Você está na página 1de 8

Um Plano Marshall para

os pobres ou os caminhos
da modernização brasileira

Q
Antônio Pedro Tota

uando a Segunda Guerra Mundial acabou,


a Europa estava, literalmente, arrasada. A
Europa Oriental tinha sido ocupada pelo
Exército Vermelho, aumentando o fosso
entre os antigos aliados. A parte ocidental,
que havia sofrido um pouco menos, estava
paralisada pela crise fiscal e monetária. Os
Estados Unidos saíram fisicamente intactos
do conflito e, indiscutivelmente, muito mais
ricos e poderosos. No entanto, o destino do
Velho Continente que enfrentava fome, frio
e doenças era objeto de atenção especial dos
anglo-americanos.

ANTÔNIO PEDRO TOTA é professor


titular de História Contemporânea
da PUC-SP e autor de, entre outros,
O Imperialismo Sedutor (Companhia das Letras).

Revista USP • São Paulo • n. 115 • p. 69-76 • outubro/novembro/dezembro 2017 69


textos / Homenagem

Havia divergências entre os policy makers e as habilidades da humanidade serão usa-


estadunidenses quanto à melhor política a dos para aliviar a pobreza desses povos. Os
ser adotada em relação à Alemanha, por Estados Unidos estão entre as lideranças de
exemplo. O chamado Plano Morgenthau, que nações que dominam as técnicas científicas
pregava a pastoralização da Alemanha, foi e o desenvolvimento industrial. No entanto,
suplantado pela corrente que sugeria ajuda os recursos materiais que nós podemos pôr
material aos países combalidos. à disposição para dar assistência a outros
Os Estados Unidos lançaram um auda- povos são limitados. Mas nosso conheci-
cioso plano para recuperar a economia eu- mento técnico é muito grande e inexaurí-
ropeia: o European Recovery Plan (ERP), vel... O velho imperialismo – exploração
mais conhecido pelo nome do secretário de para lucros estrangeiros – não tem lugar
Estado, George Marshall. em nossos planos”1.
Truman, eleito presidente em 1948, incluiu
no seu discurso de posse no ano seguinte O discurso de Truman, pronunciado du-
uma espécie de prêmio de consolação para rante sua posse e pouco mais de um ano
os que não foram contemplados pela gene- depois do anúncio do Plano Marshall, é um
rosa soma de cerca de 12 bilhões de dólares importante referencial da política dos EUA
destinados aos europeus. Os não contem- para a América Latina. Na verdade, não foi
plados eram os países não desenvolvidos, dirigido unicamente à América Latina, mas
ou underdeveloped (Andrade, 2015), palavra sim a todo o mundo subdesenvolvido. Para a
usada por Truman no documento de janeiro Europa foram oferecidas condições concretas
de 1949; alguns estudos indicam ter sido para recuperação. Para as áreas subdesen-
essa a primeira vez em que a palavra foi volvidas, promessas de um mundo em que
usada. A melhor tradução ainda é “subde- a tecnologia seria a quimera salvacionista.
senvolvido”, que prevaleceu até recentemente Promessas anti-imperialistas de uma potên-
quando adotamos o conceito mais compor- cia imperialista de novo tipo. Nas palavras
tado – ou politicamente correto – “em de- de Dean Acheson, secretário de Estado de
senvolvimento”. Truman, “[...] use material means to a non-
O “prêmio de consolação” a que me referi -material end”2.
foi o chamado Ponto Quatro, um plano de Resumindo, terminado o conflito, os Esta-
governo pelo qual os Estados Unidos prome- dos Unidos voltaram-se mais para a Europa
tiam ajudar áreas atrasadas (underdeveloped) do que para a parte sul do continente ame-
com seu conhecimento tecnológico. Truman ricano. O Ponto Quatro esperava compensar
resumiu-o com as seguintes palavras: isso? Nos últimos dias do governo Dutra
(1945-1950), foi assinado um acordo de coo-
“Nós devemos iniciar num novo e corajoso
programa para levar nosso avanço técnico,
científico e o grande progresso industrial às 1 Truman Inaugural Address, January 29, 1949, Public
áreas subdesenvolvidas que necessitam de Papers of the President, 1949, pp. 114-5 apud Gilman
(2003).
melhorias para crescer... Pela primeira vez
2 “Point Four”, Office of Public Affairs, Department of
na história o conhecimento, as conquistas State apud Gilman (2003).

70 Revista USP • São Paulo • n. 115 • p. 69-76 • outubro/novembro/dezembro 2017


peração técnica. No segundo governo Vargas, com recursos fabulosos, com uma popula-
o Acordo Básico de Cooperação Técnica, de ção de mais de 40 milhões de habitantes,
maio de 1953, esperava dar continuidade ao com projeções para dobrar a cada 20 ou 25
anterior. Vários convênios foram protoco- anos. E disse também que o Brasil poderia,
lados nos anos seguintes, como ensino de num futuro, se equiparar aos Estados Uni-
técnicas para controladores de voo, técnica dos como fornecedor de alimentos para a
de construção ferroviária, etc. Houve um Europa faminta do pós-guerra. Era um pou-
considerável aumento do volume de comér- co exagerada a avaliação do estadunidense.
cio e ajuda ao subcontinente. No entanto, os Talvez ele estivesse concordando, em parte,
resultados não chegaram a ser determinantes com Nelson Rockefeller, que achava que as
para uma política de modernização; além medidas mais marcantes para modernizar
disso, os projetos eram criticados tanto por o Brasil haviam sido tomadas por Vargas
setores nacionalistas como os da esquerda. e sua equipe, em especial com o Estado
Como se não bastasse não alcançarmos a Novo. Embora Vargas não tenha mudado a
posição da Europa ocidental, passamos a estrutura agrária do país, o próprio Nelson
ser chamados de áreas subdesenvolvidas, o avaliava: “O serviço iniciado em 1937 no
que, ironicamente, sugeria que poderíamos terreno econômico e social tem alcançado
um dia dispensar o prefixo “sub”. os melhores resultados”3.
Os anglo-americanos não acreditavam que Berle continuou a exposição afirmando
a União Soviética representava um grande que não era recomendável interpretar o Bra-
risco militar, mas tinham certeza de que sil tendo somente os Estados Unidos como
os soviéticos estavam determinados a des- modelo. Isto porque, disse ele, “mesmo o
truir a credibilidade dos EUA na periferia brasileiro iletrado procura sintetizar a vida
subdesenvolvida, onde os anglo-americanos mais de um ponto de vista estético do que
tinham alianças políticas e econômicas (La- pela praticidade. Onde um americano insiste
tham, 2000, pp. 2 e segs). O Brasil era um em um produtivo sistema de fornecedor de
desses aliados. água para uma cidade, um brasileiro mos-
tra muito mais interesses em embelezá-la”
UMA PROPOSTA PARAESTATAL (Adolf, 1946). O anglo-americano continuou
seu argumento que esperava enriquecer o
entendimento de nosso país, enfatizando
No dia 3 de abril de 1946, seis meses o aspecto solidário e generoso do povo
antes de desembarcar no aeroporto Santos brasileiro. Notou também que havia uma
Dumont, no Rio de Janeiro, Nelson Rocke- forma de cooperação entre os mais pobres
feller convidou Adolf Berle para fazer uma que amenizava certas tarefas mais pesadas.
palestra no Council on Foreing Relations, Nisso ele percebia que havia algumas dife-
em Nova York. Ele esperava que o antigo renças com os norte-americanos, marcados
alto funcionário – e um dos brain trust – do pelo individualismo. Outra diferença dava-
governo Roosevelt explicasse melhor como
era o país e seus habitantes. Berle começou
dizendo que o Brasil era um grande país 3 Gazeta do Rio Pardo de 16 de novembro de 1952, p. 1.

Revista USP • São Paulo • n. 115 • p. 69-76 • outubro/novembro/dezembro 2017 71


textos / Homenagem

-se, segundo Berle, nas camadas mais altas atenção dada, no imediato pós-guerra, pe-
da sociedade. Aqui havia certo refinamento lo governo anglo-americano ao Brasil, im-
estético e intelectual, o que não acontecia portante aliado durante o conflito. Quando
lá com a mesma frequência. Para ele, os es- era coordenador do Office of Inter-American
tadunidenses estavam mais bem preparados Affairs (OCIAA), o grupo do jovem mi-
para transitar no campo da técnica. E os lionário queria aproveitar a experiência das
brasileiros esperavam usufruir desse conhe- relações interamericanas durante a guerra
cimento. Isso nos faz pensar como Nelson para a modernização do país. Com ajuda
Rockefeller parecia antever a proposição do e cooperação de parcela da elite, esperava
chamado Ponto Quatro de Truman, anunciado difundir os princípios políticos, econômi-
em sua posse menos de dois anos depois. cos e ideológicos do americanismo. Fundou
Aliás, assessores do presidente americano duas instituições: a American International
emprestaram algumas ideias do grupo do Association (AIA), com fins filantrópicos, e
magnata do petróleo. a International Basic Economy Corporation
Aqui reside um paradoxo. Nelson pro- (IBEC), para gerir os negócios em geral.
curava ter os Estados Unidos como modelo Na agricultura e na pecuária, criou con-
para modernizar o Brasil e Berle parecia dições para o aperfeiçoamento da cultura
dizer que seria melhor ir com mais cautela de sementes de milho híbrido, promoveu
e, talvez, mesclar parte da cultura do ame- pesquisas com novas qualidades de café,
ricanismo com a cultura ibero-americana/ fez experiências com pastagens especiais
brasileira. Nisso Berle parecia, ironicamente, para gado, novas raças de porcos, criação
aproximar-se de um Oliveira Vianna. Segun- extensiva de frangos, fabricação de adubos
do a leitura de José Murilo de Carvalho, a e ração para animais. Se fosse detectada a
formação do cidadão brasileiro de Vianna necessidade de se preparar grandes extensões
“devia passar [...] pela implantação de uma de terra para plantar, a Empresa de Máqui-
sociedade cooperativa [...]” (Carvalho, 1993). nas Agrícolas (EMA) empregaria tratores,
Pode-se dizer que Vargas usou algu- arados e colhedeiras para facilitar a tarefa
mas das ideias do americanismo para o dos agricultores. A Helico, uma empresa de
take off modernizador brasileiro durante helicópteros, pulverizaria produtos para fer-
a guerra, tirando vantagens das relações tilizar e combater as pragas das plantações.
com os estadunidenses. A IBEC Technical Service faria pesquisas
Nelson Aldrich Rockefeller, como que para a introdução de novas gramíneas pa-
antevendo as dificuldades – em grande par- ra pastagem e formas mais adequadas de
te representadas pela burocracia do Depar- combate à praga do café.
tamento de Estado e instituições como o Criou ainda a Associação de Crédito e
Eximbank –, iniciou uma proposta pessoal Assistência Rural (Acar), inicialmente em
de cooperação com o Brasil, onde desem- Minas Gerais, que fornecia ajuda financeira
barcou em novembro de 1946 com muitos aos pequenos agricultores para modernizar
projetos em sua bagagem. a agricultura. Sua inspiração foi a Farmers
A visita ao país estava ligada a um Security Administration, proposta por Roo-
projeto que pretendia compensar a pouca sevelt, que salvou os pequenos agricultores

72 Revista USP • São Paulo • n. 115 • p. 69-76 • outubro/novembro/dezembro 2017


americanos da ruína (Reich, 1996, p. 426). A uma unidade, mas mantém a distinção. “Uni-
Acar também ensinava rudimentos de higie- dos, mas distintos, como soldados de pelotão”
ne para os agricultores brasileiros. Quando (Tota, 2000, pp. 192-3). Nós oferecemos certa
Juscelino Kubitschek foi eleito presidente, resistência às ideias acabadas anglo-ameri-
assinou acordo com Nelson Rockefeller para canas de modernização que se confundem
estender a Acar para todo o Brasil. com americanização/americanismo.
Sem dúvida, os projetos de Nelson não A Ibero-América, para usar o conceito
foram aceitos com facilidade e encontraram preferido de Richard Morse, em seu semi-
resistências ante a interpretação simplifica- nal O Espelho de Próspero, parece entender
dora que o americano tinha para contribuir a nossa modernização de uma forma mais
com a modernização norte-americanizada híbrida, mais complexa.
do país (Da Silva, 2015, pp. 29-30). Os teóricos anglo-americanos da mo-
dernização sugerem, como afirmei acima,
IBERISMO OU AMERICANISMO? que a modernização deve ser entendida
como uma variante da americanização,
ou melhor, da anglo-americanização. Os
Podemos dizer que o Brasil não aceitou Estados Unidos vistos, de uma forma ou
totalmente os projetos do estadunidense. Ali- de outra, como modelos a serem seguidos
ás, segundo Luís da Câmara Cascudo, arguto para combater o atraso.
observador da cultura brasileira, indicou um O moderno como elevação do nível de
caminho para interpretar as relações entre vida para minimizar a distinção de classes,
os EUA e o Brasil, lembrando que as trocas escrevia Edward Shils na década de 1950,
culturais não são tão diretas e mecânicas. processo que pode ser sintetizado numa po-
Para ele, um povo só incorpora um de- lítica de industrialização (com ajuda do Es-
terminado valor cultural de outro povo se tado), exaltação ao racionalismo, expertise,
esse valor fizer sentido no conjunto geral da discurso que se difundiu no meio acadêmico:
sua cultura. Isso significa que a assimilação modernização se confunde com desenvolvi-
cultural não se faz por imitação, mas por mento (Gilman, 2003, pp. 1-3). Na verda-
um complicado processo de recriação. A de, era uma época de “hegemonia” do que
assimilação cultural nunca ocorre em blo- se chamou de consenso liberal, isto é, uma
co. Um povo não aceita todos os elementos base para um sistema comum de crenças
culturais do outro, mas apenas uma parte, que se solidificou com as vitórias na luta
e, mesmo assim, dando a eles novos sen- contra os nazistas. E foi nos anos do pós-
tidos. Essa assimilação envolve, portanto, -guerra que o paradigma do consenso liberal
uma escolha e uma recriação. se consolidou, difundindo um estilo de vida
Resistência, antropofagia, condição e sin- que incorporava a vida pacata da suburbia
cretismo ocorrem simultaneamente. Ou seja, (Levittown), representada nos programas de
a assimilação cultural não é uma simples rádio e televisão do tipo Papai Sabe Tudo.
imitação, como acentuam alguns de nossos A contracultura ficava isolada na aca-
críticos marxistas. A americanização “não é demia, com Wright Mills, e na cultura de
reprodução, nem repetição [...]”. Ela forma massas, com James Dean como um outsider

Revista USP • São Paulo • n. 115 • p. 69-76 • outubro/novembro/dezembro 2017 73


textos / Homenagem

de Hollywood ou os beats de Jack Kerouac avam intactas com mudanças de governos e,


na literatura marginal. O ponto comum era às vezes, se transformavam em ditaduras e/
a rejeição à propriedade e à complacência. ou governos militares em vez de adotarem
E ainda havia os músicos heroinômanos do o modelo anglo-americano de democracia
bebop que desafiavam a formalidade discipli- (Latham, 2000, pp. 1-5).
nada das canções dançantes das big-bands. Poderíamos fazer uma longa lista das
Mas a maioria estava feliz com a Amé- obras sobre teorias da modernização pro-
rica das possibilidades, com a estrutura da duzidas nos Estados Unidos. No entanto,
sociedade americana, considerada saudável essas teorias não dão conta de explicar a
e inquestionável. Tudo isso reforçado pe- modernização de países como o Brasil. O
la crença de que o capitalismo selvagem que significa modernização para nós não
e brutal havia cedido lugar a um sistema chega a ser exatamente a mesma coisa para
verdadeiramente democrático e com opor- os anglo-americanos.
tunidades iguais para todos. Os próprios brasileiros passam um bom
Pensava-se que a abundância e a demo- tempo de nossa história tentando entender
cracia, ligadas à tecnologia e ao crescimen- essa situação paradoxal: ora defendíamos a
to econômico, davam oportunidade a todos sociedade tradicional, ora a modernidade a
e, por isso mesmo, dissolviam o conflito qualquer custo. Nossos teóricos da moder-
de classes, transformando os blue collars nidade, com base em modelos ocidentais do
numa numerosa classe média e deixando liberalismo ou do marxismo, foram classi-
no esquecimento uma possível consciência ficados por alguns estudiosos como ameri-
operária. Qualquer problema social que pu- canistas e os que queriam manter uma mo-
desse aparecer seria resolvido racionalmente, dernização com raízes em nosso passado
com programas construídos por especialistas foram definidos como iberistas.
com know-how tecnológico necessário. A Nelson Rockefeller chegou perto de en-
única ameaça era representada pelos comu- tender essa nossa situação pendular, ou bi-
nistas (cf. Maland, 1990). polar, para abusar do termo da psiquiatria.
Esse consenso liberal estava adequado Citamos no começo deste trabalho um en-
ao conceito de modernização de um Walt contro promovido por Rockefeller no Council
Rostow, que achava que o caminho para pro- on Foreign Relations. O guest speaker foi,
mover o progresso global seria guiado pelos como vimos, Adolf Berle. Quando Nelson
EUA, ocupando o vácuo das velhas potências o apresentou à plateia, lembrou que Berle
imperialistas europeias. O caminho certo foi embaixador no Brasil “quando o Brasil
para a modernização passava pela história estava passando por um período de uma
anglo-americana. Como que concordando ditadura esclarecida para uma democracia”
com Cascudo, havia ressalvas: para muitos (Adolf, 1946).
teóricos mais sensíveis, a modernização não Nelson usou a palavra “esclarecida” para
se dava por uma simples transposição. Não explicar a ditadura de Getúlio Vargas. Dota-
era aconselhável forçar o implante de demo- do de saber, de conhecimentos é como um
cracias em sociedades arcaicas. As estruturas dicionário de português do Brasil explica a
sociais de países subdesenvolvidos continu- palavra. Já em um dicionário estadunidense,

74 Revista USP • São Paulo • n. 115 • p. 69-76 • outubro/novembro/dezembro 2017


a definição é mais abrangente: “proporcionar Na instigante interpretação de Luiz Wer-
a capacidade intelectual e espiritual de dis- neck Vianna, a ordenação corporativa de
cernir a verdadeira natureza das coisas”4. E Oliveira Vianna teria o mérito de, numa “lar-
acrescenta, usando as palavras de Thomas ga operação” transformista, abrir caminho
Jefferson, “esclarecendo-se o povo, a tirania “ao moderno sem se subverter”. Isto é, sem
desaparece”. Aqui, parecia que o mecanismo perder as características singulares da nossa
se dava às avessas. história para o americanismo. O passado
Em 1920, o pensador conservador brasi- controlaria o moderno, “e em um processo
leiro Oliveira Vianna escreveu que a singu- de modernização, sob o controle social e
laridade brasileira tem raízes nas relações político das forças da tradição, bloqueia a
sociais, em especial no mundo agrário. Ele afirmação do moderno e da modernidade”
colocava-se numa posição de valorização do (Vianna, 1997, p. 161).
passado da história do país que o afastava O Plano Marshall para os pobres ou as
da posição dos americanistas. Estes enten- dificuldades para se entender a moderniza-
diam, por sua vez, o nosso passado como ção brasileira, usada no título deste texto,
uma condenação, isto é, a herança portu- passam por obstáculos que dificultam a
guesa seria uma carga de pragas. Para os compreensão. Nosso “americanismo” se
últimos, o despotismo encarna o atraso; para concentra numa política de “imitação” e
o iberista Vianna, seria uma característica de de empréstimos das técnicas estaduniden-
nossa formação histórica e social. Para ele, ses para acelerar a modernização. Nos-
so iberismo recusa algumas medidas do
“[...] uma história singular resultaria também americanismo e outras opções “estrangei-
numa democracia singular: ‘o verdadeiro ca- ras” como estranhas à nossa singularida-
minho da democracia no Brasil’ estaria na de. Resumidamente, podemos dizer que a
democracia corporativa, regime de elaboração intelligentsia brasileira continua oscilando
legislativa superior [...] ao atual baseado na sem conseguir fazer uma fusão entre as
famosa soberania das urnas, na democracia diferentes interpretações dos americanistas
representativa [...]”. e dos iberistas.

4 “To give spiritual or intellectual insight to”, in The Ameri-


can Heritage Dictionary of the English Language, 2006.

Revista USP • São Paulo • n. 115 • p. 69-76 • outubro/novembro/dezembro 2017 75


textos / Homenagem

Bibliografia

ADOLF, A. Berle’s Speech Before Council on Foreign Relations, April 3, 1946.


Collection Rockefeller Family. Record Group 4, Box 23A, Folder 150. rac.
ANDRADE, Rômulo de Paula. “Contribuições para um Debate: a Antropologia
do Desenvolvimento e a Valorização Econômica da Amazônia (1951-1955)”,
in Cadernos do Desenvolvimento, v. 10, n. 16. Rio de Janeiro, jan.-jun./2015, pp. 53-72.
CARVALHO, José Murilo de. “A Utopia de Oliveira Vianna”, in Elide Rugai Bastos
e João Quartim de Moraes (orgs.). O Pensamento Político de Oliveira Vianna.
Campinas, Editora da Unicamp, 1993.
DA SILVA, Claiton. De Agricultor a Farmer – Nelson Rockefeller e a Modernização da
Agricultura no Brasil. Curitiba, Editora Unicentro/ Editora UFPR, 2015.
GILMAN, Nils. Mandarins of the Future – Modernization Theory in the Cold War America.
Baltimore, Johns Hopkins University Press, 2003.
LATHAM. Michael E. Modernization as Ideology – American Social Science and “nation
Building” in the Kennedy Era. Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 2000.
MALAND, Charles. “Dr. Strangelove (1964): Nightmare Comedy and the Ideology of
Liberal Consensus”, in American Experiences. 2end. ed., Vol. II, Randy Roberts & James
S. Olson (eds.). Illinois/London, Scott, Foresman and Co. Glenview, 1990.
REICH, Cary. The Life of Nelson A. Rockefeller – Worlds to Conquer 1908-1958. New York,
Doubleday, 1996.
ROCKEFELLER FAMILY COLLECTION. Record Group 4, Box 23A, Folder 150. Rockefeller
Archive Center.
THE AMERICAN HERITAGE. Dictionary of the English Language. 4th ed. Boston,
Houghton Mifflin, 2006.
TOTA, Antônio Pedro. O Imperialismo Sedutor. A Americanização do Brasil na Época
da Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
VIANNA, Luís Werneck. “Americanistas e Iberistas: a Polêmica de Oliveira Vianna
com Tavares Bastos”, in A Revolução Passiva – Iberismo e Americanismo no Brasil.
Rio de Janeiro, Revan/Iuperj, 1997.

76 Revista USP • São Paulo • n. 115 • p. 69-76 • outubro/novembro/dezembro 2017

Você também pode gostar