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(Ostextos que compdem este mimero pretendem analisar algumas destas questdes, trazer informages a respeito do que se passa atualmente no campo do curriculo, refletir sobre experincias na formagio de professores. No echo srl aprescnada a esta dum live organizad por Tomaz ‘Tadeu da Silva e AntGnio Flivio Moreira, que parece de muito interesse © Revista, pretendemos entrar nossa anilise mum Finalmente, nesta Revista, nossa, pec pltiow pcaeitca ie ef con referencial a edueagio para uma sociedade democratica ¢ participativa. Carlos Henrique Cartilho Cruz Maria de Lourdes Rangel Tura pelo Conselho Editorial Artigos Parametros curriculares nacionais: em busca de alternativas Diz-nos Perry Anderson (1995): “Economicamente, 0 neoliberatismo fracassou, mito conseguindo nenhuma revitalizapdo basica do capitalismo avangado. Socialmente, {20 contrdrio, o neoliberalis¢mo consegutu muitos dos seus objetivos, criando sociedaces marcadamente mais desiguais, embora nao td desestattzadas como queria. Politica ¢ ideologicamente, todavia, 0 neoliberatismo alcangou éxito nem gra com o qual seus fundadores Jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que no hd ‘alternativas para os seus principias, que todos, seja confessando ou negando, tem de adapiar-se a suas narmas” (p. 23). line; este PARIS irae Thee MASON ORERS re a 3 Py e > my [i particular 'Nosso foco central ¢a decistio govemamental de estabelecer parimetros E adjunto da UFRJ e da UERJ. Doutor em Eduensio pela Universidade de Londres curriculares nacionais, expressio usada para designar 0 que internacionalmente vem sendo chamado de curriculo nacional. Freqitentemente associada a politicas ncoliberais de educagao, tal proposta ‘vem recebendo intimeras criticas, tanto nos paises em que ja vem sendo implantada, como no Brasil, onde se espera que, ja em 1996, os pardmetros curriculares para as quatro primeiras séries da excola basica se encontrem estabclecidos ¢ oricntando o trabalho dos professores ¢ das professoras. ‘0 curricula nacional, entre nds, tem constituido um dos elementos ‘mais enfatizados quando, no discurso oficial, se assinalam a “ineompeténcia’” de nosso professorado ¢ a “erise” de nossa escola. Freqientes noticias © ‘entrevistas divulgadas nos meios de comunicacao de massa tém acentuado a urgéncia de se construir uma escola de qualidade no pais. Dentre as providéncias tidas como necessirias a essa construio sio sempre priorizadas a definigao de parimetros.curriculares nacionais para a escola basica, assim como a implantago de um sistema de avaliagio das escolas que permita verificar os pontos fracos docnsino, distinguir as “boas” das “ms” ¢ premiar as escolas que apresentarem os melhores resultados. ‘A perspeetiva que vem orientando a implantagio de um curriculo nacional para a escola basica foi por nos questionada em outro estudo (Moreira, 1995), a partir da andlise de algumas entrevistas ¢ noticias Publicadas recentemente em jornais do Rio ede So Paulo. Retomamos essa discussio, nela incluindo agora o exame de recente documento de Ministério de Educagiio e do Desporto (1995), versio preliminar dos parimetros que balizardo 0 curriculo da primeira quarta séric. Tal documento constitui importante declaragdo das intengdes que se pretends ver coneretizadas em nossas salas de aula. Nosso propésito & duplo: aprimorar tanto a critica que vvimos desenvolvendo como a sugestiio de altemativas que se coloquem na diregdio contraria a dos ventos neoliberais que cada dia sopram mais fortes ‘em nossa economia ¢ em nossa educagio, Focalizamos, inicialmente, 0 mencionado documento do MEC, acentuando algumas de suas tensBes e alguns de seus silGncios. Assinalamos, a seguir, as principais criticas que vém sendo feitas ao curriculo nacional, tanto no Primeiro Mundo como em nosso pais. Oferecemos, por fim, possiveis altemativas ao enfoque neoliberal de curriculo nacional, "OS PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS" © documento procura justificar a necessidade do estabelecimento de pardmetros curriculares para todo 0 pais, utilizando-se do preceito ‘constitucional que determina a defini¢ao de contetidos minimos, acentuando ‘a importincia de se_evitar dispersiio de esforgos nos estados ¢ municipios, bbem como insistindo na urgéncia de se construir uma escola de qualidade no pais. Esclarece que, a partir da andlise de propostas curriculares estaduais € ‘unicipais, bem como de experiéncias realizadas em alguns paises europeus ¢ latino-americanos, 0 MEC vem elaborando uma versio dos parametros urriculares que sera apresentada as diferentes Secretarias de Educagio demais entidades. documento apresenta as dirctrizes dos pardmetros ¢ explicita as ‘yisdes de escola, conhecimento, ensino ¢ aprendizagem que deverio nortes- los, Propde que os mesmos sejam estruturados em termos de objetivos, ‘eonteidos, orientagbes metodologicas e avaliago. Prevé, ainda, a organizagio dda escola em dois ciclos de dois anos cada A leitura do texto nos apontou certos siléncios © certas tensdes, ‘Comecemos pelos siléncios, Em primeiro lugar, a0 se defender como prioritiria a clevagio dos ppadrées da qualidade no ensino do pais, silenciaese sobre-a qualidade que 3 deseja, tomada como consensual, como ja. definida, como a mesm: independentemente da escola ¢ dos estudantes a que é aplicada. ‘Nio existe, contudo, um eritério absoluto que possa ser seguido ao se atribuir “qualidade” a alguma coisa, a nio ser que a consideremos como: ‘earacteristica. compartithada por todas as produtos ¢ processos (Enguita, 1994), No cendrio educacional, a palavra tem tido, a0 longo dos tempos, diferentes significados, podendo ser identificada com a dotagao em recursos ‘humanos ¢ materiais dos sistemas escolares, com a eficdcia do processo e, ‘mais recentemente, com os resultados abtidos pelos estudantes. Cada nova ‘versiio da qualidade, todavia, no elimina de uma vez por todas as anteriores: “anova versio, ainda que afaste as antigas para o lado, passa a conviver com elas. Torna-se possivel, assim, que grupos com interesses distintos utilizem ‘a mesma palavra de ordem com propésitos ¢ significados diversos. Desse ‘modo, o vocibulo pode scr associado, em determinados momentos, & preocupagio com “omelhor para todos” como, em outros, 4 énfaseino “melhor para uns poucos privilegiados”. Ou seja, tanto pode ser usado no ambito de Politicas educacionais igualitarias como de politicas excludentes ‘Usualmente, quando o poder se apropria de termos ¢ expressdes cmpregadas por sctores progressistas, as palavras se perdem e se fossilizam no jargio burocritico-administrativo, desvirtuando-se seu sentido original, emaneipador. Fala-se 0 mesmo, mas a partir de concepgdes, atitudes © propésitos bastante distintos (Alvarez Méndes, 1990). Desse modo, embora uuma escola de qualidade scja antiga reivindicag&o de educadores comprometidos com a construgo de uma sociedade mais justa, é preciso desconfiar do sentido que © documento atribui palavra, em fungio do ‘contexto ncoliberal em que o mesmo foi elaborado. Tenhamos em mente que 1 ideologia neoliberal apregoa as vantagens do livre mercado, supervaloriza 4 esféra privada em detrimento da piblica, rejeita a intervengio do Estado 10 ‘na cconomia, defendea politica de privatizagdes ese utiliza do neodarwinismo ‘social para justificar desigualdades sociais c econdmicas com base em ‘supostas diferencas individuais. Se é essa a perspectiva que informa o documento, que significa a reiterada mengdo qualidade? Que se esta ‘entendendo por qualidade? Na contra-mio do neoliberalismo, propomos que se conceba qualidade como Beatrice Avalos (1992), que a pensa tanto a partir do desenvolvimento dos individuos ¢ dos grupos, como da sociedade. Para a autora, uma educagaio de qualidade deve capacitar o sujeito a transcender um modo de viver de forma relativamente restrita 0 mundo cotidiano ¢ a tornar-se razoavelmente ative na mudanga de seu ambiente, Para isso, a escola precisa ajudi-lo a adquirir uma compreensdo acurada da realidade em que vive, Em sintese, defendemos que qualidade e relevaincia em educago impliqufem 0 esforgo de capacitar 0 estudante tanto a lidar bem com 0 mundo dos instrumentos, costumes ¢ linguagem (mundo concreto), como a transcender seu ambiente ¢ ‘atingir esferas mais clevadas de aividade intelectual ¢ pratica, adquirindo, assim, a competéncia necessiria para lutar por mudangas significativas tanto em termos individuais como coletives. Em segundo lugar, ao se aceniuar a convergéncia basica dos recentes movimentos de reformulagio curricular, no que se refere aos contetidos, desconsideram-se, no documento, as diferencas significativas presentes em reformas norteadas por orientagdes distintas, como as realizadas na cidade de So Paulo, nas administragdes de Luiza Erundina e de Mario Covas por seo Seeretirios de Educacio, Paulo Freire e Guiomar Namo de ello, ‘Vejamos as palavras de Paulo Freire (1991): “Nato ¢ privilégio da nasso prafeto pedlagégico em marcha possuir caréter politico ideolégico ¢ politico explicita. Todo projeto pedlagégico ¢ politico ¢ se acha molhado de ideologia. A questito a saber & a favor de qué e de quem, contra qué ¢ contra quem se faz a politica de que a educagdo jamais prescinde, (...) A questo fundamenal é politica, Tem que ver com que conteiidos ensinar, a quem, a favor de qué, de quem, contra qué, contra quem, como ensinar. Tem que ver com quem clecide sobre que contesidos ensinar, «que pariicipagdo tém os pais, os professores, os movinentes populares ina discussdo em torno da organizagdo dos conteiitos programiiticos “(p. 44-5). Observemos, por outro lado, as palavras de Guiomar Namo de Mello (1986): “No meu modo de entender, as eriangas da classe trabathadlora nao precisam da escola para aprender sobre 0 trabalho. Ele faz parte das relagBes sociais das quats elas sd produto, Como ndo precisam da escola para aprender de novo, apenas de modo um pouco mais softsticado, aquilo que seu ambtente cultural de origem ja dhe ensina. (O respeito d crianga nao poele ser confindido com wma confirmagao ‘romantizada da sua cultura de origem” (1986, p. 79-80). Acrescenta a autora! “Sei o quanto tem sido discutida ai idéia de um conhecimento universal, mas nao consige deixar de me perguntar se uma sélida formagtio geral, baseada no saber dominante existente, nfo seria 0 “que de melhor a escola teria a oferecer ds camadas populares = até ‘mesmio para que estas criticassem esse saber € 0 superassem” (bid, P80) Hi diferengas significativas, entre as duas posigles, no que se refere 4 forma politica de entender os contetidos, o que obviamente acarreta distingdes tanto nos critérios de sele¢3o dos mesmos como na mancira de abordé-los c ensina-los. Julgamos que 0 silenciamento de diferengas que nfio deveriam ser ocultadas, por refletirem importantes discusses que vém sendo travadas no panorama educacional, revela a preacupagdo em acentuar ‘eonsensos © em nfo problematizar a selego dos conteidos curriculares. A conseqiéncia ¢ a “naturalizagio” dos conteiidos curriculares tradicionais, © “consenso” em toro de conhecimentos ¢ valores passa a sero tom. Observe-se a seguinte afirmativa: “Cabe ao MEC (...) coordenar os esforgos inovadores em eurso nos ‘estados € municipios, e oferecer pardmetros nacionals para 0 desenvolvimento dos contetidos curriculares basicos. de modo a ‘garantir que se generalizem no pars as orientagdes mais atualizadas € condizenies com 0 avango dos conhecimentos no mundo contemportinco ¢ afinacas com o cultivo dos valores culturais que nos s& préprios” (p-5). Silenciam-se discussdes como: de quem sio tais contetidos ¢ tais valores? a quem sua inclusio no curricula devera favorecer? Tais perguntas, discutidas desde a década de setenta pelos tobricos da sociologia do curriculo, Continuam a merecer a atengio. de autores como Michael Apple, que em recente livro analisa as lutas em tomo do curriculo do ensino ¢ acentua a importancia das seguintes questdes: de quem ¢ o conhecimento que se ensi nas escolas? por que ¢ cle ensinado de dado modo para determinado grupo? como possibilitar que ashistérias eas culturas dos trabalhadores, das mulheres ¢ das pessoas de cor passam ser devida ¢ responsaveimente ensinadas em nossas escolas? (Apple, 1993), Tais questées, ainda que centrais ¢ atvais nas analises de curriculo, encontram-se ausentes do documento, ‘Scguindo a mesma linha de argumentago, chamamos a atengio para «a Gnfase no ensino de “conhecimentos, atitudes c habilidades que a sociedade julga valiosos e que portanto devem ser compartilhados por todos no exercicio ppleno da cidadania"(p.6). Ao se procurar passar a idgia de uma sociedade hharménica que homogeneamente concorda sobre tais conhecimentos, atitudes habilidades, apagam-se suas caractoristicas mais importantes, Hit texto, ‘mas nao contexto (Alvarez Méndes, 1990), ‘No entanto, “a sociedade ndo ¢ uma colegéio de individwos, cada um estabelecendo tema mesma e idéntica relagdo com o todo, mas sim uma complexa rede de categorias de pessoas, cada uma se relactonando com as outras através de relacdes de poder ¢ de controle diferenctadas” — Fiske, citado por Apple, 1993, p. 111). ‘Niio faz sentido pensar, portanto, em coeréncia ou homogeneidade. ‘Ainda mais quando se consideram 0s. contraditérios rumos da sociedade brasileira: ao se modificar rapidamente, vem-se tormando mais complexa, ‘mais heterogénea, mais desigual e mais hierarquizada, com novas clivagens que atravessam a estrutura de classe ¢ geram uma pluralidade de interesses e demandas cada vez mais conflitantes e excludentes (Telles, 1994)..A crescente desigualdade nas formas de distribuigdo © acesso a bens ¢ recursos vem provocando conflitos que se evidenciam em todas as dimensbes ch vida social € vem alijando do exercicio efetivo da cidadania grandes contingentes da Populagio. “A ‘democratizagao’ se expande no discurso € na tdeotogia dos regimes democriticos, mas a cidadania ¢ negada pelas politicas econdmicas neoliberais que tomiam imposstvel o exercicio dos direitos ‘eidaddos. Quem ndo tem casa, nem comida, nem trabatho nao pode exercer os direitos que, em principio, a democracia concede « todos por igual” (Borén, 1995, p. 188). abe, ent, em uma sociedade to desigual, falar em conhecimentos ¢ valores consensuais? Anda, quando no documento se propée ¢ se accita sem questionamento © processo de hicrarquizagio de contetidos, como se alguns fossem inerentemente superiores a outros © merecessem, sem qualquer discussfo, lugar de destaque no curriculo, silenciam-se as relagdes entre essa +hicrarquizagdo c a distribuigo de poder na sociedade mais ampla. Em 1971, Michac! Young argumentou que a anilise da estratificagio dos conhcimentos cure caclaec a base social de frets pis de eobecimento ¢ " permite que se lovantem questdes referentes:s relardes entre a estrutura’ HFece oe corr, a0 mass ac concrincato os oportnidaes para gtima-lo como superior, bem como as relagbes entre o conhecimento e as fiangdcs cm diferentes espécies de sociedade. Toda essa importante: discussio, porém, encontra-se ausente do documento que vimos examinando. Mas a maior lacuna no texto, a nosso ver, € a dos professores ¢ que deverio “seguir” os parimetros em foco, ainda que nto nham a ser consultados pelo MEC, ja que se diz caber as Secretarias, 9.20 MEC, a consulta a docentes, pais ¢ demais segmentos interessados. fem recente entrevista A revista NOVA ESCOLA, a Secretaria de ino Fundamental do MEC declarou, 20 ser perguntada se os professores consultados: “indo cabe ao MEC consulté-los, pois 0 ensino de primeiro grau nao de suc responsabilidad. Cate ds secretarias estaduats de Educagiio decidir em que instdncias fardo as consultas” (1995, p.53). Pode-se no minimo estranhar: 0 MEC no é responsivel pelo ensino 0, © que justifica a ndo participago dos docentes, mas se apresenta responsive pela defingdo de parimetros curriculares para esse grau je ensino, bem como pela coordenagiio de iniciativas estaduais ¢ municipais. nsistimos, entdo, na importincia de se ouvirem as vozes dos professores © pprofessoras, bem como as dos outros sujeitos envolviddes no processo. Passemos as tensoes. O documento critica as recentes propostas curriculares, de estados e ieipios, por se constituirem em orientagdes genéricas que, para se em, precisariam do apoio de nova politica do livro diditico © de de capacitagdo (sic) do professorado, Sugere, entio, que os etros sejam vistos como guia eficaz para a ago docente. Por outro do, insiste em que se deixe lugar para criago e inovagdes pedagdgicas, {como se incentive a realizagaio de experiéncias c investigagécs cientificas. altamos a tensio que se revela entre intengdes de prescrever ¢ controlar batho docente-, simultancamente, de encorajar novos esforgas ¢ estudos. 9s, baseando-nos em Zumwalt (1995): podem ¢ devem tais itos coexistir na tentativa de sc construir uma escola piblica de lidade? quer-se de fato um professor auténomo ou se trata de mera Se deseja um professor comprometide com a investigagdo ¢ 0 rimoramento de sua pritica, hi que se entender curriculo comoa tradugao ‘uma idéia educacional em uma hipétese testavel na pritica (Stenhouse, ORS), ha que se desejar capacidade de critica ¢ nio subordinagéo a Be prescrigées, hi que se ter como indispensavel a participagio do professor no ‘processo de pensar e de fazer curriculo, Outra tensio pode ser pereebida: a0 mesmo tempo que se privilegiam as disciplinas tradicionais, se reconhece a fiexibilidade das fronteiras:entre ‘0s conhecimentos, se sugerem priticas trans ou multidisciplinares ¢ se propdem temas transversais (seguindo-se @ exemplo da recente reforma ‘curricular espanhola). Algumas perguntas podem ser propostas: seri que 2 ‘organizagdo disciplinar é a que melhor contribui para a construgio de um -curriculo flexivel, informado por uma visio holistica de conhecimento? por -que determinadas disciplinas sio consideradas como detentoras de cadciras cativas nocurriculo? por que outras si vistas como supérfluas? por que, no limiar de novo século, com tantas transformagdes se processando tio rapidamente, nao se examina sequer a hipotese de que novos contetides possam ser mais iteis para ajudar o estudante a transitar em seu cotidiano, a iranscendé-lo © a engajar-se na lula por sua transformago? estaremos considerando 0 professor incapaz-de aprender ¢ ensinar novos conhecimentos? pode-se pensar em uma nova escola com os mesmos velhos conteidos, ensinados ¢ aprendidos fragmentadamente? scra possivel conter os problemas emergentes nos limites das diseiplinas tradicionais? como aproveité-las para novos propésitos? sera que os temas transversais permitirdio que as mesmas se “modernizem”, favorecendo de fato a analise ¢ a discussio de questdcs que constituem objeto de forte demanda social, como propde o documento (ainda que nio esclaroga quem na verdade as demanda)? seriam viaveis outras modalidades de organizagio curricular? Queremos argumentar que tais perguntas no podem ser secundarizadas na proposigio de parametros curriculares nitcionais, Queremos também sustentar que a priorizagao das disciplinas tradicionais néo pade ser justifieada pela necessidade de atendimento a0 artigo da Constituigdo que determina a fixagio de contcudos minimos para oensino fundamental, Que entender por contetides minimos? Que critérios utilizar para defini-los ¢ organizé-tos? Definir conteiidos minimes precisa significar 4 sacralizago das disciplinas tradicionais? Precisa envolver a determinagio dos contetidos essenciais dessas disciplinas? Julgamos que nio ¢ sugerimos, se de fato se deseja flexibilidade, que ao invés de disciplinas e programas se proporham campos ou areas do conhocimento, passiveis de serem desdobradas ém diferentes disciplinas, © que permite ft escola e ao aluno um leque mais, abrangente de opedes, possibilitando que cada aluno passe pelas mesmas areas, ainda que no necessariamente pelas mesmas disciplinas ¢ pelos mesmos conteiidos (Moreira, 1991). Consideramos, também, que tal perspectiva facilita tanto uma maior articulago de disciplinas e contzidos como o trabalho com diferentes modalidades de organizagio curricular. As ambiguidades ¢ as lacunas existentes na presente versio do documento precisam ser evitadas “i versio final, bem como cm propostas altemnativas, cujas formulagées “deve também considerar as criticas que se fazem ao curriculo nacional em “Qutros paises. Sio clas o nosso proximo foco. S CRITICAS AO CURRICULO NACIONAL Os autores criticos de currieulo tém denuneiado, em suas analises, a cia do curriculo nacional, pensado na perspectiva neoliberal, a nsistema de avaliaggio quantitativa que pretende, principalmente, classificar escolas e controlar, mais eficientemente, o trabalho docente. Ainda que a acentue a distorgiio dessa postura, ¢ preciso reconheeer que curriculo ntrole sc interconectam ¢ que 0 curriculo esta necessariamente envolvido processos de regulagdo ¢ governo da conduta humana (Silva, 1995), 0 Eo tipo de individuo que as propostas de curriculo nacional parecem tender formar. As énfases caminham na diregiio da valorizagio do duo, de sua capacidade de iniciativa.¢ de scu espirito de competitividade. gja-se formar, em sintese, uma mentalidade econmica, pragmatica © orientada para a produtividade, para lucro e para o consumo api, 1995), Toma-se claro que a intengao de produzir escolas, mestres © es comprometidos com a emancipagio de individuos ¢ grupos midos ¢ com 0 desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente mocritiea nio se afina com discurso neoliberal. © que tem sido possivel, ito, € a resisténcia c 0 desenvolvimento de iniciativas que se as tendéncias conservadoras dominantes nas propostas de culo nacional. Otimisticamente, Apple ¢ Oliver (1995) nos informam m encontrado nos EUA “cvidéncias de que uma resposta diferente tica do ensino oficial por parte das escolas pode ter resultados: muito es” {p. 301). Acrescentam, contudo, que hi muito trabalho a ser 0, A segunda critica que destaeamos aponta para o fate de que o curriculo cional, ao scr justificado como visando & construgao ¢ a preservagio de a cultura comum, tida come basica para o desenvolvimento de um ento de identidade nacional, tende a privilegiar os diseursos dominantes ‘a excluir, das salas dc aula, os discursos ¢ as vozes dos. grupos sociais ‘vistos como nao merecedores de serem auvidos no espago escolar. “Quando se analisam de maneira atenla os conteidos que so desenvolvidos de forma explicita na maioria das instituigdes eseolares € aquilo que é enfattzado nas propostas curriculares. chama fortemente a atengto a arrasadora presenga das culturas que ipodemos chamar de hegeménicas. As culturas ou vores dos grupos sociais minoritdrios e/ou marginalizados que nao dispaem de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, quando nilo estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reaciia” (Torres Santomé, 1995, p. 161). 15 Se tal critica pode ser tida come pertinente, niio é dificil perceber as divisdes sociais que deverdo ser prescrvadas © produzidas no proceso de exclusdes e inclusdes necessariaments implicado na. definigfio da curriculo nacional Uma terceira critica acentua 0 indevido atrelamento do curriculo nacional 20s interesses da economia, do livre mercado, Ao mesmo tempo que se reafirma o compromisso com o proceso de modemizaciio da sociedade, entendido como os efeitos do desenvolvimento cconémico sobre estruturas sociais e valores tradicionais (Featherstone, 1995), se procura algar a escola © c-curriculo nacional a condigdo de catalisadores desse processo. O que as criticos acentuam ¢a auséncia, nessa perspectiva, da discusstio sobre o carater exchidente de tal modemizagao, sabre quem perde ¢ quem ganha ¢ a favorde Que lado a escola deve ficar. ‘Como o programa neoliberal de moderniza¢do tem incrementado desigualdades ¢ produzido amplo contingents de excluidos, principalmente na América Latina, & licito perguntar: pode-se construir uma sociedade ‘moderna e demoeritica a partir de fundamentos sociais to preedrios? deve- ‘se organizar a escola co curriculo em conformidade com as novas necessidades tecnolégicas ou industriais ou deve-se, ao contrario, claborar teorias Pedagégieas e curriculares que considerem a exclusdo social ¢ busquem capacitar os agentes sociais para a participagao e para a luta por justica social? A quarta critica reporta-se & desqualificacio do professorado, vista. ‘como provivel decorréncia da implantagio de determinagdes curriculares que guiem scu trabalho. Mais uma vez separam-se, em diferentes instancias, concepeio e exccucio da pratica pedagégica. Segundo Ivor Goodson (1994), pode-se supor que uma obediéneia meciinica vira a marcar a conduta docente, ‘com previsiveis conseqiiéncias para a produsio de cidadkos criticos¢ criativos, ‘Teme-se mesmo que os professores deixem de aproveitar a pouca flexibilidade encontrada nas propostas de curriculo nacional, limitando-se a0 cumprimento das prescriges que costumam constituir 0 nicleo central das mesmas. Para Michael Apple (1993), ‘ao invés de profissionais amplamente envoividas no que fazem ¢ nas razbes de suas agdes, poderemos ter alienadas executores de planos elaborados por outros. Na verdade, tanto a literatura sobre 0 processa de trabalho remunerado em geral, como a que especificameme aborda 0 trabalho remunerado feminino, estao repletas de exemplos dos efeitos negatives de severos sistemas de gertncia e controle, acentuando a perda de habilidade, autonomia ¢ orgulho que resultam de tais processos. Como geralmente ocorre, os burocratas da ediccagdo copiama idealogia e as téenicas da geroncta industrial sem levar em conta o que pode acantecer ¢ vem acontecendo com a maioria dos empregados no setor de servigos e __-na prépria indisiria” ( p. 123) + A desqualificago do professorado tem-se associado o que Apple (1993) chama de intensificasiio, processo pelo qual o trabalho pedagégica = por uma crescente escassez de tempo. As demandas icas que costumam acompanhar a implementagao das propostas de de haver tempo: cnte s¢ cumpre. A conseqiéncia, diz Apple, é que os professores na depender mais dos especialistas, que Ihes dizem o que fazer, eacabam. ando do conhecimento que adquiriram ao longo dos tempos eremos sugerir que os processos de desqualificasio e intensificasio dem contribuir para fragmentar a atividade docente ¢ a pratica curricular, do com que o ensino perca 0 cariter integrado que lhe &indispensivel. Uma quinta critica enfatiza 0 tom conservador das propostas de lo nacional, destacando a ambigiidade existente entre as propaladas es de modernizagao c intengiies mais conservadoras, expressas, essas , a sclerio ¢ na organizagdo dos conteidos curriculares. 0 que se observado ¢ tanto a preferéncia pela organizagio disciplinar dos imentos escolares, como pelas disciplinas que tradicionalmente tém. ypado espago nos curriculos. documento brasileiro que examinamos ece confirmar tal fato. Vejamos o que ocorreu na Inglaterra. Em 1904 foi crito 0 seguinte curriculo para as escolas piblicas: Inglés, Matematica, ncias, Histéria, Geografia, Lingua Estrangeira, Desenho, Exercicio Fisico, balho manual/Trabalho doméstico. Em 1987 foi proposta a seguinte lista, disciplinas para compor 0 curriculo nacional a scr implantado: Inglés, emitica, Ciéncias, Histéria, Geografia, Lingua Estrangcira Moderna, , Educagio Fisica, Tecnologia e Misica. A similaridade entre as duas € espantosa e revela que o curriculo nacional inglés do final da de oitenta pouco difere do tradicional curriculo do inicio do século drich, 1988). | _No caso especifico do Brasil, além das criticas que acabamos de ‘Apresentar, cabe registrar 0 autoritarismo que vem caracterizando 0 processo ‘de definicao dos parimetros curricularcs, restrito, mais uma vez, as salas ¢ abinctes do MEC. grupo encarregado de clabori-los ¢ formado por [Professores ¢ professoras de primeiro ¢ segundo graus, muitos dos quais | trabatham na Escola da Vila (SP). Justifica-se tal composigao, acentuando- ‘a vantagem de se ter na comissio profissionais com pratica de sala de aula Weescolas c mio teéricos especialistas da universidade. Desconsidera-se, assim, a ia dé estudiosos do campo, como por exemiplo dos membros do GT de Curriculo da ANPEd, que ha anos se vém dedicando ao estudo do problema. Desconsideram-se, também, a contribuigo que outros prafessores, de outros estados, possam vir a oferecer, Desconsidera-se, por fim, a importincia ¢ a necessidade de encontros nos quais a questo pudesse ser mais ampla e democraticamente diseutida. ‘A falta de transparéncia no processo tem sido denunciada em diversos momentos, como no Encontro de Curriculo, promovido na Faculdade de Educa¢do da UFRJ ao final do primeiro semestre, ¢ na Assembléia Geral da 18a. Reunido da Associagio Nacional de Pés-Graduagio ¢ Pesquisa em Educagéo (ANPEd), que se realizou em Caxambu, em 21 de setembro deste ano. CCabe ainda acrescentar, no caso brasileiro, a supervalorizagfio, quando se anuncia a formagio continuada do professorado, do uso de sistemas de educagdo a distancia, via TV Educativa, possibilitada pela instalago de um aparetho de TV cm cada escola da rede oficial. Através desse sistema, espera s¢ que 0s professores assistam a programas especiais de aperfeigoamento ¢ 8 estudantes a programas que ilustrem as aulas e tome o estudo mais interessante (Jomal do Brasil, 7/2/1995, p. 7). O poder de emprego de novas ‘tecnologias educacionais na atualizagao do professor c na renovagaio da escola, bastante enfatizado na midia, parece estar sendo superestimado, Sem que \izemos a importancia da implantagio de novas linguagens nas escolas ede sua utilizagso na formacdo continuada do professorado, queremos argumentar que programas de aperfeigoamento precisam contar, em seu plangjamento, com a participagio do piblico a que se destinam, ou scja, proféssores ¢ professoras. Caso contrario, dificilmente serdo aceites por esses profissionais, Ainda, no podem ficar restritos a pacotes de treinamento, ‘mesmo que adornados pelo emprego de multimeios, que visem dominanternente A divulgagdo de técnicas, procedimentos ¢ competéncias a screm seguidos. Deffendemos programas de aperfeigoamento que tenham por propésito, mais que instrumentalizar os professores no dominio de habitidades, auxilié-los a analisar, conceber ¢ descnvolver integrada, criticac criativamente suas priticas pedagégicas, PROPONDO PRINCIPIOS ALTERNATIVOS Explicitadas auséncias ¢tensdes de documento brasileiro ¢ xaminadas as eriticas mais comuns & perspectiva neoliberal de curriculo nacional, apresentamos, a partir de trabalho-de Alves e Moreira (1995), alternativas a essa perspectiva, ‘Ao invés de um curriculo que parta de uma suposta cultura comum, propomos um curriculo que parta das desigualdades ¢ da diversidade © que a espago para as diferentes vores dos diferentes grupos que constituem 0 brasileira, Desse modo, como alternativa a um curriculo pensado gabinetes imposto de cima para baixo para as escolas, insistimos no stimulo ao processo de construgao curricular a parti de principios comuns. fugerimos, ainda, que tais principios se determinem: (a) com base na andlise experincias ja desenvolvidas em estados ¢ municipios que incentivaram truco de curriculos pelas escolas; (b) pela eritica das discussBes que §estudiosos do campo c os participantes de diferentes movimentos sociais Em travando sobre experiéncias curriculares alternativas; (c) pelo exame ainda que ndo coneretizadas, claboradas por grupos que vém hando para autoridades governamentais nos sistemas de ensino federal, dual ¢ muiicipal; (4) pela andlise da literatura nacional ¢ internacional ea questdo; (c) pela critica de propostas intemacionais contemporaneas curriculo, Argumentamos que, a0 invés de listagens de objetivos, conteiidos, 9S © procedimentos de avaliag%o (componentes dos parimetros eulares nacionais), alguns principios, como os que se seguem, podem hor nortcar os esforcos do professorado em nossas escolas ¢ salas de Defendemos, inicialmente, a consideragio, no proceso de olvimento curricular, das relagdes escola-sociedade. Se.a cduucaglo & pritica social historicamente situada, no se pode pensé-la e organizi= andlise das diferentes esferas da sociedade que com ela interagem ¢ tanto a afetam como so por cla afetadas. A escola constitui, entio, nto uma insttuicio econémica como uma instituicdo cultural: nela o estado, ,ea cultura sc inter-relacionam (Apple, 1982). Nessa perspectiva, | analisarmos como 0s process0s de reprodugio ¢ de contestagio ca ¢ cultural ocorrem no espago escolar ¢ como consideri-los no go de renovacio curricular. Importa, ainda, examinarmos os conflitos, interesses © 05 beneficios envlvidos ma incusio, no eurreul, de jinados saberes, cxperigncias ¢ priticas culturais. Importa, por fim, sc onarmos a favor de uma pedagogia critica, valorizarmos ¢ 3s, no curriculo, as “culturas vividas” por nossos estudantes, iando suas experiéneias e seus saberes, assim como promovendo a ea.¢ 0 didlogo dos mesmos com outros saberes © outras experiéncias Insistimos, também, na necessidade de desconstruirmos as tradicionais entre a cultura crudita, cultura popular ¢ cultura de massa, com -na tese defendida por Garcia Canefini (1990), para quem, na América © panorama cultural & de fato marcado por uma hibridagao de es culturas, Segundo o autor, 0 tradicional e © moverno se misturam em nossos eS, como acontece, por exemplo, quando da reunio, em uma mesma ‘mesa, de artesanatos indigenas e catdlogos de arte de vanguarda, Assim, cultura enidita, a cultura popular e a cultura de massa ndo se encontram, na verdade, onde ¢ como usualmente supomos que estejam. A heterogeneidade cultural constitui a caracteristica basica. Fazem-se necessirias, portanto, novas ferramentas tebricas que permitam estudar ¢ entender as formas de comunicagio entre as trés modalidades de cultura. Na construgio de curriculos, a perspectiva desses novos didlogas deve constituir-se em principio em desafio a ser enfrentado. ‘Destacamos, também, a releviincia de analisarmos as transformagécs que contemporancamenteatravessam a cultura, em termes de processos intra~ sociais, inter-sociais e globais (Featherstone, 1995). O atual fendmeno da globalizaco cultural, que corresponde ao movimento pelo qual unta condico se globaliza e, ao fazé-lo, designa condigdes rivais como locais, tanto pode apresentar coloragées hegeménicas como contra-hegemSnicas. Tanto pode ‘envolver a generalizagao da fast food, como corresponder & organizacio transnacional de grupos feministas ou de grupos que defendam a preservago do ambiente (Santos, 1995). Sugerimos, entdo, que a intengo de contribuir para o fortalecimento de lutas contra-hegemsnicas globalizadas se constitua ‘em principio orientador de reestruturagSes curriculares Destacamos, ainda, apesar das diseussOes e divergéncias recentes que vem marcando a questi, a necessidade de se levar em conta a relagio entre ‘escola ¢ trabalho. Partimos do pressupasto de que, central ou no na andlise das sociedades capitalistas contempordneas, o trabalho constitui significativo, cixo em torno do qual se podem organizar os contetidos curriculares. Ha mesmo autores que acreditam, otimistica e ingenuamente, que uma cscola renovada pode vir liderar as mudangas na organizagao do trabalhe (Young, 1993), Cabe enfatizar que nossa perspectiva transcende a idéia de preparar para o trabalho, caminhando na direso de favorecer uma maior compreensio de comoas sociedades vém organizando seus processos dc trabalho, dc analisar 08 fatores que vém provecando o aumento das fileiras de desempregados nas diversas partes do globo, i de luta contra as politicas 0s politicos que defendem a inevitabilidade de certa “taxa” de desemprego no processo de busca de crescimento ecandmico, bem como de, ao mesmo ‘tempo, aproveitar os espagos criados pelas recentes demandas, por parte dos empregadores, de profissionais mais flexiveis, paticipatives, criatives ¢com clevada capacidade de abstragdo e decisio. Seguado Frigotto (1994), tais demandas podem ser entendidas a partir de duas caracteristicas do atual processo produtivo. Em primeiro lugar, 0 processo ¢ projetado, devido ao nove padrio tecnoldgivo, com modelos de representagio do real eniio com o préprio real. Tais modelos, quando operam, podem vir a apresentar problemas que afetem todo o pracesso. Dai a necessidade de um trabalhador capaz de analisar acuradamente a situagioc tomar decisbes. Em segundo lugar, como se tem um padrio produtivo tamente integrado, os problemas nio atingem apenas um setor do processo, sim todo 0 conjunto, o que requer mio o trabalhador especializado da (de montagem, mas otrabalhador capaz de resolver problemas em equipe, nnecessirios, assim, trabalhadores com mais e melhor escolaridade, 0 bre um terreno contraditério no eurrieulo, no qual os que lutam por na sociedade democritica podem atuar. ‘Como ainda outro principio norteador da construgo de curriculos os a necessidade de se historicizar os contetidos que so ensinados 3s nas salas de aula. Nas cigncias ditas exatas, nas eiGncias saciais nas artes € na filosofia o conhecimento se constréi por sujeitos social, cultural, histérica c linghisticamente ¢ que procuram, nesse o, responder aos desafios que seus tempos e seus contemporiineos olocam. Para que os estudantes possam analisar os interesses envolvidos cconstrugo impde-se a historicizagio dos conteidos. esse sentido, o estudo da histéria das disciplinas escolares pode ‘oprofessoradoa melhor compreender tanto os fatores determinantes ramos de sua disciplina como as transformagdes pelas quais passa 0 mento cientifico até se tomar conhecimento escolar (Santos, 1994). eremos argumentar que a ampliagdo dessa compreensio facilita 20 sor a adogdo da postura que vimos sugerindo. 0 ltimo principio que dessjamos apresentar refere-se a uma visio jocada de conhecimento escolar e de sua transmissio, bastante freqdente escolas € nos curriculos, Durante muito tempo acreditou-se que certos ham necessariamente antes de outros, que havia uma logica que o pensamento caminhava linear e gradativamente na aquisig&o’ de mentos. Tanto a psicologia da aprendizagem como a filosofia tém hoje questionado tais pressupastos ¢ acentuado que 0 ito também pode dar saltos, que nem sempre a “melhor” ordem ¢ a s seqiiéncia logicamente os conteiidos, que os alunos e as alunas podem -certas coisas antes de outras, usualmentetidas como pré-requisitos, estimulados por processes de interago/atividade mental na cscola. cartesianismo que tradicionalmente caracterizou os processos de sclogo ¢ ode contetidos curriculares tem sido, assim, desafiado pelas novas uigBes da psicologia e da epistemologia ‘A metifora do conhecimento como uma arvore, com suas raizes ” fincadas em solo firme que sustentam troncos, ramos, galhos ¢ ‘vem sendo substituida pela metifora do conhecimento como umtrizoma, tirdo qual partem ramificagées e subdivisdes ndo ordenadas, permitindo nifo-lineares entre as diferentes estruturas, bem como miltiplas ibilidades de conexdes, aproximagdes, cortes, pencepgdes etc. Para Silvio Gallo (1995), 0 paradigma da rvore representa. uma concepgio mecanica do conhecimento c da realidade, que reproduz a fragmentario ¢ a hierarquizagao do saber. Por outro lado, a metafora do rizoma coloca cm questio a relagdo entre as varias areas do saber ¢ as representa por inimeras linhas que se entrelagam ¢ formam um conjunto complexo no qual os elementos remetem necessariamente uns 208 outros & ‘mesmo para fora do préprio conjunto. ‘Ao invés de uma proposta de interdisciplinaridade, que aponta para integragbes horizontais€ verticais entre as varias ciéncias, a nova metafora sugere uma transversalidade entre as virias areas do conhecimento, integrando-as de forma abrangente ¢ possibilitando inimeras cinimagindveis conexdcs. Colocam-se, assim, desafiantes implicagdcs para a claboragio de curriculos, pois se rompem as tradicionais modalidades de seqiienciag4o, hierarquizago e onganizago de saberes. ‘Queremos acentuar que os principios propostos podem e devem ser acrescidos de outros que sc derivem de outras fontes teoricas ¢ praticas. CONSIDERACOES FINAIS ‘io acreditamos que quaisquer tentativas de reformulagao curricular possam obter sucesso sem a. participagiio ¢ a adestio do proftssorado. Para garanti-las, nossas autoridades precisam empenhar-se de fato em: discutir € buscar resolver a questo salarial; enfatizar a competéncia docente ¢ avatiar experiéncias em curso; aferecer condigdes de estudo e de atualizagao (0 que requer: bibliotecas atualizadas nas escolas ¢utilizagdo de modemos recursos tecnoldgicos); melhorar as instalagdes escolares ¢, finalmente, revitalizar os cursos de formagio de docentes. Consideramos, ainda, que um esforgo de renovagao curricular centrado na escola c pautado na participagdio de docentes, estudantes, pais ¢ mies, bem como de membros da comunidade, nao se desenvolve sem que 0 prosesso de gestio nas escolas se afirme com demoeritico e participative Ou seja, propomos que sc revejam a hicrarquia c os principios de desenvolvimento da gestio escolar ¢ que as autoridades cstaduais ¢ municipais cestimulem estudos, debates ¢ experigncias nessa diregio, proceso que vimos defendendo requer, também, um programa constante de avaliago que se volte niio para classificar as escolas, mas sim para identificar erros ¢ acertos, subsidiar redirecionamentos ¢ apoiar novas iniciativas, Sugerimos, entlo, que avaliagdes continuas das instituigdes pibblicas de ensino, fundamentalmente desenvolvidas pelos que nelas atuam, ‘ainda que com a participaco de outros atores sociais, tenham por propdsito central aperfeigod-las ¢ democratiza-las. Insistimos em avaliagdes que possibilitem tanto uma maior compreensio do processo de aprendizagem Barriga, 1989) como a insergio de certas questées na pauta das ussBes pedagégicas. Mencionamos algumas: por que © proceso de endizagem ocorreu de uma dad maneira endo de outra? como o estudante beneficiou do processo e nele se percebeu? que aspectos da agao docente, p curriculo ¢ da escola favoreceram ou dificultaram a aprendizagem? de gue forma a utilizagio de verbas ¢ recursos favoreceu ou dificultou a yrendizagem? de que forma regulamemtagées e determinagaes is favoreceram ou dificultaram a aprendizagem dos estudantes? ideve scr feito para cvtar os problemas detctados? Por fim, sustentamos que a politica do livro didatico precisa ser revista. do se reconhece a importincia do livro texto na coneretizagao de uma forma curricular, cabe definir uma politica em consonincia com os objetivos g se espera alcangar. Para isso, & necessario analisar criteriosamente as igiidades envolvidas na adogio de politicas centralizadoras ¢ iadoras, que tanto podem subsidiar 0 aperfeicoamento da pratica ente ¢ reduzir atitudes anti~ticas por parte das editoras, como desfavorecer io de livros de cardter mais progressista ¢ restringir a ago do ado (Apple, 1993). E fundamental, ainda, uma avaliago cuidadosa livros a serem indicados, pautada em eritérios clara e demoeraticamente belecidos. E indispensavel, em ultima analise, evitar que 0 listribuigao do livro diditico, como recente estudo eS Je, 1993) mostrou ter acontecido no Rio de Janeiro, no final da de oitenta. ‘Como José Paulo Netto (1995), acreditamos que obsticulos crescentes 9 dificultar a caminhada neoliberal. Importa, enttio, no caso especifico pardmetros curriculares nacionais, ndio desistir, buscar desocultar os es envolvidos na deciso, forcar 0 dialogo, estimular a discussio ¢ truir formas alternativas de superagao da proposta oficial. Incentivamos | profiessores ¢ os estudiosos do campo do curriculo a se dedicarem com coho a tais tarefas. NCIAS BIBLIOGRAFICAS LDRICH, R. The national curriculum: an historical perspective. In: LAWTON, D. e CHITTY, C. (Eds.). The National Curriculum Londres: Institute of Education University of London, 1988 JAREZ MENDES, J. M. Tendencias actuales en el desarrollo curricular en Espaita. Educacién y Sociedad, (6):77-105, 1990 ES,N.e MOREIRA, A. F. B. Alternativas a proposta neoliberal de | curriculo, Rio de Janeiro: mimeo, 1995 DERSON, P, Balanco do ncoliberalismo. In: SADER, E. ec GENTILL, P. 2B Ey Pés-neoliberalismo: as politieas soeiais eo estado democritico. Rio de Janeiro: Paz ¢ Terra, 1995, APPLE, M. W. Education and power. Londres: RKP, 1982 APPLE, M, W, Official knowledge: democratic education in a conservative age. Nova lorque: Routledge, 1993 APPLE, M. W. e OLIVER, A. Indo para a direita: a educagao ea formacio de movimentos conservadores. In: GENTILI, P. 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Vasconcellos Custédio Luis Silva de Almeida Danito Gandin Eliane Pimenta Eliane Moreira Maria do Socorro de Sousa Rubens Micheloni Iida Righi Damke Leandro Rossa Maria de Lourdes Rangel Tura Equipe Técnica: Inn Edvanir LeSncio Lopes Ir. Severina Alves de Lima Maria do Carmo Michetti Catakio Maia Luiz Fernando Carvalho Mendonca Capa: Alfredo Salvador Vieira Coelho Editoragio eletrdnica: Editora SER Impressio: CORONARIO: Editora Grifica Ltda SIG/SUL - Qd. 06 Lotes 2340/50 70610-400 - Brasilia, DF Tel.: (061) 344-1012 Fax.: (061) 344-3949 AEC DO BRASIL SBN Quadra 01 - Bloco H - Loja 40 CEP: 7040-000 - Brasilia, DF Tel.: (061) 223-2947 FAX: (061) 226-3081 ee RR ees bet ed me eee eT Te Ee y AEC Ano 24 n° 97 - out/dez de 1995 O Curriculo para além das grades De Be

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