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RADIOBIOLOGIA

Helena R. Comodo Segreto11


Roberto A. Segreto22

11 Professora Adjunta do Departamento de Medicina e Coordenadora do Laboratório de Radioterapia


Experimental da UNIFESP/EPM.

22 Professor Adjunto –Livre Docente do Departamento de Medicina e Chefe do Setor de Radioterapia da


UNIFESP/EPM

Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina


RESUMO
A radiobiologia é a área da ciência que estuda os efeitos biológicos da radiação
ionizante. Estas radiações podem interagir diretamente com os componentes
celulares (efeito direto) ou de modo indireto pela radiólise da água (efeito indireto).
Após interação das radiações ionizantes com as células, alterações celulares e
moleculares ocorrem, sendo o DNA um dos alvos mais importantes das radiações. A
resposta biológica é diferente para os diferentes tecidos dependendo principalmente
da capacidade de reparo das lesões radioinduzidas.
Em relação à radioterapia, o conhecimento dos efeitos biológicos das
radiações e a aplicação dos conceitos de radiobiologia têm ajudado no
desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes e seguras.
No presente capítulo serão abordados os aspectos básicos de radiobiologia e
suas aplicações clínicas em radioterapia.
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INTRODUÇÃO
No final do século XIX alguns fatos importantes na história das radiações
ionizantes ocorreram: a descoberta dos raios X por Wilhem Conrad Röntgen em 1895,
constatação da radioatividade natural do urânio por Henri Becquerel em 1896, a
separação do polônio e do rádio por Pierre e Marie Curie em 1898.
A partir dessas descobertas, a radiação ionizante passou a ser amplamente
utilizada na indústria e na Medicina, com finalidade de pesquisa, diagnóstico e
tratamento de doenças.
Do ponto de vista físico, as radiações podem ser classificadas em corpusculares
e eletromagnéticas. As radiações corpusculares possuem massa (elétrons, prótons,
nêutrons) e as eletromagnéticas são ondas com diferentes comprimentos e a mesma
velocidade, que é a da luz.
Para fins biológicos as radiações podem ser classificadas em não ionizantes e
ionizantes. As radiações não ionizantes são aquelas que não possuem energia
suficiente para realizar ionização de átomos biologicamente importantes. As radiações
ionizantes caracterizam-se por promover ionização, isto é, quando interagem fazem
com que elétrons sejam ejetados da órbita do átomo. Pequena parte da energia das
radiações ionizantes é gasta com excitação, quando os elétrons apenas mudam de
órbita no átomo. Importante propriedade física destes agentes, que interfere no efeito
biológico, é a transferência linear de energia (LET), que é a taxa de energia liberada
pela radiação por unidade de caminho percorrido. A densidade de ionização produzida
num dado meio depende da massa, velocidade e carga. Partículas com pequenas
velocidades ou pesadas (grande massa) por exemplo, dissipam sua energia em pequena
trajetória e ionizam mais densamente. As radiações corpusculares apresentam alta
densidade de ionização em pequeno trajeto e são consideradas de alto LET. As
eletromagnéticas ionizam esparsamente percorrendo maior trajeto e são consideradas
de baixo LET.
A energia das radiações é também fator importante a ser considerado. Quanto
maior a energia, maior a capacidade de penetração no meio absorvedor.
Outro aspecto físico que influencia no efeito biológico é a taxa de dose, que é a
quantidade de energia liberada num determinado tempo. De modo geral, podemos
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dizer que quanto menor a taxa de dose, menor a eficácia radiobiológica pois aumenta
a chance de reparo da lesão radioinduzida. Basicamente, o efeito biológico depende da
densidade de ionização no tempo (taxa de dose) e no espaço (LET).
Com o amplo uso das radiações em diversas áreas de atuação humana, efeitos
indesejáveis ocorreram. Dessa forma, houve a necessidade de se conhecer os
mecanismos de ação destes agentes e como respondem os diversos tecidos após
interação. A área de conhecimento que estuda os efeitos biológicos das radiações
ionizantes é a radiobiologia.
Em relação a radioterapia, onde se deseja destruir o tecido patológico e
preservar o tecido normal adjacente, o conhecimento dos efeitos biológicos das
radiações e a aplicação dos conceitos de radiobiologia têm ajudado no
desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes e seguras.

MECANISMO DE AÇÃO
As radiações ionizantes podem interagir diretamente com componentes
celulares como DNA, proteínas e lipídeos, provocando alterações estruturais. É o
chamado efeito direto e constitui cerca de 30% do efeito biológico das radiações.
Podem também interagir com o meio onde os constituintes celulares e as próprias
células estão suspensas ou seja, a água, produzindo radicais livres. Neste caso temos o
efeito indireto que corresponde a cerca de 70% do efeito biológico produzido pelas
radiações. A maior probabilidade de ocorrência do efeito indireto deve-se ao fato da
água ocupar parcela substancial da composição celular. Além disto, os radicais livres
também podem ser produzidos devido à ionização de outros constituintes celulares,
particularmente os lipídeos.
O principal radical livre oxidante resultante da radiólise da água é o hidroxil. A
recombinação dos radicais livres leva à formação de outros componentes como o
peróxido de hidrogênio (H2O2). Quando os radicais hidroxil reagem com moléculas
orgânicas, formam-se radicais livres orgânicos.
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A presença de oxigênio induz a formação de radicais livres peroxidantes, os


quais não permitem a recombinação para a molécula original, levando ao aumento de
radicais livres no meio e maior potencial lesivo.
RESPOSTA BIOLÓGICA – A CÉLULA IRRADIADA
DNA
O DNA é um dos alvos mais importantes para os efeitos citotóxicos da
radiação. Entre as alterações radioinduzidas, as quebras duplas do DNA são as mais
prejudiciais podendo levar as células à morte. Considera-se que as células apresentam
a mesma quantidade de quebras duplas por Gray de radiação. O que diferencia a
resposta ou a sensibilidade de diferentes células é a capacidade de reparo das quebras
duplas. Além disto, é importante também a fidelidade do reparo.

CROMOSSOMOS
Quebras e rearranjos cromossômicos podem ser induzidos pela radiação. Podem
ocorrer fragmentos acêntricos, dicêntricos e anéis (mutações instáveis) e translocações
e inversões (mutações estáveis).
MEMBRANAS
A radiação interage com as proteínas estruturais e com os lipídeos de membrana
provocando a peroxidação lipídica. Sugere-se que como conseqüência da peroxidação
lipídica as membranas apresentam enfraquecimento em sítios especiais enquanto que a
maior parte dela apresenta aumento de rigidez, prejudicando sua função.

SISTEMA DE TRANSDUÇÃO, FATORES DE CRESCIMENTO, , INDUÇÃO DE GENES


Logo após irradiação, o sistema de transdução mediado pela proteína quinase C
(PKC) e pela tirosina quinase é estimulado. Isto leva à indução de genes como o c-fos,
c-jun. Tais genes de resposta rápida ativam outros, incluindo aqueles para o fator de
necrose tumoral (TNF), para o fator de crescimento de fibroblastos (FGF), e para o
fator β de transformação de crescimento (TGF β). Esta cascata de ativação de genes,
transcrição e síntese de proteínas em resposta à radiação, relaciona-se com funções
chaves que permitem à célula sobreviver após irradiação.
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CICLO CELULAR
A fase de mitose (M), é extremamente sensível à radiação, pois existe grande
possibilidade de “fixação” da lesão radioinduzida. Acredita-se que este fato ocorra
devido à grande compactação do DNA. Isto aumenta a probabilidade de interação,
provocando aberrações cromossômicas e morte celular, o que corresponde ao aumento
da radiosensibilidade. A grande campactação da cromatina torna as lesões inacessíveis
às enzimas reparadoras.
A fase de síntese (S) é a menos sensível à radiação possivelmente devido à
duplicidade do conteúdo informacional. Isto poderia tornar viável a atuação dos
mecanismos de reparo.
A radiação provoca retardo em G2/M. Acredita-se que isto acontece para haver
o reparo da lesão radioinduzida, antes da divisão celular. Observou-se que a falta de
retardo em G2 está associada ao aumento da radiosensibilidade. Ocorre também o
retardo em G1/S. Este controle na fase de síntese (S) evita a replicação de DNA
lesado. O retardo em G1 após lesão em DNA radioinduzida está associado à presença
das proteínas p53 e p21 e pode resultar em reparo do DNA ou morte celular por
apoptose.

MORTE CELULAR RADIOINDUZIDA – CLONOGÊNICA E APOPTOSE


A morte clonogênica ou falência reprodutiva caracteriza-se pela perda da
capacidade de divisão celular, isto é, a célula está estéril porém morfológicamente
íntegra. Tais células que perderam a capacidade de dividir-se e que são resistentes à
apoptose, desenvolverão necrose e aquelas que são suscetíveis à apoptose podem
morrer por necrose ou apoptose dependendo da dose de radiação.
A apoptose é um mecanismo de morte celular ativo, que ocorre em situações
fisiológicas em oposição à mitose. Pode também ser induzido por agentes agressores,
como a radiação. A célula apoptótica apresenta características morfológicas próprias
como condensação, marginalização e fragmentação da cromatina.
Posteriormente ocorre fragmentação da célula em corpos apoptóticos que
contêm partes de cromatina e organelas citoplasmáticas e são envolvidos por
membrana. Tais corpos são rapidamente fagocitados pelas células vizinhas. Nesse
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mecanismo de morte celular estão envolvidos protooncogenes como o bcl-2 (inibidor)


e genes supressores de tumores como o p53 (indutor). De forma simplificada, um
importante mecanismo pelo qual a radiação induz apoptose, é através das quebras
simples e duplas no DNA, indução da proteína p53 que atua como fator de transcrição
e induz proteínas entre as quais a bax, desencadeando assim o processo. Os fatores de
e o sistema de transdução, como por exemplo, a proteína quinase C (PKC) e proteína
quinase A (PKA) são importantes na modulação do processo.
Doses baixas de radiação induzem apoptose e doses altas a necrose. Observou-
se que em linfócitos, doses baixas (0,05Gy) e moderadas (1 a 5 Gy) levam a morte por
apoptose, enquanto que após doses altas (20Gy) ocorre a morte não apoptótica.
Explica-se que as doses altas de radiação, inibem qualquer processo ativo na célula
inclusive a apoptose.

EFEITOS BIOLÓGICOS – O TECIDO IRRADIADO


Existe diferença na resposta radiobiológica entre o tecido normal e o tumoral
bem como entre os diferentes tecidos normais, do ponto de vista de lesão. A resposta
está relacionada com a capacidade da célula reparar ou não as lesões radioinduzidas.
Os tecidos de resposta rápida são aqueles que apresentam as manifestações clínicas de
lesão em curto período de tempo depois da irradiação. São exemplos de tecidos de
resposta rápida: pele, mucosas, tecido hemocitopoético, tecido linfóide, aparelho
digestivo, ovário e certos tumores. Associa-se a resposta rápida destes tecidos, à alta
atividade mitótica (fase bastante radiosensível do ciclo celular) e a grande
suscetibilidade à apoptose dos mesmos. Os tecidos de resposta lenta são aqueles que
apresentam suas alterações em tempo mais prolongado após irradiação. São eles os
tecidos: ósseo, conjuntivo, muscular e nervoso, que possuem baixa atividade
proliferativa. Associa-se a resposta lenta à morte clonogênica das células e a menor
suscetibilidade à apoptose.
Os tecidos de resposta rápida, nos quais as células morrem rapidamente após
irradiação, praticamente não reparam as lesões radioinduzidas. Porém, devido à alta
capacidade mitótica de suas células, as células precursoras que escaparam da morte
possuem grande chance de dividir e repopular, mantendo assim a homeostase do
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tecido, dependendo da dose de radiação. Os tecidos de resposta lenta apresentam


capacidade de reparar as lesões radioinduzidas, dependendo da dose de radiação.
Porém, esta capacidade é limitada e quando ultrapassada, a lesão será estabelecida. As
células lesadas e não reparadas morrem e não são substituídas uma vez que tais tecidos
têm pequena atividade mitótica. A resposta dos tecidos à radiação depende ainda do
tipo de exposição, se em pequenas regiões ou em corpo inteiro, e também da dose. Em
exposições acidentais a altas doses de radiação em corpo inteiro, ocorrerá a Síndrome
Aguda das Radiações (SAR). As doses baixas de radiação relacionam-se com
mutações e neoplasias, se as lesões radioinduzidas se forem mal reparadas por
exemplo.
Durante a radioterapia, são usadas habitualmente doses fracionadas de radiação
em campos localizados. É inevitável, no entanto, que parte do tecido normal seja
incluído no campo a ser irradiado. É importante porém, respeitar a tolerância deste
tecido normal, ou seja, a dose máxima de radiação que o tecido irá tolerar. Se esta dose
for ultrapassada poderão ocorrer alterações importantes, e irreversíveis. A dose de
tolerância varia dependendo das características biológicas do tecido, do volume de
tecido irradiado, tipo de radiação e fracionamento da dose.

RESPOSTA BIOLÓGICA – ASPECTOS CLÍNICOS


MUTAÇÃO E CARCINOGÊNESE
A exposição a doses baixas e freqüentes, como por exemplo aquelas em que os
profissionais que trabalham com radiação estão sujeitos, os efeitos biológicos mais
relevantes são a mutação e a carcinogênese. Estes efeitos são chamados estocásticos,
ou seja, aqueles onde não é possível estabelecer limite de dose abaixo da qual não
ocorrem, porém, a probabilidade de ocorrência dos mesmos aumenta com o aumento
da dose de radiação. Dessa forma, 1cGy pode causar mutação, mas a probabilidade
aumenta com o aumento da dose. No homem, a dose de dobra do número de mutações
para exposição aguda é 30cGy e para exposição crônica é 80cGy. A relação entre
radiação e carcinogênese é particularmente importante para as doses baixas de
radiação, isto é, aquelas que permitem reparo da lesão radioinduzida. Tais doses
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podem provocar instabilidade genética (lesão/reparo), por exemplo, quebras simples


ou duplas não reparadas, ou mal reparadas, podem acarretar deleções e perda de genes
supressores de tumor (tumores sólidos) ou translocações (leucemias e linfomas). Nas
doses maiores de radiação há predomínio de morte e não de transformação celular.
Importante mencionar também os efeitos determinísticos, quando é possível
estabelecer limite de dose abaixo da qual os mesmos não ocorrem, como por exemplo
a catarata. Doses de 200 a 500cGy são cataratogênicas. Assim não se admite ao
profissional certos níveis de exposição1.

PELE
A radiação provoca lesão nas células da camada basal da epiderme, que sofrem
apoptose e/ou morte clonogênica. Ocorre também lesão nos melanócitos, podendo
haver deposição de melanina derme, que se não for fagocitada provocará
hiperpigmentação. Alterações vasculares, em particular a obliteração, é causada em
parte devido a liberação de fatores de crescimento, como o fator de crescimento
derivado de plaquetas (“platelet derived growth factor” – PDGF) e o FGF (“fibroblast
growth factor”)das células endoteliais. Estes atuam como fatores parácrinos para o
crescimento de músculo liso, acarretando espessamento da camada íntima dos vasos.
Após irradiação a pele poderá apresentar radiodermite aguda ou crônica. A
radiodermite aguda pode ocorrer após exposição acidental à radiação ou durante o
curso da radioterapia. A radiodermite crônica pode ocorrer como seqüela da
radiodermite aguda (após doses altas), ou em profissionais que trabalham com
radiação e ficam sujeitos a doses crônicas e contínuas, sem haver previamente a reação
aguda.
Radiodermite aguda (estágios) – durante o curso de 4 semanas de radioterapia
após mastectomia devido ao câncer de mama (dose 4500 – 5000cGy), por exemplo,
nenhuma reação de pele é observada inicialmente. A epilação ocorre em cerca de 14
dias após início do tratamento. Em 3 semanas desenvolve-se o eritema principal e a
pele apresenta-se quente, avermelhada e edematosa. Geralmente a paciente queixa-se
de desconforto e prurido. Entre 4 à 5 semanas ocorre descamação que algumas vezes
progride para dermatite exfoliativa. A regeneração da nova pele inicia-se cerca de 1
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semana depois do término do tratamento e está completa por volta da terceira semana.
A função da glândula sudorípara é restabelecida dentro de 2 semanas. No entanto, a
secreção da glândula sebácea não é restabelecida. Os pêlos começam a crescer em
cerca de 1 mês depois de terminada a radioterapia e podem apresentar características
diferentes e coloração mais escura do que a original. A reação da pele aumenta com o
aumento da dose de radiação, com o tamanho da área irradiada e varia nas diversas
partes do corpo. As áreas mais suscetíveis incluem aquelas mais sujeitas à umidade e
fricção como a axila, região inguinal, vulva e ânus, e as que apresentam baixo
suprimento sangüíneo como a região dorsal das mãos, dorso e sola dos pés.
Radiodermite crônica (estágios) – a pele pode apresentar lesões tardias,
geralmente permanentes, como: isquemia, pigmentação, espessamento, teleangiectasia
e ulceração. Antigamente, devido ao uso de aparelhos de baixa energia (ortovoltagem)
tais lesões ocorriam mais amiúde. Nos dias atuais, estas alterações tornaram-se menos
freqüentes devido a introdução dos equipamentos de alta energia (megavoltagem). A
doença malígna secundária é uma complicação após exposição à doses crônicas de
radiação.

OROFARINGE
A reação aguda na mucosa ocorre devido à morte das “células precursoras” da
camada basal do epitélio, e estas células que deveriam substituir aquelas perdidas da
mucosa não o fazem por um tempo, dependendo da dose de radiação. Posteriormente,
as células precursoras que sobrevivem à irradiação irão proliferar a fim de reparar a
mucosa.
Durante a radioterapia clássica, a reação aguda na mucosa (edema e eritema),
tem início no final da segunda e é máxima no final da terceira semana. Nesta fase o
paciente queixa-se de: “secura” na boca, perda do paladar, dor de garganta e disfagia.
A recuperação do epitélio ocorre em 1 mês após o término do tratamento. Alterações
tardias como fibrose, teleangiectasia e espessamento da parede das arteriolas são
observadas em meses ou anos após o final do tratamento. Como resultado da
cicatrização a mucosa fica mais suscetível à ulceração após mínimo trauma.
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Geralmente, parte das glândulas salivares (parótida, submandibular e


sublingual) são incluídas no campo de irradiação durante o tratamento de tumores de
cabeça e pescoço, especialmente nos da cavidade oral. Após irradiação, as glândulas
salivares apresentam perda dos ácinos secretores e o paciente desenvolve xerostomia.
A inibição permanente da secreção das glândulas salivares ocorre em 80% dos
pacientes após radioterapia fracionada com doses de 40 a 60Gy. Doses maiores de
60Gy causam xerostomia em todos os pacientes. Se a parótida for excluída do campo
de irradiação, tais seqüelas tardias são raras. A glândula parótida em particular é
altamente suscetível à apoptose radioinduzida. Ocorre ainda perda do paladar, que
pode ser conseqüência do efeito da radiação nas papilas gustativas ou da diminuição
da saliva. A recuperação do paladar ocorre em 2 a 4 meses após o tratamento.
Tardiamente pode ocorrer aumento da incidência de cáries, devido à diminuição da
saliva. A queda do pH e da secreção de anticorpos propicia o crescimento de bactérias
que produzem ácidos devido à quebra dos alimentos. Tais ácidos dissolvem o esmalte
e a dentina.
ESÔFAGO
O esôfago pode estar incluído no campo de irradiação para tratamento de
tumores de pulmão e de mediastino. Como conseqüência da lesão na mucosa esofágica
as manifestações clínicas são: aumento da sensibilidade, dor e disfagia.
INTESTINO
A dose tolerância para o intestino delgado durante radioterapia para tumores
pélvicos é de 45Gy. Em conseqüência da irradiação podem ocorrer sintomas gerais
como náusea e vômito. Tais sintomas devem-se à liberação de serotonina das células
enterocromafins do trato gastrointestinal. A serotonina liga-se a receptores de 5-
hidroxitriptamina tipo 3 dos neurônios aferentes vagais e de outros neurônios no trato
gastrointestinal, sistema nervoso central e medula espinhal, sinalizando o centro do
vômito.
A radiação provoca morte das “células precussoras” das criptas intestinais, que
temporariamente não substituem aquelas perdidas nas vilosidades, dependendo da dose
usada. Isto levará ao encurtamento das vilosidades intestinais e diminuição da
superfície de absorção. Clinicamente ocorre diarréia que pode levar a desidratação,
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sangramento e aumento do risco de infecção. Nos casos de câncer de colo uterino, o


reto (imediatamente atrás da vagina) recebe radiação e por isto, pode ocorrer proctite,
tenesmo, perda de muco nas fezes e sangramento. A camada muscular do intestino
também pode apresentar certo grau de lesão e há maior risco do tecido de granulação
formar fibrose, aderências e estenose que podem causar obstrução, fístula e
hemorragia tardiamente. Desde que a dose de tolerância seja respeitada a mucosa se
recupera.
BEXIGA
Durante a radioterapia para tumores pélvicos, parte da bexiga pode estar
incluída no campo de irradiação. As manifestações agudas de lesão na mucosa vesical
são dor e disúria. Tardiamente pode ocorrer fibrose e diminuição da capacidade
vesical.
TECIDO HEMOCITOPOÉTICO
Quando pequenas regiões do corpo são submetidas a radioterapia o efeito no
tecido hemocitopoético é mínimo. Doses altas de radiação em pequenos volumes de
medula óssea não irão alterar a contagem de células no sangue pois a medula de outros
locais não irradiados compensa a demanda. No local irradiado porém, ocorrerá fibrose.
Quanto maior o campo, maior quantidade de medula óssea será irradiada e maior a
lesão. As alterações no hemograma são leucopenia e trombocitopenia. Estas alterações
ocorrem devido a lesão nas nas “células precursoras” da medula óssea, e estas falham
em substituir as do sangue periférico que têm meia vida curta (horas/dias). As
hemácias apresentam meia vida de 120 dias, e por isto a contagem das mesmas é
pouco alterada no hemograma em curto prazo.
ÓRGÃOS REPRODUTIVOS
Gônadas masculinas – devido a espermatogênese demorar cerca de 70 dias, a
contagem de espermatozóides e a fertilidade estão mantidas em 6 semanas após
irradiação. A recuperação é dose dependente e é mais rápida quanto menor a dose de
radiação. Para doses menores do que 0,1Gy a recuperação ocorre em 9 a 18 meses,
doses entre 4 e 6 Gy a recuperação ocorre em 5 anos e acima de 6 Gy a esterilidade é
definitiva. Com doses menores do que 1 Gy, a produção de testosterona pelas células
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de Leydig é mantida. A reposição hormonal não é necessária para as doses recebidas


pelo testículo na radioterapia clássica.
Gônodas femininas – em conseqüência da irradiação, alterações hormonais são
observadas. A produção de estrogeno fica reduzida temporariamente e ocorre parada
da menstruação. Em mulheres pré-puberais, a dose única de 6 Gy em ovário induz
amenorréia. Porém, a dose para induzir a menopausa é menor quanto mais idosa for a
mulher, provavelmente devido ao menor número de ovócitos nos ovários. Amenorréia
permanente ocorre em 30% das mulheres entre 30 e 35 anos após a dose de 5 Gy em
ovário, e esta porcentagem eleva-se para 80% se as mulheres tiverem entre 35 e 40
anos. A dose para induzir a menopausa está entre 10 e 20 Gy (irradiação com doses
fracionadas). Nos casos de câncer de mama usa-se a dose de 12 Gy em 4 frações para
induzir a menopausa.
Gravidez – a radiação deve ser evitada na gravidez. Mutações podem ocorrer
nos ovários da mãe e no feto. O feto é particularmente vulnerável devido à grande
imaturidade dos tecidos. As alterações produzidas no feto dependem da idade
gestacional. No período de pré-implantação a radiação provoca alta incidência de
morte pré-natal. O período de organogênese (primeiro trimestre) é o mais perigoso
havendo aumento da incidência de anomalias, especialmente no sistema nervoso
(microcefalia, hidrocefalia, retardo mental), olhos (microftalmia, catarata, ausência de
cristalino) e esqueleto (crescimento limitado, membros anormais, cabeça pequena).
Mesmo doses muito baixas como aquelas recebidas em raio X diagnóstico podem
produzir anomalias tipo fenda palatina. Ocorre ainda alta incidência de morte neonatal.
A irradiação durante o período fetal pode provocar aumento da incidência de
alterações que podem ocorrer mais tarde como leucemia ou distúrbios funcionais ao
nascimento como plaquetopenia.
RIM
É órgão de resposta lenta à radiação embora as alterações funcionais e
histológicas possam ser observadas em poucas semanas após irradiação. As alterações
iniciais ocorrem na região arteriolar-glomerular mais do que no epitélio tubular. Os
túbulos da região cortical estão especialmente envolvidos e geralmente a lesão ocorre
após as alterações vasculares. São observadas cinco síndromes clínicas: a) nefrite
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aguda associada a hipertensão e proteinúria, que ocorre em 6 a 13 meses após o


tratamento; b) nefrite crônica associada a proteinúria, nictúria e perda da capacidade de
concentrar urina, que ocorre em 1 ano e meio à 4 anos após o tratamento; c)
hipertensão benigna associada a proteinúria, 1 ano e meio a 5 anos após tratamento; d)
proteinúria prolongada de 5 à 19 anos; e) hipertensão tardia malígna, 1 ano e meio a 11
anos após tratamento. Em adultos, a dose de tolerância se ambos os rins forem
irradiados, é de 20Gy. O risco é menor se parte de um rim ou se apenas um rim for
irradiado, pois, o outro hipertrofia e compensa a perda da função renal. Se a dose de
tolerância renal não for respeitada, a nefropatia induzida pela radiação uma vez
instalada é lenta, progressiva e irreversível.
SISTEMA NERVOSO
É tecido de resposta lenta à radiação. A lesão ocorre principalmente na
substância branca, nas células gliais que diminuem a taxa de renovação, e nos vasos
que apresentam obliteração, diminuindo o aporte de oxigênio para as células. São
observadas tardiamente alterações tipo fibrose, desmielinização, lesão vascular e morte
celular. Estas lesões são bastante prejudiciais, pois as células nervosas não são
repostas. Se todo o cérebro for irradiado, a dose total não deve ultrapassar 35Gy
(dados em 10 frações) ou 45Gy (dados em 20 frações) ou 50Gy (dados em 30 frações).
A tolerância do tecido nervoso aumenta, com o fracionamento da dose de radiação.
OLHOS
A catarata após irradiação ocorre com doses entre 2 a 5Gy. Porém, a tolerância
do cristalino é maior quando a braquiterapia com irídio-192 em baixa taxa de dose é
usada. Neste caso, doses menores de 20Gy não provocam a formação de catarata. O
desenvolvimento da catarata radioinduzida demora entre 2 a 3 anos e o tratamento é
cirúrgico.
As doses convencionais de radioterapia fracionada não provocam alterações na
retina. Efeitos tardios ocorrem com doses maiores de 50Gy e são as lesões vasculares.
Observa-se hemorragia, exudato e alterações degenerativas. A atrofia do nervo óptico
ocorre com doses entre 50 a 80Gy dados em 4 à 8 semanas.
OSSOS E CARTILAGENS
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A irradiação do osso em crescimento provoca retardo no seu crescimento. A


dose de tolerância para cartilagem em crescimento é de 10Gy e para crianças menores
de 3 anos é de 8Gy. Dependendo da região irradiada, alterações como – encurtamento
dos membros e escolioses podem ocorrer. Para o osso maduro a dose de tolerância é de
60Gy e se a mesma for ultrapassada pode ser observada a radionecrose.

PULMÃO
A lesão inicial ocorre nos pneumócitos tipo II havendo liberação precoce de
surfactante. Estas alterações são detectadas em minutos à horas depois da irradiação,
no microscópio eletrônico.
A radiação pode provocar pneumonite, que ocorre em 4 a 6 semanas após o
término da radioterapia com doses acima de 25Gy. Manifesta-se clinicamente por
dispnéia, tosse não produtiva e sensação de aperto no torax.
A fibrose pulmonar também pode ocorrer no volume irradiado. O grau de
fibrose e de dispnéia depende da dose de radiação e de fatores como infecção
secundária e doença pulmonar pré-existente (doença pulmonar obstrutiva crônica,
doença pulmonar industrial).
A dose de tolerância do pulmão é de 16 a 20Gy para a radioterapia clássica.
SÍNDROME AGUDA DA RADIAÇÃO (SAR)
Esta síndrome descreve os efeitos clínicos após irradiação de corpo inteiro com
doses únicas acima de 0,5Gy. Foi observada após a explosão da bomba atômica em
Hiroshima e Nagasahi, testes nucleares no pacífico e acidentes como os de Chernobyl
e Goiânia.
A SAR ocorre devido à falência em três órgãos e sistemas: hemocitopoético
(doses entre 1 a 10Gy), gastrointestinal (doses entre 10 e 50Gy) e sistema nervoso
central (doses acima de 50Gy). O período prodrômico manifesta-se poucas horas
depois da irradiação e caracteriza-se por náuseas, vômito, dor de cabeça, fraqueza e
vertigem. Posteriormente ocorre período latente de poucos dias. A evolução dos
sintomas depende da dose de radiação e suas manifestações são mais precoces quanto
maior a dose de radiação. (Tabela 1)
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A síndrome hemocitopoética caracteriza-se por leucopenia, plaquetopenia e


anemia, devido a lesão das células precursoras da medula óssea. O indivíduo fica
sujeito à hemorragia e infecção. A gastrointestinal manifesta-se com náusea, vômito,
cólica, diarréia aquosa e sangüinolenta, desequilíbrio hidroeletrolítico, infecção,
falência circulatória, coma e morte. A síndrome do sistema nervoso central ocorre
rapidamente após doses consideráveis de radiação. A lesão radioinduzida manifesta-se
com vasculite e encefalite. O indivíduo apresenta apatia, prostração, convulsão, coma
e morte.
As síndromes gastrointestinal e do sistema nervoso central uma vez
estabelecidas levarão o indivíduo à morte. A hemocitopoética pode ser tratada com
reposição de sangue e derivados, correção do desequilíbrio eletrolítico, antibióticos de
amplo espectro, fatores de crescimento de células da medula óssea, e às vezes o
transplante de medula óssea, permitindo assim a sobrevivência do indivíduo irradiado.
CURVAS DE SOBREVIDA
As curvas de sobrevida descrevem a relação entre dose de radiação e a
proporção de células que sobrevivem. Em radiobiologia, classicamente, a morte
celular é definida como a perda da capacidade reprodutiva, e a sobrevida está
relacionada à capacidade clonogênica. Estes conceitos são importantes
especialmente para a radioterapia. Para erradicar células tumorais é necessário que
as mesmas fiquem incapazes de dividir a fim de que o tumor não cresça. Esta
incapacidade de divisão é considerada importante mecanismo de morte facilmente
estimado em células irradiadas em cultura. Porém não é a única forma de morte
celular. Outro mecanismo é a morte por apoptose. Considerar a morte e sobrevida
faz sentido em radioterapia, uma vez que o sucesso do tratamento inclui a inativação
das células tumorais pela radiação e a sobrevida de número adequado de células
normais para proliferar e repopular o tecido normal.
A primeira curva de sobrevida foi construída por Puck e Marcus em 1956 para
cultura de células HeLa irradiadas. As curvas são obtidas colocando-se em papel
semilog, a dose de radiação em escala linear (abcissa, eixo x) e a fração de sobrevida
em escala logarítmica (ordenada, eixo y). São dois os modelos mais utilizados para
16

caracterizar as curvas de sobrevida, o modelo dos impactos únicos e múltiplos e o


modelo linear quadrático.
MODELO DOS IMPACTOS ÚNICOS E MÚLTIPLOS
É o mais antigo e usado durante vários anos. De acordo com este modelo, as
células eucarióticas têm um ou mais alvos que devem ser lesados ou inativados pela
radiação. Acredita-se que o DNA é o alvo primário. Para as radiações de baixo LET, a
curva de sobrevida apresenta um “ombro” na região de baixas doses e depois torna-
se exponencial. A curva é descrita por um declínio inicial 1Do, e representa os eventos
que ocorrem exclusivamente por impactos únicos na região do ombro da curva;
declínio final D0, que representa os eventos que ocorrem principalmente por
múltiplos impactos, na região exponencial da curva; número de extrapolação n, que
representa o número de alvos que devem ser inativados e pela dose “quase limite”
Dq. A dose limite seria aquela abaixo da qual a radiação não teria efeito. Porém,
como esta não existe, a dose “quase limite” é a que mais se aproxima.
As quantidades 1Do, e Do, são as recíprocas do declínio inicial e final. Em cada
caso representam a dose necessária para diminuir a fração de sobrevida para 37% do
valor prévio. O declínio inicial 1Do é a dose que reduz a fração de sobrevida para 0,37
na porção inicial da curva. O declínio final Do é a dose necessária para reduzir a
fração de sobrevida de 0,1 para 0,037 ou de 0,01 para 0,0037. Como a fração de
sobrevida está em escala logarítmica e a curva fica uma reta em doses maiores, a
dose necessária para reduzir a população celular por um dado fator, no caso 0,37, é a
mesma para todos os níveis de sobrevida. A dose Do significa, em média, a dose
necessária para haver uma inativação por célula, porém, considerando a natureza
probabilística das radiações, esta dose inativa 67% das células e 37% sobrevivem. O
valor de Do varia entre 0,75 a 2Gy.
O n e a Dq representam o tamanho ou o comprimento do ombro. Se o n é
grande (10-12) o ombro é largo e se o n é pequeno (1,5-2) o ombro é estreito. O n
varia entre 1 a 20 e a Dq é calculada pela fórmula Dq= ln n x Do. O ombro da curva
de sobrevida representa o reparo das lesões subletais. Considera-se que nesta região,
17

a morte ocorra por impacto único num alvo importante, por exemplo o DNA. As
demais lesões seriam reparadas. Portanto, a situação seria de “tudo ou nada”, isto é,
um impacto (lesão irreparável) num alvo vital e a célula morre. Caso contrário, a
célula sobrevive porque os impactos em alvos menos importantes são reparados
completamente. Na região exponencial da curva, considera-se que a morte é devido
principalmente a múltiplos impactos que interagem (Fig. 1).
Para as radiações de alto LET (partículas α, nêutrons), a curva de sobrevida é
uma linha reta desde sua origem. A curva aproxima-se de uma exponencial em
função da dose (Fig. 1).
MODELO LINEAR QUADRÁTICO
É atualmente o escolhido para descrever as curvas de sobrevida. Este modelo
propõe que os eventos letais induzidos pela radiação são conseqüentes a dois
componentes: linear(α) e quadrático(β). O componente linear (α) assume que o
número de eventos letais é proporcional à dose de radiação e deve-se à uma
passagem (“track”) do elétron (αD). O componente quadrático (β) propõe que o
número de eventos letais é proporcional ao quadrado da dose, onde dois eventos
subletais interagem para produzir um evento letal, e é conseqüente à duas passagens
(“track”) do elétron (βD2) (Fig. 2).
A forma da curva dose/resposta para morte celular e carcinogênese depende
do rearranjo entre os cromossomos. Se as quebras em dois cromossomos forem
resultantes de um único elétron, a probabilidade de interação entre as duas quebras
é proporcional à dose e isto resulta em relação linear (α) entre dose e efeito. Este
processo é predominante nas doses baixas. Nas doses altas, as quebras entre dois
cromossomos resultam de passagens separadas de elétrons. Neste caso, a
probabilidade de interação entre as duas quebras para formar uma lesão letal, como
o dicêntrico por exemplo, é proporcional ao quadrado da dose (β).
O componente α aproxima-se da lesão por impacto único e o β aproxima-se
da lesão por múltiplos impactos.
18

A curva de sobrevida resultante da fórmula linear quadrática curva


continuamente, isto é, não há uma porção reta final. Na verdade, em doses muito
altas esta curva de sobrevida tende a ficar uma reta (exponencial), porém isto não
ocorre para as doses habitualmente usadas em radioterapia.
Segundo este modelo, a expressão da curva de sobrevida é S = e-αD+βD2, onde S é
a fração de células que sobrevivem à dose D, α e β são constantes. Os componentes
de morte celular proporcionais à dose (α) e ao quadrado da dose (β) são iguais,
quando αD=βD2 ou D=α/β. Este é um ponto importante, pois as contribuições de
ambos os componentes para a morte celular são iguais quando a dose é igual à razão
α/β (Fig. 3).
A razão α(Gy-1) / β(Gy-2) dá um número que caracteriza razoavelmente a curva
de sobrevida. Quanto maior o componente α, mais linear será a resposta (a curva)
nas doses menores. Se o coeficiente α for baixo em relação ao β, a curva será mais
curva, isto é, inclina rapidamente após pequena região linear inicial. Os tecidos de
resposta rápida a radiação, como pele, mucosas, tecido hemocitopoético e vários
tumores, têm alto componente α e consequentemente alto valor da razão α/β. Isto
significa que a curva tem longo declínio linear inicial (predomínio de lesão α,
irreparável) e o fracionamento da dose de radiação tem pequena influência nestes
tecidos. Em geral atribui-se aos tecidos de resposta rápida o valor para a razão α/β da
ordem de 10 Gy. Os tecidos de resposta lenta à radiação tipo tecido nervoso,
pulmões, têm alto componente β e consequentemente baixo valor da razão α/β.
Neste caso, a curva de sobrevida fica rapidamente mais curva em doses baixas,
(predomínio de lesão β e possível de reparar) e o fracionamento da dose de radiação
beneficia, isto é, poupa estes tecidos da lesão radioinduzida. Atribui-se aos tecidos de
resposta lenta o valor para a razão α/β da ordem de 2 Gy.
A dose flexura (Df) na curva de sobrevida, é a região onde o desvio da região
linear (exponencial) inicial é difícil de ser detectado. Seria a região onde a curva
começa a inclinar, e o valor da Df é cerca de 1/10 da razão α/β. A importância disto é
que quando a dose, nos esquemas de multifracionamento, for menor que a Df, não
19

há vantagem em diminuí-la mais pois não se diminui o efeito (lesão) no tecido


normal, uma vez que a morte celular nesta região resulta exclusivamente do
componente α (irreparável).
Os dados experimentais de sobrevida se adaptam a vários modelos e teorias e
é extremamente difícil demonstrar estatisticamente que um modelo é superior ao
outro. Porém, para as doses de radiação usadas na clínica, os dados da fração de
sobrevida são adequadamente representados pelo modelo linear quadrático.
CURVA DE SOBREVIDA EM ESQUEMAS DE MULTIFRACIONAMENTO
Nas doses e fracionamentos habitualmente usados na radioterapia, isto é,
quando há entre as frações tempo suficiente para o reparo das lesões radioinduzidas,
não ocorre interação das mesmas entre duas doses sucessivas. Nesta situação, há
diminuição proporcional da sobrevida cada vez que doses iguais são repetidas, mesmo
que certa proporção de morte resulte do componente β. Neste caso, a relação
dose/sobrevida para uma série de frações de doses iguais (por exemplo 2 Gy), será
logarítmica, isto é, a curva de sobrevida será uma reta quando colocada em papel
semilog.
Estas curvas extrapolam para 1 em qualquer dose, o que difere da curva de
sobrevida para dose única. O declínio das mesmas é menor do que aquele para dose
única quando são usadas doses totais equivalentes, e torna-se cada vez mais raso
quanto menor a dose por fração. Este declínio é descrito pelo Do efetivo (eff Do). Seu
valor é maior que o Do para dose única, que significa declínio mais raso. Para frações
de 2 Gy, o valor de eff Do varia entre 2,5 a 5 Gy.
Nestas curvas de multifracionamento usa-se o conceito da D10, que é a dose
necessária para causar o decréscimo da sobrevida de uma década, por exemplo, de
10-2 para 10-3 (eff D10). É a dose que mata 90% da população celular e relaciona-se com
Do pela expressão D10 = 2,3. Do, onde 2,3 é o logarítmo natural de 10 (Fig. 4).
IMPORTÂNCIA DAS CURVAS DE SOBREVIDA
Estas curvas são úteis para elucidar a relação entre dose e perda da
capacidade reprodutiva. Elas permitiram demonstrar que a morte celular induzida
pela radiação é aproximadamente exponencial. Evidenciaram também que muitas
20

células irradiadas apresentam uma região de “ombro”, ou seja, reparam a lesão


radioinduzida.
As curvas de sobrevida podem ser usadas para: avaliar a eficácia radiobiológica
de determinados tipos de radiação; o efeito de certas condições ambientais como o
oxigênio, radiossensibilizadores e protetores; o papel dos genes na sobrevida e
reparo, entre outras. Ainda, uma vez que a radiossensibilidade varia entre os
diferentes tecidos, há interesse em se determinar a radiocurabilidade, quando são
usados diferentes protocolos.
REPARO DA LESÃO SUBLETAL (RLSL)
Na essência, significa o retorno aos níveis iniciais de sensibilidade nas células
que sobrevivem à radiação. É um termo que descreve o aumento na sobrevida
quando uma dose de radiação é dividida em duas, separadas por um período de
tempo.
O RLSL foi demonstrado por Elkind e Sutton em 1959. Estes autores
verificaram que quando metade de uma dose alta é administrada e espera-se um
tempo antes da segunda metade da dose, o ombro da curva de sobrevida se repete.
O tempo médio de reparo nas células de mamíferos é cerca de uma hora, mas
pode ser maior para o tecido normal de resposta lenta “in vivo”. Ocorre em tumores
e tecidos normais “in vivo” e em cultura.
O RLSL no modelo de impactos únicos e múltiplos relaciona-se com o reparo
dos alvos lesados entre as doses de radiação. No modelo linear quadrático o reparo
está relacionado com a função quadrática (βD2). Em ambas situações, reflete o reparo
das quebras do DNA antes que sofram interação para formar aberração
cromossômica letal. É significante para os raios X e praticamente não existe para
nêutrons.
Até o momento, apenas um gene envolvido no reparo das lesões
radioinduzidas foi identificado no cromossomo 19 e sequenciado. Porém não é um
exemplo típico porque o mutante radiosensível que ele corrige é apenas levemente
radiosensível.
21

O RLSL é importante nos esquemas de fracionamento rotineiramente


utilizados em radioterapia, e especialmente nos protocolos de hiperfracionamento,
quando se realiza mais de uma fração de dose por dia. Nestes casos deve-se deixar
entre as frações um período de tempo suficiente para permitir o reparo. (tecido
normal)
REPARO DA LESÃO POTENCIALMENTE LETAL (RLPL)
Enquanto que para se demonstrar a lesão subletal e seu reparo é necessário
dividir a dose de radiação, a lesão potencialmente letal e seu reparo manifestam-se
também após doses únicas de radiação. É um componente da lesão radioinduzida
que pode ser modificado pela manipulação das condições após irradiação. Ocorre em
cultura, quando as células irradiadas são deixadas em salina por exemplo, por
determinado tempo, situação esta que impede a divisão. Foi também observado “in
vivo”, quando irradia-se determinado tumor em animal e demora-se um tempo para
removê-lo e colocá-lo em cultura. O RLPL foi demonstrado para RX e praticamente
não acontece para nêutrons.
Sugere-se que a resistência à radiação de certos tumores como o melanoma
por exemplo, deve-se à habilidade de reparo da lesão potencialmente letal, porém,
tal fato não foi comprovado e a sua importância na radioterapia é ainda discutível.
4Rs
Os chamados 4Rs da Radiobiologia tentam explicar porque o fracionamento
funciona, e são: reparo da lesão subletal (RLSL), redistribuição, repopulação e
reoxigenação. O fracionamento da dose na radioterapia está embasado no fato de
que dividindo-se a dose de radiação, poupa-se os tecidos normais devido ao RLSL
entre as frações, e também devido a repopulação das células. Ao mesmo tempo,
dividindo-se a dose em frações, aumenta-se a lesão nas células tumorais em
conseqüência da reoxigenação e redistribuição das células nas fases sensíveis do ciclo
celular.
22

RLSL
Já discutido anteriormente e parece ocorrer mais nos tecidos normais e menos
nos tumores. Portanto, o fracionamento propicia otimização do tratamento, quanto a
poupar o tecido normal em relação ao tumor.

Redistribuição
A sensibilidade das células varia dependendo da fase do ciclo celular. Após
irradiação com a dose de 2Gy as células que estão nas fases mais sensíveis (G2 e
mitose) morrem e aquelas da fase mais resistente sobrevivem (síntese tardia S).
Posteriormente, as células sobreviventes a esta dose progridem no ciclo celular e vão
para as fases mais sensíveis. As células com grande capacidade proliferativa, por
exemplo os tumores, têm ampla taxa de distribuição quando se movem de uma
mitose para outra. Este fato assegura redistribuição precoce das células parcialmente
sincronizadas (que estavam nas fases mais resistentes). Como resultado, com o
tempo, maior proporção de células sobreviventes estará nas fases mais sensíveis do
ciclo celular do que imediatamente após irradiação. Tal redistribuição produz “auto
sensibilização” da população como um todo e não ocorre em células não
proliferativas. Portanto, com o fracionamento da dose, espera-se um “lucro”
terapêutico, permitindo redistribuição no ciclo celular das células tumorais
sobreviventes e não daquelas do tecido normal de resposta lenta. Dessa forma, a
resposta diferencial ao fracionamento entre o tecido não proliferativo de resposta
lenta e o de resposta aguda, pode ser em parte devido à diferente redistribuição no
ciclo celular entre as doses de radiação.
Repopulação
A divisão e a volta ao crescimento das células após tratamento, ocorre devido
ao recrutamento das células quiescentes para a proliferação. Os tecidos de resposta
rápida mostram esta capacidade proliferativa mais precoce do que os de resposta
lenta. Dessa forma, prolongando o tempo de tratamento na radioterapia, poupa-se
pouco o tecido de resposta lenta mas o tecido de resposta rápida é poupado e a
23

reação aguda é menor, devido à proliferação precoce destes tecidos. No entanto,


esta divisão mais rápida também ocorre nas células tumorais após irradiação. Dessa
forma, é importante que a radioterapia se complete o mais rápido possível após seu
início, antes da proliferação acelerada do tumor ocorrer. Em tumores de cabeça e
pescoço demonstrou-se que as células tumorais aceleram o crescimento em 28 dias
após início da radioterapia. Este fato é consistente com taxa de dobra de 4 dias para
as células clonogênicas tumorais, em comparação com os 60 dias, quando tais células
não têm o crescimento perturbado.

Reoxigenação
É o processo pelo qual as células que são hipóxicas antes da irradiação se
tornam oxigenadas depois. Foi demonstrada experimentalmente pela observação de
que a proporção de células hipóxicas num tumor, é a mesma antes e depois da
irradiação. Se a reoxigenação não ocorresse, a proporção de células hipóxicas deveria
aumentar na medida em que as células bem oxigenadas mais sensíveis morrem após
irradiação. A rapidez com que a reoxigenação ocorre não é conhecida para tumores
humanos. Em animais varia, mas em geral ocorre rapidamente, entre 6 a 24 horas.
Existem dois tipos de hipóxia, a aguda e a crônica. A crônica resulta da difusão
limitada do oxigênio para o tecido. A aguda deve-se ao fechamento temporário dos
vasos sangüíneos e é transitória. Se a reoxigenação for rápida e completa, as células
hipóxicas terão pequena influência no resultado do fracionamento. O componente de
reoxigenação rápida deve-se a reoxigenação das células agudamente hipóxicas na
medida em que os vasos sangüíneos abrem e fecham. O componente lento é devido
à reoxigenação das células cronicamente hipóxicas, na medida em que o tumor
“encolhe”.
A reoxigenação pode ocorrer devido a redução na população de células
tumorais, sem perda dos vasos sangüíneos, resultando em maior densidade de vasos.
Ocorre também pela perda seletiva das células melhor oxigenadas, reduzindo a
distância que o oxigênio deve se difundir para as células hipóxicas.
24

O resultado da reoxigenação durante o fracionamento é a sensibilização do


tumor.
TAXA DE DOSE
É a taxa na qual a radiação é liberada (Gy/min). Para os raios X e γ a taxa de
dose é um dos principais fatores que determinam efeito biológico de certa dose
absorvida. Com a diminuição da taxa de dose e aumento do tempo de exposição, o
efeito biológico de determinada dose diminui. O efeito da taxa de dose, importante
para a radioterapia resulta do reparo da lesão subletal que ocorre durante exposição
prolongada. A irradiação contínua administrada em baixa taxa de dose, pode ser
considerada como um número infinito de inúmeras pequenas frações. Neste caso, a
curva de sobrevida não apresenta o ombro e é mais rasa do que para exposições únicas
e agudas. O efeito da taxa de dose devido ao RLSL é mais pronunciado entre 1 e 100
cGy/min. Se a taxa de dose diminui de 100 cGy/min para 30cGy/h por exemplo, há
redução da morte celular devido ao RLSL. Acima e abaixo deste intervalo de taxa de
dose, a curva de sobrevida muda pouco. O efeito da taxa de dose varia entre as
diferentes células. As células das criptas jejunais apresentam grande efeito da taxa de
dose devido ao RLSL, quando a exposição aguda muda de 274cGy/min para exposição
protraída de 0,92 cGy/min. Com maior diminuição da taxa de dose, a divisão celular
começa ocorrer, porque o tempo de exposição é maior do que o tempo do ciclo celular.
Na taxa de 0,54cGy/min, há pequena redução no número das criptas sobreviventes
mesmo com doses altas, devido à proliferação celular durante o longo tempo de
exposição, que contrabalança a morte celular radioinduzida.

EFEITO INVERSO DA TAXA DE DOSE


Em células HeLa, quando há acentuada diminuição da taxa de dose (154cGy/h
para 37cGy/h), ocorre aumento da morte celular e a curva de sobrevida apresenta
declínio mais pronunciado. Conforme já discutido, com a diminuição da taxa de dose
aumenta a chance do RLSL pois as células ficam “congeladas” em suas posições no
ciclo celular. Se a taxa de dose diminuir mais, neste caso ao redor de 30cGy/h, as
25

células progridem no ciclo celular e retardam em G2, que é fase bastante


radiosensível, não se dividem e são levadas à morte.

EFEITO DA TAXA DE DOSE, EM RESUMO


A curva de dose resposta para exposição aguda se caracteriza por possuir um
ombro. Com a diminuição da taxa de dose a curva torna-se mais rasa
progressivamente, quanto mais RLSL houver, e as células ficam “congeladas” nas suas
posições no ciclo celular. Se a taxa de dose diminuir ainda mais, dentro de um
intervalo limitado, a curva de sobrevida apresenta declínio novamente, porque as
células progridem no ciclo celular e retardam em G2, que é uma das fases mais
sensíveis, porém não se dividem. Nova redução na taxa de dose, as células escapam
do bloqueio em G2 e dividem. A proliferação celular pode então ocorrer durante a
irradiação, e a curva de sobrevida fica plana novamente, pois as células que nascem
compensam aquelas que morrem.

TAXAS DE DOSE MUITO BAIXAS (EXPOSIÇÃO CONTÍNUA)


Três fatores determinam a resposta à irradiação contínua dos tecidos que se
renovam:
1. Sensibilidade das “stem cells” do referido tecido – as células que apresentam
“ombro” largo na curva de sobrevida são menos suscetíveis à irradiação com
baixa taxa de dose, pois o ombro será continuamente reconstruído durante
exposição protraída.
2. Duração do ciclo celular – a dose acumulada durante todo ciclo celular é melhor
indicador da letalidade do que a taxa de dose. Dessa forma, determinada taxa de
dose em irradiação contínua, será mais lesiva às células com ciclo celular longo do
que para aquelas de ciclo celular curto, pois maior dose será absorvida durante o
ciclo.
3. Habilidade dos tecidos adaptarem-se ao trauma da irradiação contínua – numa
taxa de dose de 45cGy/d, as células vermelhas mantêm níveis de produção
26

normal, após período de adaptação inicial. As células sangüíneas compensam,


aumentando o tempo de trânsito das células precursoras e encurtando o tempo
do ciclo celular, de modo que mais divisões são inseridas. As células do intestino
delgado de ratos adaptam-se rapidamente à exposição contínua de 350cGy/d. O
tempo do ciclo celular é aumentada dentro de 6h do início da irradiação,
revertendo porém em 24h, e rapidamente se torna mais curto do que o normal.
EFEITO DO OXIGÊNIO (OER)
A presença e a ausência do oxigênio molecular influencia a resposta biológica
aos raios X. O OER é a razão entre doses de radiação na ausência e na presença de
oxigênio, para produzir determinado efeito biológico. É 3 para raios X em doses altas
e provavelmente menor, cerca de 2, para doses abaixo de 200cGy. O OER diminui
com o aumento do LET, sendo que para nêutrons é aproximadamente 1,6.
Para produzir efeito, o oxigênio (0 2) deve estar presente no momento da
irradiação. O mecanismo de ação é por promover “fixação” da lesão induzida pelos
radicais livres. Na ausência do oxigênio, a lesão produzida pelo mecanismo indireto
pode ser reparada. Dessa forma, o efeito indireto é modificado e o direto não. Este
efeito é detectado em situação de hipóxia considerável, onde os níveis de oxigênio
são menores que 30mmHg. Neste caso, pequena quantidade de oxigênio é necessária
para a radiosensibilização e 0,5% de O2 resulta em razoável aumento da sensibilidade.
A maioria dos tumores animais contêm células hipóxicas (cerca de 10 a 15%),
que limitam a curabilidade. Alguns dados como, aspecto histológico dos tumores que
sugerem regiões de hipóxia, medidas dos níveis de O 2 com “probe” que indicam
regiões de hipóxia em alguns tumores, e a importância dos níveis de hemoglobina
como fator prognóstico para várias neoplasias, apontam para a existência de células
hipóxicas em tumores humanos.

OXIGÊNIO HIPERBÁRICO
Logo após a identificação da hipóxia como potente causa de resistência do
tumor, protocolos clínicos com oxigênio hiperbárico foram iniciados. No entanto, na
maioria dos protocolos o número de pacientes foi pequeno e foram usados
27

fracionamentos não convencionais. Em vários destes protocolos pareceu vantajoso o


uso de oxigênio hiperbárico. Porém, os problemas deste tipo de tratamento incluem:
questões se realmente os níveis de O 2 nas células hipóxicas são aumentados com o
aumento do O2 dissolvido no plasma, algumas células normais podem ter baixos
níveis de O2 e serem sensibilizadas, problemas práticos como convulsão dos pacientes
devido ao O2, complicações pulmonares, claustrofobia.
O uso de carbogênio (95% de O2 + 5% de CO2 em 1 atm) com ou sem
perfluoroquímicos fornecem resultados tão bons quanto o oxigênio hiperbárico.

TRANSFERÊNCIA LINEAR DE ENERGIA (LET)


É a taxa de energia liberada por unidade de trajeto percorrido pela radiação.
Os raios X e γ são esparsamente ionizantes porque no percurso dos elétrons que
colocam em movimento, as ionizações ocorrem distantes umas das outras. Os
nêutrons e partículas α são densamente ionizantes porque produzem ionizações
próximas e o percurso das mesmas é constituído por densas colunas de ionização.
Valores típicos do LET são: 0,3Kev/μm para os raios γ do cobalto 60 ( 60Co), 2Kev/μm
para os raios X de 250Kv, e 100 a 200 Kev/μm para partículas pesadas.
É importante mencionar o conceito de eficácia biológica relativa (RBE), que é a
razão Dx/Dr, onde Dx é a dose de raio X de 250 Kv e Dr é a dose de radiação em teste,
necessárias para produzir o mesmo efeito radiobiológico. A RBE aumenta com o LET
até um máximo de cerca de 100Kev/μm, porém, com maior aumento do LET ocorre
diminuição na RBE. Isto acontece porque para as radiações que apresentem LET
“ótimo” de 100Kev/μm, a separação média entre dois eventos ionizantes é
semelhante ao diâmetro da dupla hélice do DNA (2nm). Dessa forma, a quebra dupla
produzida por uma só passagem (“track”) do elétron ocorre com maior eficácia. Com
LET da ordem de 200Kev/μm por exemplo, a quebra dupla é produzida, porém certa
quantidade de energia é “desperdiçada”, pois muitas células recebem mais eventos
ionizantes do que aqueles necessários para matá-las.
28

Para as radiações de alto LET, quando comparadas com as de baixo LET, o RBE
aumenta para as doses baixas e também para doses menores por fração. Isto deve-se
ao fato da curva de dose/resposta para as radiações de baixo LET, apresentar um
“ombro” (possibilidade de reparo) e as de baixo LET praticamente não apresentarem
(ausência de reparo). Portanto, nestas situações o RBE aumenta, indicando a maior
eficácia das radiações de alto LET em induzir a morte celular. O
efeito do oxigênio (OER) é cerca de 3 para radiações de baixo LET, diminui para LET
da ordem de 30Kev/μm, e é 1 para LET de cerca de 160Kev/μm.
Em resumo, as radiações de alto LET têm maior eficácia de morte celular e
efeito de oxigênio menor.
Os prótons são interessantes para a radioterapia devido à distribuição física da
dose e também por apresentarem propriedades biológicas semelhantes aos raios X,
(RBE semelhante ao do RX de 250 kV e OER de 2,5 a 3). O LET de entrada é cerca de
0,5keV/μm, aumentando para um valor teórico máximo de 100 keV/μm num curto
trajeto quando a partícula é freada.

CONCEITO DE TOLERÂNCIA
A importância em se preservar o tecido normal foi logo reconhecida na
radioterapia e diferentes esquemas de fracionamento, protração e de dose total,
geralmente referidos como relação tempo/dose, foram desenvolvidos. Com intenção
de correlacionar vários esquemas de tempo/dose com resultados clínicos, Strandqvist
realizou revisão de 280 casos de carcinoma de pele e lábio acompanhados por 5
anos. Colocou num gráfico duplo log a dose total e o tempo de tratamento e
desenvolveu uma série de linhas chamadas curvas do isoefeito. Estas linhas
relacionavam o esquema do tratamento com resultados clínicos incluindo a cura da
doença, ocorrência de complicações severas (necrose de pele), eritema e
descamação de pele. O autor observou que algumas relações de tempo/dose, apesar
de curar a doença, também produziram severas complicações tardias e outras não
resultaram em complicações tardias severas mas houve recorrência ou resistência do
29

tumor. O resultado desta e de outras curvas do isoefeito foi o estabelecimento de


esquemas de tratamento que não excedam a tolerância dos diversos tecidos normais
mas permitam alta probabilidade de cura dos tumores.
A tolerância pode ser definida como a dose total na qual a irradiação adicional
irá aumentar de modo significante a probabilidade de ocorrência de reação severa no
tecido normal, isto é, define quais órgãos irão tolerar determinada dose. É um
conceito clínico que considera a radiosensibilidade das células do parênquima e do
estroma dos órgãos, a capacidade de reparo de ambos, a preservação da integridade
funcional e a importância do órgão para a vida. A tolerância indica a variação de
resposta nos diferentes órgãos para o mesmo intervalo de dose. Quando é excedida,
o paciente apresenta sinais e sintomas de lesão em determinado órgão. Como a
tolerância deve ser definida em termos de tempo e a sobrevida do câncer geralmente
é baseada em 5 anos, a dose de tolerância (DT) é definida como a dose total
administrada por esquema de fracionamento convencional que causa o mínimo (5%)
ou o máximo (50%) de complicações em 5 anos.
Dessa forma, a DT5/5 é a dose que administrada a uma população de pacientes,
resulta num mínimo de 5% de complicações severas em 5 anos após o tratamento. A
DT50/5 é a dose que quando administrada a uma população de pacientes resulta em no
máximo 50% de complicações severas em 5 anos.
Alguns fatores afetam a tolerância, como o volume irradiado e a dose por
fração. A resposta que depende do volume relaciona-se ao conceito de dose integral.
A dose integral incorpora no volume em gramas, de tecido irradiado. Para
determinada dose de radiação, maiores volumes incluem maior quantidade em
gramas de tecido, que terão maior dose integral do que pequenos volumes. Por este
motivo, grandes volumes toleram menos radiação do que pequenos volumes. Assim,
doses menores devem ser administradas para não exceder os níveis os níveis de
complicação aceitáveis. Quanto à dose por fração, grandes doses resultam em maior
quantidade de lesão no tecido normal pois, acarretam menor reparo entre as frações.
30

Dessa forma, a dose de tolerância para o tecido normal diminui quando os esquemas
de tratamento usam doses maiores por fração.

NSD (“NOMINAL STANDARD DOSE”)


Como os esquemas de tratamento para a mesma doença variam entre os
diferentes serviços, desejou-se ter uma “fórmula” incorporando vários fatores que
permitissem comparações entre os vários protocolos e seus efeitos no tumor e no
tecido normal. A NSD foi proposta por Ellis em 1969 e representa a dose que
administrada em fração única leva o tecido conjuntivo ao seu nível de tolerância. Para
fins práticos considera-se a NSD como um número que descreve um curso completo
de radioterapia fracionada e que resulta na tolerância do tecido conjuntivo. A NSD é
expressa em ret (“rad equivalent therapy”). Porém, ocorreram duas falhas
importantes na fórmula as NSD. Não foram incluídos o volume e a dose por fração.
Atualmente, com relação à NSD, existe apenas o interesse histórico, uma vez
que esta proposta estimulou outros autores a pensarem no assunto.

TDF (TEMPO, DOSE, FRACIONAMENTO)


Orton e Ellis em 1973 simplificaram a aplicação do conceito da NSD em
radioterapia. Foram propostas tabelas dos fatores TDF, que permitem comparações e
modificações de esquemas de radioterapia, com mínimo de matemática, réguas e
tabelas logarítmicas. As tabelas podem ser aplicadas universalmente e não
dependem do valor específico NSD.

LQ (FÓRMULA LINEAR QUADRÁTICA)


Nenhuma curva do isoefeito pode descrever a resposta ao fracionamento para
todos os tecidos. Processos como RLSL (reparo da lesão subletal), regeneração das
células sobreviventes inclusive o recrutamento para o ciclo celular das células que
estão fora do mesmo (“em repouso”), redistribuição no ciclo celular e reoxigenação,
influenciam a resposta das células ao multifracionamento. Estes fatores variam entre
31

os diferentes tecidos normais e tumores, e com o tempo, dentro de um mesmo


tecido normal ou tumor. Portanto, não seria razoável descrever a resposta ao
fracionamento com parâmetros universais e constantes. Recentemente, a fórmula do
isoefeito é proposta com parâmetros da curva de sobrevida (LQ), levando em conta a
capacidade do reparo, quando se deseja mudar a dose por fração (por exemplo, do
fracionamento clássico para doses maiores por fração e menor número de frações),
sem alterar de modo significante a duração do tratamento. Existem dúvidas porém
quanto ao uso desta fórmula para o hiperfracionamento.
FRACIONAMENTO CONVENCIONAL
Consiste em administrar 1,8 a 2Gy por fração, diariamente, de segunda a
sexta-feira. A dose total é determinada pelo tumor em tratamento e pela tolerância
do tecido normal adjacente (geralmente varia entre 60 a 70Gy).

ALTERAÇÕES DO FRACIONAMENTO – ASPECTOS RADIOBIOLÓGICOS

HIPERFRACIONAMENTO
Consiste em administrar doses menores por fração do que no fracionamento
convencional e maior número de frações, sem alterar o tempo de duração do
tratamento. O objetivo é aumentar o ganho terapêutico entre o tumor e o tecido normal
de resposta lenta. A dose por fração geralmente varia entre 1,15 à 1,25Gy e o intervalo
entre as frações não deve ser menor do que 4h, para dar tempo de ocorrer o RLSL
(reparo da lesão subletal). Este esquema permite aumentar a dose final em 15 a 20%
sem elevar a quantidade de lesão no tecido normal de resposta lenta. É indicado onde o
tratamento convencional está limitado pela tolerância do tecido normal de resposta
lenta.

FRACIONAMENTO ACELERADO
Consiste em diminuir a duração do tempo total de tratamento usando a
mesma dose por fração do fracionamento convencional. O objetivo é minimizar o
crescimento do tumor durante o tratamento. Em alguns tumores, as células
32

clonogênicas dobram o número rapidamente, e boa parte dos tumores tem potencial
para acelerar a taxa de crescimento após insulto terapêutico. Seria indicado para
tumores de crescimento rápido como linfoma de Burkitt e carcinoma inflamatório de
mama, por exemplo. Atualmente, alguns Serviços de Radioterapia têm usado o
conceito e a fórmula do tempo potencial de dobra do tumor (Tpot), como ensaio
preditivo, particularmente para selecionar pacientes com tumores de crescimento
rápido e que poderiam se beneficiar de esquemas de fracionamento acelerado.
Brevemente, o Tpot é o tempo de dobra de uma população celular com fração de
crescimento (“growth fraction” – GF) menor que 1 (GF < 1) e sem perda de células.
Em outras palavras, é a taxa de aumento de células numa população capaz de
proliferar continuamente. O Tpot pode ser estimado em tumores usando-se
citometria de fluxo. Tumores com Tpot curto (menor que 4 dias) podem repopular se
o fracionamento se extender.
O tratamento pode ser realizado 6 dias por semana ou 7 vezes em 5 dias, por
exemplo. O mais comum é fazer o tratamento convencional mais “boost”. Se o
tratamento for realizado em duas vezes por dia, o intervalo mínimo de 4h deve ser
respeitado. Uma estratégia consiste em fazer o “boost” próximo ao final do
tratamento. É que o tecido normal de resposta aguda regenera melhor próximo ao
final do tratamento e pode tolerar melhor a radiação do que no início do mesmo,
quando as células estão saindo do estado de homeostase.

HIPERFRACIONAMENTO ACELERADO
Consiste também em diminuir o tempo de duração do tratamento. O tecido
normal de resposta aguda apresenta maior toxicidade limitando assim o tratamento.
O efeito tardio é praticamente o mesmo que para o tratamento convencional. Um
exemplo de hiperfracionamento acelerado é administrar duas vezes por dia uma dose
por fração que esteja entre o limite superior do hiperfracionamento (1,25Gy) e o
limite inferior do fracionamento convencional, ou seja, menor que 1,8Gy. Portanto,
1,6Gy duas vezes por dia representa um esquema de hiperfracionamento acelerado.
33

Devido à reação no tecido de resposta aguda, é necessário fazer um intervalo no


tratamento. Como a regeneração do tumor também pode ocorrer, este intervalo
deve ser o menor possível.

BRAQUITERAPIA – ASPECTOS RADIOBIOLÓGICOS


Consiste no implante de fontes radioativas diretamente no tumor. Há duas
formas para isto: irradiação intracavitária usando fontes radioativas que são
colocadas na cavidade próximas ao tumor, e a intersticial, com sementes implantadas
diretamente no volume do tumor.
A braquiterapia intracavitária com baixa taxa de dose é geralmente temporária
e demora de um a quatro dias (taxa de dose de cerca de 50cGy/h). Pode ser usada em
vários locais, porém o mais comum é no colo do útero. Atualmente, a maioria dos
centros usa como fonte o iridium 192 (192Ir). A braquiterapia intracavitária em baixa
taxa de dose tem sido substituída pela alta taxa de dose, dada em 3 a 12 frações. Com
esta substituição abre-se mão da vantagem radiobiológica de poupar o tecido normal
de resposta lenta. Isto é possível porque o tumor de colo de útero é uma situação
especial, onde os tecidos que limitam a dose (bexiga e reto) recebem dose menor do
que a prescrita para o tumor (ou ponto A). O tratamento com alta taxa de dose que
dura poucos minutos, permite o uso de retratores, resultando em doses menores nos
tecidos normais críticos, do que numa inserção que dure 24 horas ou mais. Dessa
forma, as vantagens físicas sobrepõe-se sobre as desvantagens radiobiológicas.
A Braquiterapia intersticial pode ser temporária ou permanente e o material
192
utilizado é o Ir. Os implantes com baixa taxa de dose são considerados por muitos
radioterapêutas o tratamento de escolha para cerca de 5% dos tumores humanos
acessíveis à estas técnicas. A dose máxima que pode ser administrada sem produzir
lesão inaceitável no tecido normal, depende do volume a ser irradiado e da taxa de
dose, que é função do número de fontes usadas e sua distribuição geométrica. Para
haver resposta biológica consistente, a dose total deve variar dependendo da taxa de
dose.
34

Para a braquiterapia intersticial permanente são usadas fontes seladas com


meia vida curta que podem ser deixadas. É vantajoso para o paciente, pois não é
necessário realizar cirurgia para remoção da fonte e o indivíduo pode ir para casa
com o implante no local. No início a taxa de dose é alta e diminui com a diminuição
da atividade da fonte. O iodo 125 (125I) tem sido amplamente usado. A dose total
prescrita é de 16000cGy na periferia do volume do implante. Destes, 8000cGy são
liberados na primeira meia vida do iodo, de 60 dias. O sucesso do implante em
esterilizar o tumor depende do ciclo celular das células clonogênicas tumorais. Em
tumores de crescimento rápido, a divisão celular compensa a morte induzida durante
a exposição por tempo prolongado. Porém, tumores de crescimento lento como o
125
carcinoma de prostata por exemplo, é uma situação onde o implante com I está
indicado, pois maior quantidade de radiação é absorvida por ciclo celular (ver taxa de
dose).
125
A vantagem do I é a emissão de fótons de baixa energia (cerca de 30Kev).
Isto não faz diferença na distribuição da dose do tumor, mas simplifica o problema da
proteção radiológica. Ainda, a dose decai rapidamente fora do volume tratado e
doses em regiões distantes do implante são bastante reduzidas.

RADIOCIRURGIA – ASPECTOS RADIOBIOLÓGICOS


A radiocirurgia (radioterapia estereotáxica), administrada em dose alta e
única, foi desenvolvida por Leksell para tratamento de lesões não malígnas no
cérebro, particularmente as mal formações artério venosas (MFA). Mais
recentemente, a técnica foi adaptada para o tratamento de tumores malígnos
pequenos e metástases, no cérebro. O uso do fracionamento na radioterapia
estereotáxica é um desenvolvimento recente. Os princípios radiobiológicos que se
aplicam ao tratamento das mal formações artério venosas são diferentes daqueles
para tratamento das neoplasias.
Nas mal formações artério venosas, o objetivo é causar lesão nas células nas
células endoteliais presentes, morte celular, reação inflamatória e fibrose. Esta
35

resposta tardia ocorre em semanas ou meses após o tratamento. A radionecrose


cerebral é um fator limitante para o tratamento. Dessa forma, a dose de radiação
usada é calculada baseada na dose de tolerância do cérebro (a dose única de 15Gy é
baseada na dose de tolerância do cérebro para 60Gy em 30 frações). Neste caso, o
tecido que se deseja destruir (a mal formação) e o tecido normal (cérebro),
respondem de modo semelhante à radiação, ou seja, são ambos de resposta lenta e
apresentam alta quantidade de lesão β, portanto, baixo valor da razão α/β. Assim,
não há vantagem em usar tratamento com doses fracionadas, uma vez que ambos
podem reparar a lesão.
No caso dos tumores cerebrais, o fracionamento aumenta o ganho
terapêutico, pois o tumor representa tecido de resposta rápida (alta quantidade de
lesão irreparável α, alta razão α/β) em relação ao cérebro (alta quantidade de lesão
β, baixa razão α/β, possibilidade de reparo). Portanto, ambos possuem diferentes
razões α/β, sendo que as células cerebrais normais têm chance de reparar as lesões
radioinduzidas. O fracionamento proporciona ainda maior quantidade de lesão nas
células tumorais devido à reoxigenação.
PREVENÇÃO DA REESTENOSE – ASPECTOS RADIOBIOLÓGICOS
Acredita-se que o mecanismo básico de reestenose é devido a proliferação e
migração das células musculares lisas da camada média dos vasos, e falência da
lâmina elástica em aumentar de forma correspondente.
Cerca de 10 a 20% das células musculares lisas começam a proliferar em 24 a
48h após angioplastia. Posteriormente, migram para a camada íntima ao redor do
quarto dia e o espessamento ocorre em cerca de 42 dias. Portanto, há interesse em
usar a irradiação vascular através de fonte radioativa interna para controlar a
reestenose após angioplastia. A técnica consiste em administrar radiação, geralmente
com iridium 192 (192Ir) em alta taxa de dose, e em seguida realizar a angioplastia para
retirada da obstrução.
A dose necessária para provocar definitivamente a morte clonogênica das
células musculares lisas que podem causar a reestenose, é maior do que 20Gy,
36

administrada em menos de uma hora. Porém, as complicações tardias na artéria são


inaceitáveis. No entanto, doses menores retardam a reestenose em um a três anos.
Acredita-se que a dose mínima eficaz para que as células musculares lisas fiquem
com capacidade limitada de divisão é de 15 Gy. Dessa forma, após retirada da
obstrução, e com as células musculares lisas incapazes de dividir, evita-se a
reestenose. Ainda, a fibrose provocada pela radiação nas paredes da ferida , funciona
como barreira para a difusão de mediadores de quimiotaxia e para a proliferação
celular. Também pode funcionar como barreira física para a migração celular.

CONDICIONAMENTO PARA TRANSPLANTE DE MEDULA ÓSSEA (TMO)


– ASPECTOS RADIOBIOLÓGICOS
O objetivo do condicionamento para TMO é criar um espaço na medula óssea
(MO) do paciente para o enxerto se desenvolver, imunossuprimir o receptor e matar
a célula leucêmica residual.
Os fatores que devem ser considerados em relação à radiação são: qualidade
da mesma (energia), dose total, taxa de dose, fracionamento, tempo de tratamento,
inohomogenidade da dose.
Inicialmente, a dose única de 1000 cGy, em baixa taxa de dose (5 cGy/min) foi
usada. Postulou-se que o aumento da dose no TMO reduziria a recaída. Porém, a
dose máxima tolerada estava limitada à toxicidade especialmente no sistema
gastrointestinal pulmões, fígado, rim entre outros. Estudos em camundongos
mostraram que doses maiores poderiam ser melhor toleradas se dadas em frações.
Um estudo realizado pelo grupo do Seattle, pioneiro em TMO, para comparar dois
esquemas de condicionamento (200 cGy/d, 6 frações, dose total de 1200 cGy vs. 225
cGy/d, 7 frações, dose total de 1575 cGy), não evidenciou diferença na sobrevida dos
dois grupos e diminuição significante de recaída nas doses maiores. Porém, o número
de pacientes que morreram de complicações, como doença veno-oclusiva hepática e
pneumonite por citomegalovírus, foi maior para o grupo que recebeu doses maiores.
37

Associaram ainda, a maior morbidade destes pacientes à maior dose administrada


por fração.
Outro fator que influencia na toxicidade do condicionamento é a taxa de dose.
Radiobiologicamente, a dose única administrada em baixa taxa de dose, deve ser em
princípio, equivalente ao esquema de fracionamento, em termos de toxicidade.
Porém, isto requer taxas de dose extremamente baixas, da ordem de 0,8 cGy/min, o
que significa duração da irradiação de 24 horas.
Observou-se que para as células hemocitopoéticas, a variação na taxa de dose
entre 5-200 cGy/min não provoca alteração na Do, nem aumento no ombro da curva
de sobrevida, demonstrando pouca ou nenhuma capacidade de RLSL. Porém, estudos
do estroma medular, mostram o efeito da taxa de dose. Ocorre aumento do ombro e
da Do, com diminuição da taxa de dose, para a maioria das células. Este é um fato
importante, pois significa maior preservação das células do estroma e
consequentemente, melhor suporte para as células transplantadas. Além das células
do estroma medular, a baixa taxa de dose favorece o RLSL (reparo da lesão subletal)
em outros tecidos normais de resposta lenta, como pulmão, fígado e rim.
Atualmente, a maioria dos centros usa a radioterapia fracionada e baixa taxa
de dose para o condicionamento no TMO. Os esquemas variam: 200 cGy/dia (dose
total de 1200 cGy), 200 cGy/2 vezes dia (dose total de 1200 cGy), 120 cGy/3 vezes dia
em 11 frações (dose total 1320 cGy), entre outros. A taxa de dose pode variar entre
2,5 a 20 cGy/min, porém são usadas taxas de 5 a 7 cGy/min predominantemente.
38

MODIFICADORES DA RESPOSTA À RADIAÇÃO


Neste campo estão incluídas as drogas sensibilizadoras e protetoras.
As radiosensibilizadoras são agentes químicos que aumentam o efeito letal da
radiação quando administradas em combinação com a mesma. Muitos compostos
foram descobertos ao longo dos anos, mas praticamente não oferecem muito ganho
terapêutico porque não mostram efeito diferencial entre tumor e tecido normal. As
drogas sensibilizadoras que apresentam aplicação prática na radioterapia, são as
primidinas halogenadas e os sensibilizadores de células hipóxicas.
As propriedades para um radiossensibilizador ideal são: sensibilizar
seletivamente as células hipóxicas, ser quimicamente estável e lentamente
metabolizado, apresentar solubilidade em água e lípides para difundir nas células
hipóxicas, ser eficaz durante todo o ciclo celular bem como para a radioterapia
fracionada.
As primidinas halogenadas sensibilizam as células dependendo da quantidade
incorporada. As células precisam crescer na presença do análogo por vários ciclos e a
sensibilização aumenta dependendo da quantidade incorporada. Neste caso, para
eficácia destas drogas é necessário que as células tumorais apresentem ciclo celular
mais rápido e incorporem mais droga do que o tecido normal adjacente. Entre os
compostos, a iododeoxiuridina é preferida à bromodeoxiuridina, pois apesar de
ambas apresentarem propriedades radiossensibilizadores semelhantes o efeito
fotossensibilizador é menor da primeira. Os gliomas são os tumores onde os estudos
clínicos se aplicam, pois apresentam crescimento rápido e são circundados por tecido
de crescimento lento ou que não crescem.
Os sensibilizadores de células hipóxicas aumentam a radiossensibilidade das
células deficientes em oxigênio molecular e não daquelas bem oxigenadas. Em
situação de hipóxia, o nitrogrupo é reduzido a aminogrupo, e neste processo são
produzidos vários compostos intermediários que contribuem para a citotoxicidade. O
efeito diferencial baseia-se na premissa de que as células hipóxicas ocorrem apenas
nos tumores e não no tecido normal.
39

Conforme já abordado anteriormente, existem dois tipos de hipóxia, a crônica


e a intermitente. Na crônica, considera-se que o vaso permanece aberto e o fluxo
sanguíneo é constante. As células hipóxicas estariam confinadas na área ao redor da
necrose. Esta é a chamada “hipóxia difusão limitada”. A hipóxia intermitente ocorre
devido à dilatação e constrição capilar.
O oxigênio pode difundir-se cerca de 150μm do capilar e sua difusão é limitada
pelo consumo do mesmo pelas células ao redor do vaso. A diferença básica entre os
compostos químicos e o oxigênio é que os primeiros não são metabolizados pelas
células durante sua difusão. Dessa forma, podem penetrar mais que o oxigênio e têm
maior chance de alcançar todas as células hipóxicas. A sensibilização rápida é um
processo relacionado com os radicais livres. A droga imita o oxigênio, “fixando” a
lesão produzida pelos radicais livres. A sensibilização lenta refere-se à sensibilização
“extra” que ocorre se a droga é incubada por período prolongado, resultando em
depleção dos tióis. Entre os compostos, o misonidazol foi o primeiro amplamente
usado para sensibilizar células em cultura e em tumores animais. As doses para uso
clínico estão limitadas para níveis sub ótimos devido à neuropatia. Outro composto, o
etanidazol apresenta meia vida mais curta “ in vivo” do que o misonidazol. Não cruza
a barreira hematoencefálica por ser mais hidrofílico. A neurotoxicidade é um fator
limitante mas podem ser usadas doses três vezes maiores do que para o misonidazol.
Outro grupo de drogas são as bioredutoras. Estas são ativadas por redução
intracelularmente produzindo agentes citotóxicos (intermediários alquilantes). A
biorredução é favorecida em ambiente de hipóxia, portanto, tais drogas apresentam
toxicidade diferencial para as células hipóxicas. O mecanismo de ação envolve
ativação enzimática do composto. Exemplos destes agentes são a mitomicina C, o
SR4233 (nitróxido orgânico), e o RS6143 (composto nitroheterocíclico) que funciona
como sensibilizador de células hipóxicas e alquilante. A supressão da medula óssea é
um efeito limitante especialmente para a mitomicina C.
Quanto aos radioprotetores, são compostos que reduzem o efeito biológico
das radiações.
40

Os compostos sulfidrila como a cisteína e a cisteamina foram descobertos


inicialmente, porém são tóxicos. No entanto, se o grupo SH estiver ligado a um
grupamento fosfato, a toxicidade é menor.
Observou-se que os melhores radioprotetores são aqueles que apresentam
um fator de redução de dose (FRD) entre 2 a 2,7 para a morte do animal
(camundongo), em conseqüência à lesão na medula óssea ou intestino após serem
submetidos aos raios X. O FRD é a razão entre doses de radiação necessárias para
produzir o mesmo efeito biológico na presença e na ausência do radioprotetor (FRD =
efeito na presença / efeito na ausência). O mecanismo básico de ação destas drogas é
“varrer” os radicais livres e permitir o reparo da lesão produzida por estes radicais. Os
radioprotetores modificam o efeito indireto da radiação e valores do FRD próximos
ao efeito do oxigênio (OER) são possíveis para os raios X, mas a eficácia destas drogas
diminui com o aumento do LET.
Para fins médicos o radioprotetor ideal deve: alcançar todos os tecidos que
precisam ser protegidos na sua forma ativa, reduzir a toxicidade do tratamento
convencional, não proteger os tumores com o mesmo grau de proteção dos tecidos
normais, permitir o tratamento com doses suficientemente altas para melhorar o
resultado do tratamento, ser bem tolerado pelo paciente.
Foram desenvolvidos mais de 3000 compostos por pesquisadores do Hospital
das Forças Armadas de Walter Reed (EUA). Entre estes, a amifostina (WR2721)
parece ser a melhor para uso na radioterapia. Acredita-se que o mecanismo de ação
WR2721 é devido à droga “varrer” os radicais livres, doar íons H + favorecendo o
reparo químico do DNA, e promover hipóxia devido ao consumo de oxigênio.
Recentemente, observou-se que a droga apresenta propriedades antimutagênicas
quando presente antes ou até 3 horas depois da irradiação. A medula óssea e as
glândulas salivares são bem protegidas pela amifostina. O pulmão é pouco protegido
e o cérebro não o é porque a droga é hidrofílica e não passa a barreira
hematoencefálica. O uso da amifostina na clínica, deve-se ao fato da droga difundir-
se bem e rapidamente após administração nos tecidos normais, porém penetra
41

lentamente nos tumores. A estratégia é iniciar a irradiação logo após sua


administração para explorar o efeito diferencial.
Em alguns tumores experimentais, observou-se que a amifostina apresentou
certo grau de proteção. Os efeitos colaterais da droga incluem a hipotensão, náusea,
vômito e hipocalcemia. Tais efeitos podem limitar seu uso na radioterapia
convencional. Atualmente, o interesse na amifostina e seus derivados está
centralizado na proteção das mutações e da transformação neoplásica induzidas pela
radiação e drogas quimioterápicas.
42

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44

Figura 1 – Curva de sobrevida, modelo dos impactos únicos e múltiplos.


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Legenda:
Survival = sobrevida
Densely ionizing (neutrons or α-rays) = ionização densa (nêutrons ou radiação α)
Sparsely ionizing x-rays = ionização esparsa (raios X)
45

Figura 2 – Curva de sobrevida, modelo linear quadrático.


Hall EJ: Radiobiology for the Radiologist, ed 4. Philadelphia, JB
Lippincott, 1994.

Legenda:
Linear – Quadratic Relation = Relação linear quadrática
Effect = Efeito
Quadratic = Quadrática
46

Figura 3 – Curva de sobrevida, modelo linear quadrático.


Hall EJ: Radiobiology for the Radiologist, ed 4. Philadelphia, JB Lippincott,
1994.

Legenda:
Survival = sobrevida
Densely ionizing (neutrons or α-rays) = ionização densa (nêutrons ou radiação α)
Sparsely ionizing x-rays = ionização esparsa (raios X)
47

Figura 4 – Curva de sobrevida em esquema de multifracionamento.


Hall EJ: Radiobiology for the Radiologist, ed 4. Philadelphia, JB Lippincott,
1994.

Legenda:
Surviving Fraction = Fração sobrevida
Cell Survival Curve for Single Doses = Curva de sobrevida para doses únicas
Effective Survival Curve for a Multi-Fraction Regimen = Curva de sobrevida efetiva para
esquemas de multifracionamento
Effective = Eficaz
48

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