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SOCIAIS
Editora UFGD
DOURADOS-MS 2009
Antonio Baylos Grau
César Augusto Silva da Silva
Francisco das C. Lima Filho
Helder Baruffi (Org.)
José Eduardo de Resende Chaves Júnior
José Gomes da Silva
Luis Prieto Sanchís
Maria Goretti Dal Bosco
Maria José Romero
DIREITOS FUNDAMENTAIS
SOCIAIS
Editora UFGD
DOURADOS-MS 2009
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[…]
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS SOCIAIS
Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
APRESENTAÇÃO ........................................................................... 15
1 CENTRALIZACIÓN Y DESCENTRALIZACIÓN EN EL
MODELO ESPAÑOL DE FEDERALISMO SOCIAL.
(LA ASISTENCIA SOCIAL COMO EJEMPLO) ............................ 19
Antonio Baylos Grau
Maria José Romero
15
informações que lhe dizem respeito, constantes de registros ou bancos de
dados de entidades governamentais ou de caráter público), o mandado de
injunção (decisão da Justiça que interpreta, com força de lei para as partes,
um direito constitucional ainda não regulamentado por lei ordinária) e a
ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que serve para cobrar
da autoridade responsável o envio de norma para ser votada no Congresso,
a fim de cumprir cláusula constitucional. Qualificou como crimes
inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o Estado democrático
e a ordem constitucional. Fixou ainda a eleição direta do presidente da
República, dos governadores e dos prefeitos.
Ao fim destes 20 anos, no Brasil, observam-se avanços, mas perdura
uma grande distância entre as estruturas constitucionais de defesa dos
direitos humanos e os persistentes abusos, assim como a ausência de
garantias efetivas para protegê-los.
Os direitos fundamentais não podem se restringir aos direitos
individuais enunciados pelas revoluções burguesas do século XVIII. A
liberdade não consiste no contratualismo individual que sacraliza o direito
de propriedade e permite ao proprietário a “livre iniciativa” de expandir
seus lucros ainda que à custa da exploração alheia.
Num mundo assolado pela miséria de quase metade de sua
população, o Estado não pode arvorar-se em mero árbitro da sociedade,
mas deve intervir de modo a assegurar a todos direitos sociais, econômicos
e culturais. Assegurar o mínimo necessário à dignidade humana significa
atender às demandas geradas pelos direitos fundamentais das populações,
especialmente as mais pobres, e que se constituem nas principais
destinatárias das políticas públicas para suprir necessidades vitais de
sobrevivência minimamente digna.
O reconhecimento de um direito inerente ao ser humano não é
suficiente para assegurar seu exercício na vida daqueles que ocupam uma
posição subalterna na estrutura social. É necessário mais. É necessário
efetivar esse direito.
Há direitos de natureza social, econômica e cultural - como ao
trabalho, à greve, à saúde, à educação gratuita, à estabilidade no emprego,
à moradia digna, ao lazer etc. - que dependem, para a sua viabilização, da
ação política e administrativa do Estado. Nesse sentido, os direitos pessoal
e coletivo à organização e atuação políticas torna-se, hoje, a condição de
possibilidade de um Estado verdadeiramente democrático.
16
O objetivo central desta obra é trazer à luz reflexões iniciadas em
meados de 2007 sobre direitos fundamentais sociais quando a Faculdade de
Direito da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD se propôs
oferecer um Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direitos Humanos e
Cidadania, tarefa à qual se soma o credenciamento da Faculdade de Direito
para o oferecimento de cursos na área da Segurança Pública e Cidadania.
Para tanto, contamos com a colaboração dos professores catedráticos da
Universidade de Castilla –La Mancha, Antonio Baylos (UCLM- Ciudad Real)
e Maria José Romero (UCLM- Albacete), que em conjunto escrevem sobre
o modelo espanho de federalismo social como projeto aberto e a Assistência
Social como exemplo, sob título “Centralización y descentralización en el
modelo español de federalismo social. (La asistencia social como ejemplo)”
e do professor Luis Prieto Sanchís (UCLM-Toledo) que escreve sobre os
directos sociais e o princípio da igualdade substancial sob o título: “Los
derechos sociales y el principio de igualdad sustancial.”
No conjunto de reflexões sobre os direitos fundamentais sociais
positivados na Constituição de 1988 à luz da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, estão assinalados os artigos “A afirmação do direito
internacional dos direitos humanos e dos regimes internacionais de proteção:
a educação em direitos humanos” de César Augusto Silva da Silva; “Os
direitos fundamentais e a boa-fé como limites dos poderes empresariais”,
de Francisco das C. Lima Filho; “A educação como um direito do homem”,
de Helder Baruffi; “Representação e «presentação» dos trabalhadores”, de
José Eduardo de Resende Chaves Júnior; “Humanização da aplicação do
direito para dar-lhe o seu verdadeiro sentido” de José Gomes da Silva e
“Novo conceito da discricionariedade em políticas públicas sob um olhar
garantista, para assegurar direitos fundamentais” de Maria Goretti Dal
Bosco.
A leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem
como dos direitos fundamentais inscritos na Constituição Federal de
1988, na perspectiva aqui apresentada é uma contribuição que se propõe
às novas investigações e pesquisas que estão sendo desenvolvidas e como
contribuição à real efetivação dos princípios fundamentais dos Direitos
Humanos.
Faculdade de Direito
Helder Baruffi
17
CENTRALIZACIÓN Y DESCENTRALIZACIÓN EN EL
MODELO ESPAÑOL DE FEDERALISMO SOCIAL. (LA
ASISTENCIA SOCIAL COMO EJEMPLO)1
Sumário: 1.- El modelo español de federalismo social como proyecto abierto. 2. La Asistencia
Social como ejemplo.
postura centralizadora, incluso en polémica con algunas decisiones del TC que se analizarán
mas adelante en este texto, justamente en razón de la competencia autonómica en materia de
asistencia social.
7 APARICIO, J., La Seguridad social y la protección de la salud, Civitas, Madrid, 1988, p. 105.
8 APARICIO, J., La Seguridad social y la protección de la salud…cit., pp. 139-140.
9 El documento mas útil para comprobar el razonamiento de base económica, sobre la unidad de
marcado, se contiene en el Informe que realizó el Consejo Económico y Social de España sobre
este tema y que se puede consultar como CES, Unidad de mercado y cohesión social, Informe
3/2000, Consejo Económico y Social, Madrid, 2000.
21
y social de manera que se imponga la “unidad” del sistema de Seguridad
Social. Esta noción implica una regulación uniforme en todo el territorio
nacional que debe asegurar ante todo la “unidad de caja” y la solidaridad
financiera del sistema mediante la atribución al Estado de competencia
exclusiva sobre el régimen económico de la Seguridad Social, sin perjuicio
de reconocer facultades complementarias y subordinadas por parte de las
Comunidades Autónomas.
El segundo elemento de relieve es que el desplazamiento hacia la
unidad de mercado como forma de legitimación de la concepción fuertemente
centralizadora de los poderes definidos en materia de protección social la
protagonizan fundamentalmente los interlocutores sociales, es decir, las
asociaciones empresariales y los sindicatos más representativos de ámbito
estatal. El discurso empresarial y el de las confederaciones sindicales de
ámbito estatal, CC.OO. y UGT, convergen en este punto en torno a una
visión unitaria de las competencias en materia de protección social, en
la que la legitimación normativa y de gobierno del sistema de seguridad
social debe pertenecer al Estado, sin perjuicio de que la puesta en práctica
de estas reglas se encomiende a la esfera de acción de las Comunidades
Autónomas. Esta suerte de “jacobinismo social” está muy arraigado en el
planteamiento sindical confederal, y ha encontrado un discurso paralelo
en el empresariado español, históricamente estatalista y muy hostil a
los planteamientos políticos nacionalistas. El argumento es doblemente
importante por lo que no dice de forma explícita, y es que los interlocutores
sociales mediante esta reivindicación del nivel centralizado en la protección
social se aseguran la interlocución directa con el Estado en la reformulación
del modelo de Seguridad Social a través de acuerdos político – sociales, lo
que por cierto constituye una característica del modelo español ya presente
desde 1990 cuando se produjo la histórica negociación de la creación de
un segundo nivel de prestaciones del sistema, que dio lugar a la Ley de
prestaciones no contributivas10.
Por razones políticas o en función del interés del mercado unificado
a nivel del Estado, esta visión unificatoria – y sometida al acuerdo social
con sindicatos y empresarios - se concentra en las prestaciones económicas
10 La tendencia es mas acentuada a partir del cambio de siglo, y en concreto del llamado Acuerdo
para la mejora y el desarrollo del sistema de protección social de abril de 2001. Ver APARICIO,
J., “La evolución regresiva de la Seguridad Social en el período 1996-2002: hacia el seguro y el
asistencialismo”, Revista de Derecho Social nº 19 (2002), pp. 22-23; MONEREO, J.L., “El derecho
a la seguridad social”, en MONEREO, J.L., MOLINA, C., MORENO. Mª N. (Dirs.), Comentario
a la Constitución socio-económica de España, Comares, Granada, 2002, pp. 1507 ss.
22
que suministra el sistema de Seguridad Social. De forma que no puede
abarcar aquellos servicios que pueden llamarse de asistencia social, ni
tampoco aquellas prestaciones económicas que garantizan un cierto
mínimo vital a quienes no pueden acceder a prestaciones – contributivas o
no contributivas – del sistema de Seguridad Social. Estas áreas pueden ser
reguladas y gestionadas por los poderes soberanos regionales, posiblemente
porque el centro de gravedad de las mismas no se encuentra en la noción
de ciudadanía social cualificada por el trabajo, sino que se desliza hacia la
pobreza y la exclusión social como “tierra de frontera” del Estado social.
Un nuevo elemento se añade a la definición de este modelo de
federalismo social escorado hacia posiciones centralizadoras en la definición
de los poderes soberanos para la determinación del contenido y alcance de
la protección social. En el proceso de integración externa de los Estados
en la Unión Europea, con la cesión de soberanía que esto lleva consigo, la
política social ha venido siendo integrada en un esquema de armonización
legislativa mediante las normas comunitarias – normalmente Directivas –
que imponen un resultado generalizado y común en todos los países que
componen la Unión y que por consiguiente se centra en el poder normativo
del Estado como elemento clave para conseguir la armonización normativa
en la UE. A partir del Tratado de Ámsterdam y fundamentalmente de la
Cumbre de Lisboa para fijar la estrategia europea de empleo, se pone en pie
como técnica regulatoria el llamado método abierto de coordinación que,
al menos en lo que se refiere a la regulación social – no así en la regulación
laboral propiamente dicha – tiende a polarizar las formas de creación
del derecho europeo en esa materia11. La convergencia en los objetivos
estratégicos de la Unión – en materia de empleo, pero posteriormente
se ha ampliado este procedimiento a muchos otros dominios - en que se
sintetiza esta forma de producción normativa refuerza el rol de los Estados
miembros, y el protagonismo de éstos en la elaboración de sus políticas
internas12. El éxito de este procedimiento regulatorio y su aplicación a
materias tan decisivas como todo el tema de la cohesión social, refuerza la
11 Entre tantas reflexiones sobre el MAC, resulta siempre interesante la exposición de SCIARRA,
S., “The convergence of European Labour and Social Rights: Opening to the Open Method of
Coordination”, en BERMANN, G.A., y PISTOR, K. (Eds.), Law and Governance in an Enlarged
European Union, Columbia Law School, New York, Hart Publ., Oxford and Portland, Oregon,
2004, pp. 163 ss. Y ello pese a la relativa “decadencia” de este método de juridificación europeo
con la Comisión Barroso a partir de la Cumbre de Bruselas de 2005.
12 CABEZA, J., “Estrategia Europea, Estado Autonómico y política de empleo”, en AA.VV.., XVIII
Congreso Nacional de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Ed. Laborum, Murcia,
2007, pp.. 22 ss.
23
posición del Estado en su posición de poder soberano definido con amplia
capacidad normativa y regulatoria del sistema de protección social. El
Dictamen del Comité Económico y Social Europeo sobre el tema “Cohesión
Social: dar contenido a un modelo social europeo”13 insiste en esa idea al
ligar a los Estados la “responsabilidad de promover la cohesión y la justicia
social” y a sus Gobiernos la de proporcionar “sistemas de protección
social que garantizan una cobertura o protección social adecuada contra
los principales riesgos” en niveles que permiten “prevenir la pobreza y la
exclusión social”.
No obstante, no se trata de un modelo cerrado. Desde cada uno de
los vectores señalados se rastrean tendencias de signo opuesto. Así, en el
nivel político, es evidente el cambio de tendencia que se ha ido produciendo
en la configuración de los espacios de autogobierno a partir de la apertura
de un proceso de renegociación de los Estatutos de Autonomía de algunas
regiones, impulsada por el gobierno central como una segunda fundación
de la estructura territorial del Estado español. A lo largo del 2006 y a inicios
del 2007, es el caso emblemático del Estatuto de Autonomía de Cataluña,
aprobado por referéndum el 18 de junio de 2006, que sustituye al viejo
Estatuto de Sau, que data de 1979, y que ha sido impugnado ante el Tribunal
Constitucional entre turbulencias políticas notables14. Pero también el de la
Ley que reforma el Estatuto de Autonomía del Pais Valenciano, también en el
2006, la aprobación del Estatuto de Autonomía de Andalucía en referéndum
en el 2007, o los proyectos en marcha para la reforma del Estatuto de
Galicia, entre otros. En todos ellos, la consolidación de perspectivas mas
descentralizadas en materia de política social es una constante.
En lo que respecta al argumento que reposa sobre el principio de
unidad de mercado, posiblemente sea el que haya sufrido un mayor erosión
en función precisamente de la segmentación que ha sufrido el mercado de
trabajo y las consecuencias de esta fractura sobre el principio contributivo
básico en los sistemas, como el español, en el que el sistema de protección
social se construye desde la tutela general de la fuerza de trabajo. Las
desigualdades que genera la precariedad – en todas sus vertientes, también
en la psicológica y en la cultural15 – pero también las que se dan respecto de
16 LETTIERI, A., “Jonas o della crisi dei sistema pensionistici”, en GIOVANNINI, G. (Dir.), Il
futuro delle pensioni. Demografía, sostenibilità, ideología., Hediese, Roma, 2002, pp. 9 ss.
17 APARICIO, J., “ La evolución regresiva de la Seguridad Social….”., cit., pp. 41- 43.
18 MONEREO, J.L., Público y privado en el sistema de pensiones, Tecnos, Madrid, 1996.
19 LOPEZ GANDIA, J., “La protección social de los funcionarios públicos. Regulación actual y
perspectivas ante los sistemas privados de pensiones”, Revista de Derecho Social nº 25 (2004),
pp. 31 ss.
20 Como se comprueba al analizar los diferenciales del desempleo y de renta en las distintas regiones
25
Por último, también la construcción europea de la cohesión social y
de las políticas de empleo abre un amplio espacio a la acción de los órganos
de gobierno regional. No sólo porque el método abierto de coordinación
sólo puede ser fructífero “en la medida en que se anima la participación en
los ámbitos territoriales descentralizados”21, de forma que se atribuyen a
los órganos de gobierno regionales “crecientes competencias en el diseño,
desarrollo y aplicación de las políticas de empleo”, cuestión que converge
además con una cierta “territorialización” de las políticas combinadas
económicas y de empleo22. En materia de cohesión social, el eje de la acción
comunitaria y su propia finalidad pasa por las regiones que componen los
diferentes Estados de la Unión Europea, como subraya el propio art. 158
TCE al afirmar que para reforzar la “cohesión económica y social”, se
deben “reducir las diferencias entre los niveles de desarrollo de las diversas
regiones y el retraso de las regiones o islas menos favorecidas”, lo que se
manifiesta en la regulación concreta de los Fondos estructurales, dirigidos
directamente a las instancias infra-estatales que se localizan en el nivel
regional. Este papel por desempeñar en relación con la Unión Europea es
asumido explícitamente por los diferentes Estatutos de Autonomía de los
gobiernos autonómicos españoles. En todos ellos, pero especialmente la
hornada de la reforma estatutaria de los años 2006-2007 sobre la base del
impulso político al que ya se ha aludido, se establece que la Comunidad
Autónoma no sólo se concibe como un ente de autogobierno que actúa en
el ámbito de la comunidad nacional, sino que su espacio “de referencia” es
también la Unión Europea, lo que implica por otra parte la incorporación de
los valores, principios y derechos europeos en la esfera de decisión política
de la región23.
La tensión entre la unidad y la diversidad es por consiguiente un
modelo todavía abierto en el ordenamiento jurídico español, en el que se
españolas. En concreto, la rotación entre los parados y los trabajadores precarios y el nexo entre
estas dos categorías se revela como una característica del mercado de trabajo español y se localiza
en determinadas regiones del Estado español – como señaladamente en Andalucía o Extremadura.
21 CABEZA, J.,”Estrategia europea, Estado autonómico y política de empleo”…cit., p. 43.
22 CABEZA, J.,”Estrategia europea, Estado autonómico y política de empleo”…cit., p. 43.
23 Así, el Estatuto de Andalucía (2007) establece en su art. 1.4 que “la Unión Europea es ámbito
de referencia de la Comunidad Autónoma, que asume sus valores y vela por el cumplimiento
de sus objetivos y por el respeto de los derechos de los ciudadanos europeos”, el Estatuto de
la Comunidad Valenciana (2006) viene a decir lo mismo, pero explicitando que la Comunidad
Valenciana es una “región de Europa”, y el art. 3.2 del Estatuto de Autonomía de Cataluña (2006),
se afirma que “Cataluña tiene en el Estado español y en la Unión Europea su espacio político y
geográfico de referencia e incorpora los valores, los principios y las obligaciones que derivan del
hecho de formar parte de los mismos”.
26
observan frecuentes asimetrías en el sentido que se ha indicado. Un ejemplo
que se revela muy significativo de las tensiones regulativas que plantea el
modelo español lo proporciona el tratamiento de la asistencia social y el
reparto competencial que de ella resulta.
33 Los entrecomillados pertenecen al fdo jco 6º. En este aspecto, nuevamente hace regencia el voto
particular, niega el sentido innovador del art. 41 CE
34 Vid Fdo Jco 7º.
35 Fdo Jco 8º.
36 Entrecomillado Fdo Jco 6º.
31
dicho Sistema o de su régimen económico”37. Aún más, se entiende que es
una exigencia del Estado Social de Derecho que quienes no tengan cubiertas
sus necesidades mínimas por la modalidad no contributiva del Sistema de
la Seguridad Social puedan acceder a otros beneficios o ayudas de carácter
o naturaleza diferente, habida cuenta de que esta zona asistencial interna al
Sistema coincide con el art. 148.1.20 EC.
Por tanto, esta “unión” no puede impedir a las CCAA que actúen
en esta “zona común” cuando ostentan título competencial suficiente,
máxime si se considera que, “en determinadas coyunturas económicas, el
ámbito de protección de la Seguridad Social pudiera conllevar limitaciones
asistenciales y prestacionales que, por ello, precisen de complementación
con otras fuentes para asegurar el principio de suficiencia al que alude
el art. 41 CE. El tema es importante, porque mediante esta interpretación
constitucional, la aplicación de un cierto tipo de federalismo social mas
descentralizado a esta nueva fase de la protección social debiera suponer
“abandonar los viejos principios de control y jerarquía administrativa
centralizadora, y partir de verdaderos esquemas de autonomía financiera
y de gestión guiados por los principios de coordinación y leal colaboración
interadministrativa”38. En la actualidad, los avances legislativos en esta
materia son fruto de la permanente adaptación a las nuevas circunstancias
sociales. Estos cambios, deben conceptualizarse como fruto del dinamismo,
que se extiende por una parte hacia la consecución de la universalidad
subjetiva de cobertura39 y la universalidad objetiva, entendida como la
protección frente a los estados de necesidad en que los individuos pueden
verse inmersos, cuando se concretan en ellos ciertos riesgos sociales. Estos
riesgos social su conceptualización en nuestra opinión constituyen el centro
del debate, pues los mismos parecen que no tienen fin en su delimitación
y alcance, y ello entronca con el verdadero problema de qué necesidades
deben estar cubiertas por el Sistema de la Seguridad Social y además de
forma suficiente40 y cuales por la asistencia social y hasta qué nivel de
protección.
Introdução
1 BARAZAL, Neuza Romero. Yanomami: um povo em luta pelos direitos humanos. São Paulo:
USP, 2001, p.145.
2 KANT, Immanuel. À Paz Perpétua. Tradução Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM, 1989, p. 43.
3 HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução George Sperber,
Paulo Astor Soethe, Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004, p.193.
4 HABERMAS, Jurgen. Op. Cit. p.207-211.
35
delineadas pelo próprio Habermas conforme narra Soraya Nour5, de modo
a não haver intervenções de um Estado ou grupo de Estados em outro em
nome da humanidade, e também como descreve John Rawls6.
A idéia de Kant parece exigir que a sociedade civil organizada
coincida com a comunidade internacional, de modo que a coincidência
eliminaria automaticamente o estado de natureza entre as nações,
estabelecendo uma federação de povos isenta de coação, dentro do qual
os direitos de cada um pudessem estar assegurados, só sendo possível em
estados democráticos constitucionais. Na filosofia política kantiana um
sentido de hospitalidade e vizinhança amigável substitui a inimizade e a
agressividade entre as nações em direção a uma república de povos livres
confederados.
As instituições internacionais e não-governamentais de direitos
humanos, configuradas com o fim da Segunda Guerra Mundial, parecem
absorver esta filosofia kantiana e desde então procuram colocá-la em
prática ao monitorarem as atividades dos Estados nesta área: relatórios,
classificações e monitoramentos a respeito da cultura e implementação
destes direitos, em uma orientação para uma política cosmopolita dos
direitos humanos.
Como expressa o mesmo Habermas7, o desenvolvimento posterior
dos documentos internacionais acabou indo para além de Kant: a Carta
do Atlântico de 1941 e a Carta de São Francisco, fundadora da ONU,
de 1945, obrigam seus Estados-membros a observarem e cumprirem os
direitos humanos e as liberdades fundamentais, do mesmo modo que as
normativas posteriores que regulamentaram a Declaração e incorporadas
ao ordenamento jurídico da maioria dos Estados.
Os direitos humanos em sua idéia contemporânea têm concepção
histórica e moral, e por isso, devem também ser justificados a partir do
ponto de vista moral, e assim se aplicaria o princípio da universalidade.
Neste sentido, leve-se em conta o raciocínio de que os direitos humanos
implicam em direitos básicos mínimos, um chamado mínimo ético
universal propagada pela doutrina dos direitos fundamentais constitucionais
construídos doutrinariamente dentre outros pelo jurista tedesco Robert
Alexy8.
5 NOUR, Soraya. Á Paz Perpétua de Kant-filosofia do direito internacional e das relações
internacionais. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.168.
6 RAWLS, John. O Direito dos Povos. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 106.
7 HABERMAS, Jurgen. Op. cit. p. 212.
8 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução Ernesto Garzón. Madrid:
36
Na análise de Norberto Bobbio, por outro lado, depois da Declaração
Universal de 1948, pode-se dizer que a proteção dos direitos derivados
da dignidade humana passou a ter ao mesmo tempo eficácia jurídica e
valor universal, diferentemente de outrora. O indivíduo, por sua vez, de
sujeito de direito do Estado nacional passou a ser também sujeito de uma
comunidade internacional, com grande potencial para a universalidade,
ainda que o filósofo italiano considere impossível uma fundamentação
absoluta destes direitos9.
A Declaração pode ser vislumbrada, então, enquanto uma
hermenêutica autorizada da Carta de São Francisco, como reveladora dos
princípios gerais do Direito Internacional dos Direitos Humanos ou como
aglutinadora de regras gerais de natureza consuetudinária, terminando por
ocupar uma importância ímpar na sedimentação do respeito peremptório
aos valores que abrange e deve perpetuar.
E a inspiração kantiana em torno do cosmopolitismo pode ser
vislumbrada desde a Declaração Universal até a orientação política dos
atuais organismos internacionais em torno dos direitos humanos, encarando-
os como direitos morais derivados da dignidade humana cuja validade
ultrapassa a ordem jurídica dos Estados nacionais na ação humanitária ao
redor do mundo.
Direitos estes que não bastam estar em vigor e de serem realizados
pela força estatal, eles devem ter uma justificação racional para deste modo
ter uma validade universal, ou seja, válidos e exigíveis em qualquer lugar e
a qualquer momento, como buscava a antiga doutrina dos direitos naturais,
ainda que naquele contexto apenas uma idéia metafísica e que não levava
em conta o contexto histórico da situação concreta do homem.
Fora isso, a idéia dos direitos humanos não cabia no pensamento do
mundo antigo, não se encontrando esboço nenhum desse conceito universal
nas Institutas de Gaio, no Corpus juris civilis do direito romano, ou ainda
no Código de Manú. Conforme Michel Villey o termo “jura hominum” teria
aparecido pela primeira vez em 1537, na história diplomática do Rerum
Bataviarum10. A data deste texto indica claramente que o termo e a idéia dos
direitos humanos universais pertencem ao nascimento da modernidade e se
inserem na evolução gradativa que acompanha o direito e altera e amplia
seu conceito. Mas não indicava uma programação a realizar para consagrar
14 KANT, Immanuel. Filosofia de la historia. Tradução Eugenio Ìmaz. México: Fondo de Cultura
Económica, 1992, p.48.
15 BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo:Unimarco Editora,
2001, p. 240- 260.
16 ROSENAU. James N. CZEMPIEL. Ernst-Otto. Governança sem governo: ordem e transformação
na política mundial. Tradução Sérgio Bath. Brasília/São Paulo:UnB/Imprensa Oficial, 2000,
p.11- 46.
17 In: ROHDEN, Valério (coord.). Kant e a instituição da paz. Porto Alegre: UFRGS, 1997, p.92.
39
em que estivesse hospedado. Desse modo, aquele que se beneficiaria com a
hospitalidade estrangeira não pode dela se aproveitar para destruir o Estado
que o recebe e nem ameaçar sua própria existência.
Para Habermas, que dialoga com Kant, o objetivo a alcançar parece
ser este: o desejável seria contar com condições para o desenvolvimento
de uma política no interior dos Estados em nível planetário guiado pelo
princípio jurídico dos direitos humanos, essência de um chamado “Estado
cosmopolita” dotado de instrumentos normativos de força executiva para
fazer respeitar a lei e punir os delitos aos direitos humanos enquanto “ações
criminais”, em direção a uma democracia cosmopolita18.
E os direitos humanos, portanto, como expressão desta nova
dimensão de direito, de inspiração kantiana, cujo conteúdo normativo vem
evoluindo desde a tradição da doutrina do direito natural e da construção dos
Estados democráticos constitucionais, e na modernidade positivados desde
as Declarações francesas e norte-americanas do século XVIII, estariam
consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém com
um novo âmbito de validade de suas disposições, tal qual expõe Bobbio19.
Nesta perspectiva contemporânea, os direitos humanos procuram
responder ao antigo desafio de como garantir os direitos individuais e
sociais da cidadania, unindo-os e petrificando-os nas legislações nacionais
dos Estados, minimamente, e oferecendo todos os direitos devidos aos
seres humanos apenas porque são seres humanos. Apontando as possíveis
soluções das incertezas do convívio humano, ou seja, como os seres
humanos deveriam viver conjuntamente com um mínimo de rivalidade
e conflito, enquanto mantêm a liberdade de escolha e a auto-afirmação.
Como aponta Zigmunt Bauman:“como alcançar a unidade na diferença e
como preservar a diferença na unidade?20”
Para este desafio, o direito deve ir além do domínio reservado dos
Estados ou de qualquer outra organização política, buscando proteger
os chamados valores intrínsecos do ser humano, retomando a origem do
direito internacional, ao jus gentium21 clássico antes de sua concepção
moderna westphaliana criada em 1648. Em outras palavras, o direito
internacional dos direitos humanos consagra o ser humano como titular
22 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.150.
23 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Op. Cit. p. 1040-1109.
24 FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. Tradução Karina Janinni. São Paulo:
Martins Fontes, 2002, p. 9.
41
levando em conta toda a humanidade enquanto uma grande comunidade
universal do gênero humano em um contexto de descoberta do chamado
Novo Mundo aos olhos dos europeus.
Defende uma função instrumental para o Estado nacional, uma
concepção inserida na impossibilidade da divisão originária e natural da
comunidade dos homens. A divisão feita pelos Estados baseado nas noções
de nacionalidade e soberania foi uma necessidade destinada a amparar a
fragilidade da espécie humana, de modo a providenciar sua segurança e
defesa. Tal movimento não suprimiria a comunidade originária, e aqui
derivaria o jus communicationes, o direito que cada homem tem de ir de
um lado para o outro em torno do planeta Terra, sem ser molestado.
O professor de Teologia de Salamanca entre 1526 e 1546 fez uma
notável análise da legitimidade que teriam os espanhóis para dominar os
habitantes do Novo Mundo, os índios. Estabeleceu uma corajosa defesa dos
direitos dos indígenas naquele contexto histórico adverso aos habitantes
do Novo Mundo, marcado pela superstição e pelo domínio eclesiástico25.
Como analisa James Brierly26, o ensinamento de Vitória sobre este ponto
específico representou um passo fundamental para a transformação do
direito internacional em um ordenamento jurídico global.
Ou seja, significou que um direito nascido entre os príncipes cristãos
da Europa não se entendia como limitado a estes ou às suas relações
recíprocas, mas como um ordenamento universalmente válido porque
derivado de uma lei natural e costumeira aplicável a todos os homens e em
todos os lugares.
A idéia de uma ordem jurídica sem uma autoridade política central
ou eclesiástica suprema foi extremamente inovadora naquele contexto
do século XVII e teve conseqüências tão profundas para a história que
imortalizou os nomes dos doutrinadores do direito internacional, citados
anteriormente enquanto os fundadores da disciplina27. Porém, esta ordem
que consagraria tais autores não seguiria á risca seus ensinamentos quanto
ao jus gentium universal.
Ou seja, um novo direito que retorna em parte ás suas origens de jus
gentium romano amplificado com as reflexões dos primeiros doutrinadores
25 VITÓRIA, Francisco de. Os índios e o direito da guerra. Tradução Ciro Mioranza. Ijuí/RS:
Unijuí, 2006, p.59-91.
26 BRIERLY, James Leslie. Direito internacional. Tradução M.R. Crucho de Almeida. 4a ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1967, p. 25.
27 BOBBIT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da
política na formação das nações. Tradução Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Campus,
2003,p.484-494.
42
do direito internacional para a formação de um novo direito de modo a
abarcar a toda a humanidade no sentido cosmopolita kantiano, com o
enriquecimento e a dialética dos conceitos de igualdade e liberdade.
É lógico que os ideais políticos consagrados da plena igualdade
e liberdade entre os homens ainda é um objetivo a ser alcançado não
correspondendo ao que se observa hoje na realidade. No pensamento de
Hannah Arendt28 tal realidade podia ser vislumbrada na questão da negação
da cidadania para os refugiados e apátridas, no contexto da II Guerra
Mundial, situação inédita naquele contexto. Porém, a filósofa debateu este
problema antes do crescimento vertiginoso da agenda social da Organização
das Nações Unidas a partir da década de sessenta, incluindo deslocados
internos, apátridas e refugiados.
E assim mesmo, ainda que possuída de profundo ceticismo em relação
ao universalismo normativo dos direitos humanos e sua implementação,
considerando-os uma abstração apolítica, Arendt acaba reconhecendo
no limite o direito humano de pertencer a uma comunidade política e o
chamado “direito a ter direitos”, baseado em uma nova situação histórica,
reconhecendo a inevitabilidade da união da humanidade como uma próxima
realidade a ser vivida29.
Pois, é preciso lembrar os diferentes significados que podem ser
dados a liberdade e igualdade e de que o conflito proposto pelos blocos
socialistas e capitalistas durante a Guerra Fria, quando os direitos humanos
foram usados como plataforma de política externa30, não corresponde a
uma dicotomia absoluta: como lembra Bobbio31, estão em aparente conflito
a liberdade negativa e a igualdade material nas sociedades humanas, mas
não a liberdade positiva e a igualdade política.
Estão certamente em harmonia e não são excludentes a liberdade
positiva e a igualdade política. E como estão redefinidos os conceitos
da liberdade e da igualdade a partir da experiência humana neste último
quarto de século e nos documentos normativos que completariam os
regimes internacionais de proteção do ser humano, de fato, não há nenhuma
contradição em particular na Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 em afirmar a unidade de direitos que podem exigir um comportamento
intervencionista ou não do Estado na vida privada dos indivíduos.
28 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989, p.324-336.
29 ARENDT, Hannah. Ob. Cit. p. 330.
30 SCHLESINGER JR, Arthur. “Los Derechos Humanos y la tradición estadounidense” In: Foreign
Affairs – en espanhol. V. 3, n. 3, 2003, p.227- 245.
31 BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p 496.
43
Mas, independentemente da fundamentação teórica dos direitos
humanos, a iniciativa da criação da Declaração Universal iniciou uma
campanha política que conseguiu efetivamente inscrever de maneira
indelével os direitos humanos na agenda da política internacional e na
consciência coletiva dos povos, um notável feito considerando que ocorreu
em um dos séculos mais “desumanos” da história como bem observa
Arthur Schlesinger Jr32.
A Assembléia Geral das Nações Unidas adotaram pela resolução 217
A (III) a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10 de dezembro de
1948, que procurou romper com a tradição jurídica do direito internacional
advinda desde Westfália na medida em que procura reconhecer o ser
humano como titular de direitos e obrigações no plano internacional.
E como lembra o mesmo Bobbio33, desde então, o problema
fundamental contemporâneo em relação aos direitos humanos não é
justificá-los ou procurar princípios absolutos, mas o de protegê-los e realiza-
los efetivamente, enquanto o salto qualitativo da humanidade em direção a
um comportamento de boa convivência e respeito ao próximo. Em outras
palavras, o debate alcança o mundo político das sociedades e dos Estados,
e não se fixa apenas no campo da fundamentação filosófica.
E então, este novo regime jurídico, paulatinamente no campo da
política internacional, criou regimes internacionais tanto em nível global
como em nível regional, de modo a tutelar a proteção do ser humano
e monitorar as violações mais graves perpetuadas nas sociedades,
principalmente aquelas praticadas pelos agentes públicos dos Estados
nacionais contra sua própria população.
39 MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 3a ed. Petrópolis/
RJ: Vozes, 1985, pp. 200- 224. FICO, Carlos. Além do golpe – versões e controvérsias sobre 1964
e a ditadura militar. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2004, p. 85.
40 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Op.cit. p. 211.
41 BIELEFELDT, Heiner. Op. Cit. p 231.
46
do autor42. A teoria de Rawls com foco no debate do conceito de justiça
ambiciona encontrar um meio que permita superar o impasse entre as
tradições que acentuam a importância das liberdades privadas e dos direitos
civis em relação a outras que priorizam as liberdades políticas e os valores
da vida pública.
E sua teoria ainda incorpora a dimensão social e econômica dos
direitos humanos, por meio do seu segundo princípio de justiça, que tende
para a constituição de uma ordem social e política mais justa e igualitária.
E por fim, ainda engloba a dimensão humanista kantiana quando considera
a dignidade como auto-respeito enquanto um dos bens primários mais
importantes destinados a estar no centro de sua obra, além de fundamentar
os direitos humanos numa concepção de justiça cosmopolita liberal43.
O que realmente parece pretender Rawls é estabelecer uma
combinação ou afinidade entre diferentes tradições filosóficas representadas
pelo jusnaturalismo de John Locke, pela teoria da vontade geral de Jean
Jacques Rousseau e pelo cosmopolitismo de Immanuel Kant de modo a
elevar sua reflexão ao mais alto grau de abstração, levando em conta a
metafísica e o empirismo.
Como comenta Fernando Quintana44, a liberdade e a igualdade no
conceito de Rawls funcionam como condições ou requisitos formais para
que o consenso entre os seres humanos se opere de modo imparcial, e
também cooperativo. E estes princípios ao lado dos direitos civis, políticos
e sociais adquirem uma dimensão concreta na chamada justiça substantiva
ou material.
No pensamento de John Rawls, enfim, os direitos humanos são uma
verdadeira classe de direitos especiais que desempenham papel fundamental
em um direito internacional que ele incorpora a categoria da razoabilidade:
tais direitos restringem as razões justificadoras da guerra e põe um limite
à autonomia interna de um regime político, limitando a soberania como
é concebida desde a Segunda Guerra Mundial45. Aponta para os limites
da soberania absoluta clássica e da jurisdição doméstica dos Estados em
relação aos seus territórios.
42 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímolli. São
Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 275.
43 RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 107.
44 QUINTANA, Fernando. La ONU y la exégesis de los derechos humanos ( una discusión teórica
de la noción). Porto Alegre: Fabris Editor,1999, p.278.
45 RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 103.
47
E conforme Jack Donnelly os direitos humanos são um tipo especial
de direitos, constituindo-se fundamentalmente enquanto diretrizes de
direitos morais e cada vez mais reconhecidos no direito internacional e com
cada vez um maior número de países incorporando esses direitos em seus
sistemas jurídicos nacionais, e relativamente universais até o momento46.
Ou seja, apóia-se também nas reflexões de pensadores mais
contemporâneos o crescimento da tradição e da envergadura que ganhou o
direito internacional dos direitos humanos e seus regimes internacionais,
hodiernamente. Seu corpo jurídico, no sentido amplo, também abrange as
normas de direito internacional dos refugiados e o direito internacional dos
conflitos armados, estabelecendo uma interação dialética consistente com
estes ramos, formando um arcabouço jurídico que converge na proteção do
ser humano em tempos de guerra ou em tempos de paz.
Nesta linha, a jurisprudência da Corte Internacional de Justiça observa
que a proteção do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU
não cessa em tempos de guerra, assegurando que o direito humanitário e
outras leis aplicáveis em conflitos armados regulam as condutas e devem
proteger direitos, conforme narra John Burroughs47.
A Corte Internacional de Justiça e os demais tribunais internacionais,
especialmente os tribunais de direitos do homem, criaram jurisprudências
sólidas no sentido da convergência entre as vertentes do direito internacional
de proteção do ser humano e a respeito dos princípios que regem globalmente
os direitos humanos48.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, no caso
das Comunidades do Jiguamiandó e do Curbaradó ordenou a garantia de
proteção especial às chamadas zonas humanitárias para o refúgio, áreas
estabelecidas por milhares de famílias afrodescendentes, organizadas como
quilombos, que viviam nesses locais de modo autônomo. E as resoluções
posteriores desta Corte determinaram e confirmaram a criação gradual de
um verdadeiro direito à assistência humanitária conforme as Convenções
de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais de 197749, confirmando a
unidade dos direitos protegidos.
46 DONNELLY, Jack. International human rights. 2a ed. Denver: Westview Press, 1998, p. 19.
47 BURROUGHS, John. The legality of threat or use of nuclear weapons. Munster: Lit, 1998, p.
28.
48 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. “Direitos humanos: personalidade e capacidade
jurídica internacional do indivíduo” In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. (org.). Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p.199- 285.
49 UNESCO. O direito à assistência humanitária. Tradução Catarina Eleonora da Silva, Jeanne
Sawaya. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
48
Na compreensão de Christophe Swinarski50, as normas do direito
internacional dos conflitos armados podem ser complementadas por
outros sistemas de normas internacionais de proteção da pessoa humana,
especialmente pelo direito internacional dos direitos humanos, possuindo
ambos os regimes um “núcleo inderrogável”, com alguns conteúdos
jurídicos iguais, como o direito à vida, a proibição da tortura ou a proibição
da escravidão. O que deve ser dito, portanto, é que se forma uma verdadeira
ordem pública internacional de modo a consolidar obrigações erga omnes de
proteção por parte dos governos dos Estados nacionais e das sociedades.
Então, se pode afirmar que todas as normas internacionais
convencionais e até costumeiras que protejam direitos humanos impõem
obrigações erga omnes mediatas aos seus destinatários, incluindo que tal
consagração já se encontra no parágrafo 4o da Declaração de Viena de 1993,
sendo esta compreensão considerada praticamente pacífica na atualidade,
visto as posições assumidas pela Comissão de Direito Internacional da
ONU51.
Como já dito anteriormente, as diferentes normas, acordos e
convenções de direitos humanos, específicas ou gerais, formam os
regimes internacionais desta área, pois geram uma série de expectativas
mútuas e procedimentos recíprocos na linguagem da teoria dos regimes
internacionais.
Os regimes regionais de proteção da Organização dos Estados
Americanos (OEA), da União Européia (U.E), da Unidade Africana (U.A),
bem como incipientes regimes na região árabe e asiática ( Carta Árabe
de 1994 e Declaração do Cairo de Direitos Humanos de 1990) foram
instituídos e convivem mutuamente de forma complementar, criando
expectativas entre seus membros a respeito das aplicações e violações de
suas regras. Por sua vez, a Organização das Nações Unidas estabeleceu
seu principal corpo jurídico ao colocar em vigência, em 1976, os Pactos
Internacionais de Direitos Civis e Políticos e o de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais que regulamentaram a Declaração Universal de 1948,
produzindo ainda duas Conferências Mundiais, em 1968, de Teerã; e em
1993, em Viena, mesmo que num contexto conturbado, primeiro pela
Guerra Fria, e posteriormente, pelo desafio do relativismo cultural52.
55 ROULAND, Norbert.(org.) Direito das minorias e dos povos autóctones. Tradução Ane Lize
Spaltemberg. Brasília: UNB, 2004, p.230.
56 ROULAND, Norbert. Op. Cit. p.231.
57 In: ARBOUR, Louise.“ O dia dos direitos humanos e a pobreza”. In: Revista Jurídica Consulex
– Ano XI, n. 267, fevereiro de 2008, p. 21.
51
passaram também a ser regulado pelo direito internacional público, não mais
sendo domínio reservado dos Estados. E com a pessoa humana consagrada
como titular de direitos e deveres no plano internacional estabeleceu-se
uma relação entre a universalidade e a historicidade dos direitos humanos,
estando então superada a visão da doutrina do direito natural decorrente da
natureza imutável do ser humano considerado em abstrato, sem levar em
conta o contexto histórico das sociedades, como exprime Carlos Weiss58.
E ainda que se precise dar ouvidos às vozes de advertência e cau-
tela de Norbert Rouland de que “a concepção unitarista dos direitos
do homem não representa um horizonte insuperável e nem mesmo um
axioma universal”59, não se pode negar a tendência global do processo de
internacionalização e de crescimento vertiginoso dos valores pressupostos
na regulamentação contemporânea dos direitos humanos em todo o globo.
Mesmo porque a Proclamação de Teerã já expunha em seu artigo 5o que as
particularidades nacionais e regionais deviam ser levadas em conta, assim
como os diversos contextos históricos e culturais; sendo a Declaração
de Viena ainda mais contundente ao impedir a invocação do relativismo
cultural para justificar violações de direitos humanos.
O diálogo intercultural e inter-religioso com respeito à diversidade
e com fundamento no reconhecimento de que os outros seres humanos são
dotados de dignidade e direitos, ou seja, com fundamento no princípio da
alteridade, é condição para a formação de uma verdadeira cultura e educação
em direitos humanos. E o diálogo entre os regimes internacionais de
direitos humanos com as culturas religiosas vem confluindo desde algumas
décadas, e merecem destaque as reflexões de Mohamed Talbi60 a respeito
da humanização da Charia islâmica, de Zakaria El Berry61 sobre a harmonia
entre o Islã e os direitos humanos, e a de Damien Keown62 a respeito da
interpenetração entre o Budismo e os valores dos direitos humanos.
Por outro lado, a Declaração de Viena de 1993, que reafirma as
intenções da Declaração de 1948 na promoção dos direitos humanos, foi
aprovada sem nenhum voto contrário num universo de mais de cento e
58 WEISS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 113.
59 ROULAND, Norbert. Nos confins do direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado. São
Paulo: Martins Fontes, 2003, p.267.
60 V.TALBI, Mohamed. “Humanismo do Alcorão: humanizar a Charia - leitura vetorial do Alcorão
e da Charia”. In: DAL RI JR, Arno. ORO, Ari Pedro. (orgs.). Islamismo e humanismo latino-
diálogos e desafios. Petrópolis/RJ: Vozes/ Treviso/ Fondazione Cassamarca, 2004, p. 149-170.
61 EL BERRY, Zakaria. Os direitos humanos no Islã. Tradução Samir El Hayek. São Bernardo do
Campo/SP: Centro de Divulgação do Islã Para América Latina, 1989.
62 V. KEOWN, Damien. “Budismo e direitos humanos”. In: BALDI, César Augusto. Direitos
humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.323-358.
52
noventa nações e apenas reservas de interpretações mínimas. Considerada
o maior e mais completo documento internacional a respeito dos direitos
humanos, sendo aquele que realmente universalizou o conceito de direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana63.
A Convenção Internacional para Eliminar Todas as Formas de
Racismo (1965), os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e
Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Convenção Relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (1972), a Convenção para Eliminar
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979), a Convenção
contra a Tortura (1984), a Convenção Sobre os Direitos da Criança (1989),
e a citada Declaração de Viena (1993) - todas elas derivadas da Declaração
Universal de 1948, configuram o que se pode chamar de arcabouço jurídico
principal dos direitos humanos no sistema das Nações Unidas, e que em
outros termos, criam os regimes internacionais de proteção à pessoa humana
quando postos em ação, capazes de influenciar, constranger e modificar a
visão de povos e governos a respeito do tema em seu processo decisório.
Sendo que a maioria dos países do sistema internacional incorporou
estes textos aos seus ordenamentos jurídicos domésticos, incluindo grande
parte dos asiáticos e orientais, o que ocasiona constrangimentos em maior
ou menor grau entre àqueles que não cumprem suas regras e um clima
de mútuas expectativas e monitoramentos recíprocos, supervisionados por
órgãos tais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos
Humanos – ACNUDH – ou o Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados – ACNUR – e agora o novo CDH - Conselho de Direitos
Humanos - que substitui a antiga Comissão, e no momento como órgão
subsidiário da Assembléia Geral das Nações Unidas ganhando um novo
status no sistema internacional.
E este novo Conselho de Direitos Humanos, inaugurado em 2005,
terá como missão, dentre outros objetivos: a) coordenar e incorporar
os direitos humanos à atividade geral do sistema das Nações Unidas;
b) impulsionar a promoção e proteção de todos os direitos humanos; c)
promover a educação em direitos humanos em todos os países membros;
d) prevenir as violações dos direitos humanos; e) promover o cumprimento
das obrigações dos Estados em matéria de direitos humanos; f) contribuir
para o desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos.
Óbvio que grande parte destas funções já eram desempenhadas
quase todas pela antiga Comissão de Direitos Humanos, e, portanto, este
63 LINDGREN ALVES, José Augusto. “Fragmentação ou recuperação”. In: Revista Política
Externa, São Paulo: Paz e Terra, vol.13, n. 2, setembro/outubro/novembro de 2004, p.10-11.
53
novo organismo tem como mudança principal o fato de que possui maior
visibilidade política enquanto órgão subsidiário da Assembléia Geral
em relação à Comissão que dependia do Conselho Econômico e Social
e também o fato de que haverá mais reuniões ordinárias por ano e mais
temas em pauta.
O desenvolvimento do direito internacional e da educação em
direitos humanos, como se vê, são dos principais objetivos da nova
Comissão de Direitos Humanos e espera-se que tais metas estabeleçam
uma cultura contínua de direitos humanos e que as demais metas possam
elevar o novo Conselho de Direitos Humanos a uma condição de organismo
protagonista e permanente da ONU.
E dentre os objetivos traçados por este sistema de proteção que se
propõe a afetar todos os povos da terra somente com a cooperação, vontade
política dos governos e ação coordenada e decidida em torno das garantias
e liberdades fundamentais da pessoa humana, teremos a educação em
direitos humanos de modo a obter resultados a médio e longo prazo de sorte
a modificar ao longo do tempo o quadro internacional de violações maciças
de direitos humanos que continuam ocorrendo ao redor do mundo.
64 COSTA RICA. Manual de educación em derechos humanos. 2. ed. San José/Costa Rica: Instituto
Interamericano de Derechos Humanos/Unesco, 1999, p. 151.
65 DA COSTA, José André. “Emmanuel Levinas – direitos humanos e reconhecimento da
alteridade” In: CARBONARI, Paulo César. Sentido filosófico dos direitos humanos – leituras
do pensamento contemporâneo. Passo Fundo/RS: IFIBE, 2006, p.177- 204.
66 V.BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos
Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Unesco, 2007, p.15.
55
governamentais sobre os valores dos direitos humanos. Fora isso, também é
importantíssimo sua exposição a respeito da educação em direitos humanos
para os profissionais que atuam no sistema de segurança e justiça, bem
como com os profissionais da imprensa falada e escrita, de modo a formar
ao longo do tempo uma verdadeira cultura de direitos humanos e evitar
visões populares equivocadas tais quais a que os ativistas e organizações
de direitos humanos só protegem criminosos.
É importante destacar que a educação em direitos humanos não
se confunde com o ensino de disciplinas como Educação Moral e Cívica
ou Organização Social de Problemas Brasileiros tão comuns à época do
regime militar de 1964 a 1984, que levavam a exaltar o patriotismo e o
nacionalismo de forma exacerbada.
Pelo contrário, a educação em direitos humanos seria um projeto
para o porvir dos povos, das sociedades e dos Estados. Prega os valores
da liberdade enquanto autonomia, da igualdade, da tolerância e do
reconhecimento do outro, ou seja, das identidades e igualmente das
alteridades. È neste sentido que tanto o Manual de Educação do Instituto
Interamericano de Direitos Humanos quanto o Plano de Educação em
Direitos Humanos do Brasil frisam o aspecto do ensino dos valores desde a
infância até os profissionais adultos que operam o direito67.
É necessário, então, um amadurecimento de consciência e ao mes-
mo tempo um estímulo para a busca de efetivação dos direitos humanos.
Pois, deve-se buscar o avanço do dos regimes de proteção aos direitos
humanos também por dentro dos Estados, conscientizando as autoridades
nacionais e a sociedade civil organizada de seus direitos e deveres derivados
dos valores herdados do Iluminismo, do racionalismo, da tolerância
e das grandes religiões monoteístas do mundo de modo a combater o
obscurantismo derivado de nacionalismos exacerbados, xenofobias,
terrorismos e relativismos culturais usados para não aplicar ou justificar as
violações aos direitos humanos ao redor do mundo.
O direito internacional dos direitos humanos, portanto, possui
múltiplas fontes normativas, uma hermenêutica própria inspirada
fundamentalmente no pensamento cosmopolita kantiano, uma dialética
com outros ramos do direito internacional, e forma regimes internacionais
que buscam a realização de suas normas criando expectativas positivas e
negativas nos Estados em torno do cumprimento ou das violações, o que
Conclusão
Introdução
12 Vide o que se encontra previsto nos arts. 1º, incisos III e IV, 4º, inciso IV, 5º, inciso X, da Carta
da República brasileira, de 1988.
13 Como lembra J.J. Abrantes, a própria estrutura do contrato de trabalho “contém implicitamente
uma ameaça para a liberdade e para os direitos fundamentais do trabalhador”. ABRANTES, J. J.
Contrato de trabalho e direitos fundamentais. Lisboa: Themis, 2001, n. 4, p. 24-25.
66
empresarial e da subordinação pode limitar e condicionar o exercício
desses direitos. Por isso, os direitos fundamentais se impõem aos poderes
empresariais durante o seu exercício, e isso ocorre ainda quando, como
entre nós a norma laboral (CLT) não tenha incorporado, pelo menos
expressamente, um sistema específico de proteção a esses direitos, embora
em certos momentos a eles haja se referido, como por exemplo, no art. 483.
Mas, apesar dessa omissão, os direitos fundamentais se impõem de forma
automática a partir da Constituição, limitando e controlando o exercício
das faculdades empresariais de modo a impedir que o trabalhador possa
ter sua dignidade afetada pelo exercício abusivo dos poderes empresariais
pelo empregador.
De outro lado, o princípio da boa-fé que, indubitavelmente incide
nas relações laborais, na medida em que, como princípio geral (art. 422 do
Código Civil) informa todo o ordenamento jurídico, gera deveres recíprocos
no contrato de trabalho. A inserção do princípio da boa-fé no Direito do
Trabalho na atualidade, já afirmamos certa feita14, parece não mais merecer
nenhum reproche ou questionamento, pois o dever de atuar com fidelidade,
lealdade e que tem relação direta com os critérios de colaboração e
solidariedade das partes, tem implicação no contrato individual de trabalho
constituindo um limite ao poder de direção empresarial balizando o atuar
empresarial na fase pré-contratual, na execução do contrato e posteriormente
ao rompimento deste.
Assim, trabalhadores e empregadores devem cumprir suas obrigações
e exercer suas faculdades, direitos e poderes também de acordo com o
princípio da boa-fé, na medida em que esta é concebida como norma de
comportamento leal e honesto de ambas as partes. Hoje em dia, se exige
a boa-fé não só do trabalhador, mas, sobretudo, do empresário. Por isso, a
boa-fé pode se converter em um meio eficaz, juntamente com os direitos
fundamentais, de limitação e controle dos poderes empresariais fazendo
ociosa a referência a outras noções, como o interesse da empresa.
Como lembra abalizada doutrina15, na atualidade, a boa-fé não
constitui apenas um instrumento de submissão, mas também de informação,
cooperação e adaptação, para responder as necessidades de transparência,
14 LIMA FILHO, Francisco das C. O princípio da boa-fé como limite da negociação coletiva. Tese
de mestrado preparatória para doutoramento em Direito Social lida em 03.10.03, na Univesidad
Catilla-la Mancha – Espanha. Inédita.
15 GIL Y GIL, José Luís. Principio de la buena fe e poderes empresarias. Servilla (Espanha):
Consejo Andaluz de Relaciones Laborales, 2003, p. 195-196.
67
diálogo, participação, gestão antecipada das competências e qualificações.
Por conseguinte, a boa-fé permite assegurar o dinamismo próprio da vida
social e é uma condição de viabilidade da empresa: uma comunidade
não pode subsistir se está fundada na deslealdade. É, pois, uma noção
prometedora no Direito do Trabalho, constituindo, sem dúvida, um limite
ao exercício dos poderes de direção empresarial.
Dessa forma, no campo das relações laborais os direitos funda-
mentais dos trabalhadores apenas poderão ser limitados se, e na medida
em que, haja colisão com interesses relevantes da empresa, ligados ao bom
funcionamento da mesma e ao correto desenvolvimento das prestações
contratuais, e, ainda assim, guardada em qualquer caso, a boa-fé, e
sempre em obediência aos critérios de proporcionalidade e de respeito
pelo conteúdo mínimo do direito atingido. Por isso, e como mecanismos
de limitação ao poder de organização e disciplina empresarial, há todo
um arcabouço interno (constitucional e legal) e internacional (tratados e
convenções, especialmente as convenções da OIT) de proteção aos direitos
fundamentais da pessoa do trabalhador. Entre os direitos que podem ser
afetados no seio da relação de trabalho e antes mesmo que ela tenha início, e
que são especialmente protegidos, pode ser citado, exemplificativamente, o
direito de proteção à intimidade, à honra, à imagem, bem como o direito do
trabalhador de não ser discriminado, conforme se verá nos itens seguintes
do presente trabalho.
16 PONTES DE MIRANDA. F.C. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, v. VIII, 1971,
p. 124.
17 ARIEL DOTTI, René. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação. São Paulo: RT,
1980, p. 69.
68
que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à
pessoa mesma18.
Para Delia Matilde Ferreira Rubio19, a intimidade pode ser vista sob
três aspectos: a) a tranqüilidade, que nas palavras utilizadas pelo juiz Cooley
em 1873 significa “o direito de ser deixado só e tranqüilo” ou “o direito de
ser deixado em paz”; b) a autonomia, consubstanciada na liberdade que
cada indivíduo tem para escolher entre as diversas possibilidades que se
lhe apresentam, em todas as instâncias de sua existência, sem intromissões
indesejadas que desvirtuem a sua escolha; c) o controle de informação
pessoal, no sentido de manter ocultos certos aspectos da vida e de possibilitar
que o indivíduo controle o manejo e a circulação da informação que, sobre
a pessoa, haja sido confiada a um terceiro.
Pode-se, pois, afirmar que a intimidade é o âmbito do exclusivo que
alguém reserva para si, sem a intromissão e sem nenhuma repercussão
social, nem mesmo ao alcance de sua vida privada, na medida em que,
por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros em que a
comunicação, ainda que reservada, é inevitável20.
Para Carlos Alberto Bittar21, o direito à intimidade é “o direito a não
ser conhecido em certos aspectos pelos demais. É o direito do segredo, a
que os demais não saibam o que somos ou o que fazemos”.
O direito à intimidade é, assim, o direito personalíssimo que permite
22 Auto 257/1985, de 17 de abril (fundamento jurídico 2). In: ROSADO IGLEIAS, Gema. La
titularidade de derechos fundamentales por la persona jurídica. Valência: tirante lo blanch,
2004, p. 187.
23 MONTEIRO BARROS, Alice. Proteção à Intimidade do Empregado. São Paulo: LTr, 1997,
p. 32-33.
70
e como mera especificação de um direito pré-existente do trabalhador
enquanto cidadão, este direito se recolhe entre os direitos básicos dos
trabalhadores no Texto de 1988 (arts. 1º, I, e 5º, X).
Desse modo, e apesar de não ter dado a necessária e indispensável
importância à tutela da vida privada do trabalhador que, diga-se de passagem,
sempre é afetada de algum modo pelo poder diretivo empresarial, a velha
CLT, no seu art. 483, contém proibição de ofensa à honra e à boa fama do
empregado pelo empregador. Consequemente, não só os delitos de calúnia,
injúria ou difamação, mas também outros comportamentos capazes de
atingir o trabalhador em sua dignidade pessoal devem ser tidos como
atentórios à honra, enquanto ofensa à boa fama implica expor o empregado
ao desrespeito de outrem.
Constitui, pois infração muito grave, a conduta ou ato empresarial
que resultar contrário à intimidade e a consideração devida à dignidade
do trabalhador. Tanto assim, que o Código Civil (art. 12) autoriza medidas
judiciais que visem não apenas a reparação dos danos decorrentes da violação,
inclusive danos morais (art. 5º, inciso X, do Texto Maior), mas também, e
principalmente, que façam cessar a ameaça a essa espécie de direito (direito
da personalidade24), valendo anotar que essas medidas tendentes à proteção
da dignidade e da intimidade do ser humano, trabalhador ou não, podem ser
propostas não apenas pela vítima da agressão ou da ameaça, mas também
pelo cônjuge (ou companheiro) sobrevivente ou qualquer parente na linha
reta ou colateral até o quarto grau, o que evidencia a importância que o
legislador emprestou à tutela dessa espécie de direitos25.
No campo das relações de trabalho o direito à dignidade e à
intimidade do trabalhador atua como uma espécie de blindagem dos
32 No âmbito da União Européia as Diretivas 94/46/CE (art. 6º, item a, letras a e b) e 2002/58/
CE prevêem expressamente o princípio da lealdade e da boa-fé na coleta, armazenamento e
divulgação dos dados do indivíduo. De acordo com referidas Diretivas os dados devem ser
recolhidos com o conhecimento do respectivo titular, vedando-se a coleta por meio de terceiros,
o que implica ausência de controle pelo próprio titular. Impõe-se, ainda, que os dados somente
sejam utilizados para os fins para os quais foram colhidos, ou seja, só podem ser utilizados para
a realização dos objetivos propostos e desde que autorizados pelo titular.
33 MALTA VIEIRA, Tatiana. Ob. cit., p. 283.
75
públicos, como a investigação criminal e o exercício da atividade de
inteligência. Nessas hipóteses, há o entendimento de que se instala uma
situação de colisão entre o direito fundamental à privacidade e à intimidade e
o valor constitucional segurança pública, devendo ser aplicado em qualquer
hipótese o princípio da proporcionalidade para resolução do conflito.
Mas, se é certo que o contrato de trabalho não pode constituir, por
si só, título hábil para a introdução de limitações aos direitos fundamentais
que correspondem ao trabalhador como tal e como cidadão, não é menos
verdadeiro que o direito à intimidade, à própria imagem, ao segredo
das comunicações não é absoluto. Portanto, pode ceder ante interesses
constitucionalmente relevantes, sempre que a limitação que possa
experimentar se revele necessária para alcançar o fim previsto, proporcionado
para alcançá-lo e, em qualquer caso, seja respeitado o conteúdo essencial
do próprio direito34.
Não existe uma obrigação geral incompatível entre o necessário
respeito aos direitos fundamentais do trabalhador e ao emprego, pela
empresa, no âmbito de suas faculdades de organização nos sistemas que
permitem obter informações reveladoras do grau de cumprimento das
obrigações laborais, suscetíveis de sua posterior reprodução como meio de
prova das irregularidades apreciadas desde, é claro, que seja estabelecido
um ponto de equilíbrio entre o emprego e as restrições e o sacrifício que
supõe para os direitos considerados. Por conseguinte, é necessário fazer
a adaptabilidade dos direitos do trabalhador aos objetivos da organização
produtiva a que ele se integra, levando em conta a razoabilidade destes.
Desse modo, parece razoável defender com Javier Gárate Castro35
ser possível a limitação proporcionada desses direitos pelo recurso a
mecanismos de captação de imagens, sons, palavras ou outros dados e, por
extensão a reprodução do conteúdo captado como prova:
a) quando restar suficientemente comprovado que aquele recurso é
adequado ou útil para a satisfação de um interesse empresarial legítimo e,
portanto, merecedor de tutela e seja relacionado com o correto e ordenado
desenvolvimento da atividade produtiva, de forma que não basta a mera
invocação do interesse para justiçar a limitação;
34 No ordenamento jurídico nacional, o art. 11 do Código Civil estabelece que: “Com exceção dos
casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não
podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
35 CASTRO, Javier Gárate. Derechos Fundamentales del Trabajador y Control de la Prestación
de Trabajo por Medio de Sistemas Proporcionados por las Nuevas Tecnologías. In: Minerva.
Revista de Estudos Laborais. Lisboa: Almedina, Ano V, n. 8, março/2006, p. 151-180.
76
b) a própria limitação ou modificação do direito fundamental afetado
se mostre proporcionada para o fim que se pretende alcançar, ou seja, resulte
indispensável ou estritamente necessária para lograr referida satisfação do
interesse empresarial da maneira menos agressiva ou restritiva do direito
sobre o qual se projeta.
No Brasil, a doutrina36 entende que o direito à autodeterminação
informática do trabalhador – candidato a emprego ou empregado –, por
constituir uma nova fase do direito à intimidade e à vida privada, tem
proteção efetiva no disposto no art. 5º, inciso X, Constituição de 1988, não
sendo necessária a existência de legislação regulamentadora da garantia, o
que parece correto, na medida em que o direito à intimidade, constituindo
uma dimensão da dignidade humana, garantida como um dos fundamentos
da República Brasileira no texto expresso da Constituição, é auto-aplicável,
máxime porque também garantido em vários Tratados Internacionais sobre
os direitos humanos de que o Brasil é parte. Aplica-se, pois, o disposto no
art. 5º, § 1º da Carta de 1988.
A dignidade e a intimidade do trabalhador implicam o uso
ponderado dos poderes empresariais de direção e organização do trabalho
e, particularmente, no tocante ao controle e vigilância.
Com efeito, se é certo que o empresário pode adotar medidas que
entenda mais oportunas de vigilância e controle, entre elas podendo figurar
meios audiovisuais, óticos ou outros de igual eficácia, a contratação dos
serviços de profissionais, ou o registro sobre a pessoa ou dados pessoais
do trabalhador, não é menos verdadeiro que tais medidas somente podem
ser consideradas legítimas se referidas à verificação do cumprimento das
obrigações laborais. Não se pode jamais admitir a intromissão na esfera
íntima ou na vida privada do trabalhador, devendo, por isso mesmo, guardar
sempre a consideração devida à sua dignidade humana (art. 1º, III e 5º, X da
Constituição de 1988).
Desse modo, a revista pessoal, que envolve os objetos que
acompanham o trabalhador, assim como a sua própria pessoa, somente
pode ser admitida – sempre em caráter excepcional – para salvaguardar
o patrimônio do empregador e a segurança dos demais trabalhadores.
Todavia, sua admissão não pode em hipótese alguma colocar o trabalhador
em situação vexatória, pois o direito de propriedade não pode jamais se
sobrepor à dignidade do trabalhador.
36 SIMÓN, SANDRA LIA. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do
empregado. São Paulo: LTr, 2000, p. 167.
77
Nesse sentido, vale trazer à colação o seguinte julgado que bem
soube interpretar e garantia:
39 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O monitoramento de e-mail no local de trabalho. In: Revista de
Derecho Social Latinoamérica. Buenos Aires: Editorial Bomarzo, v. 1, 2006, p. 199-202.
40 CASTRO, Javier Gárate. Ob. cit., p. 176-177.
80
trabalhador controlado, na medida em que tal procedimento implica
limitação ao direito à privacidade ou a intimidade do empregado e ainda ao
sigilo de suas correspondências, constitucionalmente garantido que jamais
poderá ser violado apenas em nome do poder diretivo empresarial e do
direito de propriedade.
Deve-se levar em conta, sempre, que a restrição de direito fundamental,
embora excepcionalmente admitida, deve ser justificada pela necessidade
de garantir outro bem ou direito constitucionalmente protegido, pois como
averba Rafael Naranjo de la Cruz41 “la restricción del derecho fundamental
deve tener en cuenta también que éste disfruta igualmente de protección
constitucional, aí como el carácter supremo de la misma. Por tanto, el
limite ha de aparecer justificado por la necesidad de garantizar otro bien
o derecho constitucionalmente protegido; ser adecuado, esto es, útil para
consecución del fin propuesto; necesario, por no existir otro igualmente
apto para garantizar el bien que se le opone que, sin embargo, no afecta el
derecho fundamental en cuestión, o lo haga en menor medida; y finalmente,
debe ser proporcional en sentido estricto, es decir, corresponderse a la
importancia que, desde un punto de vista constitucional, cabe atribuir a
cada una de las manifestaciones de los bienes en juego”.
Desse modo, não é possível comungar com o entendimento daqueles
que admitem que o empregador possa monitorar o e-mail do trabalhador
pela mera circunstância de ser proprietário do computador. Sendo o e-mail
mera ferramenta de trabalho o empresário pode “monitorar e rastrear a
atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail corporativo,
isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob
o ângulo material ou de conteúdo”42. Ao se admitir essa tese como válida,
estar-se-ia privilegiando o direito de propriedade em detrimento ao direito
à privacidade, à intimidade do trabalhador e ao sigilo de correspondência,
constitucionalmente garantidos (art. 5º, incisos X e XII da Carta de 1988).
O simples fato de uma linha telefônica e aparelho pertencerem a uma
empresa evidentemente não confere à organização o direito de interceptar
as ligações de seus empregados sem autorização judicial. Deve-se, pois,
48 Porque nestes entes é legítimo exigir-se do trabalhador uma mínima sintonia com o “ideário
empresarial”, como assentado pela jurisprudência espanhola (STC 47/1985, de 27 de março).
49 MOLINA NAVARRANTE, Cristóbal et al.Ob. cit., p. 28.
50 DELGADO, Mauricio Godinho. Proteções contra discriminação na relação de emprego. In:
Discriminação. VIANA, Márcio Túlio et al (Coord.). São Paulo: LTr, 2000, p. 96.
86
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a discriminação constitui a
diferenciação de tratamento sem que haja motivos lógicos para tanto, como
decorrência de algum tipo de preconceito em face de determinado atributo
pessoal do discriminado como sexo, orientação sexual, cor, etnia, etc.51
De acordo com os termos da Convenção Internacional Sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, ratificada pelo Brasil e,
portanto, integrante do ordenamento jurídico nacional, discriminação é:
51 Nos termos do art. VII, da Declaração Universal dos Direitos do Homem “Todos são iguais
perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a
igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal discriminação”.
52 SILVA, Alexandre Vitorino. Direitos à prestações positivas e igualdade. São Paulo: LTr, 2007,
p. 42.
87
através da insidiosa figura do assédio moral53 e sexual54. Mas nem por isso
o Estado está isento do seu dever indeclinável de proteger os indivíduos
perante os particulares, que na realidade não passam de terceiros vinculados
pela irradiação do princípio da igualdade55, inclusive a jurisprudência do
STF vem apontando nesse rumo ao admitir a possibilidade da incidência dos
direitos fundamentais nas relações privadas, consideradas as peculiaridades
do caso concreto56.
Como se pode perceber do texto da aludida normativa internacional,
a discriminação nele prevista assume um caráter negativo, ilícito, de
exclusão, de reprovabilidade. É esse tipo de discriminação que nos interessa
analisar no presente trabalho, e mais que isto, sua incidência e repercussão
no campo das relações laborais.
Para a Convenção 111 da OIT, que trata do tema, o termo discrimi-
nação compreende: a) toda “distinção, exclusão ou preferência fundada na
raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem
social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade
ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”; b) qualquer “outra
distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar
a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou
profissão que poderá ser especificada pelo membro interessado depois
53 Assédio moral é constituído pelo atentado à dignidade da pessoa exercido de forma reiterada,
potencialmente lesivo e não desejado, dirigido contra um ou mais trabalhadores, no local de
trabalho ou em conseqüência do mesmo, constituído por toda conduta abusiva (gestos, palavras,
comportamentos, atitudes..) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade
ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, podendo ainda colocar em perigo seu emprego
ou degradar o ambiente de trabalho. LIMA FILHO, Francisco das C. Elementos constitutivos do
assédio moral nas relações laborais e a responsabilização do empregador. In: Revista do Ministério
Público do Trabalho do Mato Grosso do Sul. Campo Grande: n. 01, 2007, p. 151-204.
54 O que caracteriza o assédio sexual é o pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, ou sócio
da empresa, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou de ameaças, ou
atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a demissão, a perda de promoções, ou
ainda outros prejuízos, como a transferência indevida, e/ou pela insistência e inoportunidade.
55 A respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais vale consultar STEINMETX, Wilson.
A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 271-274.
Para referido autor: “Se for correta a tese de que direitos fundamentais vinculam, além dos poderes
públicos, também os particulares e se a CF enuncia que “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata” (§ 1º do art. 5º), “então, e esta é a única conclusão
plausível, normas de direitos fundamentais operam eficácia ou aplicabilidade imediata também
entre os particulares”. Também defendendo a eficácia horizontal dos direitos fundamentais vale
consulta UBILLOS, Juan Maria Bilbao. La Eficacia de Los Derechos Fundamentales Frente a
Particulares – Análisis de la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional. Madrid: Boletín Oficial
del Estado, 1997, p. 243.
56 No RE 158.215-4/RS, a Suprema Corte admitiu a incidência direta dos direitos fundamentais
sobre relações particulares.
88
de consultadas as organizações representativas de empregadores e
trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados”.
Tomando em conta o que estabelecido na mencionada normativa
internacional, no campo da relação de trabalho, discriminação é a
diferenciação de tratamento, sem que haja motivos lógicos para tanto, como
decorrência de algum tipo de preconceito em face de determinado atributo
pessoal do trabalhador (sexo, orientação sexual, etnia, nacionalidade, etc),
“que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de
tratamento em matéria de emprego ou profissão”.
É claro que as hipóteses de discriminação no campo das relações
laborais não estão limitadas àquelas previstas na aludida normativa
internacional.
Como lembra Elaine Machado Vasconcelos57, entre as muitas
condutas discriminatórias na atividade laboral brasileira, destacam-se as
seguintes:
a) os negros, os homossexuais e os portadores do vírus HIV têm
acesso dificultado e muitas vezes negado nas seleções para vagas de
determinados empregos;
b) os negros, as mulheres e os homossexuais são preteridos nas
ascensões funcionais;
c) as mulheres sofrem assédio como instrumento de pressão no
trabalho;
d) sob a alegada “responsabilidade familiar” especial da mulher, esta
sofre discriminação no acesso a postos de trabalho;
e) mulheres são demitidas ou não admitidas por motivo de
gravidez;
f) o pretexto da “boa aparência” tem permeado a seleção de
trabalhadores “bonitos” para determinados cargos, configurando
descriminação estética no trabalho;
g) a “boa aparência” também tem servido de pretexto para a
exclusão de obesos, pessoas de baixa estatura, pessoas tatuadas, adornadas
por percing, pessoas com cicatrizes, quelóides, queimaduras, feridas ou
manchas, homens que usam cabelo e barbas longas, caracterizando também
casos de discriminação estética;
93
Por meio de seu ato, a reclamada não só violou princípios constitucionais,
como também obstou o direito do autor em receber tratamento previdenciário
conferido aos aidéticos pela Lei 7670/88, primeira luz a brilhar no
ordenamento jurídico, em proteção aos mesmos, incidindo, assim, na
hipótese preconizada pela Lei 9029/95.
63 A discriminação fundada na opção sexual costuma ser praticada de modo camuflado, sub-
reptício e indireto. Isso, evidentemente, torna a sua prova em juízo muito difícil, e por essa razão,
muitas vezes passa ao largo das normas de proteção do trabalhador.
64 Art. 157 da CLT e Convenção 155/OIT.
65 Vide a título de exemplo, a notícia veiculada pelo Jornal do Brasil, edição de 21.03.02 informando
que o Ministério Público do Rio de Janeiro instaurou inquérito para apurar denúncias de racismo
no Exército.
97
tem uma projeção mais ampla sob a perspectiva de seus destinatários, na
medida em que também afeta os sujeitos privados e as organizações sociais,
porém limitando seus efeitos a determinados fatores ou circunstâncias,
especificamente aqueles que têm maiores possibilidades de causar
diferenças de tratamento e que ao mesmo tempo, e por isso, são dignos de
maior tutela. Esses fatores são aqueles ligados ao nascimento, à raça, ao
sexo, à religião, à opinião, embora sua relação seja aberta.
Quanto ao âmbito de aplicação, as normas internas, bem como as
de natureza internacional sobre a proibição da discriminação no ambiente
laboral, têm incidência tanto no momento da contratação ou do acesso ao
emprego, aí compreendida na expressão acesso ao emprego, no sentido
da busca do emprego, acesso a programas de formação e capacitação
profissional, acesso a entrevistas ou atividades de seleção, etc., bem como
no curso da própria relação de trabalho ou emprego (condições de emprego
e trabalho, designação para funções, possibilidades de promoções, extinção
da relação laboral, entre outras) e sua incidência se dá tanto no emprego
privado como no público afetando, por conseguinte, a todos os sujeitos
e instâncias que se encontram presentes nas relações de trabalho, como
a Administração Pública, inclusive quando contrata através de interposta
pessoa mediante a forma de terceirização, prática bastante usual do Brasil,
organizações sindicais, escritórios ou empresas de contratação de mão-de-
obra, etc., que na prática se projetam sobre a ação institucional, normativa
ou organizativa de todos esses sujeitos.
Assim, o destinatário principal no contexto da relação laboral do
princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação é o empresário
ou empregador, pois é ele que, titularizando o poder de direção empresarial
e como conseqüência, o poder disciplinar, toma a maioria das decisões
com possibilidade de afetar quem trabalha e inclusive aquele que busca o
próprio emprego ou trabalho, justificando, por conseguinte, a preocupação
do legislador em garantir a aplicação da proibição do tratamento
discriminatório relativamente a determinadas condições de emprego.
É evidente, todavia, que o princípio da igualdade e da não
discriminação não é absoluto e isso a própria Convenção 111/OIT deixa
claro66. Por conseguinte, não impõe ao empresário ou empregador uma
obrigação de igualdade absoluta no tratamento, mas apenas impede que
66 De acordo com o art. 2 da Convenção 111/OIT, “As distinções, exclusões ou preferências
fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como
discriminação”.
98
se dispense a pessoa nas mesmas condições, tratamento diferente devido
a fatores como a raça, a cor da pele, o sexo ou orientação sexual, religião,
convicções ideológicas, etc., bem como aqueles que possam trazer para
o trabalhador situações vexatórias ou causar lesão de direitos, admitindo,
entretanto, que o tratamento diferenciado se sustente em motivos razoáveis e
justificados, como no exercício das faculdades empresariais de organização
e direção do trabalho ou das necessidades de gestão ou organização da
empresa.
De acordo com a doutrina espanhola67:
70 Pelo menos de acordo com o ordenamento constitucional brasileiro (art. 60, inciso IV, § 4º, da
Constituição brasileira, de 1988).
71 CAVAS MARTÍNEZ, Faustino. El Proceso Laboral de Tutela de la Libertad Sindical y demás
Derechos Fundamentales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2004, p. 21.
72 CAVAS MARTÍNEZ, Faustino. Ob. cit., p. 22.
73 SÁEZ LARA, Carmen. La tutela judicial efectiva y el proceso laboral. Madrid: Civitas, 2004,
p. 25-26.
74 O que no ordenamento constitucional brasileiro também ocorre, como se pode ver do disposto
no art. 5º, inciso XXXV, do Texto de 1988, ao assegurar o direito de acesso ao Judiciário aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil.
101
Na verdade, os direitos fundamentais laborais somente poderão
torna-se efetivos com a consolidação de um sistema de emprego que garanta
no campo prático trabalho digno à maioria dos cidadãos, o que o Direito
não tem a aptidão de conseguir, máxime porque o sistema de consolidação
dos direitos fundamentais laborais encontra-se inexoravelmente ligado
ao trabalho estável e a prestação ou medidas de proteção contra o
desemprego, cuja realização depende não apenas da edição de normas, mas,
principalmente, de uma política econômica que seja capaz de gerar trabalho
e riqueza para todos ou pelo menos para a maior parte dos trabalhadores, o
que, aliás, é recomendado pelo art. 3º da Carta da República.
4. Considerações finais
102
de outros direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente”.75
Sem que se respeite a dignidade do trabalhador como pessoa humana
e o trabalho como valor social, sem que se garanta a aquele o principal direito
que é o direito a um trabalho decente que possa lhe proporcionar meios para
viver com dignidade juntamente com aqueles que dele dependem, nenhum
outro direito lhe poderá verdadeiramente ser assegurado.
O direito ao trabalho é, pois, o primeiro e o principal direito
fundamental do trabalhador que deve ser levado em conta quando se
trata de limitações aos poderes de direção empresarial de modo a impedir
demissões em massa, discriminatórias, em razão de doenças, a violência
do assédio e outras violências que ocorrem no ambiente laboral, pois sem
trabalho certamente nenhum outro direito poderá valida e concretamente
ser afirmado no campo da realidade da vida. Sem trabalho, como disse o
saudoso poeta e compositor Gonzaginha, “o homem não tem honra”. Por
conseguinte, não tem dignidade, e sem honra e sem dignidade, “não se
vive: se morre”.
Helder Baruffi
Professor Associado e Diretor da Faculdade de Direito
da UFGD. Advogado. Mestre em Direito pela PUC/SP e
Doutor em Educação pela USP.
1. Introdução
4 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. 2. ed. São Paulo: Ed. Ciências Humanas,
1979, p. 27-28.
5 SUCHODOLSKI, Bogdan. Teoria Marxista da educação. Lisboa: Editorial Estampa, 1976, p. 18.
106
a educação se apoia, acabam caindo, muitas vezes, na explicação simplista
daquilo que é possível perceber no interior do processo produtivo.
É certo que, no limite das primeiras aprendizagens, o processo de
interiorização, ou socialização,6 desenvolve-se com maior intensidade. A
criança que aprende a ler vai fazer parte da sociedade e conviver de modo
diferente daquele que não aprende a ler, assim como aquela que ingressa
prematuramente no mercado produtivo vai fazer parte da sociedade e
conviver de modo diferente daquela outra cujo ingresso se dá após um
longo processo mediado pela família e pela escola.
Independentemente da tomada de consciência, o ingresso na
sociedade se dá mediado e os resultados das mediações constituirão as
bases para a participação naquilo que a sociedade produz. Constituirão o
ritmo e a dinâmica de realizações pessoal e profissional.
Essas mediações se particularizam, também, na própria fala dos atores
sociais, ao atribuírem um sentido à prática. Dentro do modo de produção
capitalista, a educação assume importância por responder diretamente pela
preparação para o mundo do trabalho.
Especificamente no Brasil, a consolidação do modo de produção
capitalista é visto sob a ótica da reprodução. Em conseqüência, consolidam-
se vínculos que relacionam a educação ao trabalho reduzido a coisa, a
objeto, com o privilégio da educação voltada para o trabalho, da concepção
de trabalho simplificado na atividade produtiva formalmente organizada,
em trabalho concebido como profissão. O saber torna-se técnico e
instrumental.
Embora o modo de produção encontre meios próprios de distribuição
do conhecimento, a instituição escola constitui-se um instrumento
sistemático e formal de transmissão do conhecimento, que, voltada para o
fornecimento de algumas habilidades básicas para o trabalho, responde de
forma positiva, aos apelos do capital. A estrutura burocrática, a estrutura
curricular, a precária formação docente e suas políticas salariais, bem
como as políticas de educação constituem, dentre outros, em elementos de
legitimação.
Também a capacidade humana de elaborar e produzir o conhecimento
tem sido desenvolvida em função de interesses específicos. Tanto a sua
produção quanto a sua distribuição tendem a se concentrar mais na parcela
que se destaca na sociedade. Esse conhecimento, negado à maioria da
6 No sentido atribuído por Berger e Luckmann. Construção Social da Realidade. Petrópolis:
Vozes, 2006.
107
população, contribui para justificar desigualdades. Fundalmentalmente,
reproduzir o modo de produção dominante. Modelos e paradigmas
explicativos da realidade constituem-se esforços de vincular o indivíduo a
um modo de existir hegemônico, o que pressupõe uma estrutura complexa de
manutenção dessa realidade só possível pelo papel mediador de instituições
sociais na busca de consenso. O consentimento é “arrancado por todos os
meios, pela violência e pela persuasão.”7
Na perspectiva do desenvolvimento econômico-social, cabe à
educação uma participação efetiva, cujo conhecimento imediato é dado
pela apreensão microfísica do poder institucionalizado, como tem destacado
Foucault.8 Assim, não faz sentido análises que privilegiem fragmentos dessa
realidade. Entretanto, ocorre que nem sempre essas concepções têm sido
enfocadas segundo uma visão geralmente voltada para o questionamento
de suas raízes, para a compreensão da questão na sua totalidade, o que
revela a atualidade do tema e a necessidade de constantes estudos.
Os diferentes enfoques sobre a questão, o que remete para a questão
das bases teóricas que fundamentam tais trabalhos, têm conduzido os
educadores a privilegiarem certos pontos de vista considerados tradicionais
e superados em vista de uma série de mudanças que se processam na
sociedade, cujos argumentos não encontram mais suporte nas análises
econômico-políticos e sociais.
O debate sobre a educação remete à questão para a concepção
sujeito-objeto como forma de produção e apropriação do conhecimento
e forma de produção e apropriação do trabalho, que não se esgota com
o estabelecimento de determinadas ações, mas representa o embate das
forças econômico-políticas. Forças essas que buscam se consolidar
hegemonicamente.
É certo que na apreensão da realidade não estão em jogo apenas os
conceitos, as representações, mas também o arcabouço teórico - de um
lado o do analista crítico e de outro, o quadro em que este se processa –
sobre o qual são produzidas as reflexões.
Por isso, pensar a educação implica pensar a natureza contraditória
da subjetividade humana e seu movimento de superação das mediações
históricas e sociais. Implica ver a conexão do homem com o processo real
que determina sua produção; implica a dialética como processo e movimento
7 LEFEBVRE, Henri. A reprodução das relações sociais de produção. Porto: Publicações
Escorpião, 1973, p. 71.
8 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
108
de reflexão do próprio real e não apenas o conhecimento e interpretação; a
transformação da própria história.
O desenvolvimento do conceito de educação não foge à ação da
História. Ao contrário, é resultado desta. Não obstante as posturas diferentes
que o debate sobre a questão da educação suscita, dos riscos que se pode
correr da não-apreensão de todos os elementos que compõem o processo,
fruto dos cortes, embora necessários, para a abordagem do tema, busca-se
fazer uma leitura da educação como um princípio fundamental, como um
“direito do homem”, historicamente construído.
4. Dimensão fundamental
Artigo 26
I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, esta baseada no mérito.
II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento
da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais
ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da
manutenção da paz.
III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será ministrada a seus filhos.
Princípio VII
A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e
obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma
educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições
de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua
individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a
ser um membro útil à sociedade.
O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que
têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade
incumbe, em primeira instância, a seus pais.
A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais
deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades
públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.
112
efetivar essas propostas, é necessário que a educação seja transformadora.
Somente uma educação que privilegie o sujeito, enquanto construtor da
própria história, poderá ser transformadora.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
de 16 de dezembro de 1966, também reconhece a importância da educação
no desenvolvimento da pessoa humana, como pode ser visualizado no art.
13, verbis:
Art. 13
1. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade
e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a
participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais,
étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz.
2. Os estados-partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de
assegurar o pleno exercício desse direito:
a) A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente
a todos.
b) A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação
secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se
acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela
implementação progressiva do ensino gratuito.
c) A educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a
todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados
e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito.
d) Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de
base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não
concluíram o ciclo completo de educação primária.
e) Será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede
escolar em todos os níveis de ensino, implementar-se um sistema adequado
de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do
corpo docente.
3. Os estados-partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a
liberdade dos pais - e, quando for o caso, dos tutores legais - de escolher para
seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas,
sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados
pelo estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber educação
religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
113
4. Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no
sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir
instituições de ensino, desde que respeitados os princípios enunciados no §
1o do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos
prescritos pelo estado.
Artigo 28
1.Os Estados-partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de
que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse
direito, deverão especialmente:
• tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente a todos;
16 FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
114
• estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes
formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o
disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas
tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência
financeira em caso de necessidade;
• tornar o ensino superior acessível a todos, com base na capacidade e por
todos os meios adequados;
• tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais
disponíveis e acessíveis a todas as crianças;
• adotar medidas para estimular a freqüência regular às escolas e a redução
do índice de evasão escolar.
115
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil
e nas manifestações culturais.
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos princípios: I - igualdade
de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o
saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito
à liberdade e apreço à tolerância;
[...]
Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado
mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele
não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino
médio;
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com
necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a
seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
17 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1281.
116
artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com
características e modalidades adequadas às suas necessidades e
disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições
de acesso e permanência na escola;
VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio
de programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde;
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade
e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao
desenvolvimento do processo de ensino- aprendizagem.
5. Conclusão
119
REPRESENTAÇÃO E «PRESENTAÇÃO» DOS
TRABALHADORES1
1. Introdução
constituinte, ou seja, que o objetivo do contrapoder não seja a substituição do poder existente.
Ao contrário, Negri propõe formas e expressões diversas de liberdade coletiva. (Ibid., p. 160-
161). Anota que concebe o contrapoder como as resistências e os acontecimentos insurrecionais,
que representam poderes constituintes latentes e vivos, na medida progressiva de que sejam
controlados de maneira global (Ibid., p. 163).
16 m?lt?t?do, -?nis – Cfr. SARAIVA, 1993, p. 758
17 Ansuátegui Roig, chamando à colação a opinião de Adolfo Ravá (La filosofia politica de
Benedetto in Studi su Spinoza e Fichte, a cura di El Opocher – Giuffrè Milano, 1958, pp.78-
81) observa que é necesario sublinhar que a aproximação entre Espinosa e Maquiavel, e não a
aproximação entre Espinosa e Hobbes. Cfr. ANSUÁTEGUI ROIG, 1998(b), p. 127, nota 7.
18 Para Negri, Maquiavel foi, de forma perversa pelo pensamento francês, transformado num teórico
da modernização absolutista do Estado, tendo propagado sua frase ‘os fins justificam os meios’,
que descontextualiza o pensamento do florentino. Aponta que a recepção do pensamento de
Maquiavel na Inglaterra foi diferente, pois ele é lido ali como uma introdução à crítica do poder
constituído, na análise das classe sociais, do conceito de prática militia popular como poder
constituinte. Cfr. NEGRI, Poder Constituinte, 2002, pp. 149-158 . Segundo Negri, o Maquiavel
democrático e republicano está já todo construído nos Discorsi. Ibid., pp.105-123.
19 Cfr. NEGRI, 2004(b) p. 114. Nessa obra de Maquiavel existem vários expertos sobre a supremacia
da democracia da multidão, por exemplo: o povo visto como mais sábio que o príncipe(Livro
I,58, pp. 179-180); vê com bons olhos a desordem da separação entre o povo e o Senado (I, IV,
pp.31-32) e inclusive optando pelo povo , considerando que o Senado tem mais interesse em
conservar o poder, criando, assim, maiores dificuldades à expansão do império do que aqueles
que querem adquirir o poder (I,V, pp. 33-35). Cfr. MAQUIAVEL, 2000.
20 Cr. NEGRI, 2002, p. 148
124
pensamento democrático da modernidade. Segundo Negri a democracia
espinoseana, e especificamente a idéia de multitudo, é a que de fato se
distingue da democracia da antiguidade greco-romana – na qual a
liberdade era apenas um atributo dos cidadãos da polis. A democracia da
multitudo, ao contrário, abarca toda universalidade humana, a partir de um
jusnaturalismo radical e contrutivista21.
Para Espinosa, a multitudo é o sujeito político por excelência.
Partindo da distinção entre poder (potestas), como capacidade (de ser
afetado) de um governante e potência (potentia), como força ativa e tornada
ato e expressa como vontade de Deus, uma vontade que não se distingue e
se confunde com – pura imanência da própria essência divina22 - Espinosa
situa o império absoluto da democracia como resultado da potentia imanente
da multitudo. Uma potencia imanente que inclusive define o direito: “Hoc
jus, quod multitudinis potentia definitur”23; “Nam civitatis ius potentia
multitudinis, quae una veluti mente ducitur, determinatur”24.
A representação não se conecta com o conceito de «multidão». Ao
contrário, pressupõe uma separação, uma identidade ‘segmentada’, e não
um ‘seguimento’, um continuum de singularidades imanentes, um fluxo
da «multidão». A representação opõe o coletivo ao individual, a maioria às
minorias, o público ao privado, o singular ao «comum»25, enfim, representa
21 Cfr. NEGRI, 2000(b), pp.37-38
22 É esta a leitura de Deleuze, en Spinoza – Philosophie pratique(2002, p.103)
23 Tradução livre: “ese derecho definido por la potencia de la multitud”; Tratado Político, II,XVII).
Cfr. SPINOZA, 1913 (b), p. 11
24 Tradução livre: “de hecho el derecho civil [o el derecho de la Civitas] es determinado por la
potencia de la multitud, que es conducida como se fuera un pensamiento uno”; Tratado Político,
III,VII). Cfr. SPINOZA, 1913 (b), p. 15
25 A idéia de «comum» de Negri e hardt, que não se identifica com a idéia de ‘público’, nem de
‘coletivo’, nos parece conectada e esclarecida pela idéia de ‘lugar comum’ em Aristóteles, como
anotado por Paolo Virno: “Quando hoje falamos de «lugares comuns», entendemos geralmente
locuções estereotipadas, quase privadas de todo significado, banalidades, metáforas mortas
—«teus olhos são dois luzeiros»—, conversações trilhadas. E no entanto, não era este o significado
originário da expressão «lugares comuns». Para Aristóteles, os topoi koinoi são as formas lógicas
e lingüísticas de valor geral, como se dissecássemos a estrutura óssea de cada um de nossos
discursos, aquilo que permite e ordena toda enunciação particular. Esses «lugares» são comuns
porque ninguém —nem o orador refinado nem o bêbado que murmura palavras às tontas, nem
o comerciante nem o político— pode deixá-los de lado. (...) O grupo de torcedores de futebol, a
comunidade religiosa, o jogo ou o sindicato, o posto de trabalho: todos estes «lugares» continuam
desde já subsistindo, mas nenhum deles é suficientemente caracterizado e ‘caracterizante’ como
para oferecer uma «rosa dos ventos», um critério de orientação, uma bússola confiável, uma
comunidade de hábitos específicos, de específicos modos de dizer/pensar. Em todo lugar e em
cada ocasião, falamos/pensamos do mesmo modo, sobre a base de construções lógico-lingüísticas
tão fundamentais como gerais. Desaparece assim toda uma topografia ético-retórica. Se põem em
primeiro plano os «lugares comuns», esses princípios básicos da «vida da mente»: o vínculo entre
mais e menos, a oposição de contrários, as relações de reciprocidade, etc. São eles, e somente eles,
125
por oposição e disjuntiva, antes que como alternativa26. A representação
enfatiza a concepção de hegemonia como domínio excludente, e marca
a procura pelos universalismos autoritários27 e redutores, os máximos
divisores universais, em lugar dos múltiplos comuns28.
A representação reproduz (a cópia), a «presentação» produz (a
potência). A representação funciona por reprodução da tensão entre
representante e representado, e torna esse representado esmagado, passado,
particípio passado, membro passivo de um poder constituído, que transfere e
transcende sua potência singular ao representante, com perda de potência e
legitimidade. Em todas as formas clássicas de representação - «apropriada»29,
os que oferecem um critério de orientação e, portanto, um possível reparo no curso do mundo”. Cfr.
VIRNO, 2003, pp. 34-35
26 Observam Negri e Hardt que a representação “reúne duas funções contraditórias: vincula multidão
ao governo, e ao mesmo tempo os separa. A «presentação» é uma ‘síntese disjuntiva’ porque
conecta e afasta, une e separa ao mesmo tempo”. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 279.
27 Conclui Ernesto Laclau, sobre a validade atual da noção de hegemonia na política, desde a idéia
de universalismo, que desde seu ponto de vista, “is the mosel political question confronting us
at this end of the century: what is the destiny of the universal in our societies? Is a proliferation
of particularisms – or their correlative side: authoritarian unification – the only alternative in
a world in which dreams of a global human emancipation are rapidly fading away? Or can we
think of the possibility of relaunching new emancipatory projects which are compatíble with the
complex multiplicity of differences shaping the fabric of present-day societies?” (“é a principal
questão política que nos confronta neste final de século: qual é o destino do universal em nossas
sociedades? A proliferação de particularismos – ou seu correlato: a unificação autoritária – a
única alternativa num mundo no qual as ilusões de uma emancipação global estão rapidamente
desaparecendo? Ou podemos pensar na possibilidade de relançar novos projetos de emancipação
compatíveis com a complexa multiplicidade de diferenças formadoras dos tecidos das sociedades”.
Tradução livre) Cfr. BUTLER, LACLAU e ZIZEK, 2000, p. 86.
28 Ao contrário de se tentar estabelecer uma abstrata ética mínima, que significa estabelecer um
«máximo divisor comum universal», nos parece melhor trabalhar em termos de «múltiplos
comuns», pois desde um enfoque universalista redutor se corre o risco de que a intersecção
entre os conteúdos materiais éticos de culturas e coletivos distintos resulte um conjunto vazio.
Isso significa a impossibilidade do diálogo ou a redução liberal dos direitos. Cfr. HERRERA
FLORES, 2004, pp. 50-51. Este texto de Herrera Flores foi publicado depois da defesa de nossa
tesina, que precedeu à nossa tese de doutoramento. Na tesina já havíamos desenvolvido a idéia
de «múltiplos comuns».
29 A classificação é de Max Weber, no seu clássico Sociedade e Economia. Na representação
«apropriada» (appropriierte Repräsentation) o “dirigente (ou um membro do quadro
administrativo) tem por apropriação o direito de representação. Essa forma é muito antiga e
se encontra em associações de dominações patriarcais e carismáticas (carismático-hereditárias,
carismáticas de cargo) de caráter muito diverso. O poder representativo tem dimensão tradicional”.
Cfr. WEBER, 2004, p. 193, (I, III, § 21.1).
Weber a chama representação «apropriada» porque os representantes se apropriam de todo o
poder da tomada de decisões. É chamada também de representação «patriarcal», porque define o
modo de representação dos servos pelo senhor feudal, ou do modo de representação dos escravos
negros, as mulheres e as crianças. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 283. Por isso é também
chamada por Weber representação «estamental», e não se trata nem mesmo de representação
propriamente dita, pois “se limita primariamente a representar e fazer valer direitos (apropriados)
próprios (privilégios)”. Cfr. WEBER, 2004, P. 193 (I, III, § 21.2)
126
«livre»30 ou «vinculada»31 - não há deslocamento de potência. O trânsito
transcendente entre representado e representante é sedentário, isto é,
constitui mero movimento metafísico32, que envolve perda bruta da
fenomenalidade originária da potência constituinte dos representados33.
Não é, pois, só uma questão de legitimação, mas, principalmente,
de força, de redução efetiva de potência social dos muitos. «Potentia»
que se reduz a «potestas». O ‘trânsito transcendente’ - e não-imanente -
paralisa a «potentia» constituinte; secciona, segmenta e cessa a revolução
do trabalho vivo, e se fixa na representação da Constituição do Trabalho
morto. A cartografia da potência «presentante»34 dos trabalhadores se
reterritorializa na Carta Magna do poder representado. Não se trata de
substantivar ‘um presentante’ dos trabalhadores, mas conservar o caráter
adjetivo do ato de representar, para enfatizar a potência «presentante» da
«multidão». A substantivacão repete a deformação da representação, que
privilegia o representante, seu poder35, em detrimento das singularidades
presentantes dos muitos.
Em resumo, a «presentação» privilegia a «organização» antes que
a representação. Aqui, «organização» entendida como formulada por
Edgar Morin – «ordem-desordem-interação-organização»36 - ou seja uma
30 Na representação «livre» ( freie Repräsentation) o representante é livre para seguir suas próprias
convicções objetivas, e não os interesses dos representados e, nesse sentido, o representante
passa a ser o “senhor de seus eleitores, e não’ servidor’ deles. Adotam especialmente esse caráter
as modernas representações parlamentares, as quais têm em comum, nesta forma, a objetivação
geral – vinculação a normas abstratas (políticas, éticas) – que é a característica do poder legal”.
Cfr. WEBER, 2004, p. 194, (I, III, § 21.4).
31 Na representação «vinculada» (gebundene Repräsentation) o poder representativo é limitado
interna ou externamente por “mandato imperativo e direito de revogação, e vinculado ao
consentimento dos representados. Esses ‘representantes’ são, na verdade,, funcionários daqueles
que representam”. Cfr. WEBER, 2004, p. 194, (I, III, § 21.3)
32 Tradicionalmente, e antes da crise da Metafísica no final do século XIX, o jogo entre ato e
potência sempre foi tratado como movimento metafísico. Cfr. LAHR, l968. p.688.
33 Acrescentam Negri e Hardt que a representação nunca conseguiria realizar “a promessa da
democracia moderna, o governo de todos por todos. Cada uma dessas formas de representação,
a apropriada, a livre e a vinculada, nos retrotrae à natureza fundamentalmente dual da
representação, no sentido de que simultaneamente conecta e separa. (...) A democracia requer
uma inovação radical e uma nova ciência”. Cfr. NEGRI y HARDT, 2004 (d), p. 285.
34 Recolhendo resíduos da forma latina (particípio presente) de ‘presentar’, e com ênfase no caráter
adjetivo do vocábulo
35 Observam Monereo e Moreno Vida que as centrais sindicais “funcionam com um cúmulo
de privilégios legais que propicia sua «domesticação» e o afastamento de suas bases”. Cfr.
MONEREO e MORENO VIDA, 2005, p. 209
36 A «organização» remete a uma idéia de organização complexa, que, ao mesmo tempo, conviva
com a ordem e desordem, e, ainda, se negue à atualização cristalizada das virtualidades
combinatórias, às quais esse jogo complexo e contraditório abre perspectiva.
A «organização» é complexa, mas não só isso, é também essencialmente relacional e de interação. A
127
organização complexa, uma nova ordem dos trabalhadores que não exclui
o caos sindical, uma organização essencialmente relacional e de interação,
na qual a máxima complexidade da desordem sindical conterá a ordem, e a
extrema complexidade37 da ordem conterá a desordem38, em sua profunda
dialética39.
49 É como Monereo e Molina preferem nomear às ‘estratégias’ para “economizar despesas na gestão
dos recursos humanos”. Cfr. MONEREO e MOLINA, 2002, p. 3
50 Observa Maria Fernanda Fernández López, que a autonomia plena de associação sindical e a
personalidade jurídica não são dois elementos necessariamente unidos. A personalidade jurídica,
no ordenamento espanhol, serve apenas ao ponto de vista das relações externas do sindicato. Cfr.
FERNÁNDEZ LÓPEZ, 1982, pp. 314-315.
51 A título de exemplo ver Artigos 5.1 e 5.2 da lei espanhola de liberdade sindical, Lei Orgânica
11/1985.
52 O dispositivo mais significativo é a limitação do direito de greve por meio do mecanismo dos
‘serviços essenciais’, como se verá mais adiante. Baylos observa a respeito do regulamento
espanhol dos ‘serviços essenciais’ que é “evidente, portanto, o déficit democrático que está
presente no regulamento do direito de greve”. Cfr. BAYLOS, 2003, p. 190.
53 No Brasil, por exemplo, a famosa greve dos trabalhadores da petroleira PETROBRÁS, ocorrida
no governo de Fernando Henrique Cardoso, em maio de 1995, quando a categoria estava mais
coesa e forte, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) considerou a greve ilegal, sancionando o
sindicato com multas impressionantes (que somadas chegavam, em valores da época, a cerca de
42 milhões de reais. A multa foi anistiada depois pelo Parlamento brasileiro. Cfr. http://www.
fup.org.br/greve_1995.htm) autorizando inclusive a dispensa dos sindicalistas por falta grave,
em outro julgado (Acórdão n. RR 596907 de 1999, publicada no Diário Oficial brasileiro em
30/05/2003, disponível no site do Tribunal: http://www.tst.gov.br).
54 Segundo Maria Fernanda Fernández López, o caráter negocial do grupo associativo permite
desvinculá-lo de intervenções estatais, a partir do compromisso constitucional de não-
intervenção sindical, sendo que a personalidade jurídica do ente sindical somente se apresenta
como um instrumento para facilitar suas finalidades associativas, sem que signifique qualquer
condição ao exercício dessa ação. Cfr. FERNÁNDEZ LÓPEZ, 1982, pp. 17-18.
130
complexos e dificuldades concretas. Contudo, não se pode esquecer que a
dificuldade oriunda de um processo de descentralização é afeto não só ao
capital, já que o problema de determinar-se o real tomador dos serviços, em
razão das múltiplas formas de deslocalização e outsourcing que a empresa
posfordista adquiriu55, é uma realidade que atinge duramente a própria
organização dos operários.
A idéia de representação dos trabalhadores, como se disse, é, nesse
sentido, instrumental e não-sistemática; é uma questão de pragmática da
ação política dos operários frente ao contexto produtivo e à potência nômade
do capital. Antes que uma tentativa de estruturação e fixação teórica
propriamente considerada, deve presidir o conceito de representação dos
trabalhadores a idéia do confronto da ‘estratégia’ hegemônica do capital
contra as ‘táticas’ fragmentadas do trabalho56.
Nessa linha nos parece interessante o conceito próprio do direito
norte-americano, atinente às práticas coletivas descentralizadas e de intensa
«presentação», denominadas, pela National Labor Relations Act - NLRA,
«atividades combinadas» (concerted activities)57, mesmo que, na prática,
os tribunais americanos tenham construído alguns limites para impedir
seu pleno desenvolvimento58. É importante, entretanto, sublinhar que este
55 “A grande empresa do fordismo não desapareceu, sem dúvida, mas tende a ser progressivamente
substituída por heterogêneas formas de integração/colaboração interempresarial, que adquirem
a fisionomia aberta da «forma grupo». Isso supôs uma «flexibilização» das noções mesmas de
empresa, de empresário-empregador, as quais podem ser utilizadas de modo dúctil, tanto para
instrumentalizar processos de articulação interna no sentido da centralização, com no sentido
diverso de descentralização”. Cfr. MONEREO e MOLYNA, 2002, p. 16
56 Aqui considerado os termos ‘estratégia’ e ‘tática’, inspirados do jogo de xadrez, aplicados por
Michel de Certeau à política, considerando como ‘estratégicos’ o cálculo das relações/forças
políticas do lugar da hegemonia (considerado apropriado), e ‘táticos’ aos mesmos cálculos que
partem dos fragmentados movimentos sociais (considerados lugar não-apropriado) de resistência
política. Cfr. DE CERTEAU, The Practice of Everyday Life, XIX, apud MOREIRAS, 2001, p. 377,
nota 2.
57 National Labor Relations Act, de 1935, conhecida também por Wagner Act, ou Act; 29 U.S.C.
Os §§ 151-169, dispõem, na sua seção 7ª, que: “Sec. 7. Employees shall have the right to self-
organization, to form, join, or assist trabalho organizations, to bargain collectively through
representatives of their own choosing, and to engage in other concerted activities for the purpose
of collective bargaining or other mutual aid or protection (…)”. (“Empregados terão direito de
organizar-se, de formar organizações, de associar-se ou de ajudar organizações trabalhistas,
de negociar coletivamente por meio de representantes de sua própria eleição e de tomar parte
em outras atividades combinadas, visando negociações coletivas ou outras formas de ajuda ou
proteção”). Disponível no site da agência administrativa (National Labor Relations Board) que
cuida da aplicação dessa lei: www.nlrb.gov.
58 Em paralelo ao conceito de «atividade combinada» extraída da própria literalidade da seção
7ª da NLRA, a jurisprudência norte-americana construiu o conceito, limitativo, de «atividade
protegida», que, dessa forma, limita as «atividades combinadas» às práticas autorizadas. Sobre
as «atividades protegidas» Cfr. SHIEBER, 1988, pp. 38-39.
131
conceito, à luz da NLRA, legaliza a ação de grupos59 de trabalhadores não
formalmente organizados com a finalidade de negociação coletiva, ajuda
mútua ou proteção - collective bargaining or other mutual aid or protection.
A possibilidade jurídica de atuação direta dos grupos - de sua «presentação»
- é importante para marcar o caráter instrumental da representação, pois
na representação a disputa pelos poderes constituídos do sindicato, que
lhe é inerente, tira do foco a característica mais marcante das atividades
coletivas, que é justamente a efetiva participação direta dos trabalhadores
na ação.
No seio da «descentralização consistente» a dicotomia represen-
tação e representatividade (‘a maior’), operada, por exemplo no sistema
espanhol60, perde sentido. Tal dicotomia avoca a própria espiral de
transcendência, afastamento e segmentação que as tentativas de reprodução
de identidades coletivas envolve. A idéia de representatividade remete a
uma esfera de disputa interna - no plano do trabalho - uma disputa pelo
«decalque» da «presentação», pelo domínio da identidade exclusiva (e,
portanto, excludente) de todos. É a disputa pelo poder constituído, que
sacrifica energia operária, divide os fluxos de potência, pois funciona
como um tipo de concorrência mercantil, absolutamente inadequada para o
fortalecimento das forças do trabalho. Da mesma forma que a concorrência
ideal serve para dividir o poder do capital, serve também para reduzir a
potência dos muitos. A diferença é que, enquanto a concorrência ideal
na pratica de mercado livre é absolutamente fictícia - dada as várias
estratégias de aliança que o capital é capaz de engendrar - com relação
ao trabalho mais parece um trabalho de Sísifo, já que uma vez instituída
(a concorrência entre grupos para dominar a representação) resulta na
desagregação dos trabalhadores - justamente o que o sistema de liberdades
e garantias sindicais tem por finalidade combater.
Nessa ordem de idéias, nos parece que não se trata de fomentar a
concorrência representativa por uma ‘singular posição jurídica’61, mas não
intervir na posição jurídica dos fluxos das singularidades, isto é, não se
colocar no meio do caminho da confluência a que os atores do trabalho
59 A jurisprudência norte-americana entendeu que inclusive um só trabalhador pode praticar
«atividade combinada» [National Labor Relations Board - NLRB X City Disposal Systems Inc.,
465 US 822 (1984)]. Cfr. SHIEBER, 1988, p.37.
60 Artigo 6.1 de Lei Orgânica n. 11/1985. “Artigo sexto 1. A maior representatividade sindical,
reconhecida a determinados sindicatos, lhes confere uma singular posição jurídica para efeitos,
tanto de participação institucional, como de ação sindical”.
61 Prevista no artigo 6.1 da Lei de Liberdade Sindical espanhola, para os sindicatos que consigam
atingir os índices estabelecidos para a ‘maior representatividade’ sindical.
132
tendem a alcançar. Se por um lado, a ‘maior representatividade’ é um
conceito transcendente, por outro, a ‘singular posição jurídica’ é sedentária,
procede à paralisação dos poderes constituídos da representatividade.
Enfim, antes que falar em concorrência, melhor é agenciar formas de ‘co-
ocorrência’ sindical.
4. «Transversalidade presentante»
62 Ricardo Pedro Ron Latas procede à seguinte precisão conceitual: “Nas classificações doutrinárias
dos sindicatos que levam em conta critérios organizativos ou estruturais, destaca aquela
que, ‘atendendo à qualidade de seus associados’, distingue entre: 1) sindicatos que associam
a trabalhadores ‘por ramo de produção..., independente de suas qualificações profissionais;
2) sindicatos ‘que se filiam às qualificações profissionais... com independência do ramos
de atividade... em que prestem os serviços’. Com relação à primeira das ditas categorias, a
doutrina é aparentemente pacífica ao atribuir-lhe os qualificativos de «sindicatos verticais» ou
de «indústria»; por outro lado, a adjetivação doutrinária, com relação à segunda categoria, já
não resulta unânime. Assim, enquanto alguns autores se referem a este tipo de sindicatos como
«de ofício», «agremiais» ou «de franjas», outros preferem utilizar termos tais como «sindicatos
horizontais» ou «profissionais», quando, na verdade todo eles se estão referindo – como afirmam
Alonso Olea e Casas Baamonde – a um mesmo fenômeno, isto é, ao de sindicatos que acolhem
em seu seio a trabalhadores que «trabalham no mesmo»”. Cfr. RON LATAS, 2003, pp. 1-2.
63 Segundo Giorgio Agamben, Foucault definia o termo «biopolítica» como a crescente implicação
133
não se paralisa na fábrica, ou em um ramo específico de produção material,
nem se limita a uma categoria específica de trabalhadores e também não
estabelece um limite claro entre produção e consumo, entre trabalhador e
consumidor. O trabalhador é consumidor, e o consumidor é trabalhador,
o que acaba, inclusive, por criar dois pólos de sujeição da «multidão» -
trabalho e consumo. A exploração é, nesse sentido, pelo menos duplicada.
A «transversalidade presentante», a partir do enfoque da dominação
desmedida por parte do poder constituído do capital, pode superar as
linhas de segmentação dos trabalhadores, tornando ‘trabalho’ e ‘consumo’
solidários e coesos, numa rede de «consistência» social, isto é, no sentido
de uma mobilização dos conceitos de netware e wetware64, não para a
produção, mas a «organização» mesma dos trabalhadores.
Nessa ordem de idéias, o que se propõe é uma espécie de retorno
à empresa ou à ‘laborilidad’65 da ação sindical, em que o contraponto à
atuação política e parlamentar, junto dos poderes constituídos, não se
faz mais através de um retorno à fábrica, à produção da grande indústria
fordista, mas como retorno desdobrado, isto é, tanto um retorno ao espaço
agora desterritorializado da empresa, como ao mundo sócio-cultural do
trabalhador, à sua vida privada, à sua intimidade, em outras palavras, um
da vida natural do homem nos mecanismos e nos cálculos do poder. Explica que Foucault fala que
para Aristóteles o homem era um animal vivente e, além disso, capaz de existência política; já para
o homem moderno está em questão política o fato de ser vivente.(AGAMBEN, 2002, p. 125).
Para Agamben, Karl Löwith (LÖWITH, k. Der okkasionelle Dezisionismus von R. Schmitt. In:
Sämtliche Schriben: Stuttgart, 1984, V. VIII) foi o primeiro a definir como “politização da vida”
o caráter fundamental da política dos Estados totalitários, ressaltando também a contigüidade
entre democracia de massa e totalitarismo, seguindo a senda de Carl Schmitt.(AGMBEN, 2002, p.
126-127). Anota Agamben a seguinte passagem de Foucault: “O direito à vida, ao corpo, à saúde,
à felicidade, à satisfação das necessidades, o ‘direito’ de resgatar, além de todas as opressões ou
‘alienações’, aquilo que se é e tudo o que se pode ser, este ‘direito’ tão incompreensível para o
sistema jurídico clássico, foi a resposta política a todos estes novos procedimentos do poder”.
(FOUCAULT, A volunté de savoir. Paris, 1976, p. 128 - apud AGAMBEN, 2002, p. 127).
64 Wetware e netware são termos correlatos. O primeiro diz respeito à capacidade individual de
operar os sistemas de hardware e software, capacidade essa que é desenvolvida a partir do ponto
de vista do usuário ou consumidor, de forma interativa. A ênfase aqui é no trabalho e a inovação
a partir do consumo. Netware é a perspectiva coletiva dessa mesma interação com o consumo.
Cfr. COCCO, 2003, pp. 9-10.
O economista Moulier Boutang concebe o wetware como a atividade viva e individual de atenção
humana, que mobiliza as linguagens de máquina através de sua própria linguagem; netware como a
dimensão coletiva da atenção e lealdade humanas para instituições e empresas. No entanto reconhece
que isto já estava presente na produção fordista, mas na produção contemporânea se transforma de
um problema de coordenação da atenção e lealdade, para um problema de comunicação, isto é, de
um uso novo da linguagem e da rede. Cfr. MOULIER-BOUTANG, 2004, pp.54-55.
65 Segundo nos indica Antonio Baylos essa foi uma as conclusões do 8º Congresso de central
sindical espanhola CCOO (Comisiones Obreras). Cfr. BAYLOS, 2004(b), p. 100
134
retorno renovado à produção «biopolítica», na qual, v. g., o trabalho da mãe
no lar é tão valorizado como o trabalho masculino dentro da empresa66.
Como apontam Negri e Hardt há na «multidão» uma espécie de princípio
de ‘igualdade de oportunidades da resistência’67, fundado na idéia de luta
comunal de todos os que trabalham direta ou indiretamente sob o domínio
do capital.
A «transversalidade presentante» possibilita também outro tipo
de resposta à necessidade que a doutrina sindical detectou para “criar
uma regra de irradiação da potência sindical substitutiva da capacidade
representativa dos trabalhadores quando não existe presença organizativa
nem representação legal”68. O que se propõe é articular a «organização»
de todas as formas de trabalho, e com isso privilegiar um sindicalismo
de coesão – rectius: de «consistência» - e inclusão ao mesmo tempo, que
possibilite a cooperação e desenvolvimento de potências de gêneros, raças,
etnias e culturas69. Observam Negri e Hardt, que “a velha distinção entre
lutas políticas e lutas econômicas se transforma em um mero obstáculo
para a compreensão das relações de classe. De fato, classe é um conceito
biopolítico, e ao mesmo tempo econômico e político”70.
Neste processo de irradiação, que é também uma forma de expan-
são71 do sujeito coletivo, a «transversalidade presentante» não se reduz a
um procedimento de agregação transcendente, isto é, a um processo de
incorporação de outros coletivos limitado a categorias homogêneas, ou a
trabalhadores de ramos produtivos similares. A homogeneidade funciona por
transcendência, pois necessita fazer a diferenciação do representante, dotá-
lo de poderes especiais, transcendentes, para assegurar, na transcendência
dessa representação diferencial, a força do coletivo, força essa que é, assim,
transmutada em poder constituído da representação, isto é, a potência
expansiva e imanente da «multidão» se paralisa no poder constituído do
representante.
72 Negri e Hardt observam que o «comum» “não é sinônimo de uma noção tradicional de comunidade
ou de público: se baseia na ‘comunicação’ entre singularidades, e emerge graças aos processos
sociais colaborativos da produção. O indivíduo se dissolve no marco unitário da comunidade”.
Cr. NEGRI HARDT, 2004(d), p. 241.
73 Na chamada geo-filosofia de Deleuze e Guattari, o pensamento é a ‘dupla articulação’ entre «terra»
e «território». Cfr. DELEUZE y GUATTARI (1992-1997) p. 113. O primeiro é o reino da liberdade
no «platô» do pensamento, no «plano de consistência». «Território» é a esfera do poder constituído,
da soberania, que busca a todo momento ‘reterritorializar’ todos os níveis de liberdade, sejam
políticos, sociais, econômicos ou filosóficos. A terra é o «platô» - plateaux - o plano de consistência
ou imanência, que não pressupõe nenhuma transcendência. Mas neste platô se operam fenômenos
de «estratificação», que são benéficos por um lado, e lamentáveis desde muitos outros. As camadas
territoriais bloqueiam as ‘linhas de fuga’ da terra, aprisionam suas intensidades e virtualidades para
constituir territórios. O território é uma captura, funciona como um buraco preto que procura reter
tudo que passa no seu alcance. O território é uma demarcação na terra, uma demarcação de poder,
um limite, uma fronteira no pensamento. A ‘dupla articulação’ do pensamento se dá por meio de
dois processos: «desterritorialização» e «reterritorialização», que podem ser relativos ou absolutos,
pois o pensamento deleuzeano é o pensamento da prudência pragmática, da razão que reconhece
seus limites, e que não pode ser mais ingênua. A desterritorialização compreende um movimento
do ‘território’ para a ‘terra’. A desterritorialização in loco, excede o território, e se constitui de
movimentos em ‘linhas de fuga’, que coincidem com os movimentos nômades. A reterritorialização
é a outra cara, o movimento em direção ao território.
74 Especialmente com relação às entidades de trabalhadores internacionais, é importante operá-
las desde a perspectiva de que o capitalismo tardio é um fenômeno internacional, isto é, devem
ser mais consideradas enquanto cooperação internacional entre operários, que como estrutura
hierárquica sindical sedentária. Cfr. CARRIL VÁZQUEZ, 2003, p. 2 e especialmente sobre os
obstáculos à solidariedade internacional entre trabalhadores Ibid., pp. 4-16.
75 Maria Fernanda Fernández López anota que a legislação espanhola considera as organizações
sindicais complexas “como um conglomerado de pessoas jurídicas ou, para ampliar ainda mais
a hipótese e abranger, de passagem, hipóteses que em nossa realidade marcham decididamente
nessa direção, abre a possibilidade para que as grandes organizações acabem por converter-se
nisso”. Cfr. FERNÁNDEZ LÓPEZ, 1982, p. 276
136
de força da potência originária da base, justamente pelo aumento do grau
de intromissão da instância superior76. Fenômeno que se agrava a cada
passagem de nível no seio do processo de representação transcendente.
Nesse modelo, o sistema sindical não se expande propriamente, mas se
reproduz como cópia e ‘decalque’ do poder constituído do profissionalismo
da representação – que pressupõe o dirigente-profissional desconectado
do centro de trabalho, ao contrário de privilegiar a laboralidad mesma da
potência dos trabalhadores.
O que é decisivo considerar num modelo que pretenda a
«desterritotialização» do sujeito coletivo, é ampliar os fluxos e a extensão
transversal de potência dos trabalhadores, e não o processo de verticalização
representativa. A verticalização, em sim mesma, não significa, de forma
alguma, aumento de força. O que importa, se se quer traduzir a expansão
da organização operária em termos de aumento de potência coletiva, é a
multiplicação das virtuais «conexões» entre os muitos - rich-get-richer
phenomenon das ‘redes sem escala’77.
Em outras palavras, trata-se de privilegiar o procedimento de des-
dobre da imanência, da expansão topológica, por meio de um processo que
pode ser nomeado de «decalcomania»78 dos grupos, pois não procede como
um ‘decalque’ de pura repetição representativa, mas como desdobramento,
através de «conexões heterogêneas», que reúnem em um mesmo fluxo as
várias formas, instâncias e entidades de representação de todos os gêneros,
raças, etnias e culturas79 de trabalhadores e de todos os ramos e lugares
internacional estabelecida atualmente em Cincinnati, Ohio, nos Estado Unidos. Seu ideário é
próximo aos enfoques anarquistas. Os Wobblies defendem a existência de uma única associação.
Estão fundados a partir de um forte apelo à democracia participativa. No site dessa associação, se
pode ver suas características principais: “O IWW, a diferença da posição de outras associações,
acha que os problemas da classe operária não podem ser solucionados pedindo mínimos para os
patrões ou rogando favores aos políticos. Enquanto luta para condições melhores hoje, o IWW
insiste que seja dado direito, à gente que trabalha, tudo que produz, em vez de uma parte pequena
parte.(...). No esforçar por unir o trabalho como classe em uma grande união, o IWW também tenta
construir a estrutura de uma nova e melhor ordem social dentro da casca do velho sistema que não
pode suprir as necessidades de todos. Quem pode se afiliar? Qualquer assalariado pode levar um
cartão de sócio IWW. Não se barra nenhum trabalhador devido à raça, religião, nacionalidade, sexo
(...) É o IWW é dual? Não. O IWW é a única união que organiza a trabalhadores como classe, em
vez de reunir-se o trabalho nos grupos pequenos que guerreiam lado a lado para a vantagem única
da classe empregadora. (...) O IWW é uma fortaleza da democracia. Quanto às regras de maioria
de votos, são de respeito escrupuloso para o direito de uma minoria e suas diferenças. (...) Uma
pedra angular do IWW é a crença de que a tropa deve controlar a união e a seus oficiais, em vez de
ser controlada por eles. Nenhuma união pode ser a tropa que limita a liberdade de seus membros
ou minorias de cabrestos e regulamentos desnecessárias. (...) Como se salvaguarda a Democracia?
Quanto à estrutura a constituição do IWW protege fortemente a democracia, mas acreditamos que
nenhuma lei idealizada pode assegurar ou conservar democracia se a vontade política se perde. A
raiz da liberdade não é a lei, que a gente pode mudar, mas gente mesmo” (tradução livre). No site da
associação há uma ampla bibliografia eletrônica, além disso, uma excelente indicação bibliográfica.
Disponível na seguinte direção, com último acesso em 04/10/2006: http://www.iww.org/
80 Exemplar disso é o Movimento do Trabalhadores sem Terra do Brasil – MST.
81 A idéia de «rizoma» foi pensada por Deleuze & Guattari como uma espécie de modelo - por
oposição ao modelo de árvore chomskyano - das multiplicidades (DELEUZE & GUATTARI,
1995,p. 8). No pensamento deleuzeano, as multiplicidades - no plural - são a própria realidade
(Ibid., p. 8). A filosofia seria, então, a teoria das multiplicidades (DELEUZE(1996) p. 49). A
racionalidade pós-estructuralista não é linear, nem dicotômica, mas pivotante, como a estrutura
do rizoma. Para os autores, a lógica binária e as relações biunívocas dominam a psicanálise, a
lingüística, o estruturalismo e inclusive a informática, e essa é a realidade da árvore-raiz (DELEUZE
& GUATTARRI, 1995, p. 13). A figura do rizoma, tomada da botânica, foi utilizada para marcar
uma diferença com a idéia de árvore-raiz: com uma base, um fundamento e uma estrutura linear de
desenvolvimento. Estão contidos nessa estrutura princípio, meio e fim (Ibid. p. 33). Há aí também
a idéia de dicotomia - árvore-raiz. Se tivesse sido escrito alguns anos depois, a idéia da rede
mundial de computadores - a internet - seria, sem dúvida, um exemplo de rizoma para Deleuze . É
interessante observar que no último texto de Deleuze, o tema tratado são justamente as interações
entre atual e virtual (DELEUZE,1996, p. 49).
138
5. A representação dual e a «presentação multitudinária»
95 Segundo Monereo e Molina, grosso modo, há “3 regras gerais que caracterizam o atual modelo
legislativo (espanhol) de ordenação das formas de representação dos interesses dos trabalhadores
nos lugares de trabalho (...) a saber: 1ª preferência do legislador pelo exercício das concorrências
de representação e/ou participação na gestão da empresa, legalmente previstas, através das
estruturas representativas constituídas nos centros de trabalho; (...) 2ª Normatização das estruturas
orgânicas de representação e participação no âmbito da empresa em grupo mediante a técnica da
remissão legislativa à autonomia coletiva ; (...) 3ª Princípio de incentivo à sindicalização da ação
coletiva nos grupos, através de uma regra de remissão, não explícita, mas implícita à autonomia
organizativa e de ação do sindicato”. Cfr. MONEREO e MOLINA, 2002, pp. 103-110.
96 Monereo e Molina defendem um sistema que regule expressa e diretamente a representação dos
interesses dos trabalhadores nos grupos de empresa, evoluindo do modelo de auto-regulação a
um regime legislativo promocional flexível. Cfr. Ibid., p. 113.
97 Cfr. BAYLOS, 2004(b), p. 101
143
negocial do empresário. Há um adicional qualitativo entre um modelo
que imponha uma simetria, desde fora, e outro que se caracterize pela
não-intervenção e pela promoção de uma liberdade absoluta quanto às
formas de reconhecimento jurídico, inclusive em relação à ação unitária
das forças do trabalho na empresa. É preciso que a dualidade, no marco
de uma «presentação multitudinária», seja uma combinatória livre, um
deslocamento fluído no medium e não uma mediação, seja essa mediação
levada a efeito pela lei, seja pelo princípio do discurso jurídico.
O que se sustenta, portanto, é que a dualidade jurídica do sujeito
coletivo tem de ser nômade e que se apresente como a dualidade entre o
«comum» e a produção98, refutando a dualidade sedentária da representação,
que paralisa a dinâmica de ação dentro da empresa e estabiliza segmentos
sem «conexões» entre a representação interna (organização no local de
trabalho) e a externa (sindical), interditando as «conexões» entre o trabalho
e a vida do trabalhador.
O estatuto da «presentação multitudinária» da «multidão» é
profundamente «biopolítico» e não se restringe à empresa – mesmo ao se
considerar a empresa deslocalizada e imaterial. Este novo estatuto tem de
se deslocar para todos os lugares das lutas sociais. Observam Negri e Hardt
que, até hoje, “as lutas mais inovadoras dos agricultores, por exemplo, as da
‘Conféderation Paysanne’ francesa ou o ‘Movimento Sem Terra’99 do Brasil,
não são lutas fechadas, limitadas a um só setor da população; na verdade,
abrem novas perspectivas para todos em questões tais como a ecologia, a
pobreza, as economias sustentáveis, e em todos os aspectos da vida”100.
98 Sublinham Negri e Hardt que hoje “esta relação dual entre a produção e o «comum» – o
«comum» produzido e também produtivo – é código para a compreensão de toda atividade social
e econômica”. Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d), p. 232
99 É interessante assinalar o trabalho inédito de Virginia Leite Henrique, sobre o MST como paradigma
do movimento sindical. É especialmente destacável a seguinte conclusão de seu estudo: “Para fazer
frente à nova reorganização produtiva que afasta o trabalhador do sindicato e, ainda, ao desemprego
e à informalidade que não somente distanciam, mas também excluem o trabalhador de qualquer
representação sindical, se propõe fundada na experiência do MST, uma nova roupa ao sindicato:
de abertura, de inclusão e de agregação daqueles já excluídos pelo modo de produção vigente.
Que o sindicato olhe a outra cara da globalização: a da inclusão e união, no lugar da dispersão
e fragmentação. Como conseqüência de tal abertura para novos membros, deverá sustentar nova
reivindicações, tornando-se a voz dos cidadãos, e não apenas dos trabalhadores formais. Se
propõe, pois, que dentro dos sindicatos não se façam divisões, não se façam exclusões, não se
façam categorizações, que o sindicato, ou o nome que lhe queiram dar, seja representante de todos,
empregados, desempregados, aposentados, já que todos são fruto da mesma exploração e, portanto,
germes da transformação social. Retomemos o velho Marx, globalizado... e o fantasma se alastrará
pelo mundo”. Cfr. A organização dó MST como paradigma para ou movimento sindical não o
Brasil - Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2005, p. 231.
100 Cfr. NEGRI e HARDT, 2004(d) pp. 155-168
144
Nossos autores observam, ainda, que nos “países capitalistas
dominantes se lhes concedeu (aos sindicatos) um estatuto legal e
constitucional a troco de que se dedicassem exclusivamente às questões
econômicas do posto de trabalho e à negociação salarial, e renunciassem
às reivindicações sociais e políticas. No paradigma do trabalho imaterial,
no entanto, conforme a produção se faz cada vez mais biopolítica, esta
consideração isolada das questões econômicas tem cada vez menos
sentido”101.
Em resumo, o reconhecimento jurídico do sujeito coletivo não se
opera em código de uma aptidão jurídica para representar, nem mesmo
como aptidão legítima para tanto, e, sim, enquanto apetite concupiscível de
«presentação» da «multidão», enquanto seu impulso instintivo e imanente
para a potência – «conatus»102 -, que não se limita ao espaço-empresa,
mas parte desde a produção do «comum» para a vida. Enfim, antes que
representação é performance.
6. Conclusões
146
HUMANIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DO DIREITO PARA
DAR-LHE O SEU VERDADEIRO SENTIDO.
1. A justiça e o homem
O homem normal tem por vocação não viver só; necessário que
haja cooperação mútua. Aristóteles já dizia que o homem é por natureza
um animal político, destinado a viver em sociedade, não só em vista da
existência material, mas, sobretudo, em vista da vida feliz.1 Ninguém é
feliz sozinho; o homem solitário, que nada precisa por bastar-se a si próprio
é um bruto ou um deus.2
Na comunidade o homem atinge a realização de sua natureza; nesse
plano, situa-se no diálogo; no plano individual é livre para comportar-se
como melhor lhe pareça, atuando sempre, num e n’outro plano, uma virtude
moral, centro de qualquer discussão ética.
Regrar a vida em sociedade constitui a finalidade do Direito, algo
concreto dirigido ao homem, e não a um alheamento do espírito. É, pois,
o Direito, criação do homem que a ordem legal reconhece e defende como
título jurídico que acompanha todo ser humano.
A lei, enquanto justiça legal, é feita pelo homem e para o homem;
logo, ele tem o dever de cumpri-la. Esse dever é o viver justamente e o
1 ARISTÓTELES. A Política. Trad. Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília: UnB, 1999. E “Não é
bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea.” (Gênesis 2:18).
2 Tomás de Aquino afirma que o ser humano é, por natureza, animal social e político, vivendo em
multidão, mais que os outros animais, evidenciando, assim, sua natural necessidade. Por isso, os
conflitos de interesses avolumam-se com maior complexidade, à medida que aumenta a população.
147
praticar todas as virtudes. Homem justo é o que obedece a lei, respeitando
a igualdade; injusto é aquele que não se conforma com a lei e trata
desigualmente os iguais.3 É uma disposição subjetiva que se forma com o
esforço de cumprir seus deveres legais perante a sociedade.
O homem é um ser livre. Não simplesmente na racionalidade ou na
imortalidade, mas na prerrogativa de se autocriticar livremente. Liberdade é
um poder de ação. O homem “é o único ser que livremente pode ser mais do
que já é por natureza. Não no sentido de que seja causa eficiente de si e que
possa tirar a si mesmo do nada. Uma vez constituído na sua essencialidade
básica de ser e existir, o homem continua inacabado, imperfeito, mas
dispondo de larga margem de perfectibilidade e acabamento”.4
Essa liberdade faz do cidadão o responsável por suas ações que po-
dem ser moralmente justas ou injustas quando praticadas voluntariamente,
eis que as ações involuntárias não são justas nem injustas, são acidentais
ou meras fatalidades. A subjetividade é que dá o caráter voluntário ou
involuntário. Quando involuntariamente se mata uma pessoa, o ato é
objetivamente injusto, mas não se está cometendo subjetivamente uma
ação injusta5 ou imoral.
A natureza compele os homens a associarem-se. Por saberem
discernir o bem do mal, o justo do injusto, ou outros sentimentos da mesma
ordem, têm em mãos as armas que a natureza lhes dá: a prudência e a
virtude. Sem virtude, é o homem o mais ímpio e o mais feroz de todos os
animais.6
O legislador, responsável pela criação das normas de comportamen-
to, deve sempre levar em consideração que o Direito é propriamente humano
e assumir o compromisso com a verdade das coisas e com o progresso da
justiça. A ordem jurídica é estabelecida não pelo arbítrio dos governantes,
mas na necessidade de se administrar os problemas que afligem as pessoas,
baseada em critérios éticos independentes do poder pessoal ou coletivo.
3 É certo que tratar igualmente a todos pode ser causa de grandes injustiças. O Código de Defesa
do Consumidor, por exemplo, consagra uma séria de medidas protetivas ao consumidor, vedando
a inserção de cláusulas abusivas e a possibilidade de inversão do ônus da prova, em aparente
desigualdade entre os direitos deste e do fornecedor, tudo em nome do poder econômico ou
conhecimento técnico que este possui em face daquele.
4 PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. A dignidade do homem. Trad. de Luiz Feracine.
Edições GRD, 1988, p.XXIV.
5 PEGORARO, Olinto A. Ética é justiça. Rio de Janeiro: Vozes, 1995, p. 34.
6 CALMON DE PASSOS, J.J. diz que “O homem foi criado com a capacidade demoníaca de ser
pior do que as feras, mas, também, com a capacidade extraordinária de ser maior do que os anjos”.
(4º Congresso de Processo Civil e Direito Civil realizado em Campo Grande, Mato Grosso do
Sul, em março de 2005).
148
A Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, inspirando-se em
diversos autores, ensina que com as crescentes modificações sociais
e políticas pelas quais passa o mundo atual, dentre outras a crescente
massificação das relações jurídicas e o reconhecimento de que nessas
relações nem sempre há paridade entre os sujeitos, o legislador é incapaz de
acompanhar a evolução das instituições jurídicas, tal qual impõe a sociedade
moderna. Preocupa-se, como observa a Professora, “o legislador, por isso,
em elaborar normas que explicitem os objetivos de um determinado sistema
(ou microssistema) jurídico, não mais se limitando a regular condutas.
Eros Roberto Grau denomina estas normas de normas-objetivo, que são
‘normas que explicitam resultados e fins em relação a cuja realização
estão comprometidas outras normas, estas de conduta e de organização.
Paralelamente à incrementação dessas normas-objetivo, constata-se que a
complexidade das relações jurídicas e a rapidez das modificações que tais
relações experimentam impõe o surgimento de normas jurídicas ainda mais
gerais, que trazem em seu bojo noções de conteúdo variável (de conceito
vago ou indeterminado), a fim de possibilitar ao órgão jurisdicional aplicar a
norma jurídica em atenção às particularidades de cada caso, particularidades
estas insuscetíveis de serem reguladas minudentemente pelo legislador. Se,
como afirmou Chaïm Perelman, ‘o recurso a uma noção vaga ou confusa
aumenta, por esse próprio fato, o poder de interpretação daquele que deve
aplicá-la’, intensifica-se, desse modo, o grau de participação do juiz na
resolução dos litígios, porquanto este não mais se limita a simplesmente
indicar a solução legal antecipadamente prevista no ordenamento jurídico
para a solução de um problema. Assiste-se, assim, a um fenômeno que
não pode ser desprezado, em boa dose decorrente da evolução da noção
de Estado e de sua função desde o Estado liberal, passando pelo Estado
social até chegar, hodiernamente, ao que se denomina Estado democrático,
consistente num ‘salto de qualidade’ da atividade jurisdicional: se antes era
essencialmente ressarcitória, o Poder Judiciário é chamado, cada vez mais,
a certificar que as obrigações executadas judicialmente correspondem,
sempre que possível, a exatamente aquilo que era devido”.7
Por sua vez, o juiz, ao proferir sua sentença, deve propugnar os
valores humanos postos em jogo, prescindir de razões abstratas e vazias
de lógica, elegendo caminhos verdadeiros que conduzam a humanização
do direito.8
7 Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 72-73.
8 FARINA, Juan M. Justicia ficción y realidad. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 221-222
(tradução livre).
149
O menosprezo pelos valores humanos torna o direito sem sentido,
por subestimar o sentido que se deve dar a vida dos homens. Não se admite
um direito que se esquece da importância que a realização dos valores tem
(ou deve ter) em toda vida humana.
Inspirando-se em Jesús Ballesteros e Bérgson, Juan M. Farina9
lembra que a ordem jurídica é algo que só tem sentido quando se relaciona
com o ser humano. É uma ordem vital e não uma ordem geométrica, inerte
e automática.
Não basta ao juiz um profundo conhecimento teórico da lei e da
jurisprudência. É certo que a formação pode contribuir, mas além da
vocação, é essencial prudência, paciência, sensibilidade e bom senso10
para reconhecer o que é justo a uma composição satisfatória do litígio e
revesti-la de roupagem jurídica.11
Sendo impossível à lei prever toda a variedade de casos que surgem
no dia-a-dia da vida do cidadão, as omissões devem ser corrigidas pelo
aplicador, desempenhando, para tanto, uma função de complemento de
virtude da justiça que é a equidade, ora flexibilizando, ora temperando
a rigidez da norma, ora adaptando o fato ao seu conteúdo, sempre com
o escopo de determinar o que é justo em cada situação particular. Vale
lembrar a advertência de Aristóteles: “Chama-se julgamento a aplicação
do que é justo.”12
Não se quer com isso dizer que o juiz não está vinculado à lei.
Os objetivos dessa vinculação, que abrange também a doutrina e a
jurisprudência, são inerentes ao Estado de Direito, com vistas a gerar uma
jurisprudência iterativa e uniforme.13 Como diz a Professora Teresa Arruda
Alvim Wambier: “Assim, diríamos que a vinculação do juiz à lei se amolda
por meio da doutrina e da jurisprudência, como se estes dois elementos
desempenhassem uma função de ‘engate lógico’ entre a lei e os fatos.”14
9 Ob. e p. cits.
10 Bom senso é a aplicação da razão que o órgão judicante deve ter para julgar os casos particulares,
buscando a justiça. É a chamada prudência objetiva, exigida pelo conjunto das circunstâncias
fático-axiológicas, que deve ter o aplicador do direito, ou melhor, o poder competente para criar
normas aplicando outras. (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998,
p. 429, v. I).
11 “A independência do juiz também é um dos postulados das culturas jurídicas modernas.”
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 100.
12 A Política. Trad. de Nestor Silveira Chaves. Edipro, 1995, p.15.
13 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 100.
14 Ob. e p. cits. A mencionada autora, citando Niklas Luhman, diz: “O Juiz permanece vinculado à lei
150
Obter-se-á uma justiça boa com bons juízes, ainda que não sejam
boas as leis. As deficiências destas podem ser superadas com critério
jurídico e com a capacidade intelectual dos juízes que as aplicam, mas as
deficiências destes tornam negativas as vantagens de boas leis. No panorama
jurídico atual, muito mais importante é a marcha acelerada dos processos
que eruditos fundamentos contidos na sentença. Se os jurisdicionados
puderem escolher entre justiça rápida e boa ou justiça lenta, mas culta,
certamente escolherão a primeira.15
Essa preocupação com a endêmica demora na prestação jurisdicio-
nal, fator de fortes críticas, não sensibilizou o legislador constituinte de
1988, tanto que não só ampliou o acesso à justiça, mas agregou positivamente
que ela deve se dar em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, da Constituição
Federal).
Com isso, tornou induvidoso que o direito do cidadão ao processo,
como método apto à composição do conflito de interesses qualificado
por uma pretensão resistida, “passou a ser recepcionado como um direito
subjetivo constitucional, que poderá levar o Estado a indenizar pelo atraso
injustificado da prestação jurisdicional”.16
E essa posição constitucional consubstancia-se no regime demo-
crático de direito, privilégios concedidos à dignidade da pessoa humana e
que corresponde à aspiração maior da sua existência.
Atentar contra a dignidade humana deve ser repelida com veemên-
cia, sendo obrigação de todos lutar contra situações desumanas, como o
trabalho escravo, a exploração infantil, a insuficiência de moradia, a falta
de saneamento básico etc.
Sobre os direitos fundamentais do homem José Afonso da Silva17
preleciona, inspirando-se em Pérez Luño, que se referem “a princípios que
resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada
ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo,
aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”.
– mas justamente não à legislação. Evidentemente, regras genericamente válidas continuam sendo
indispensáveis no sistema. No entanto, a legislação e a jurisprudência participam do processo da
formação e da modificação, da condensação e da confirmação de regras genericamente válidas.”
(Ob. cit., p. 100-101).
15 DEVIS ECHANDÍA, Hernando. Teoría general del proceso. 2. ed. Buenos Aires: Editorial
Universidad, 1997, p.127.
16 PAVAN, Dorival Renato O princípio da efetividade e as modificações na execução por título
extrajudicial: Lei 11.382/2006, RePro n. 155/154-194, jan/2008.
17 Curso de Direito Constitucional Positivo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 159.
151
2. Os sentimentos humanos, o direito e os juízes
23 Dispõe o § 4º, do art. 34, da Lei n. 6.515, de 26.12.77: “As assinaturas, quando não lançadas na
presença do juiz, serão, obrigatoriamente, reconhecidas por tabelião.” Igualmente, o disposto no
art. 1.120, § 2º, do CPC.
24 A letra VIII, do inciso VI, do art. 7º, do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906, de 04.07.1994),
dentre outros, estabelece que é direito do advogado “dirigir-se diretamente aos magistrados
nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra
condição, observando-se a ordem de chegada.” E pior: Há aqueles que, mesmo sem ler, dizem em
tom de prepotência: vou indeferir sua petição, doutor!
25 A advocacia é a única profissão que possui status constitucional, por força do art. 133
da Constituição Federal. Dessa forma, sendo indispensável à administração da Justiça, a
Constituição alinha o advogado à magistratura e ao Ministério Público, daí porque o Estatuto da
Advocacia e da OAB dispõe que “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e
exerce função social”.
154
O juiz é médico capaz de identificar, a partir dos sintomas, a
enfermidade que aflige o paciente, e receitar o remédio apropriado para o
completo restabelecimento do doente.
Nesse diapasão, o juiz não pode errar26; o seu erro produz injustiça,
trás insegurança e indignação na comunidade, “prato cheio” para os
veículos de comunicação. Mas isso não é motivo para exagerar no apego à
perfeição; o erro razoável, qualquer ser humano não está imune de cometê-
lo, basta ter a coragem de penitenciar-se e encontrar meios para corrigi-lo.
Deve fazer da humildade a sua referência e a revisão de seus equívocos
não o tornará submisso e nem indicará insegurança ou fraqueza em suas
posições. A postura de humildade, apenas engrandecerá a sua pessoa.
Propugnar, em todos os casos, por uma interpretação jurídica que
conduza à conclusão mais justa do problema que lhe foi submetido para
solucionar.27 A sua formação jurídica, ética e filosófica lhe permitirá atuar
com critério, prudência e eqüidade.
Decidir com eqüidade28 sim. A sentença proferida com eqüidade
predispõe conferir correta interpretação da norma jurídica, proporcionando
um sentido moral à decisão e evita que se consagrem abusos em prejuízo
de um ou de ambos os demandantes.29 Muitas vezes invocam-se razões
processuais para rechaçar o processo, quando possível sanar a deficiência30,
pois isto é contrário ao mais elementar princípio de justiça.
26 No exercício da jurisdição, o juiz não está imune a erros. Deve, no entanto, ter a coragem de
assumi-los e corrigi-los.
27 SICHES, Luís Recaséns. Tratado general de filosofia del derecho. 9. ed. México: Porrúa, 1986,
p. 647 e 660.
28 “A proibição de que o juiz decida por eqüidade, salvo quando autorizado por lei, significa que
não haverá de substituir a aplicação do direito objetivo por seus critérios pessoais de justiça. Não
há de ser entendida, entretanto, como vedado se busque alcançar a justiça no caso concreto, com
atenção ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução.” (RSTJ 83/168).
29 Decisão por eqüidade significa abrandar o rigor excessivo da lei positiva. “A eqüidade não destrói
a lei, pelo contrário, a completa. Por isso, Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, afirma que o
eqüitativo é também justo e vale mais do que o justo em determinadas circunstâncias. É uma feliz
retificação da justiça rigorosamente legal. A aplicação extremamente rigorosa de normas inflexíveis
e invariáveis, não temperadas pela eqüidade, pode resultar em extrema injustiça.” (ACQUAVIVA,
Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro, apud VIOLANTE, Carlos Alberto M. S. M.. Lei
de Introdução ao Código Civil. Copola Editora, 2000, p. 37). É grande o arbítrio judicial ao se
decidir por eqüidade, mas o juiz estará sempre circunscrito ao respeito àqueles princípios que regem
o sistema jurídico brasileiro, de onde irá extrair a norma a aplicar ao caso concreto. (SANTOS,
Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civi, p. 13, v. III. Na expressão de Gabriel
de REZENDE FILHO, “o juiz será, então, como que intérprete da consciência do povo”. Curso de
Direito Processual Civil.6. ed. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 13, v. III.
30 O indeferimento sumário destrói a esperança da parte e obstaculiza o acesso à via judicial,
constituindo desprestígio para o Judiciário. (RSTJ 110/96).
155
O juiz não está para a lei como o prisioneiro para o cárcere. Na
sua função jurisdicional, ao aplicar a norma jurídica ao caso concreto,
deve observar os “fins sociais a que a lei se destina” (art. 5º, da Lei de
Introdução ao Código Civil) e, conseqüentemente, dar forma à letra fria da
lei, transformando-a numa obra de justiça, de sensibilidade, de sabedoria
e de caridade. Diante da letra injusta da lei, prevalece a sabedoria, o bom
senso e a verdade.31
Não se quer com isso dizer que o juiz tem liberdade de decidir
subjetivamente. A fase de arbitrariedade já não mais existe. A obrigação
de motivar a decisão, dando as razões em que seu espírito assentou o
convencimento, não vai ao arbítrio, pois a liberdade que tem para formá-
lo (o convencimento) será exercida com respeito e condições que a lei lhe
impõe.32
Mas terá o juiz de ser criativo, reconhecendo princípios universais e
direitos fundamentais assim considerados pelo padrão mundial. Em outras
palavras: o juiz deve decidir com base nos princípios constitucionais, sem
ignorar parâmetros mundiais, respeitando o povo cidadão33 e os direitos
constitucionais.34
Isso não acontece em países onde não são reconhecidos princípios e
direitos fundamentais. Nesses países, o juiz não está autorizado a afastar o
31 FUX, Luiz. Juizados Especiais – um sonho de justiça. RePro 90/151-158.
32 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 381, v.II.
33 Na lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o conceito de cidadão, a exemplo da concepção
dos mestres de Coimbra, é a pessoa humana no gozo pleno de seus direitos constitucionais e
não única e exclusivamente ‘nacional no gozo de seus direitos políticos’. O cidadão brasileiro,
portanto, possui igual dignidade social independentemente da sua inserção econômica, social,
cultural e obviamente política. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil, apud
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 91, nota de rodapé n. 159.
34 “A idéia de que os vetores orientativos das valorações do juiz devem ser extraídos do ethos
jurídico dominante na comunidade, cuja fonte de conhecimento, por excelência, são os princípios
constitucionais, aparece de modo claro em Larenz: ‘A bússola das valorações do juiz (ou dos agentes
da Administração) vê-a Zippelius ‘no ethos jurídico dominante na comunidade’ nas ‘concepções
dominantes de justiça’. O éthos jurídico dominante’, não consiste numa soma de processos ao nível
da consciência, mas no conteúdo de consciência de uma multiplicidade de indivíduos; é ‘espírito
objectivo’, no sentido da teoria das camadas de Nicolai Hartmann. Fontes de conhecimento desse
‘ethos jurídico dominante’ são, antes do mais, os artigos da Constituição relativos a direitos
fundamentais, outras normas jurídicas, e ainda ‘proposições jurídicas fundamentais da actividade
jurisprudencial e da Administração, os usos do tráfego e as instituições da vida social; um ‘uso
tradicional’. A normatividade do ethos jurídico dominante fundamenta-a Zippelius em que, uma
vez que exprime a convicção da maioria, garante um ‘consenso ao máximo abrangente’.” (Apud
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito
direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 95-96).
156
ethos dominante local para empregar princípios universais.
É, por exemplo, o que acontece em muitos países africanos, onde é
prática comum a mutilação de órgãos genitais femininos. Outro exemplo,
o caso das freiras acusadas de participação no genocídio em Ruanda entre
abril e julho de 1994, matando mais de 5.000 refugiados. Foram julgadas
e condenadas na Bélgica, tendo sido considerado o fato, por organizações
internacionais de direitos humanos, como um grande passo para a justiça
internacional.35
Não é sem razão a inquietude hodierna em busca de uma boa quali-
dade do provimento jurisdicional, sempre em homenagem à proclamação
de uma justiça ideal, econômica e célere.36 Essa preocupação levou
os estudiosos a revisitar o dogma da coisa julgada, fenômeno até então
intocável, capaz de criar uma outra realidade, a pretexto de perenizar
sentenças injustas, absurdas e inconstitucionais.
A tendência é flexibilizar a res judicata em casos extremos,
sem desvalorizá-la e nem causar danos à tranqüilidade social, como o
ajuizamento de nova demanda investigatória da paternidade, quando a
pretensão anterior foi julgada improcedente.
Não será fácil para o homem da rua compreender que a coisa julgada
está privando o sujeito de ter um pai, quando pai é realmente o investigado,
mas o juiz se convenceu do contrário. Uma vez recolhidas provas novas,
ou havendo indícios de erro ou fraude naquelas produzidas no processo
anterior, é possível a renovação da demanda investigatória para aquietação
social até que sejam exauridos todos os meios de produção de prova, pondo
fim a um estado de incerteza do status familiae do investigante, em respeito
à dignidade da pessoa humana e a igualdade entre todas as categorias de
filhos inseridas na Constituição Federal (§ 6º, inciso VII, do art. 227).
Os Tribunais vêm timidamente admitindo o ajuizamento de nova
demanda investigatória da paternidade quando na anterior, julgada
improcedente por falta de provas, não foi realizado o exame de DNA (ácido
desoxirribonucléico).37 Mas se há de convir que o exame hematológico pelo
método do DNA não propicia absoluta certeza de vínculo genético entre os
35 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. Ob. cit., p. 91-92.
36 Embora parece que os povos contemporâneos estão abrindo mão do valor segurança, em troca de
soluções que atendam mais de perto às efetivas necessidades a que devem responder. WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e
de ação rescisória. Ob. cit., p. 96.
37 REsp 226.436/PR – 4ª T. STJ. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
157
que submeteram seu sangue a análise, afastando a tecnologia atual desse
meio de prova, a “aura de infalibilidade”, dando-lhe qualidade relativa, e
não excluindo a possibilidade de erro e até mesmo de fraude.
A própria comunidade científica não atribui certeza absoluta ao
exame, estando em evolução os estudos para que se possa afirmar ou negar
a paternidade com exatidão, e um dos maiores problemas enfrentados pela
ciência é a dificuldade de dados sobre a “população de referência”, ou
seja, os fragmentos genéticos do filho, da mãe e do suposto pai, a serem
analisados. É impossível estabelecer qual é a “população de referência”
numa sociedade multiétnica.38
Além disso, diante do inexpressivo número de informações genéticas
que caracteriza relativo grau de probabilidade, o exame é passível de: 1º)
falhas técnicas das etapas do sofisticado procedimento; 2º) descuido e a
troca do material submetido à perícia, alterando os resultados do exame; 3º)
alteração proposital do resultado do exame; 4º) laudo pericial incompleto
e inconsistente.
Não se pode deixar de acrescentar que a legislação brasileira não
estipula a quantidade de material a ser analisado. Em todos os procedimentos
comparam-se trechos do DNA da mãe, do suposto pai e do investigante.
O que importa são os pedaços de DNA analisados. Quanto mais pedaços
examinados, maior o custo e é ai que surge o perigo de erro, que pode
variar de 99,99% (risco de um erro em 10 mil) a 99,999999% (risco de um
erro em 100 milhões).39
Não são raros os casos de desequilíbrio financeiro entre o suposto
pai e a mãe do investigante. Esta, enfrentando dificuldades para sobreviver;
aquele homem de abastadas posses pode não encontrar obstáculo para que
o resultado da perícia seja adulterado.
Certo que os recursos científicos justificam a possibilidade de
rediscutir a paternidade quando do ajuizamento da primeira demanda o
exame pelo DNA ainda não era disponível, mas não se pode descartar essa
mesma rediscussão quando aquele exame trouxer indícios de fraude, falha
ou erro. A rediscussão é possível em outras demandas investigatórias, com
exame pelo DNA na demanda anterior ou não, até que haja razões que
façam prevalecer ou restabelecer a verdade, pois, enquanto desfavorável
aos interesses da filiação, não se pode barrar, sob o dogma da coisa
40 Sobre o tema da flexibilização da coisa julgada, recomenda-se a leitura do livro de autoria dos
Professores WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA José Miguel Garcia. O dogma da coisa
julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003 e DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do
Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 220 e segs.
41 PEGORARO, Olinto A. Ética é justiça. Ob. cit., p. 26-27.
159
as contradições, a apreciação da prova, e as incoerências eventualmente
existentes na sentença.
A sentença é uma unidade lógico-jurídica, dependente não só do
convencimento no atinente à parte dispositiva, mas, principalmente que
ostente uma substancial coincidência dos fundamentos que permitiram
chegar a conclusão adotada.42
São suscetíveis de nulidade não só as sentenças infundadas; também
aquelas que não contêm uma exposição suficiente e clara das razões e das
circunstâncias da causa, ou é omissa quanto a uma análise suficiente das
questões debatidas.
Sobre o tema, a Prof. Teresa Arruda Alvim Wambier43 refere
existirem: “...grosso modo, três espécies de vícios intrínsecos das
sentenças, que se reduzem a um só, em última análise: 1. ausência de
fundamentação; 2. deficiência de fundamentação; e 3. ausência de
correlação entre a fundamentação e decisório. Todas são redutíveis à
ausência de fundamentação e geram nulidade da sentença. Isto porque
“fundamentação” deficiente, em rigor, não é fundamentação, e, por
outro lado, “fundamentação” que não tem relação com o decisório não é
fundamentação: pelo menos não o é daquele decisório!
O problema da fundamentação alcança as decisões colegiadas.
Quando dentre os três juízes, o revisor vota em sentido contrário ao relator,
o segundo vogal deve explicitar porque optou em acompanhar esse ou
aquele voto.44 Não se pode admitir o jargão: “Voto com o relator.” Tem de
dizer, motivadamente, o que lhe convenceu para acompanhar o relator.
42 Michele Taruffo explica bem essa questão da motivação da sentença. Diz o citado autor que “junto
al control ex ante que se asegura mediante la contradicción hay también una posibilidad de control
ex post que puede ejercerse a través de la motivación de la sentencia. Es conocido, en realidad, que
también la motivación es objeto de una garantia específica, algunas veces formulada por normas
constitucionales, y que su principal función consiste en hacer posible un posterior control sobre las
razones presentadas por el juez como fundamento de la decisión. Es también habitalmente aceptada
la tesis de que la motivación no puede considerarse como una explicación del procedimiento lógico o
psicológico con el que el juez ha llegado a la decisión; es, más bien, la exposición de un razonamiento
justificativo mediante el que el juez muestra que la decisión se funda sobre bases racionales idóneas
para hacerla aceptable. La motivación es, pues, una justificación racional elaborada ex post respecto
de la decisión, cuyo objetivo es, em todo caso, permitir el control sobre la racionalidad de la propia
decisión. Estos princípios generales son válidos también en referencia a la valoración de las pruebas
y al juicio sobre el hecho. No cabe Duda, en realidad, de que también la motivación sobre los
hechos es necesaria, como la motivación sobre el derecho aplicado, precisamente como garantia de
racionalidad y de controlabilidad de la valoración de las pruebas”. La prueba de los hechos. Trad.
de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Editorial Trotta, 2002, p. 435.
43 Nulidades do processo e da sentença. 5ª ed. RT, 2004, p.335.
44 Não só o relator deve motivar o voto, mas, também, os demais membros que fizerem parte do
julgamento, como forma de evitar o arbítrio.
160
Somente leis justas devem ser sancionadas, aplicando-as estritamente
o juiz e negando aplicá-las por respeito à justiça, quando injustas. Leis que
violam os princípios essenciais da ordem justa que o Estado deve manter
são injustas e devem ser afastadas por uma magistratura sábia em respeito
à justiça.45
4. O justo e o eficaz
49 A justiça. Giorgio Del Vecchio. Trad. de Antônio Pinto de Carvalho. Ed. Saraiva, 1960, p.40-41.
50 Ética a Nicômacos. Trad.de Mário da Gama Kury. Ed. UnB, 1999, Livro V.
51 Idem, p.76-78.
162
Conclui, o citado autor, que contracâmbio e remuneração têm “a
mesma raiz e o mesmo significado transubjetivo: pressupondo um e outro
igualmente um reconhecimento da pessoa, não só em sua entidade abstrata,
como substância dotada de autonomia, mas através de seus comportamentos
concretos, tais como podem ser apreciados e ponderados por outros. Esta
forma de apreciação ou ponderação objetiva é precisamente imposta pela
justiça, a qual culmina na exigência de que todo sujeito seja reconhecido
(pelos outros) por aquilo que vale, e de que a cada um seja atribuído (pelos
outros) aquilo que lhe compete”.52
Estes elementos, ainda que imperfeitos, que segundo o autor foram
por ele extraídos por dedução transcendental, representam os lineamentos
básicos de toda possível exposição da justiça no sentido próprio.
Como regra de convivência nas relações intersubjetivas e num sen-
tido específico, a igualdade, a harmonia, a ordem e a proporcionalidade são
formas do justo. Considerando que esses elementos estabelecem uma relação
entre sujeitos, um obrigando-se com o outro e cada qual reconhecendo a
subjetividade alheia, um tendo a obrigação e o outro a faculdade de exigir,
justiça é sinônimo de direito, onde o juiz tenta restabelecer a igualdade, a
harmonia, a ordem e a proporcionalidade. Já num sentido transcendental,
como acontece não com a ciência, mas com as disposições da alma, reina o
imperativo do dever: “não faças a outrem o que não queres que façam a ti.”
O direito positivo não é o único direito, nem no fenômeno jurídico
a justiça é absoluta. O ideal de justiça não está no direito positivo, onde
o legislador se esquece de que o fim das leis é o bem comum, mas no
direito natural, onde se encontram os eternos valores do espírito. A justiça
ao tempo em que se repercute em todas as leis, não se esgota em nenhuma.
“Só ela pode, nas horas solenes, impor como dever e sacrifício supremo
infringir e ultrapassar a ordem jurídica positiva, quando esta esteja
irreparavelmente corrompida, a fim de que mediante uma nova ordem
prossiga e se aperfeiçoe aquele processo de verificação e de reivindicação
da mesma justiça, que tem por teatro a história e por fonte indelével e
inexaurível o espírito humano.”53
Como direito positivo, pode-se dizer que justiça eficaz é a verda-
deira justiça, a justiça por excelência, na legalidade, e ineficaz a que se
desvia da legalidade, fora da lei, ou iníqua. Os pensadores cristãos não
consideravam lei se não fosse justa (lex injusta non est lex). Se for justa tem
a qualidade de lei.
52 Ob. e p. cits
53 DEL VECCHIO, Giorgio. A Justiça. Ob. cit., p. 230.
163
Aristóteles propunha que a justiça e a injustiça podem ser entendidas
em muitos sentidos. Para ele, ação justa é um meio termo entre agir
injustamente e ser tratado injustamente, pois no primeiro caso se tem
demais e no segundo se tem muito pouco54. A semelhança entre elas é uma
questão de grau, mas conclui que a justiça não pode ser considerada como
uma parte da virtude; é a virtude inteira. Desde a perspectiva da eficácia
da justiça não pode haver meia justiça, mas justiça inteira. Essa afirmação
poderia criticar-se de utópica, já que não há justiça perfeita, como também
não há lei perfeita. Assim, cada época decide o que é justo e o que é injusto,
o que é legal e o que é ilegal, não obstante o valor permanente do ideal de
justiça.
Nas diferentes escolas se têm mantido conceitos de justiça sobre
argumentos filosóficos ou econômicos. Em época mais recente, a doutrina
relaciona-a com outros valores para denominar “o direito justo”. Outras
teorias preferem estudá-la numa perspectiva analítica, histórica ou dialética.
Assim já disseram que a justiça deve ser tratada através da teoria, mas
também da prática.
Questiona-se a justiça como paradigma de uma reorganização da
sociedade; às vezes surgem idéias utilitaristas como proclamava Hume: “a
utilidade pública é a única origem da justiça”. Não são em vão os temas
judiciais que se encontram diariamente nos meios de comunicação e
aparecem em variadas publicações em forma de aspectos críticos – não
acadêmicos – do funcionamento da justiça, que inquietam a sociedade.
Como se pode ver, são múltiplos os conceitos e bem variados,
dependendo dos distintos ângulos em que cada um se posiciona. Sob a
ótica da proteção estaciona-se ante sua organização; decidindo situar
como justiciáveis a crítica seria subjetiva desde que a perspectiva seja da
igualdade e da liberdade. Como impressão subjetiva da pessoa comumente
empresta um sentimento de agressão às funções do Estado, incluindo os
órgãos policiais e militares como se exercem a justiça. Enfim, a resposta
pode ser plausível: a justiça é eficaz, desde que o sujeito se sinta respaldado
pela eficácia da justiça. Se o seu problema não se resolve com eficácia tem
a sensação de injustiça. Por esse ângulo, crê-se que a justiça se alcança
através do Direito – que no dizer de Ihering “é uma idéia prática”- é possível
chegar a ela através deste, não pelo simples fazer de sua aplicação senão
pela disposição em decidir, dentro de uma perspectiva que seja conveniente
aos interesses da sociedade, salvaguardando seus valores. Propugna-se
54 Ética a Nicômacos. Ob. cit., p. 101.
164
a justiça como um valor em consonância com a liberdade, igualdade e
pluralismo político, não podendo deixar de apontar que a justiça alcança
seu zênite quando atua como valor de valores, e dizer, resulta eficaz
para a salvaguarda da constituição de um Estado Social e Democrático.
Essa eficácia pode ser tanto preventiva como remediadora das atuações
contrárias aos seus valores, não cumpridas por pessoas físicas, jurídicas ou
entidades públicas.
Por outro ângulo, a justiça responde a um comportamento que
pode ser interno e externo. O interno tem lugar quando se crê no próprio
Direito, mas não no órgão judiciário. É um comportamento auto-regulador
da justiça. O comportamento externo se situa nas decisões valorativas dos
jurisdicionados, que têm na sua aplicação a justiça ideal. As indagações
sobre o comportamento externo da justiça são desoladoras e quase sempre
são suscitadas por conhecimentos marcados pela realidade.
Nem todas as decisões judiciais contêm a estampa de justas ou
que estejam corretas, sem contar que, às vezes, por falta de estrutura,
organização, escassez de meios ou por múltiplas circunstâncias, a justiça
é lenta, vacilante, distante do jurisdicionado e anacrônica. Mas, enfim, é a
justiça humana. Sua eficácia ou ineficácia depende do comportamento do
homem, tanto na criação das normas como na sua aplicação.
5. Conclusão
Sumario: 1.- Los derechos fundamentales y los derechos sociales. 2.- Caracterización de los
derechos sociales: a) Los derechos y las instituciones; b) Los derechos sociales
como derechos prestacionales; c) La titularidad de los derechos; d) Los derechos
sociales como derechos de igualdad; e) El carácter de la obligación; f) La
dimensión objetiva y subjetiva de los derechos. 3.- Una definición convencional.
4.- El principio de igualdad: a) La igualdad y los derechos sociales; b) Las
exigencias de la igualdad; c) La igualdad sustancial o de hecho. 5.- La naturaleza
de los derechos prestacionales: a) El problema de su valor jurídico; b) Dimensión
objetiva; c) Dimensión subjetiva. 6.- Entre la justicia y la política.
Resumen: Se trata de analizar si, más allá de su frecuente invocación retórica, los derechos
sociales generalmente reconocidos en el constitucionalismo contemporaneo
gozan de plena virtualidad jurídica o si, por el contrario, se presentan como meras
promesas políticas incapaces de cimentar posiciones subjetivas exigibles incluso
“contra” la mayoría, tal y como sucede con los derechos civiles y políticos. La
conclusión es, en síntesis, que el régimen devaluado que hoy caracteriza a los
derechos sociales no responde tanto a dificultades de articulación técnica, cuanto
a un designio político que, por otra parte, resulta coherente con la filosofía que se
halla en la base del modelo liberal de Estado de Derecho.
167
1.- Los derechos fundamentales y los derechos sociales.
1 Vid. singularmente, J. Locke, Ensayo sobre el gobierno civil,trad de A. Lázaro, Aguilar, Madrid,
cap. XI.
2 Salvo el caso de Grocio, donde aún queda el residuo medieval del appetitus societatis, en el resto
de los autores racionalistas el móvil del contrato social no es otro que el interés, vid. N. Bobbio,
“El modelo iusnaturalista”, en Estudios de Historia de la Filosofía: de Hobbes a Gramsci, trad de
J.C. Bayón, Debate, Madrid, 1985, p. 95 y s.
3 Vid. P. Barcellona, Formazione e sviluppo del Diritto privato moderno, Jovene, Napoli, 1993,
p.48 y s.
4 Como escribe todavía C. Schmitt, “los derechos fundamentales en sentido propio son,
esencialmente, derechos del hombre individual libre y, por cierto, derechos que él tiene frente al
Estado”, Teoría de la Constitución (1927), trad. de F. Ayala, Alianza, Madrid, 1982, p.170.
168
supremacía constitucional significa que los derechos operan “como si”
encarnasen decisiones superiores a cualesquiera órganos estatales, incluido
el legislador, y, por tanto, como si emanasen de un poder constituyente
o soberano al que todas las autoridades e instituciones deben someterse5;
de ahí que los derechos no sean negociables o que en una democracia
representen “triunfos frente a la mayoría”6. A su vez, la artificialidad
de las instituciones significa que, en realidad, éstas carecen de fines
propios y existen sólo para salvaguardar las libertades y la seguridad que
necesariamente ha de acompañarla7, por lo que, en consecuencia, toda
limitación de la libertad ha de justificarse racionalmente, no en cualquier
idea particular acerca de lo virtuso o de lo justo, sino precisamente en la
mejor preservación de los derechos8.
Consecuencia de lo anterior habría de ser un régimen jurídico
característico del constitucionalismo norteamericano y que en Europa ha
terminado imponiéndose tras costosa evolución9. Creo que sus dos ejes
fundamentales son la fuerte limitación de la libertad política de legislador
y una tutela jurisdiccional estricta y riguosa. Los derechos fundamentales
se conciben, en efecto, mucho más como una cuestión de justicia que de
política; las concepciones de la mayoría pueden proyectarse sobre el ámbito
protegido por las libertades, pero de forma muy restringida y siempre
vigiladas por el control jurisdiccional. Cualquiera que sean las circunstancias
políticas y las razones de Estado, ese control garantiza, cuando menos,
lo que hoy llaman algunas Constituciones el “contenido esencial” de los
derechos, así como un examen preciso de la justificación, racionalidad
y proporcionalidad de toda medida limitadora. En suma, siempre una
protección mínima del derecho y nunca una limitación innecesaria o no
5 En palabras de F. Rubio, “si se parte de la idea de la soberanía popular o, si se quiere, de la idea de
poder constituyente, para subrayar el carácter germinal, no sólo en el tiempo, que es lo de menos,
sino sobre todo, en el orden lógico, de este poder, la incardinación en la Constitución de los derechos
ciudadanos y de los deberes del poder, o lo que es lo mismo, la afirmación de la Constitución como
fuente del Derecho, adquiere una firmeza granítica”, “La Constitución como fuente del Derecho”, en
La Constitución española y las fuentes del Derecho, Instituto de Estudios Fiscales, Madrid, 1979, vol.
I,p.59; hoy recogido en La forma del poder, C.E.C., Madrid, 1993
6 Esta es la conocida tesis de R. Dworkin, Los derechos en serio (1977), trad. de M. Guastavino, Ariel,
Barcelona, 1984, en particular p. 276 y s.
7 Creo que esto resulta crucial en toda concepción liberal del Estado y se conecta al papel protagonista
del individuo. Vid., por ejemplo, J.S.Mill, Sobre la libertad (1859), trad. de J. Sainz Pulido, Orbis,
Barcelona, 1985.
8 Por eso, decía la Declaración de 1789, “el ejercicio de los derechos naturales de cada hombre no tiene
más límites que los que aseguran a los demás miembros de la sociedad el goce de estos mismos
derechos” (art. 4)
9 Vid. recientemente entre nosotros R.L. Blanco Valdés, El valor de la Constitución, Alianza, Madrid,
1994
169
justificada podrían ser los lemas del sistema de derechos fundamentales en
el marco constitucional10.
Pues bien, la cuestión que corresponde plantear es si esta concepción
de los derechos fundamentales resulta apta o aplicable a todo un conjunto
de derechos que actualmente se hayan recogidos en las Constituciones y en
las Declaraciones internacionales, pero que no presentan la fisonomía de los
primeros derechos fundamentales incorporados por el constitucionalismo
de finales del XVIII: ni protegen bienes o valores que en hipótesis puedan
ser atribuidos al hombre al margen o con carácter previo a las instituciones;
ni su titular es el sujeto abstracto y racional, es decir, cualquier hombre
con independencia de su posición social y con independencia también del
objeto material protegido; ni, en fin, su contenido consiste tampoco en un
mero respeto o “abstención” por parte de los demás y, en particular, de las
instituciones, sino que exigen por parte de éstas una acción positiva que
interfiere en el libre juego de los sujetos privados. Estos son los llamados
derechos económicos, sociales y culturales o, más simplemente, los
derechos sociales.
Parece existir coincidencia en que esta categoría, de uso corriente
incluso en el lenguaje del legislador, presenta unos contornos bastante
dudosos o difuminados11, y resulta comprensible que así suceda pues, en
palabras de Forsthoff, “lo social es un indefinibles definiens”12. Los criterios
que se suelen ofrecer para delimitar los perfiles de los derechos sociales
son tan variados como heterogeneos, dando lugar cada uno de ellos a listas
o elencos diferentes. Por ejemplo, y para comenzar por algún sitio, dice
Burdeau que “los derechos sociales son los derechos de los trabajadores en
tanto que tales, los derechos de clase y más precisamente de la clase obrera”13.
En cambio, otros autores prefieren un criterio material, de forma que los
derechos económicos, sociales y culturales incluirían justamente aquellos
que están implicados en el ámbito de las relaciones económicas o laborales,
como el derecho de propiedad o la libertad de industria y comercio14,
que de modo manifiesto no parecen ser derechos de los trabajadores,
10 He tratado más ampliamente este aspecto en mis Estudios sobre derecehos fundamentales, Debate,
Madrid, 1990, p.139 y s.
11 Para esta cuestión vid., por todos, B. de Castro Cid, Los derechos económicos, sociales y culturales.
Análisis a la luz de la teoría general de los derechos humanos, Universidad de León, 1993, p. 13 y s.
12 E. Forsthoff, “Problemas constitucionales del Estado social”(1961) en el volumen colectivo El Estado
social, trad. de J. Puente Egido, C.E.C, Madrid, 1986, p.46
13 G. Burdeau, Les libertés publiques, L.G.D.J., París, 1972, p.370
14 Vid. G. Peces-Barba, “Reflexiones sobre los derechos económicos, sociales y culturales”, en Escritos
sobre derechos fundamentales, Eudema, Madrid, 1988, p.200
170
sino más bien el obstáculo histórico a su realización. Asimismo, es muy
corriente identificar los derechos sociales con los derechos prestacionales,
esto es, con aquellos derechos que en lugar de satisfacerse mediante una
abstención del sujeto obligado, requieren por su parte una acción positiva
que se traduce normalmente en la prestación de algún bien o servicio15,
pero entonces dejarían de ser derechos sociales algunos derechos típicos de
los trabajadores, como la huelga y la libertad sindical, y algunos otros de
carácter económico, como la propiedad, mientras que se transformarían en
sociales algunas prestaciones que no constituyen una exigencia propia de la
condición de trabajador, como la asistencia letrada gratuita16. Seguramente,
la noción de derechos sociales haya de resultar irremediablemente
ambigua, imprecisa y carente de homogeneidad; quizás lo máximo que
se pueda pedir sea una caracterización meramente aproximativa y, eso sí,
una identificación correcta de los problemas de interpretación en verdad
relevantes. Por eso, en primer lugar, procederemos a enunciar una serie de
rasgos o connotaciones que suelen estar presentes cuando se usa la expresión
“derechos sociales”, para más tarde intentar dilucidar el problema central
que los mismos suscitan, al menos desde la perspectiva de la teoría de los
derechos y de la dogmática constitucional, que es su naturaleza prestacional.
A mi juicio, precisamente esta es la cuestión básica: si y en qué condiciones
pueden construirse posiciones subjetivas iusfundamentales de naturaleza
prestacional.
17 E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p.76. No en vano la Constitución
española, siguiendo los pasos de la alemana, intenta garantizar el “contenido esencial” de los derechos
fundamentales que considera más importantes, incluso frente al legislador (art. 53,1).
18 En este sentido se orientaría la propuesta de un “Estado mínimo” de R. Nozick, Anarquía, Estado y
utopía (1974), trad de R. Tamayo, F.C.E., México, 1988.
19 Hasta el punto de que sería concebible la desaparición de los derechos sociales una vez desapareciesen
las situaciones de necesidad material y de desigualdad en el reparto de los recursos que hoy constituyen
su justificación
20 Vid. el capítulo monográfico que sobre “Los derechos humanos y el problema de la escasez” aparece
en el volumen Problemas actuales de los derechos fundamentales, ed. de J.M. Sauca, Universidad
Carlos III, B.O.E., Madrid, 1994, p.193 y s. Por mi parte, he tratado el problema en “Notas sobre el
bienestar”, Doxa, nº9, 1991, p. 157 y s.
21 Acaso también por ello la referida claúsula de defensa del contenido esencial no se extiende a la mayor
parte de los derechos sociales, que son los incluidos en el Capítulo III bajo la rúbrica de “principios
de la política social y económica”. En ello insiste J.R. Cossío, Estado social y derechos de prestación,
citado, p. 93 y s.
172
b) Los derechos sociales como derechos prestacionales.
Como ya se ha indicado, el carácter prestacional es uno de los
rasgos más frecuentemente subrayados, tal vez porque, desde el punto de
vista jurídico, resulta más explicativo o definidor que aquellos otros que
se basan en consideraciones históricas, ideológicas o sociológicas22. El
criterio definidor residiría en el contenido de la obligación que, usando
terminolgía kelseniana, constituye el “reflejo” del derecho: en los derechos
civiles o individuales, el contenido de la obligación consiste en una
abstención u omisión, en un “no hacer nada” que comprometa el ejercicio
de la libertad o el ámbito de inmunidad garantizado; en cambio, en los
derechos sociales el contenido de la obligación es de carácter positivo,
de dar o de hacer. Con todo, conviene formular algunas precisiones. La
primera es que algunos derechos generalmente considerados sociales se
separan del esquema indicado, bien porque por naturaleza carezcan de todo
contenido prestacional, bien porque la intervención pública que suponen
no se traduzca en una prestación en sentido estricto; así, es manifiesto
que carecen de contenido prestacional el derecho de huelga o la libertad
sindical, salvo que interpretemos que la tutela pública de estas libertades es
ya una prestación. A su vez, derechos sociales que requieren algún género
de intervención pública, pero que no pueden calificarse propiamente de
prestacionales son, por ejemplo, todos los que expresan restricciones a
la autonomía individual en el contrato de trabajo, como la limitación de
jornada, un salario mínimo o las vacaciones anuales. De carácter análogo,
aunque no puedan calificarse como sociales, son aquellos derechos que
implican “prestaciones jurídicas”, como el derecho a la tutela judicial23.
Finalmente, algunos derechos prestacionales se presentan bajo la forma de
principios-directriz, como veremos más adelante.
La segunda observación es que cuando hablamos de derechos
prestacionales en sentido estricto nos referimos a bienes o servicios
económicamente evaluables, subsidios de paro, enfermedad o vejez,
sanidad, educación, vivienda, etc.; pues de otro modo, si se incluyera
también la defensa jurídica o la protección administrativa, todos los
derechos fundamentales merecerían llamarse prestacionales24, dado que
22 Vid. F.J. Contreras Peláez, Derechos sociales: teoría e ideología, Tecnos, Madrid, 1994, p.22 y s
23 Estos serían los derechos prestacionales en sentido amplio, es decir, derechos a protección,
organización y procedimiento, vid. R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, trad. de E.
Garzón, C.E.C., Madrid, 1993, p. 435 y s.
24 Vid. J.J. Gomes Canotilho, “Tomemos en serio los derechos económicos, sociales y culturales”, trad.
de E. Calderón y A. Elvira, Revista del Centro de Estudios Constitucionales, nº 1, 1988, p. 247
173
todos ellos exigen en mayor o menor medida una organización estatal que
permita su ejercicio o que los defienda frente a intromisiones ilegítimas, o
también el diseño de formas de participación; desde la tutela judicial efectiva
al derecho de voto, todos requieren de esas prestaciones en sentido amplio.
Finalmente, conviene advertir que las técnicas prestacionales no
pertenecen en exclusiva a alguna clase de derechos, sino que en general
son aplicables a cualesquiera de los fines del Estado, incluso también a los
derechos civiles y políticos. Piénsese, por ejemplo, en la libertad religiosa
que, según opinión difundida, no sólo ha de ser respetada, sino también
protegida y hasta subvencionada a fin de que su ejercicio pueda resultar
verdaderamente libre. Que esta práctica sea saludable para las libertades
o que, al contrario, represente una intervención inaceptable que lesiona de
paso la igualdad jurídica de todas las ideologías y confesiones es cuestión que
no procede discutir ahora25, pero en el fondo la técnica prestacional plantea
problemas semejantes en aquellos derechos que los son “por naturaleza” y
en aquellos otros que eventualmente se benefician de la misma26.
29 N. Bobbio, El tiempo de los derechos, trad de R. de Asis, Sistema, Madrid, 1991, p.109 y 114.
30 Vid. Sobre esto M.J. Añón, Necesidades y derechos. Un ensayo de fundamentación, C.E.C.,Madrid,
1994
31 La ética, escribe Kant, “no puede partir de los fines que el hombre quiera proponerse... porque tales
fundamentos de las máximas serán fundamentos empíricos, que no proporcionan ningún concepto
del deber, ya que éste (el deber categórico) tiene su raices sólo en la razón pura”, La metafísica de
las costumbres(1797), trad. y notas de A. Cortina y J. Conill, Tecnos, Madrid, 1989 p. 232. De ahí
que esa razón pura sólo nos proporcione dos derechos innatos, la libertad y la igualdad jurídica, los
dos únicos que pueden ser pensados sin considerar los fines empíricos, precisamente porque son
instrumentos necesarios para que cada individuo alcance los fines que se propone.
32 R. Alexy dice que “los derechos a prestaciones en sentido estricto son derechos del individuo frente
al Estado a algo que -si el individuo poseyera medios financieros suficientes y si encontrase en el
mercado una oferta suficiente- podría obtenerlo también de particulares”, Teoría de los derechos
fundamentales, citado, p.482
33 Vid. W. Sadursky, “Economic Rights and Basic Need” en Law, Rights and the Welfare State, C.
Sampford y D. Galligan (eds), Croom Helm, Beckenham, 1986.
175
en que se integra sean reales y efectivas...”; pero, a mi juicio, derechos de
igualdad sustancial pueden construirse no sólo a partir del “principio” del
art. 9.2, sino en ciertas condiciones también a partir del “derecho” del art.
14, como tendremos ocasión de ver.
Lo que interesa destacar ahora es que esa adscripción básica de los
derechos sociales a la igualdad no significa en modo alguno una división
fuerte o cualitativa respecto de los derechos civiles. De una parte, porque la
otra cara de la igualdad, la igualdad jurídica o ante la ley, es precisamente
una de las primeras manifestaciones de las libertades individuales;
pero, sobre todo, porque constitucionalmente no cabe establecer una
contraposición rígida entre libertad e igualdad ni, por tanto, entre los
derechos adscribibles a una y otra34. Como observa Pérez Luño, ni en el
plano de la fundamentación, ni en el de la formulación jurídica, ni en el
de la tutela, ni, en fin, en el de la titularidad procede trazar una separación
estricta entre derechos civiles y sociales35. Acaso cabría decir, recordando
una distinción de Rawls, que los derechos sociales promueven que el valor
de la libertad llegue a ser igual para todos, como igual es la atribución
jurídica de esa libertad36; o, en palabras de Böckenförde, “si la libertad
jurídica debe poder convertirse en libertad real, sus titulares precisan de
una participación básica en los bienes sociales materiales; incluso esta
participación en los bienes materiales es una parte de la libertad, dado que
es un presupuesto necesario para su realización”37. Lo que no significa,
obviamente, que en el plano de lo concreto se excluyan las colisiones entre
la libertad y la igualdad o, más exactamente, entre la igualdad jurídica y los
intentos de construir igualdades de hecho mediante tratamientos jurídicos
diferenciadores.
e) El carácter de la obligación.
Una quinta característica, en realidad más propia de los derechos
34 Naturalmente, la afirmación del texto no sería compartida por la crítica neoliberal; por ejemplo,
para Hayek “la igualdad formal ante la ley está en pugna y de hecho es incompatible con
toda actividad del Estado dirigida deliberadamente a la igualdad material o sustantiva de los
individuos”, Camino de servidumbre (1944), trad de J. Vergara, Alianza Editorial, Madrid. 1976,
p. 111. No procede detenerse en este punto, pero sobre dicha crítica vid. más ampliamente E.
Fernandez, “El Estado social: desarrollo y revisión”, en Filosofía, Política y Derecho, M. Pons,
Madrid, 1995, p. 118 y s.
35 A.E. Pérez Luño, Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, Tecnos, Madrid, 1984,
p. 90 y s.
36 Vid. J. Rawls, Teoría de la Justicia(1971), trad de M.D. González, F.C.E., Madrid, 1979 p. 237
37 E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p. 74; vid. también R. Alexy,
Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 486 y s.
176
prestacionales que de los derechos sociales en general, se refiere al tipo o
carácter de las obligaciones generadas por los diferentes derechos. En efecto,
tras los derechos civiles y políticos existen deberes jurídicos, normalmente
de abstención, que representan reglas primarias o de comportamiento por
lo común con un sujeto obligado universal; en cambio, tras los derechos
sociales existen además normas secundarias o de organización38 que,
por así decirlo, se interponen entre el derecho y la obligación, entre el
sujeto acreedor y el sujeto deudor. Tal vez éste sea uno de los motivos que
explican las particulares dificultades de los derechos prestacionales: las
libertades generan un tipo de relación jurídica sencilla donde los individuos
saben perfectamente en qué consisten sus derechos y deberes recíprocos,
mientras que estos otros derechos requieren un previo entramado de
normas de organización, por cierto carentes de exigibilidad, que a su vez
generan una multiplicidad de obligaciones jurídicas de distintos sujetos,
cuyo cumplimiento conjunto es necesario para la plena satisfacción del
derecho.
43 De igualdad referida a actos y de igualdad referida a consecuencias habla R. Alexy, Teoría de los
derechos fundamentales, citado, p. 403.
179
la más perfecta igualdad formal se daría en un estado de naturaleza
preestatal, donde nadie se viera diferenciado cualquiera que fuese su
situación o su conducta; asimismo, todos los derechos prestacionales son
expresiones concretas de la igualdad sustancial, pues consisten en un dar
o en un hacer en favor de algunos individuos según ciertos criterios que
introducen inevitablemente desigualdades normativas; más claramente
aún, la construcción de igualdad de hecho sólo tiene presente al hombre
concreto, que es el único que puede sufrir una desigualdad fáctica, pues si
no fuera así, si tuviese presente al “hombre abstracto” ninguna desigualdad
jurídica podría justificarse; a su vez, la igualdad jurídica genera frente al
poder un deber nítido de abstención o no discriminación, mientras que la
igualdad de hecho genera obligaciones más complejas, de organización,
procedimiento y prestación; y, en fin, mientras que la igualdad jurídica
se manifiesta en una posición subjetiva, la igualdad sustancial se vincula
más bien al principio objetivo del Estado social y sólo muy costosamente
permite diseñar posiciones subjetivas de desigualdad (jurídica).
Sin embargo, y al margen de la conexión entre la igualdad sustancial
y las características que hemos postulado para los derechos sociales,
aquí lo que interesa subrayar es su papel al servicio de los derechos
prestacionales. Y es que, en efecto, el principio prestacional o un derecho
concreto a prestaciones puede ser reivindicado a través de dos caminos,
no excluyentes pero distintos: el primero consiste en invocar una concreta
norma constitucional que, bien en forma de derecho o de directriz, proteja
de modo singular una pretensión a cierto bien o servicio, como el trabajo,
la vivienda, la cultura, etc. Un segundo camino, que intentaremos recorrer
ahora, supone apelar a la igualdad en su versión de que han de ser tratadas
de modo desigual las situaciones de hecho diferentes.
En el marco de una Constitución como la española, que el Estado
puede dar vida a desigualdades normativas con el fin de alcanzar igualdad
de hecho es algo que está fuera de toda duda, aunque, por supuesto, no
es una competencia absoluta, sino limitada, entre otras cosas por el
propio principio de igualdad jurídica. El art. 9.2 C.E., dice el Tribunal
Constitucional, permite “regulaciones cuya desigualdad formal se justifica
en la promoción de la igualdad material”44; más concretamente, “debe
admitirse como constitucional el trato distinto que recaiga sobre supuestos
de hecho que fueran desiguales en su propia naturaleza, cuando su función
contribuya al restablecimiento de la igualdad real a través de su diferente
44 STC 98/1985
180
régimen jurídico”45. El problema, por tanto, no es si el legislador o el
gobierno pueden, sino si deben en algunos casos dar vida a desigualdades
jurídicas con el fin de superar desigualdades de hecho; visto desde el
lado subjetivo, si cabe defender un derecho fundamental a un tratamiento
desigual a partir del art. 14. Lo que requiere un análisis del conjunto del
precepto.
45 STC 14/1983
46 Aristóteles, Política, ed. de J. Marías y M. Araujo, C.E.C., Madrid, 1983, p. 83
47 P. Comanducci, Assagi di metaetica, Giappichelli, Torino, 1992, p. 108
48 A.E. Pérez Luño, “Sobre la igualdad en la Constitución española”, Anuario de Filosofía del Derecho,
IV, 1987, p. 134. Vid también P. Westen, Speaking of Equality. An Analysis of the Retorical Force
of `Equality´in Moral and legal Discourse, Princeton University Press, 1990, p. 62 y s.
181
no nos dicen todavía nada acerca de si el tratamiento jurídico debe ser
igual o desigual49 : que “A” y “B” desarrollen la misma profesión supone
que son parcialmente iguales, pero no que merezcan el mismo tratamiento
a todos los efectos; que “C” y “D” tengan profesiones distintas supone
que son parcialmente desiguales, pero no impide que merezcan el mismo
tratamiento en ciertos aspectos. Como escribe Rubio, la igualdad que se
predica de un conjunto de entes diversos ha de referirse, no a su existencia
misma, sino a uno o varios rasgos en ellos discernibles; “cuáles sean los
rasgos de los términos de la comparación que se tomarán en consideración
para afirmar o negar la igualdad entre ellos es cosa que no viene impuesta
por la naturaleza de las realidades mismas que se comparan... toda igualdad
es siempre, por eso, relativa, pues sólo en relación con un determinado
tertium comparationis puede ser afirmada o negada”, y la fijación de ese
tertium “es una decisión libre, aunque no arbitraria, de quien juzga”50 .
La igualdad es, pues, un concepto normativo y no descriptivo de ninguna
realidad natural o social51.
Esto significa que los juicios de igualdad son siempre juicios
valorativos, referidos conjuntamente a las igualdades o desigualdades
fácticas y a las consecuencias normativas que se unen a las mismas. Afirmar
que dos sujetos merecen el mismo trato supone valorar una característica
común como relevante a efectos de cierta regulación, haciendo abstracción
tanto de los rasgos diferenciadores como de los demás ámbitos de
regulación. Ambas consideraciones son inescindibles: postular que una
cierta característica de hecho que diferencia o iguala a dos sujetos sea
relevante o esencial no proporciona ningún avance si no añadimos para qué
o en función de qué regulación jurídica debe serlo; “según a qué efectos,
todos los supuestos de hecho o situaciones personales son absolutamente
iguales o absolutamente desiguales entre sí... sólo la consecuencia jurídica
puede ser diferencial”52. Y del mismo modo, decir que dos sujetos son
destinatarios del mismo o de diferente tratamiento jurídico constituye una
mera constatación de la que no cabe derivar ulteriores conclusiones si no
decimos en razón de qué circunstancias existe uniformidad o diferencia.
53 Vid. F. Laporta, “El principio de igualdad. Introducción a su análisis”, Sistema, nº 67, 1985, p.
18 y s.
54 STC 34/1981
55 STC 33/1983
56 STC 176/1989. Vid. J. Jiménez Campo, “La igualdad jurídica como límite frente al legislador”,
Revista Española de Derecho Constitucional, nº 9, 1983, p. 71 y s.
57 STC 75/1983
58 STC 107/1984
59 A. Calsamiglia, “Sobre el principio de igualdad”, citado, p.109
183
Sucede, sin embargo, que la igualdad presenta una doble faceta
(tratar igual lo que es igual y desigual lo que es desigual), por lo que en
buena lógica parece que necesitarían el mismo grado de justificación
tanto las normas que establecen diferenciaciones como las regulaciones
uniformes u homogeneizadoras, o, dicho de otro modo, que tan exigible
sería el derecho a ser tratado igual como el derecho a la diferenciación.
Lo cierto es que, seguramente por motivos pragmáticos, esa simetría entre
ambas dimensiones se rompe en favor de la primera: “la igualdad no tiene
necesidad, como tal, de justificación. El deber de justificación pesa, en
cambio, sobre las desviaciones de la igualdad”60. Es como si se partiese de
un “orden natural” (y, por cierto, desigual) de las cosas, sobre el que operaría
el Derecho estableciendo clasificaciones o diferencias “artificiales”, siendo
estas últimas las que deben justificarse. Con todo, dicha presunción no
carece de fundamento, pues si aceptamos la hipótesis de que los mandatos
del legislador persiguen fines valiosos y de que sus prohibiciones tratan
de evitar resultados indeseables, entonces parece razonable que, en
principio, deban vincular a todos los destinatarios del Derecho; clasificar
o diferenciar requiere por tanto una razón especial. R. Alexy concreta esa
asimetría en las dos reglas siguientes: “si no hay ninguna razón suficiente
para la permisión de un tratamiento desigual, entonces está ordenado un
tratamiento igual”; “si hay una razón suficiente para ordenar un tratamiento
desigual, entonces está ordenado un tratamiento desigual”61; reglas que, en
su opinión, encarnan un postulado básico de la racionalidad práctica, que
es “la carga de la argumentación para los tratamientos desiguales62.
Este último autor añade una argumentación en favor de la prioridad
de la igualdad jurídica, y es que ésta, al fijarse sólo en el tratamiento
jurídico y no en sus consecuencias fácticas, puede ser aplicado con mucha
mayor facilidad que la igualdad de hecho, mientras que cuando se persigue
la igualdad sustancial ha de justificarse que efectivamente las medidas
normativas de diferenciación serán capaces de apuntar hacia una igualación
de hecho en el ámbito vital que se considere relevante. Por ejemplo, si el
Estado decide que un cierto grupo de niños obtenga educación gratuita
plantearse si con tal medida se limita la desigualdad entre niños pobres
y ricos, sino sólo si han quedado indebidamente excluidos algunos niños;
en cambio, el juicio de igualdad sustancial no puede dejar de considerar la
64 STC 81/1982
65 A. Ruiz Miguel, “La igualdad como diferenciación”, en Derechos de las minorías y grupos
diferenciados, Escuela Libre Editorial, Madrid, 1994, p. 288 y s.
66 F. Rubio, “La igualdad en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional”, citado, p.31
67 Una interpretación distinta y no carente de argumentos es que los “criterios” del art. 14 no son
simples ejemplos del mandato general de igualdad, sino tipos específicos de desigualdad que se
traducirían en una prohibición de discriminaciones injustas, pero que admitirían, eso sí mediante
un examen estricto, discriminaciones justas, como la llamada discriminación inversa. Vid. A Ruiz
Miguel, “Las huellas de la igualdad en la Constitución”, en Pensar la igualdad y la diferencia. Una
reflexión filosófica., M. Reyes-Mate (ed.), Argentaria, Visor, Madrid, 1995, p. 116 y s. En todo
caso, creo que la discusión no es aquí relevante: se interpreten como se interpreten, los criterios del
art. 14 no encarnan prohibiciones absolutas, sino razones que pueden ser superadas.
186
decisión constitucional de acabar con una histórica situación de inferioridad
atribuida a la mujer, siendo inconstitucional la diferenciación normativa
basada en dicho criterio. Con todo, en la perspectiva del art. 9.2 C.E., de
promoción de las condiciones de igualdad no se considera discriminatorio
que... se adopten medidas de acción positiva en beneficio de la mujer”68.
Ahora bien, si no existe a priori ninguna razón que impida un
trato diferenciador, tampoco debe existir ninguna razón que lo imponga.
Así lo ha declarado el Tribunal Constitucional: el artículo 14 no funda
un derecho a exigir divergencias de trato, sino un derecho a no sufrir
discriminación69. Esto no significa propiamente que un trato diferente no
pueda venir impuesto en algunas ocasiones, como ha reconocido el propio
Tribunal Constitucional70, sino que ese trato diferente no puede ser exigido
sólo como un imperativo de la segunda parte del principio de igualdad, es
decir, de aquella que ordena tratar de forma desigual lo que es desigual. Por
tanto, que lo desigual debe ser tratado de forma desigual supone tan sólo
que pueden existir razones que permitan o que, valoradas todas las demás
razones en pugna, impongan dicha desigualdad, no que exista algún criterio
que siempre y en todo caso obligue a la diferenciación; del mismo modo que
ni siquiera los criterios del artículo 14 prohiben siempre su utilización como
elementos de trato diferenciado, así tampoco existe ningún criterio que, en
virtud de la máxima de igualdad, imponga siempre un trato desigual; y ello
pese a que, lo mismo que existen “igualdades normativas”, existen también
“desigualdades normativas”, como la contenida en el artículo 103, 3 cuando
establece que mérito y capacidad son dos criterios a valorar en el acceso a
la función pública.71
Así pues, igualdad de iure e igualdad de hecho, o igualdad formal
y real72 son modalidades tendencialmente contradictorias, pues quien
“desee crear igualdad de hecho tiene que aceptar desigualdades de iure”73,
dado que el logro de la igualdad real consiste precisamente en operar
diferenciaciones de tratamiento normativo a fin de compensar por vía
68 STC 3/1993
69 STC 52/1987 y 48/1989.
70 “El principio de igualdad, si bien ordena tratar de modo distinto a lo que es diferente, también
exige que haya una correspondencia o proporcionalidad...”, STC 50/1991.
71 Que el mérito y la capacidad sean circunstancias que obliguen a establecer diferencias en el acceso
a la función pública no significa, por cierto, que, a su vez, no puedan ser superadas por razones más
fuertes. Por ejemplo, la STC 269/94 considera legítima la reserva de plazas de funcionario en favor
de los minusválidos, entendiendo que no constituye una discriminación (que de iure lo es), sino al
contrario, un restablecimiento de la igualdad de hecho en la linea del art. 9.2
72 F. Laporta, “El principio de igualdad”, citado, p.27.
73 R. Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, citado, p. 404
187
jurídica una previa desigualdad fáctica. Son modalidades tendencialmente
contradictorias, pero que han de convivir en el plano constitucional, y de
ahí que tampoco exista ninguna razón a priori que imponga siempre, como
razón definitiva, un tratamiento desigual, y ello aunque sólo sea porque
habrá de enfrentarse con las razones que avalen o apoyen la igualdad de
iure y porque esta clase de igualdad suele tomar como criterio de distinción
alguno de los prohibidos por el art. 1474.
Todo ello pone de relieve que la igualdad opera como -según una
cierta versión de la diferencia entre reglas y principio- se supone que hacen
los principios, es decir, como mandatos de optimización que, cuando
entran en conflicto, requieren un ejercicio de ponderación. Las reglas, en
efecto, sólo admiten un cumplimiento pleno, mientras que los principios
son mandatos de optimización que ordenan que se realice algo en la mayor
medida posible75. La idea resulta particularmente fecunda en los casos de
conflicto o de colisión entre reglas y entre principios. En el primer supuesto,
o bien se declara inválida una de las reglas, o bien una de ellas opera siempre
como excepción de la otra; en cambio, una colisión entre principios no se
traduce en una pérdida de validez de alguno de ellos, sin que sea preciso
tampoco formular una claúsula de excepción con carácter general, sino que
cede uno u otro según las circunstancias del caso. Decidir cuál es el que
triunfa exige un juicio de ponderación que valore el peso relativo de las
razones que fundamentan cada uno de los principios en pugna76; juicio que
ciertamente no proporciona una solución indubitada, sino que representa
un llamamiento al ejercicio de la racionalidad.
Pues bien, al margen de la virtualidad del criterio comentado en
orden a la distinción entre reglas y principios, no cabe duda que resulta
particularmente útil en relación con la igualdad, pues ésta opera siempre
a partir de igualdades y desigualdades fácticas parciales que postulan
tratamientos tendencialmente contradictorios, cada uno de los cuales puede
alegar en su favor uno de los subprincipios que componen la igualdad:
c) La igualdad sustancial.
Así pues, la cuestión reside en si las desigualdades de hecho pueden
justificar desigualdades jurídicas orientadas precisamente a eliminar o
limitar el alcance de las primeras; y justificar, además, en calidad de una
posición subjetiva vinculada al art. 14, esto es, como una razón que en
última instancia puede imponer, y no sólo permitir, el tratamiento normativo
desigual. Por tanto, el problema es doble: de un lado, determinar qué tipo de
desigualdades de hecho cabe alegar como fundamento de una desigualdad
jurídica; y segundo, si en algún caso aquéllas desigualdades son capaces de
representar una razón suficiente que imponga el trato desigual.
Naturalmente, el primero de los interrogantes no puede ser
respondido aquí, pues encierra nada menos que la justificación política
del Estado social, de cuándo y en qué medida pueden alterarse las leyes
“naturales” (naturales en sentido estricto, pero también de fortuna social)
que permiten una participación desigual de las personas en el conjunto de
los bienes y de las expectativas. Baste decir (pues esto es ahora suficiente)
que las desigualdades que han de ser compensadas son las desigualdades
inmerecidas, pues, en palabras de Kymlicka, “las porciones distributivas
no debieran estar influidas por factores que son arbitrarios desde el punto
de vista moral”77. Es obvio que no toda diferencia debe combatirse; al
contrario, algunas deben tolerarse y hasta tutelarse. Como escribe Ferrajoli,
“el principio (o deber) de tolerancia sirve para fundar el conjunto de los
derechos de libertad”, pero además “debe hablarse de un principio (o deber)
de no tolerancia, que vale para fundamentar el concepto de los derechos
sociales”: aquello que está en la bse de los derechos civiles, creencias y
80 STC 86/1985
191
suponer que las libertades “negativas” generan sin más un derecho a obtener
prestaciones concretamente exigibles; de nuevo hay que decir que, si bien
los poderes públicos pueden “subvencionar” la libertad81, no están obligados
a hacerlo. Sin embargo, al menos hay un caso en el cabe afirmar que una
libertad o garantía genera una exigencia de igualdad material traducible en
una prestación: el derecho a la defensa y asistencia de Letrado82.
En efecto, ya en una temprana sentencia de 1982, el Tribunal
Constitucional observaba que tal derecho, concebido inicialmente en el
marco del Estado de Derecho, había de ser reinterpretado en el marco
del Estado social, sugiriendo que “la idea del Estado social de Derecho
y el mandato genérico del art. 9.2 exigen seguramente una organización
del derecho a ser asistido de Letrado que no haga descansar la garantía
material de su ejercicio por los desposeidos en un munus honorificum de
los profesionales de la abogacía83. Más claramente, proporcionar asistencia
letrada “se torna en una obligación jurídico-constitucional que incumbe
singularmente a los órganos judiciales”, hasta el punto de que puede
originarse una situación de indefensión “si al litigante carente de recursos
económicos no se le nombra un defensor de oficio”84.
Así pues, la garantía de la tutela judicial efectiva no genera un
derecho universal al asesoramiento gratuito de abogado, pero sí puede
fundamentar una pretensión de esa naturaleza cuando el sujeto, además
de hallarse en una situación de necesidad económica, resulta acreedor a la
tutela que ofrece el art. 24. Esto es, el art. 24 protege unos derechos que se
postulan como universales, de manera que, ante carencias de hecho, puede
poner en marcha acciones de igualdad material; o, si se prefire a la inversa,
una medida de igualdad material se hace concretamente exigible cuando de
la misma depende una garantía a la que “todos tienen derecho”.
Finalmente, el último supuesto se produce cuando una exigencia de
igualdad material viene acompañada por una exigencia de igualdad formal.
Porque, en efecto, uno de los problemas que presenta la discriminación
positiva es que suele faltar un tertium comparationis suficientemente
81 Por ejemplo, “el hecho de que el Estado preste asistencia religiosa católica a los individuos de las
Fuerzas Armadas no sólo no determina lesión constitucional, sino que ofrece, por el contrario,
la posibilidad de hacer efectivo el derecho al culto de los individuos y comunidades”, STC.
24/1982.
82 Curiosamente el mismo caso sirve de ejemplo para ilustrar la jurisprudencia alemana e italiana
a propósito de la igualdad sustancial. Vid. R. Alexy Teoría de los derechos fundamentales,
citado, p.403; R. Bin, Diritti e argomenti. Il bilanciamiento degle interessi nella giurisprudenza
costituzionale, Giuffrè, Milano, 1992, p.116.
83 STC. 42/1982.
84 STC. 132/1992.
192
sólido o convincente: que el Estado subvencione la educación o atienda
las situaciones de extrema necesidad no puede ser invocado como
discriminatorio por quien pretende una vivienda gratuita o de precio
reducido, pues, según hemos dicho, la Constitución carece de un programa
ordenado de distribución de los recursos. Otra cosa sucede, sin embargo,
si los poderes públicos deciden entregar viviendas gratuitas a una cierta
categoría de personas y utiliza en la delimiación de esa categoría un criterio
irracional, falto de proporción o de cualquier modo infundado; entonces, una
pretensión de igualdad material, en principio no exigible ante el Tribunal
Constitucional, se fortalece o adquiere virtualidad gracias al concurso de
la igualdad formal: el legislador decide que esa pretensión está justificada,
pero “clasifica” mal el nucleo de destinatarios merecedores de la misma y,
por tanto, quienes resultan discriminados pueden reclamar unos beneficios
a los que, de otro modo, no tendrían derecho. Esta es la razón de ser de
muchas de las llamadas sentencias aditivas del Tribunal Constitucional85,
es decir, de aquellas decisiones en las que el Tribunal extiende a sujetos no
mencionados en la norma los “beneficios” en ella previstos; por ejemplo,
la STC 103/1983, que amplió para los viudos el régimen de pensiones más
favorable establecido para las viudas; o la 116/1987, que consideró que los
militares republicanos ingresados en el Ejército después de la rebelión del
18 de julio de 1936 merecían iguales atenciones que aquellos que lo hicieron
con anterioridad. Muy probablemente, ni los viudos ni los viejos defensores
de la República hubiesen podido fundar una pretensión iusfundamental a la
obtención de cierta clase de pensión o ayuda de no ser porque el legislador
decidió previamente que tal pretensión estaba justificada para cierto colectivo
“análogo”. Es verdad que las consideraciones de igualdad sustancial no
bastan y que se requiere además el concurso de la igualdad formal; pero esta
última tampoco constituye la justificación de la pretensión iusfundamental,
sino que simplemente proporciona el término de comparación que permite
considerar irracional la exclusión de un sujeto o grupo.
Ciertamente, este género de sentencias plantean problemas tanto
desde el punto de vista de las relaciones entre el legislador y el juez
constitucional, como desde la perspectiva de la articulación de la igualdad
en forma de prestaciones. Lo primero porque, como es obvio, las “adiciones”
o manipulaciones86 convierten a quien en la concepción kelseniana era un
85 R. Bin las denomina más claramente “sentencias aditivas de prestación”, Diritti e argomenti...,
citado, p. 117
86 Por ejemplo, la sentencia de la Corte Constitucional italiana 215/1987 ordena que allí donde la ley
dice que “será facilitada” la integración de los minusválidos en la escuela, en lo sucesivo diga que
“será garantizada”. Vid. R. Bin,Diritti e argomenti, citado, p.119.
193
legislador negativo en un legislador positivo87. Y lo segundo porque el
Tribunal es un órgano poco idoneo o casi imposibilitado para establecer las
estructuras administrativas, los procedimientos y las variadas modalidades
que exigen o admiten los derechos prestacionales88. Con todo, si las
sentencias aditivas prestacionales son posibles, es porque resultan también
posibles pretensiones basadas en la igualdad material.
La Constitución, pues, ampara directamente posiciones iusfunda-
mentales de igualdad de hecho, si bien con un carácter fragmentario que exige
el concurso de otras razones, es decir, de otros derechos o de la propia igualdad
formal. Más concretamente, parece que los “complementos” que requiere la
igualdad sustancial desempeñan funciones distintas. La concurrencia de un
derecho prestacional inmediatamente exigible, como la enseñanza, implica
la consagración constitucional de una concreta pretensión adscribible a la
igualdad de hecho; que los poderes públicos tienen la obligación de prestar
el servicio de la enseñanza supone por ello una toma de posición que elimina
toda ulterior discusión: se tiene derecho a la educación gratuita en ciertos
niveles sin necesidad de invocar el art. 14. A su vez, la concurrencia de
un derecho en principio no prestacional, como el derecho de defensa y a
la tutela efectiva, implica una cierta presunción de que el bien tutelado es
valioso y merece protección; esto es, que, entre los múltiples objetivos que
pueden perseguir las acciones positivas de prestación, hay algunos que
aparecen “privilegiados” por la Constitución (los derechos fundamentales),
representando en consecuencia una razón fuerte en favor de la adopción de
medidas de igualdad material. Por último, la presencia de un argumento
de igualdad de iure o ante la ley significa que, de entrada, no existiría un
derecho constitucional a prestaciones, pero que, dada la opción legislativa
en favor de ofrecer esas prestaciones a ciertos destinatarios, un imperativo
de racionalidad o coherencia exige su extensión a otros sujetos.
89 He tratado este punto en mis Estudios sobre derechos fundamentales, citado, p.43 y s.
90 Vid. J.L. Cascajo, La tutela constitucional de los derechos sociales, citado, p. 77 y s.
91 F. Garrido Falla, “El artículo 53 de la Constitución”, Revista Española de Derecho Administrativo,
nº21, 1979, p. 176
92 F. Garrido Falla,”Comentario al art. 53” en F. Garrido Falla y otros, Comentarios a la
Constitución,Civitas, Madrid, 198o, p. 590
195
“tenía que fracasar, porque formulaciones de este tipo no son aptas para
fundamentar derechos y deberes concretos”93. Más rotundamente, escribe
Ph. Braud que “los derechos-obligaciones positivas... no son normas
jurídicas, pues carecen de una condición indispensable: la aptitud para la
efectividad” y, siendo así, “se sitúan fuera del Derecho”94.
Me parece que esta posición ha sido hoy mayoritariamente
abandonada, pues “ya no se puede dar por buena la vieja tesis, de la época
de Weimar, según la cual la imposibilidad de la aplicación inmediata
de los derechos sociales constitucionales viene dada por su propia
indeterminación”95. Sin duda, los principios rectores del Capítulo III,
como todos los valores y principios de la Constitución, tienen naturaleza
jurídica y participan de la fuerza propia de las normas constitucionales96.
Ante todo, porque la formulación lingüística del precepto no es un criterio
definitivo para separar el Derecho de las buenas intenciones, pues, al
margen de que no todos los derechos prestacionales aparecen con la misma
estructura lingüística, lo cierto es que la concepción del positivismo teórico
a propósito de las normas puede considerarse superada: sencillamente, no
es cierto que allí donde falta un supuesto de hecho o una consecuencia
jurídica perfectamente delimitados falte una norma jurídica97. Que las
normas materiales de la Constitución sean “en general esquemáticas,
abstractas, indeterminadas y elásticas”98 no representa ninguna dificultada
su carácter vinculante. En suma, la fuerza jurídica y el valor constitucional
de las disposiciones de principio están hoy suficientemente acreditados99;
y, por otra parte, la llamada retórica constitucional no es monopolio del
Capítulo III, sino que es posible hallarla en otros pasajes constitucionales,
incluso dentro de la sección 1ª del Capítulo II, como en el art. 27.2º.
100 Vid. E.W. Böckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, citado, p. 81.
101 STC 103/1983
102 STC 65/1987. La STC 37/1994, si bien reconoce la libertad del legislador para modular la acción
protectora del sistema, recuerda que el art. 41 “consagra en forma de garantía institucional un
régimen público” cuyo “nucleo o reducto indisponible por el legislador... ha de ser preservado
en términos recognoscibles para la imagen que de la misma tiene la conciencia social en cada
tiempo y lugar”.
197
en el art.53,3 “impide considerar a tales principios como normas sin
contenido y que obliga a tenerlos presentes en la interpretación tanto de las
restantes normas constitucionales como de las leyes”; particularmente, en
este caso el juego de los tres criterios enunciados se muestra fundamental
para enjuiciar cuándo una desigualdad jurídica entraña discriminación;
más aún, el art. 50 relativo a la protección de la vejez resulta ser un “criterio
de interpretación preferente”103. Cabe decir que hoy esta es una doctrina
plenamente consolidada: los principios rectores, “al margen de su mayor
o menor generalidad de contenido, enuncian proposiciones vinculantes en
términos que se desprenden inequívocamente de los artículo 9 y 53 de la
Constitución”104.
La proclamación del valor normativo de los principios rectores es
frecuente en la jurisprudencia constitucional, si bien la concreta operatividad
de los mismos no resulta siempre uniforme y generalmente depende de la
presencia de otras disposiciones constitucionales relevantes para el caso.
Así, en ocasiones, los principios vienen a justificar limitaciones a ciertos
derechos que de otra manera acaso no podrían formularse: la protección
del medio ambiente (art.45) juega como límite a la explotación de los
recursos naturales y al aumento de la producción, en suma, al derecho de
propiedad105; del mismo modo, la política de pleno empleo (art. 40) “supone
una limitación de un derecho individual, como el derecho al trabajo” (art.
35), limitación que está justificada porque “se apoya en principios y valores
asumidos constitucionalmente, como son la solidaridad, la igualdad real
y efectiva y la participación de todos en la vida económica del país”106.
Otras veces, en cambio, es el propio Tribunal quien armoniza distintas
disposiciones, concretando el alcance de algún principio; por ejemplo, el
principio de protección a la familia (art. 39) no sólo constituye un límite
a la embargabilidad de bienes107, sino que permite derivar a través del
art. 14 una igualación “por arriba” entre civiles y militares en materia de
embargo de haberes108; y el genérico principio del Estado social unido a
las exigencias de la igualdad sustancial obliga a realizar la equiparación de
sexos extendiendo la regulación más favorable: “dado el carácter social y
democrático del Estado de Derecho... y la ogligación que al Estado imponen
112 Vid. R. Guastini, Dalle fonti alle norme, Giappichelli, Torino, 1990p. 15 y s.
200
Por lo que se refiere a la primera cuestión, conviene advertir que, si
bien la mayor parte de los derechos prestacionales aparecen en el devaluado
Capítulo III, algunos otros gozan de la máxima protección jurídica. Ya
hemos tenido oportunidad de referirnos a la asistencia y defensa letrada;
desde luego, es evidente que aquí los poderes públicos tienen una cierta
libertad de configuración en orden a regular las formas y modalidades de
las prestaciones, pero en ningún caso hasta el punto de suprimir o debilitar
absolutamente el derecho: en determinadas circunstancias, toda persona
tiene derecho a obtener y el Estado la obligación de proporcionar defensa
letrada gratuita. Lo mismo cabe decir del derecho a la educación: también
aquí el legislador dispone de una amplia discrecionalidad para organizar la
enseñanza, pero al final ha de garantizar la escolarización gratuita de todos
los niños en los nieves básicos, y esta es sin más una pretensión accionable
ante los Tribunales, incluido el Constitucional113. En ambos casos, y por
muy amplia que sea la libertad de configuración del legislador como
consecuencia de la propia imprecisión del precepto, el estatus constitucional
fuerte de estos derechos prestacionales, es decir, su inclusión en la sección
1ª del Capítulo II, parece resolver el problema de su tutela judicial; luego
este último no deriva inicialmente, como a veces parece pensarse, sólo de
la estructura lingüística del enunciado que reconoce el derecho: aunque
sea mucho lo que le corresponde decir al legislador, la tutela judicial del
derecho a una prestación educativa está fuera de duda, y esa tutela se
proyecta lógicamente sobre dimensiones subjetivas.
Sin embargo, y esta es la segunda cuestión previa, resulta que la
mayor parte de los derechos prestacionales aparece recogida en el Capítulo
III del Título I y, por tanto, se ve afectada por el art. 53,3: los principios
rectores/derechos prestacionales “informarán la legislación positiva,
la práctica judidical y la actuación de los poderes públicos”, pero “sólo
podrán ser alegados ante la Jurisdicción ordinaria de acuerdo con lo que
dispongan las leyes que los desarrollen”. Como ya se ha dicho, la redacción
del precepto no es muy afortunada, pero en modo alguno puede suponerse
que los arts. 39 y siguientes de la Constitución no sean alegables ante los
tribunales ordinarios, pues, si su reconocimiento, respeto y protección debe
informar la “práctica juducial”, es evidente que no sólo son alegables, sino
114 Empleo aquí la terminología de Kelsen: “un derecho subjetivo en sentido técnico (consiste) en
un poder jurídico otorgado para llevar adelante una acción por incumplimiento de la obligación”,
Teoría pura del derecho, 2º ed.1960, trad de R. Vernengo, UNAM, Mexico, 5ª ed., 1986, p. 147.
115 En el proyecto constitucional publicado en el Boletín Oficial de las Cortes de 5 de enero de
1978 se decía que “no podrán ser alegados directamente como derechos subjetivos ante los
tribunales”.
116 Vid. R. Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, citado, p. 496
202
Capítulo III han de informar la práctica judicial, es que pueden ser objeto
de interpretación por los tribunales ordinarios, cualquiera que sea la via
judicial utilizada; y, desde luego, resultan justiciables también ante el
Tribunal Constitucional, y no sólo a través del recurso y de la cuestión de
inconstitucionaliodad, sino acaso también mediante el recurso de amparo.
Ciertamente, esta posibilidad requiere una interpretación algo tortuosa,
dado que los principios rectores del Capítulo III están excluidos del recurso
de amparo, pero creo que no se encuentra impedida por completo; por
ejemplo, cabría articular dicho recurso a través de alguno de los derechos
susceptibles de obtener tutela judicial mediante ese procedimiento para
seguidamente ser interpretado a la luz o en conexión con un derecho
prestacional117 . En suma, que la jurisdicción ordinaria no pueda brindar
tutela directa a posiciones subjetivas nacidas de un derecho prestacional
mientras falte el desarrollo legislativo, según establece el art. 53,3, no
significa que en el curso de cualquier procedimiento tenga prohibida la
consideración de los principios rectores, como tampoco impide que haga lo
propio el Tribunal Constitucional por cualquier camino procesal, incluido
el amparo si reculta viable a través de otro derecho118.
Por otra parte, el recurso de amparo resulta posible una vez que
se haya producido el desarrollo legislativo a que alude el art. 53,3 y, por
tanto, una vez que la jurisdicción ordinaria tenga competencia para conocer
demandas directamente orientadas a la tutela de derechos prestacionales.
En efecto, del mismo modo que cuando la violación de un derecho se ha
producido en una relación jurídico privada el Tribunal Constitucional
imputa la infracción al juez que no puso el adecuado remedio, considerando
que en su omisión se encuentra el “origen inmediato y directo” de la
violación (art.44,1 LOTC)119, así también cuando un derecho prestacional
no resulta satisfecho por el sujeto público o privado llamado a cumplirlo y
la jurisdicción deja de prestar la adecuada tutela, cabe admitir el amparo
contra la sentencia correspondiente; siempre, claro está, que además
117 Cabe hablar aquí de una ampliación del ámbito del recurso de amparo por vía de conexión, esto
es, de la tutela de una garantía o derecho en principio excluido del nucleo protegido, pero que se
puede conectar a otro derecho susceptible de amparo. Por ejemplo, el Tribunal Constitucional ha
defendido una especie de derecho al rango de ley orgánica a partir de una conexión entre el art.
17,1 y el 81,1, STC 159/1986; o un derecho a la motivación de las decisiones judiciales sobre la
base de la conexión del art. 120,3 al 24,1, STC 14/1991.
118 Por ejemplo, un derecho al “mínimo vital” podría construirse a partir del derecho a la vida
(art.15),del principio de Estado social (art. 1,1), conectado a la dignidad de la persona (art. 10,1)
y, en fin, de algún principio rector, como el derecho a la protección de la salud, a una vivienda
digna, etc.
119 Vid., por ejemplo, STC 55/1983 y 18/1984
203
pueda invocarse alguno de los derechos susceptibles de amparo. En cierto
modo, este es el camino que parece anunciar el Tribunal cuando, ante el
incumplimiento por el empresario de las medidas de sanidad e higiene en
el trabajo, dice que “la pasividad del juez ante una conducta empresarial
que pusiera en peligro la vida o la integridad física de los trabajadores
podría vulnerar el derecho de éstos a dichos bienes y a los preceptos que
los reconocen”120.
Y llegados a este punto, es decir, al punto en que un órgano
jurisdiccional a través de cualquier via o procedimiento es llamado a decidir
sobre un derecho prestacional, se suscita la que acaso sea pregunta nuclear:
en qué condiciones y con qué alcance puede ofrecerle tutela. Aquí quizás
convenga llamar la atención sobre dos modalidades dintintas de derechos
prestacionales, aun cuando la consecuencias prácticas no sean a mi juicio
muy diferentes. La primera es la modalidad de los derechos propiamente
dichos, por impreciso que pueda resultar el contenido obligacional; por
ejemplo, “se reconoce el derecho a la protección de la salud” (art. 43,1) o
“todos los españoles tienen derecho a disfrutar de una vivienda digna y
adecuada” (art. 47). La segunda modalidad es la de los principios-directriz;
por ejemplo, los poderes públicos “realizarán una política orientada al pleno
empleo” (art. 40,1), “mantendrán un régimen público de Seguridad social”
(art. 41) o “realizarán una política de previsión, tratamiento, rehabilitación
e integración de los disminuidos físicos, sensoriales y psíquicos” (art. 49).
En mi opinión, la diferencia es más bien de matiz. Los principios-directriz
son normas programáticas o mandatos de optimización, que se caracterizan
porque pueden ser cumplidos en diferente grado o, lo que es lo mismo,
porque no prescriben una una conducta concreta, sino sólo la obligación de
perseguir ciertos fines, pero sin imponer los medios adecuados para ello,
ni siquiera tampoco la plena satisfacción de aquellos fines: “realizar una
política de... u orientada a..., promover las condiciones para...” en puridad
no supone establecer ninguna conducta determinada como jurídicamente
debida121.
Los enunciados normativos que presentan la fisonomía de derechos,
en cambio, no serían principios abiertos, sino reglas, aunque tan sumamente
imprecisas que apenas permitirían fundar pretensiones concretas por vía
de interpretación: el derecho a la vivienda, por ejemplo, puede intentar
satisfacerse mediante subsidios de alquiler o fijando un precio tasado o, en
130 STC 134/1987. Vid. también la STC 81/1982 comentada en la nota 106 de este trabajo.
131 STC 37/1994. El subrayado es nuestro
132 Así, J.R. Cossío, Estado social y derechos de prestación, citado, p.68 y s.
133 Cuestión sumamente discutida y que he tratado en mis Estudios sobre derechos fundamentales,
citado, capítulos VI y VII. Vid. también el reciente libro de J.C. Gavara, Derechos fundamentales
y desarrollo legislativo. La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales en la
Ley Fundamental de Bonn, C.E.C.,Madrid, 1994.
207
es que los principios rectores son enunciados constitucionales y todos los
enunciados constitucionales, por el mero hecho de serlo, han de ostentar
algún contenido esencial o nucleo indisponible para el legislador. Una
conclusión diferente llevaría al resultado paradójico de que, en nombre
de una mejor protección de ciertos derechos, se habría desactivado o
disminuido la tutela de las demás normas constitucionales.
A mi juicio, las dificultades que se oponen a una consideración más
vigorosa de los derechos prestacionales como auténticos derechos por parte
de la jurisprudencia constitucional son las cuatro siguientes: inviabilidad
del recurso de amparo, libertad de configuración en favor del legislador,
necesidad de dictar normas organizativas y de comprometer medios
financieros y, finalmente, posible colisión con otros principios o derechos
constitucionales.
Por lo que se refiere al primer aspecto, ya se ha indicado que no
parece por completo imposible sostener en vía de amparo una pretensión
prestacional cuando ésta pueda conectarse a uno de los derechos
especialmente tutelados; pero, en cualquier caso, nada impide que el
Tribunal proceda al reconocimiento de esas posiciones subjetivas a través
de un recurso o cuestión de inconstitucionalidad: una cosa es que se
excluya cierta acción procesal y otra distinta poder ostentar un derecho
a cierta prestación, derecho que el Tribunal puede reconocer como parte
del “nucleo indisponible”; si existe una esfera intangible, ésta puede ser
identificada por el Tribunal Constitucional y de la misma pueden también
formar parte dimensiones subjetivas, con independencia de que el titular
encuentre impedida su defensa mediante el recurso de amparo.
La segunda dificultad, la libertad de configuración del legislador, en
realidad no es una verdadera dificultad para la jurisdicción constitucional,
pues el art. 53,3 lo único que establece es que los principios rectores requieren
desarrollo legislativo para ser alegados (como derechos subjetivos, según se
ha visto) ante la jurisdicción ordinaria. Si los principios del Capítulo III son
auténticas normas constitucionales, bien que abiertas o imprecisas, y esto
es algo que nunca ha puesto en duda el Tribunal, entonces resulta que la
famosa libertad de configuración del legislador ha de relativizarse de modo
notable. Si esa libertad se traduce en una ausencia o en una insuficiencia de
legislación, entonces el Tribunal puede suplir la omisión del Parlamento, al
menos dentro de los límites del nucleo indisponible; del mismo modo que
una reserva de ley establecida por la Constitución “no tiene el significado
de diferir la aplicación de los derechos fundamentales y libertades públicas
208
hasta el momento en que se dicte una ley posterior...”134, así tampoco la
falta de desarrollo legislativo de un principio rector convierte a éste en un
enunciado jurídicamente inexistente. Y si aquella libertad se traduce en
una defectuosa regulación, la labor de suplencia puede sustituirse, siempre
dentro del ámbito de indisponibilidad, por una labor de corrección. En
suma, habida cuenta del carácter de los enunciados del Capítulo III, cabe
reconocer en relación con ellos una mayor libertad del legislador, pero no
hasta el punto de anular por completo la virtualidad de las disposiciones
constitucionales. Lo único que, con seguridad, depende exclusivamente de
la voluntad del legislador es la articulación de los instrumentos procesales
para que el titular del derecho pueda hacerlo valer en la jurisdicción
ordinaria; la libertad de configuración es también muy amplia en relación
con el contenido del derecho, es decir, con las obligaciones que de él derivan,
pero en ningún caso puede ser absoluta, si es que no se quiere vaciar por
completo el significado de las disposiciones constitucionales.
Ahora bien, ¿dentro de qué margenes puede moverse la acción del
Tribunal Constitucional?. Aquí aparece la tercera dificultad enunciada: los
derechos prestacionales suelen requerir cuantiosos recursos financieros,
cuya distribución es competencia del Parlamento, así como una “legislación
positiva” que desarrolle procedimientos, organice servicios, etc. Tampoco
estas dificultades son insuperables. De un lado, no es algo inédito que las
sentencias del Tribunal presenten efectos económicos gravosos para el
Estado; por ejemplo, ya hemos citado la que estableció la obligación de
la asistencia y defensa letrada, o la que decidió que ciertas pensiones en
favor de las viudas debían extenderse también a los viudos. Y en cuanto
al diseño de servicios y procedimientos, si bien es cierto que el Tribunal
no es el órgano más adecuado para llevarlo a cabo, conviene indicar dos
cosas: primera, que tampoco son por completo desconocidas las sentencias
aditivas donde el Tribunal actúa como un legislador positivo, haciendo,
por tanto, lo que en principio no está llamado a hacer135; y segunda, que
en algunas ocasiones el Tribunal no ha tenido ningún inconveniente en
reconocer derechos allí donde la Constitución remitía a una ley claramente
organizativa y procedimental, como ocurrió con la jurisprudencia sobre la
objeción de conciencia anterior a que se dictase la legislación pertinente,
137 Vid. F. Rubio, “La igualdad en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional”, citado, p. 32
212
pueden ser objeto de amparo y que la acción procesal en su defensa ante
la jurisdicción ordinaria queda supeditada al desarrollo legislativo. Pero al
margen de que, como hemos intentado mostrar, pueden buscarse algunos
resquicios que hagan viable la justiciabilidad, conviene insistir en que el
derecho a la tutela judicial y la dimensión subjetiva de un derecho son cosas
diferentes. Nada impide que el Tribunal Constitucional, por ejemplo en un
recurso o cuestión de inconstitucionalidad, perfile exigencias subjetivas
de carácter prestacional a partir de un principio rector, aun cuando el
sujeto titular se halle por el momento imposibilitado de reclamarlas
judicialmente.
Como ha observado Zagrebelsky138, las Constituciones de nuestros
días son documentos pluralistas y dúctiles, y ello en varios sentidos. Primero,
porque no representan el fruto exclusivo de una ideología o concepción del
mundo, sino que son más bien obra del pacto y del consenso alcanzado
por fuerzas distintas a partir de mutuas concesiones139; documentos
integradores, por tanto, de contenidos materiales tendencialmente
contradictorios entre los que no cabe trazar una rigurosa jerarquía, sino
que han de ser preservados en su conjunto, dejando un ancho margen a
la configuración legislativa, pero también a la ponderación judicial. Y
segundo, porque una Constitución de este tipo ya no permite concebir las
relaciones entre legislador y juez, entre política y justicia, en los términos
estrictos y formalmente escalonados propios del Estado de Derecho
decimonónico, sino que obliga a una concepción más compleja y, si se
quiere, más cooperativa de las fuentes del Derecho, donde un principio de
equilibrio y flexibilidad venga a moderar la antaño rígida subordinación.
Con una Constitución de principios, difícilmente puede hablarse de
“materias” sustraidas a la justicia, como también resultaría poco realista
pensar en “materias” sustraidas a la política.
Ideológica o políticamente, los derechos prestacionales expresan
una perspectiva diferente a la que en su día encarnaron las libertades y
derechos civiles. Para decirlo de un modo simplificado, si estos últimos son
consecuencia de la concepción liberal de la sociedad política, aquéllos lo
son de la concepción socialista. Si la Constitución es un acuerdo integrador,
por supuesto no sólo pero sí principalmente entre esas dos filosofías que
atraviesan el mundo contemporaneo y que tantas veces han sido banderas de
ESQUEMA:
LOS DERECHOS SOCIALES Y EL PRINCIPIO DE IGUALDAD
SUSTANCIAL
Introdução
1. Direitos fundamentais
4 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: La ley del más débil. 2. ed. Traducción de: Perfecto
Andrés Ibañez e Andrea Greppi. Madrid: Editorial Trotta, 2001, p. 37. O autor esclarece que a
definição é puramente formal, servindo a qualquer ordenamento, tendo valor de uma definição da
teoria geral do direito, embora advirta que o caráter formal não deve impedir que se identifique
nos direitos fundamentais a base da igualdade jurídica.
5 A expressão é usada pelo autor para descrever o juspositivismo dogmático, definido como o tipo
de orientação que “[...] ignora o conceito de vigor das normas como categoria independente da
validade e da efetividade”, tanto com referência a ordenamentos normativos, que tomam como
vigentes somente as normas válidas, quanto a ordenamentos realistas, que têm como vigentes
apenas as normas efetivas (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 699). Seria, em outras palavras, a concepção do Direito como auto-poiético, auto-
suficiente, visão segundo a qual a lei é um a priori, capaz de resolver tudo, que veda interpretações
metajurídicas, transformando o julgador em mero operador mecânico do texto legal, de modo que
este não questiona ou reflete acerca de nenhum dos contextos que lhe são postos, e termina por
legitimar ordens arbitrárias ou a servir de instrumento a regimes autoritários.
6 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: La ley del más débl. Op. cit., p. 37.
7 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: La ley del más débil. Op. cit., p. 42-43.
8 CABO, Antonio de; PISARELLO, Gerardo. Ferrajoli e el debate sobre los derechos fundamentales.
Prólogo. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Madrid:
Trotta, 2001, p. 12.
219
1.1. Abordagem moderna dos direitos fundamentais
9 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 481-483.
10 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Tradução de: Luís
Afonso Heck. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66, jul/set. 1999,
p. 55-66. O autor observa que o conceito de “homem” é biológico, embora não coincida com o
de “ser vivo”, ou o de “criatura”, caso em que deveria ser alargado o círculo de destinatários; e
também é individualizado, ainda que esteja o homem inserido na comunidade, que tem também
direitos enquanto grupo, os quais, todavia, não podem ser qualificados com a expressão “direitos
do homem”. Para o conceito de direito subjetivo, Alexy afirma, em outra obra, que, por conta
da ambigüidade e da vagueza da expressão, esta deveria ser utilizada apenas para algumas
posições, ou em sentido amplo. A solução, assim, é o uso corrente, como um conceito geral para
posições diferentes, traçando algumas distinções, que ele classifica em três tipos: direitos a algo,
liberdades e competências. No primeiro caso, a posição do cidadão diante do Estado implica o
direito a não ser importunado em sua liberdade para os atos da vida civil, em seu domicílio e em
sua propriedade, o que impõe posições estatais negativas e positivas em relação ao titular dos
direitos. Quanto às liberdades, o autor crê ser conveniente pensar na liberdade de uma pessoa
como “[...] a soma das liberdades particulares e a liberdade de uma sociedade como a soma
220
direitos que se distinguem de outros por resultarem de uma combinação
de cinco qualidades. São direitos universais, morais, fundamentais,
preferenciais e abstratos. A universalidade implica serem direitos que cabem
a todos os homens, enquanto indivíduos, ainda que inseridos no grupo social.
Direitos morais podem, também, ser direitos jurídico-positivos, mas sua
validade não depende da positivação, bastando que a norma que lhe dá base
tenha validade do ponto de vista moral, pois “[...] a norma vale moralmente
quando ela, perante cada um que aceita uma fundamentação racional, pode
ser justificada”.11 A qualidade da preferência sugere que um direito moral
abre, para o titular, o “[...] direito moral à proteção por direito positivo
estatal”.12 Assim, os direitos do homem estão em condição de prioridade em
relação aos demais, numa relação necessária com o direito positivo.
Por qualidade de direitos fundamentais, diz Alexy, deve-se entender
a presença de duas condições: deve tratar-se de direitos e carências que, de
modo geral, podem e devem ser protegidos; e que sejam tão fundamentais
essas carências ou interesses que “[...] a necessidade de seu respeito, sua
proteção ou seu fomento se deixe fundamentar pelo direito”.13 A qualidade
de abstração dos direitos do homem deve-se à exigência de restrição ou
limitação para fazer frente a direitos de outros ou de natureza coletiva,
sendo a escolha das restrições determinada, somente, por instâncias “[...]
autorizadas a decisões de ponderação juridicamente obrigatórias”.14 O
Estado, assim, é necessário. não apenas como instância de concretização,
mas também de decisão, para realizar os direitos do homem.
2. Discricionariedade administrativa
das liberdades das pessoas que nela vivem”. Isso significa que o conceito de liberdade é uma
relação triangular entre o titular de uma liberdade (ou não-liberdade), um impedimento desta e
um objeto da liberdade. As competências, terceiro grupo dos direitos subjetivos, dizem respeito
às posições de uma pessoa e são sinônimos de poder jurídico, capacidade jurídica, faculdade,
autorização, etc., existindo tanto no direito público quanto no privado, garantidas por normas de
competência, as quais não é permitido ao legislador modificar. (ALEXY, Robert. Teoria de los
derechos fundamentales. Traducción de: Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1997, p. 212-245).
11 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Op. cit., p. 60.
12 Ibidem, p. 60.
13 Ibidem, p. 61.
14 Ibidem, p. 62.
221
ela não proíbe, no âmbito público, a Administração faz apenas o que a lei
determina, sob pena de nulidade dos atos realizados.
A norma jurídica, todavia, reserva situações específicas, nas quais
o administrador, ainda que seguindo a determinação legal, dispõe de certa
margem de liberdade para algumas decisões, que se costuma entender como
aquelas nas quais é o agente público o melhor especialista para adotar a
decisão mais adequada aos administrados, quando se tem, então, um ato
discricionário.
O conceito de discricionariedade é considerado um dos mais difíceis
e com o maior número de significados da teoria do Direito. No caso da
administração pública, a questão crucial é saber até onde as decisões dos
agentes públicos podem ser revistas pelo Judiciário. Um primeiro conceito
que mais se aproxima da idéia com a qual se trabalha neste estudo é o de
Engisch,15 segundo o qual, diante da lei, ter-se-iam duas possibilidades,
contrapostas entre si e, igualmente, em conformidade ao Direito, entre
as quais o agente público poderia optar por uma ou outra, sem contrariar
a regra jurídica. Percebe-se, assim, que esse conceito não pode fugir da
possibilidade de escolher, entre alternativas diferentes, aquela que mais se
ajusta ao caso concreto a ser decidido. Logo, o que marca a existência de
discricionariedade é a presença da possibilidade de escolha, prevista na lei,
não apenas uma possibilidade de fato, mas também de direito.
Mas ainda se pode utilizar uma segunda formulação, que serve,
igualmente, aos ideais deste trabalho, que é a da “discricionariedade
vinculada”, no sentido de que o exercício desse poder de escolha deve estar
direcionado ao objetivo fundamental do resultado da decisão desejado pelo
texto legal, isto é, o único resultado ajustado a todas as diretrizes jurídicas
e legais, e que envolve análise detalhada de todas as circunstâncias do caso
concreto, para se chegar ao que se poderia chamar de “decisão correta”.
Ainda que se possa questionar a possibilidade da existência de uma só
decisão correta, dado que a discricionariedade é justamente o poder de
escolha do agente entre duas ou mais soluções igualmente permitidas pelo
Direito, é possível pensar na que mais se coaduna com as exigências da
correção, na medida em que esta definição é atribuída ao agente, que o faz
com base nas suas qualidades técnicas para apreciação do caso concreto,
estando, portanto, habilitado a optar pela melhor opção.
A vinculação que se diz presente nesta decisão está, sem dúvida,
(WEATLEY, Jonathan. Crescimento pode causar novo apagão no Brasil. Trad. Danilo Fonseca.
Financial Times. 15.10.2004. Disponível em <http://www.uol.com.br>. Acesso: 25.10.2004.
18 Sobre valores superiores que orientam a legislação constitucional veja-se PECES-BARBA,
Gregório. Los valores superiores. Madrid: Tecnos, 1984, p. 70 e seguintes.
19 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões
sobre os limites e controle da discricionariedade. 4. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001,
p. 57.
20 MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa: Emenda Constitucional n. 19/98. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1999, p. 29.
224
a decidir questões de mérito e conveniência relacionada à administração
pública, os tribunais vêm avançando, cada vez mais, sobre as decisões dos
agentes públicos, especialmente em alguns países da Europa. Uma polêmica
de repercussão considerável envolveu alguns autores espanhóis nos anos
1990, acerca do conceito de discricionariedade que deveria ser tomado pelo
País após o fim do regime franquista. Envolveram-se na discussão Parejo
Alfonso21 e Sánchez Morón,22 de um lado, e Tomás-Ramón Fernández, de
outro, todos ora apoiados, ora criticados por outros doutrinadores.23 Os
primeiros sustentavam a impropriedade de rígido controle jurisdicional
da Administração após o final da ditadura, dado que o poder Executivo
ganhara, a partir de então, legitimidade suficiente para representar a
vontade dos administrados, não mais restando necessária a redução dos
níveis de discricionariedade administrativa, o que se justificaria, apenas,
no período ditatorial, no qual o governo não tinha a legitimidade pós
Constituição de 1978.
Assim posto o entendimento, o julgamento que modificasse uma
decisão administrativa significaria a substituição do administrador pelo
juiz, ou a substituição de um poder pelo outro.24 Isso porque a Constituição
contempla a tutela judicial como direito fundamental de todos, inclusive da
Administração, a qual dar-se-ia, nesse caso, apenas sob a forma específica
da legalidade da atuação administrativa, com base no art. 106.1, controle
que se resumiria na supervisão, censura e correção da ação do outro poder,
posição que significa, unicamente, a declaração de ilegalidade, mas nunca
a indenização para a reposição dos prejuízos dos administrados.
Visão completamente diversa sustentava Tomás-Ramón Fernández,25
acusado de ativismo judicial por seus contendores, porque tomava, como
regra geral contra a arbitrariedade dos poderes, o artigo 9.3 da Constituição
30 Por todos, veja-se SCOCA, Franco Gaetano. La discrezionalità nel pensiero di Giannini e nella
dottrina successiva. Rivista trimestrale di diritto pubblico, Roma, n. 4, p. 1045-1072, 2000.
228
mesmo diante de atos considerados discricionários, possa o administrador,
seguindo determinados parâmetros previamente estabelecidos, realizar a
escolha que mais atende à finalidade do ato, ou seja, atender ao interesse
público. É nesse ponto que parece necessário retomar a Constituição
dirigente, enquanto instrumento balizador da atividade pública, de
modo a estabelecer critérios que reduzam as decisões distantes das reais
necessidades dos administrados ao mínimo possível. Ou seja, um marco
definidor de critérios hábeis a proporcionar as escolhas adequadas pelo
administrador, tanto nos atos vinculados quanto naqueles discricionários.
Essa necessidade leva à lembrança de que a Constituição dirigente,
ou a força dirigente dos direitos fundamentais, consagrada na expressão
de Canotilho,31 que foi aprovada pelos Constituintes de 1988, teve o
propósito de servir de programa permanente para a ação pública, dotada
de mandamentos como justiça, igualdade e bem-estar social, o que vem
determinado desde o preâmbulo, seguindo-se nos artigos 1º., 3º. e 170, além
de outros dispositivos, através do compromisso com a dignidade da pessoa
humana.32
Como visto, não se pode falar da superação do dirigismo constitucional
em uma realidade social como a do Brasil. A falta de efetividade dos
31 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Op. cit.,
p. 417. Veja-se, a respeito da relatividade da teoria da “constituição dirigente”, a exposição do
próprio Canotilho, quando justifica que a expressão “a constituição dirigente morreu”, refere-
se às mudanças representadas pelas promessas da Carta portuguesa de 1976 – a qual “[...]
reivindicava textualmente a dimensão emancipatória das grandes récitas” – que propunha a “[...]
transição para o socialismo e para uma sociedade sem classes”, através de “[...] uma aliança entre
o Movimento das Forças Armadas e os partidos e organizações democráticos” (CANOTILHO,
José Joaquim Gomes. O Estado adjetivado e a teoria da Constituição. Interesse público, Porto
Alegre, n. 17, jan./fev. 2003, p. 13-24).
32 Diz o preâmbulo da Constituição brasileira: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” (grifo nosso). No art. 1º., a Carta
contempla: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV- os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa; IV – o pluralismo político”. No art. 3º. se lê: “Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre justa
e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; [...]”. O art. 170 prevê: “A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...]”
(grifo nosso).
229
direitos sociais no País, considerados de segunda geração,33 enquanto os
direitos políticos, considerados de terceira geração, ganham status de
universalidade – basta observar os números do alistamento eleitoral no País
e o moderno sistema de urnas eletrônicas a que todos têm acesso, exemplo
para outros países, quando se registram casos de trabalho escravo, altos
índices de mortalidade infantil, milhares de pessoas vivendo nas ruas, sem
direito à moradia e à integridade, entre outros –, demonstra o desajuste das
políticas públicas adotadas pelos sucessivos governos. O quadro não pode
prescindir do envolvimento de nenhum dos atores sociais, especialmente
do Judiciário, no exercício de suas funções de aplicar o ordenamento
jurídico, conforme os ideais do dirigismo constitucional, sob pena de arcar
com o peso não apenas da omissão, mas da contribuição quase dolosa para
a perpetuação do caos.
36 Na América Latina, o número de pobres saltou de 200,2 milhões para 221,4 milhões, dos quais
93,4 milhões são indigentes, ainda que o percentual de pobreza houvesse reduzido no mesmo
231
A realidade que os juízes vivenciam, diuturnamente, não permite
que eles possam isolar-se no neutralismo formal da legislação, sem avaliar
o conteúdo de certas decisões da Administração que se incluem entre
as quais cabe ao Executivo escolher a solução mais adequada. Não há
possibilidade de se imaginar a velha teoria da discricionariedade como
a tese fechada da oportunidade e da conveniência do administrador, de
modo especial quando as definições de políticas públicas afetam direitos
fundamentais dos administrados, como a vida, a integridade, entre outros.
As decisões dos juízes de primeira instância, nesse sentido, têm aumentado
consideravelmente nos últimos anos e, nos tribunais, a jurisprudência vem
se encaminhando, de modo visível, para essa direção.37
período, de 48,3 para 44 por cento (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Panorama
social de América Latina 2004. Comisión Econômica para América Latina y el Caribe (CEPAL).
Cap. I, p. 5. Disponível em: <http://www.cepal.org >. Acesso em: 20 jul. 2005).
37 Nesse sentido, decisão do TRF 4ª. Região determinou liminarmente, em Ação Civil Pública, a
“[...] execução de obra relativa à duplicação de rodovia federal, ante a responsabilidade civil do
Estado sobre mortes e mutilações decorrentes de acidentes de trânsito havidos na rodovia de
sua competência” (AI 200404010145703-SC. 4ª. Turma. Rel. Juiz Edgard A. Lippmann Junior.
J. 23.06.2004. DJU. 04.08.2004). Em outra decisão, o mesmo tribunal considerou adequado o
caminho da Ação Civil Pública para obrigar a União federal a “[...] realizar estudos técnicos, nas
rodovias federais, para sinalização adequada aos preceitos do Código Brasileiro de Trânsito”.
No acórdão, o juiz relator afirma: “I. A intervenção do Judiciário em questões administrativas
é cabível apenas em áreas alheias à margem de discricionariedade do administrador, aquele
legitimado ao juízo de oportunidade e conveniência quanto à atuação da Administração, em que
se consideram os recursos disponíveis, normalmente escassos, e as inúmeras necessidades. Tais
áreas de intervenção admissível são, justamente, as da competência vinculada, em que a conduta
da Administração é ditada pelo ordenamento jurídico e pelas normas, regras ou princípios, que o
compõem. II. Considerando que a segurança e a saúde dos administrados e usuários de rodovias,
bem como a integridade do patrimônio público que representam, são valores jurídicos tutelados
pelo ordenamento, é de se concluir que atos tendentes a fragilizá-los ou vulnerá-los violam
o sistema e extrapolam a discricionariedade. Assim, promover a devida e correta realização
de estudos técnicos nas rodovias federais para a devida adequação dos preceitos do CTB à
sinalização, em sendo determinadas pelo Judiciário, são medidas que buscam corrigir desvio de
conduta vinculada esperada da Administração” (AC 200171030005082-RS. 4ª. Turma. Rel. Juiz
Waldemar Capeletti. J. 20.08.2003, DJU 10.09.2003). Ainda da mesma Corte, decisão concedendo
tutela antecipada para efeito de retenção de verbas da CPMF (Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira), destinada à atualização de tabelas de procedimentos do Serviço
Único de Saúde (SUS). O acórdão afirma: “[...] A questão relativa às diferenças decorrentes
da aplicação de critério diverso daquele estabelecido em lei para a conversão da moeda no
pagamento de serviços médico-hospitalares prestados por entidades conveniadas ao SUS não
diz apenas com valores de natureza econômica, mas trata sobretudo de matéria atinente à saúde
pública. O descaso do Governo Federal com a saúde pública enseja a atuação firme do Judiciário
no sentido de preservar os valores que são sagrados perante a Constituição e que não podem ser
desprezados em favor de possíveis pronunciamentos contrários das Cortes superiores. A posição
do STJ sobre a matéria, bem como as dificuldades financeiras comprovadas pelo agravante,
que acabarão por repercutir na prestação dos serviços médico-hospitalares à população carente,
justificam a presença dos requisitos legais para o restabelecimento da tutela antecipada”
(AGRAC 200271000274277-RS. 3ª. Turma. Rel. Juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. J.
10.08.2004. DJU 18.08.2004, p. 457).
232
Os próprios tribunais têm adotado, cada vez mais, uma postura
pouco passiva diante dos desmandos e, também, da simples ineficiência
administrativos, no que caminham no tom das ruas, onde os administrados
já não suportam a aplicação de recursos públicos em programas menos
importantes, enquanto a esmagadora maioria da população continua pobre,
crianças continuam sem escola, saúde ou saneamento básico, entre outros
direitos que lhes são negados todos os dias. O administrador público,
portanto, só pode escolher suas prioridades de forma discricionária depois
de cumprir com o básico, pois, enquanto não o fizer, vedada se mostra
a destinação de recursos para finalidades outras, cuja natureza foge à
urgência das necessidades fundamentais dos administrados.38
Outra limitação capaz de se contrapor a uma atitude menos passiva
do Judiciário no controle da Administração tem sido a alegação da “reserva
do possível”, teoria surgida na Alemanha e amplamente utilizada nos países
europeus, segundo a qual, a prestação reclamada pelo administrado deve
corresponder ao que o indivíduo pode, razoavelmente, exigir da sociedade,
de modo que, ainda que o Estado disponha de recursos e poder de disposição,
não há obrigatoriedade de prestar algo que sobressai aos limites do razoável.39
Isto significa levar em conta que existe um limite fático ao exercício dos
direitos sociais prestacionais, referente à disponibilidade material e jurídica
de recursos necessários à realização da prestação exigida. Na Europa, essa
possibilidade pode ser considerada, já que as prestações públicas podem
ser satisfeitas com maior facilidade, dado que a economia dos países é
mais estável, os controles sociais são mais eficientes e as políticas públicas
atingem o maior número de administrados, cabendo, portanto, a discussão
38 Cf. ROSA, Alexandre Morais da. Sentença em Ação Civil Pública. Autos n. 038.03.008229-0.
Op. cit.. A ação do Ministério Público contra o Município de Joinville reclamava a inversão
de prioridades com a desapropriação de área particular, no valor de 1,75 milhões de reais,
para construção de estádio de futebol, em detrimento do atendimento a 2.948 crianças para as
quais não havia vagas nas escolas. O juiz condenou liminarmente o Município a abrir as vagas
necessárias no período de 45 dias, sob pena de multa mensal no valor de um salário mínimo por
vaga não preenchida, revertendo os valores ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente. A liminar do Juiz de primeiro grau foi cassada pelo TJ-SC, mas antes da sentença
de mérito, o Município e o Ministério Público assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta,
prevendo a construção dos centros educacionais reclamados, no prazo de quatro anos. O juiz
homologou o acordo e o processo foi arquivado.
39 KRELL, Andréas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os [des]
caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002,
p. 52 e seguintes. Segundo o autor, a teoria da “reserva do possível” nasceu de uma decisão do
Tribunal Constitucional alemão, a qual considerou que o Estado não era obrigado a criar uma
quantidade suficiente de vagas nas universidades, dado que a construção de direitos subjetivos à
prestação material de serviços públicos está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos
recursos.
233
dos limites do Estado social e até a redução das prestações, o que não tem
correspondência na realidade brasileira, onde o “[...] Estado-providência
nunca foi implantado”.40
Em conseqüência dessa realidade do Brasil, a margem de manobra
do poder Judiciário pode ser bem mais ampla, e sua base descansa em
dois critérios: assegurar um “padrão mínimo social”41 aos cidadãos
e o razoável impacto da decisão sobre os orçamentos públicos. Logo,
diante da ausência desse “mínimo”, o juiz estaria autorizado a decidir
sobre políticas públicas que envolvam a realização de obras, quando tal
providência for imprescindível e possível. Os critérios para definição do
que seja imprescindível não oferecem maior dificuldade, pois as carências,
em quase todas as áreas, são significativas, como se pode verificar pelo
grande número de ações que chegam ao Judiciário em busca de efetivação
de prestações públicas, além das informações que são publicadas, todos os
dias, na imprensa.
Mas decidir sobre o que seja ou não factível nos limites do
orçamento do Executivo implica conhecer detalhes técnicos que não são
comuns à prática dos magistrados. Assim, uma solução que parece ajustar-
se à situação seria a presença de decisões do Executivo que destoam da
realidade social, como, por exemplo, investimentos em obras de grande
vulto, que não representam satisfação do mínimo social necessário à
sobrevivência digna dos administrados, em detrimento das necessidades
vitais de áreas prioritárias. Exemplo disso se constata em decisões como
a que o juiz determina o suprimento de vagas para crianças fora da sala
de aula em detrimento da construção de um estádio de futebol, cuja
prioridade, naquele momento, era absolutamente discutível, diante da
realidade à qual eram submetidos os administrados.42 Ademais, o sistema de
dos centros educacionais reclamados, no prazo de quatro anos. O juiz homologou o acordo e o
processo foi arquivado.
43 Cf. SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos.
Interesse Público, Porto Alegre, n. 32, p. 213-226, jul./ago. 2005.
44 Termo usado por SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos
humanos. Op. cit, p. 213-226.
45 COSTA, Flávio Dino de Castro. A função realizadora do poder Judiciário e as políticas públicas
no Brasil. Interesse Público, Porto Alegre, n. 28, p. 64-90, nov./dez. 2004, p. 64-90. O uso do
termo parece ter o sentido de atividade judicial político ideológica, da forma como o toma o
autor.
46 SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos. Op. cit,
p. 213-226.
235
há porque considerar a decisão dos magistrados como “ativismo” judicial.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça registra casos que
podem ilustrar a tese, em decisões que tratam do benefício assistencial de um
salário mínimo, previsto na Constituição brasileira no art. 203, V, destinado
a pessoas que não têm condições de se manter pelos próprios esforços ou de
familiares, nos termos da legislação regulamentadora.47 Ocorre que a Lei
n. 8.749/93, que regulamentou o preceito constitucional, exige, além das
condições previstas na Carta, também uma renda familiar do paciente não
maior do que um quarto do salário mínimo vigente.48 A teoria da reserva
do possível, assim, só pode ser arguida quando for comprovado que os
recursos públicos estão sendo usados de forma proporcional aos problemas
enfrentados pela parcela da população desprovida de mecanismos para
exercer seus direitos e, especialmente, se isso for progressivo no tempo,
por força dos impedimentos causados pela limitação de sua liberdade
jurídica, ou das capacidades reais para exercê-las. Sem forças suficientes
para atingir determinados patamares mínimos necessários à manutenção
da sua dignidade, essa parcela das populações necessita de que o Judiciário
faça com que os direitos fundamentais previstos na Constituição sejam
aplicados.
Ademais, a Emenda 26 da Constituição inseriu um novo direito social,
a “assistência aos desamparados”,49 impondo ainda maior compromisso
47 O texto do art. 203, da Constituição, prevê: “A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] V – a
garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei”.
48 STJ AGA 521467-SP. Rel. Min. Paulo Medina. 6a. Turma. J. 18.11.2003. DJ. 09.12.2003.
No acórdão, o Relator afirma: “1. A impossibilidade da própria manutenção, por parte dos
portadores de deficiência e dos idosos, que autoriza e determina o benefício assistencial de
prestação continuada, não se restringe à hipótese da renda familiar per capita mensal inferior a
¼ do salário mínimo, podendo caracterizar-se por concretas circunstâncias outras, que é certo,
devem ser demonstradas”. Em outra decisão, o Tribunal rejeitou recurso da Previdência Social
contra a concessão do mesmo auxílio a paciente de AIDS, adotando semelhante posicionamento:
“A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo
e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover seu próprio sustento ou
de tê-lo provido por sua família, tem direito à percepção do benefício de prestação continuada
previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade
para a vida independente; II – O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e
a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de
outros para se alimentar, fazer sua higiene e se vestir, não pode obstar à percepção do benefício,
pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada
só seria devido aos portadores de deficiência tal que suprimisse a capacidade de locomoção
do indivíduo – o que não parece ser o intuito do legislador” (STJ REsp. 360202-AL. Rel. Min.
Gilson Dipp. 5ª. Turma. J. 04.06.2002. DJ. 01.07.2002).
49 O texto do art. 6º. da Carta, alterado pela Emenda n. 26, de 14.02.2000, prevê: “São direitos sociais
236
dos magistrados com as camadas pobres da população, de modo que estão
legitimados pela Carta à defesa daquele direito, quando seus titulares não são
contemplados com as prestações a que o Estado está obrigado. E essa tarefa
enquadra-se na teoria garantista de Ferrajoli50 mediante dois princípios desta
teoria: o da legalidade, que significa que as garantias dos direitos fundamentais
estejam asseguradas na legislação, e o da submissão à jurisdição, ou seja, que
tais direitos sejam acionáveis em juízo, em relação aos sujeitos responsáveis
por suas violações, por ação ou omissão. Os direitos fundamentais estão
consagrados na Constituição brasileira, têm aplicação imediata (art. 5º., §
1º.), assim como os direitos sociais (art. 6º.), e os regulamentados por leis
especiais, podendo, cada qual deles, ser reivindicado em juízo, por força
da previsão constitucional de sindicabilidade de toda e qualquer ameaça ou
lesão de direito (art. 5º. XXXV).
Mais do que simples instrumentos mecânicos de aplicação do
Direito, portanto, os magistrados, nesse processo, devem ter uma atuação
criativa, encontrando, no próprio ordenamento, as soluções capazes de
promover a estabilidade social mediante o atendimento das necessidades
básicas das populações. E não necessariamente isso deve ocorrer mediante
longos processos judiciais, mas, principalmente, pela intermediação que os
julgadores podem desenvolver no sentido, sempre, de compor as partes, para
que, ao final, possam os administrados receber, efetivamente, as prestações
a que têm direito. Nesse sentido, a atividade judicial exige do magistrado,
em maior ou menor grau, um papel criador, de modo a atribuir a relevância
devida a um ou outro fato determinado, encontrando as soluções para as
lacunas e antinomias, na composição do que se convencionou chamar de
“casos difíceis”, e também esclarecendo o significado de conceitos jurídicos
indeterminados.51
CONCLUSÃO
55 COSTA, Flávio Dino de Castro. A função realizadora do poder Judiciário e as políticas públicas
no Brasil. Op. cit., p. 64-90.
56 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66, jul/set. 1999, p. 55-66.
57 Ibidem, p. 55-66.
58 Ibidem, p. 55-66.
239
Neste raciocínio, torna-se imperioso ter presentes as mudanças
registradas nas últimas décadas, com relação à rigidez do princípio da
separação dos poderes, o qual já não pode ser observado sob a ótica de
uma espécie de fundamentalismo religioso, mais retórica do que objetiva, e
abrangendo somente alguns aspectos, de forma assistemática.
A concepção atual do princípio deve ser tomada levando-se em
consideração que o passado histórico da tripartição dos poderes a vincula,
de modo estreito, à tutela da liberdade, não sendo, de qualquer modo,
obrigatória, a necessidade de uma rígida separação de poderes estatais para
o alcance desse objetivo, tese que, definitivamente, deve ser relegada ao
campo dos mitos.
A comprovação desse mito pode ser observada, especialmente, nas
relações entre Legislativo e Executivo, tanto em sistemas parlamentaristas,
quanto presidencialistas. Percebe-se, assim, que, na maior parte dos casos,
o governo e as maiorias parlamentares são a expressão de um mesmo
partido ou coalizão de partidos. Logo, destaca-se a ausência de verdadeira
autonomia do Legislativo diante do poder Executivo, pois grande parte das
leis aprovadas é de iniciativa do governo. Enquanto isso, este dispõe de
um grande poder regulamentar e de planejamento, tanto autorizado pela
Constituição, quanto atribuído pela legislação ordinária.
Diante dessa realidade, pode-se admitir uma atuação mais presente
do poder Judiciário no controle de políticas públicas que realizam direitos
fundamentais sociais, nas atuações do poder Executivo que se desviam das
prioridades, deixando de assegurar direitos básicos à saúde, à subsistência
e à educação, entre outros. Estas ações serão passíveis de controle mais
rígido do magistrado.
No campo procedimental, observa-se que a atuação do juiz, aqui,
não interfere no poder Executivo, apenas promove uma correção de
rumos, mediante critérios objetivos de distinção das diversas situações de
prioridade para a população, a serem aferidas mediante provas periciais,
para que os recursos, efetivamente, atendam ao interesse maior, que é a
razão da existência do Estado, aplicando-se, ao caso, a posição do Ministro
Luiz Fux, o qual, ao relatar, em julgamento do Supremo Tribunal Federal,
afirmou que diante de determinadas circunstâncias, está afastada a
alegação de “ingerência entre os poderes,” uma vez que o Judiciário, sob a
justificação de malferimento da lei, pode determinar a realização de tarefas
que resgatem a efetivação prática das promessas constitucionais.
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