata (= hipótese legal e estatuição) para casos do mesmo tipo que o
caso que há de julgar e à qual pode então subsumir este caso concreto. A
norma é pontual (ad hoc) e serve apenas para resolver o caso concreto com
cuja solução se esgota. Ao obrigar o julgador a criar a norma ad hoc “dentro do
espírito do sistema”, ou seja, em termos rígidos e circunscritos são afastados
os recursos a equidade ou princípios gerais do direito e é garantida a
objetividade da decisão encontrada com base nesta norma “ad hoc”.
Estando em causa normas excecionais, o artigo 11.º, embora permita a sua
interp
retação extensiva, proíbe categoricamente a sua aplicação analógica.

2. Distinga presunções legais de presunções judiciais e relacione


as primeiras com o ónus da prova dos factos.
A respeito das presunções, a lei recorre a uma definição dizendo que
“presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido
para firmar um facto desconhecido” (artigo 349.º), sendo óbvio que se refere a
factos jurídicos. Distinguimos deste modo as presunções legais (artigo 350.º) e
as presunções judiciais (artigo 351.º).
As presunções têm grande relevância para efeitos de prova. As provas têm
por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º).
Quem invocar um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos do
seu direito (artigo 342.º, n.º 1). E a quem alega factos impeditivos, modificativos
ou extintivos do direito invocado deve igualmente provar estes mesmos factos
(artigo 342.º, n.º 2). O ónus da prova é um ónus pesado: uma pessoa pode ter
inteira razão, mas num processo judicial, pode não conseguir prová-la e pode
não ver o seu direito reconhecido por falta de provas. Dos factos provados
pelas partes depende a decisão do juiz.
Mas se um facto é presumido, havendo uma presunção legal, já não é
necessário fazer a sua prova (artigo 350.º, n.º 1). A consequência da
presunção legal é a inversão do ónus da prova na medida em que agora
compete à outra parte ilidir a presunção (artigo 344.º). No nosso exemplo cabe
ao devedor provar que o incumprimento não foi causado por sua culpa.
Portanto, quem invocar um direito subjetivo a seu favor deve provar os
factos constitutivos do direito a não ser que, em relação aos factos alegados,
existam presunções (artigo 349.º) e, de igual modo, na situação inversa, quem
alegar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado
também há de provar estes factos (artigo 342.º, n.os 1 e 2).
A respeito das presunções distinguimos: as presunções legais (artigo 350.º,
n.º 1) que podem ser relativas, absolutas ou presunções híbridas; e as
presunções judiciais (artigo 351.º).
Se de um facto decorre uma presunção legal esta pode ser ilidível ou não
conforme a natureza da presunção (artigo 350.º, n.º 2). As presunções legais
podem ser ilididas mediante prova em contrário (assim a regra), exceto nos
casos em que a lei o proibir, ou seja, proibir que se faça a prova em contrário.
3. O que entende por direito subjetivo relativo e direito subjetivo
absoluto, distinguindo-os do direito potestativo.
Podemos dizer que temos um direito subjetivo quando alguém, invocando
uma norma precisa do direito objetivo em que se apoia, exige a outrem um
determinado comportamento em conformidade com o conteúdo da norma
invocada.
Em termos gerais podemos fazer a seguinte abordagem: existem duas
modalidades distintas do direito subjetivo que são os direitos subjetivos
absolutos e os direitos subjetivos relativos.
Os direitos subjetivos absolutos são os direitos de domínio e os direitos de
personalidade. Os primeiros, incidem sobre uma coisa determinada, que
constitui o seu objeto, e são direitos absolutos (absoluto não é o mesmo que
ilimitado): absoluto significa que pertencem ao seu titular e excluem todos os
outros e são oponíveis a todos os outros (= têm efeitos erga omnes).
Corresponde-lhes uma obrigação passiva universal de todos os que os devem
respeitar. Todavia, os direitos subjetivos absolutos não se esgotam nos direitos
de domínio, podendo ser também direitos de personalidade. Isto é, há direitos
absolutos que, tendo o seu conteúdo, não são direitos de domínio, que é o que
acontece com os direitos de personalidade (por exemplo, o direito à integridade
física, à vida, ao nome, etc.) ou os direitos de família que a lei apenas descreve
ao indicar o seu conteúdo, uma vez que não há objeto.
Os direitos subjetivos relativos, ao contrário dos direitos absolutos ou de
domínio, são os direitos de crédito, ou seja, direitos que conferem um direito a
uma prestação ao estabelecerem uma obrigação entre determinadas pessoas.
Pelos direitos relativos ficam vinculadas apenas as partes e os direitos são
oponíveis apenas entre estas. Na sua grande maioria os direitos de crédito são
direitos de curta duração (visam, como vemos no exemplo do contrato de
compra e venda, o rápido cumprimento da obrigação e extinguem-se com ela)
enquanto os direitos de domínio são geralmente direitos de longa duração
(como vemos no exemplo do direito de propriedade que não prescreve e não
se extingue com o mero decurso do tempo).
Atendendo aos seus efeitos erga omnes, os direitos absolutos podem ser
violados por todos os que os deviam respeitar, enquanto os direitos relativos
(salvo raras exceções), com os seus efeitos apenas inter partes, só podem ser
violadas pelas partes vinculadas.
A violação culposa de um direito relativo tem como consequência a
responsabilidade contratual, uma vez que as obrigações contratuais assumidas
pelas partes não foram devidamente compridas; a violação culposa de um
direito absoluto, pelo contrário, onde não há um contrato, tem como efeito a
responsabilidade extracontratual (= responsabilidade civil).
Além dos direitos subjetivos propriamente ditos ainda são de referir os
chamados direitos potestativos que conferem à pessoa que é o seu titular o
poder de produzir unilateralmente efeitos jurídicos na esfera de outrem, ou
seja, na esfera de uma outra pessoa.
Por via de regra, os direitos potestativos pressupõem a pré-existência de
um direito subjetivo propriamente dito (ou de uma relação jurídica que confere
o direito) a partir do qual podem vir a nascer e a ser exercidos.
Conforme os efeitos que resultam do seu exercício distinguimos entre
direitos potestativos extintivos, modificativos e constitutivos.

4. Refira-se às incapacidades negociais de gozo que conhece.


A capacidade negocial de gozo é exigida para os negócios estritamente
pessoais; a sua falta é insuprível de todo e, na medida em que faltar, a pessoa
em causa ao celebrar o negócio não pode, de modo nenhum, tornar-se
validamente sujeito da relação jurídica que pretende realizar (ou casamento ou
perfilhação ou testamento).
A capacidade negocial de exercício, por seu lado, é indispensável para a
pessoa poder participar validamente, por atos próprios, no tráfico jurídico
negocial geral (= celebrar negócios jurídicos ou praticar atos quase negociais).
A sua falta é suprível pela representação legal (por exemplo: no caso dos
menores a sua representação compete às pessoas às quais cabem as
responsabilidades parentais). Além disso, a lei prevê exceções à incapacidade
(nomeadamente no artigo 127.º [139.º; 156.º]).

Exame 2015/2016

1. Refira-se à interpretação da lei, enunciando os seus


elementos e resultados.
A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos
textos o pensamento legislativo, tendo em conta sobretudo a unidade do
sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições
específicas do tempo em que é aplicada (e que podem ser bem diferentes das
da sua elaboração).
As palavras → o elemento literal ou gramatical → captar o sentido da
palavra, do conceito, de acordo com o uso linguístico adotado pelo legislador
→ supõe que o legislador se exprimiu corretamente e o fez numa linguagem
acessível aos destinatários das normas → o artigo 9.º, n.º 1, considera “a letra
da lei” como o primeiro elemento a ter em conta embora não como elemento
exclusivo;
Os elementos históricos (interpretação histórica ou genética) → procura
entender a norma a partir e dentro do contexto evolutivo (da continuidade
histórica do direito, de precedentes legislativos, de trabalhos preparatórios e,
havendo-o, do relatório [ou preâmbulo] do diploma a interpretar) que levou à
formulação do seu texto → o n.º 1 do artigo 9.º refere o “pensamento
legislativo” e “as circunstâncias em que a lei foi elaborada”.
A inserção sistemática da norma num articulado legal, num instituto, no
conjunto das leis do ordenamento jurídico (exprime a ideia da unidade da
ordem jurídica); assim, a norma jurídica a interpretar não está isolada e deve
estar harmonizada dentro do sistema ou do complexo normativo a que
pertence → o artigo 9.º, n.º 1, considera a “unidade do sistema jurídico”.
O elemento racional (ou teleológico) atende à “ratio legis” (= os objetivos
que lei pretende alcançar, seus fins sociais ou económicos, etc.) → o recurso
ao elemento teleológico pode levar a uma interpretação extensiva ou restritiva
→ o artigo 9.º, n.º 3, contempla o elemento teleológico quando se refere às
“soluções mais acertadas”.
Todos estes elementos podem ser combinados e utilizados
simultaneamente com o objetivo de conhecer o “espírito da lei” (a mente) da lei.
Os resultados da interpretação podem consistir numa interpretação
declarativa, extensiva, restritiva, enunciativa e, ab-rogante ou revogatória.

2. Diga o que entende por sanção compulsiva e compulsória,


enunciando as duas vias legais pelas quais a mesma se pode
efetivar.
Medidas compulsivas, aplicadas por entidades públicas, em ordem a obter
um comportamento (por exemplo: o – entretanto revogado – artigo 101.º da
antiga Organização Tutelar de Menores previu prisão para forçar o pagamento
de alimentos devidos a menores; a advertência (ameaça) que, não havendo
pagamento dos impostos dentro do prazo, começam a correr imediatamente
juros; a obrigatoriedade do registo sob pena da inoponibilidade ou da
inatendibilidade; as sanções pecuniárias compulsórias por cada dia de atraso
em que se falta ao cumprimento de uma decisão judicial para efetuar uma
prestação de facto não fungível, isto é uma prestação só realizável pelo próprio
devedor (artigo 829.º-A) [as sanções compulsivas pecuniárias perdem eficácia
quando o devedor não dispõe de bens que se podem apreender]);
Mas também há meios compulsivos aplicados entre privados; temos, por
exemplo, o direito de retenção (artigo 754.º [em geral]; artigo 755.º, alínea a)
[caso especial]); a exceção do não cumprimento de um contrato bilateral (= um
contrato sinalagmático em que há prestações de ambas as partes (como
sucede no contrato de compra e venda [artigo 879.º, alíneas b) e c)]; artigo
795.º); o estabelecimento de uma cláusula penal (artigos 809.º e seguintes); a
possibilidade do exercício do direito potestativo extintivo da resolução de um
contrato bilateral (artigo 801.º, n.º 2);
3. Diga quais são os modos de cessação da vigência da lei,
explicando cada um deles.
A lei, quando não se destina a ter vigência temporária, só (!) deixa de
vigorar se for revogada por outra lei. Por isso, o desuso generalizado e o
costume em contrário não são aceites como formas de derrogação da lei
(argumentum ex artigo 7.º, n.º 1, 2.ª parte [“só”]). Como já dissemos (na aula de
29-11-2018), esta afirmação peremptória do artigo 7.º não está isenta de
dúvidas.
Deste modo, devemos distinguir em conformidade com a duração da
vigência das leis entre as leis com vigência temporária e não temporária:
As leis com vigência temporária deixam de vigorar por caducidade (artigo
7.º, n.º 1, 1.ª alternativa): ou quando terminar o prazo de vigência fixado nela
própria1 ou quando a matéria que ela se destinava a regular tiver desaparecido,
ficando a lei sem objeto.
As outras leis têm que ser revogadas. Esta revogação (artigo 7.º, n.º 1, 2.ª
alternativa) pode ocorrer de várias maneiras: pode ser expressa (artigo 7.º, n.º
2, 1.ª alternativa) e pode ser tácita, ou por incompatibilidade global (artigo 7.º,
n.º 2, 3.ª alternativa) ou também por incompatibilidade parcial ou limitada a
determinadas normas (artigo 7.º, n.º 2, 2.ª alternativa).
Em princípio, a lei geral não revoga a lei especial (artigo 7.º, n.º 3);
A revogação da lei revogatória não tem como efeito a repristinação, isto é o
renascimento, da lei anterior que a lei revogatória revogara (artigo 7.º, n.º 4). 2
Todavia, nos casos previstos nos n.º 3 e 4 do artigo 7.º a intenção
inequívoca (que será expressa) do legislador pode ser de sentido diferente.

4. Distinga normas imperativas de normas dispositivas e os seus


campos de aplicação, dando exemplos.
De uma perspetiva a partir da autonomia privada faz-se uma distinção entre
normas imperativas e normas dispositivas. As normas imperativas estão
subtraídas à vontade das partes e devem ser observadas sob pena de nulidade
do negócio que vier a ser celebrado. Assim o determina o regime-regra
estabelecido pelo artigo 294.º: “Os negócios celebrados contra disposição legal
de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte
da lei.”
Em consequência disto distinguimos:

1
Ver em Anexo a Lei n.º 30/2018, de 16 de Junho, que estabelece um regime transitório, limitado no
tempo.
2
A lei n.º 24/2012, de 9 de Julho, que aprovou a Lei-quadro das Fundações, alterou vários artigos do
CCiv relativos às fundações que, por seu lado, voltaram a ser alteradas de novo pela lei n.º 150/2015, de
10 de Setembro, que reformulou a lei-quadro das fundações.
Normas imperativas preceptivas (artigo 875.º [um negócio é permitido, ele
pode ser celebrado, mas para o efeito é obrigatório observar um formalismo
legal sob pena de nulidade do negócio; exemplo: artigo 220.º]) ou normas
imperativas proibitivas (por exemplo, o já referido artigo 2028.º, n.º 2, que
proíbe os pactos sucessórios sob pena de nulidade).
As normas dispositivas pelo contrário estão, como indica a sua designação,
à disposição das partes: elas podem aceitá-las ou afastá-las por soluções que
no seu caso concreto se lhes afiguram como mais convenientes.

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