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Ensaio
Consta que Silvino Santos, o comerciário e fotógrafo amador português, que no início do séc.
20 se aventurou por Belém e Manaus, terá sido o pioneiro do Cinema da Amazônia e do
Brasil, crédito que lhe confere também meu ex-vizinho de escritório no Rio Comprido, Márcio
Souza, para o documentário rodado por Silvino em 1912 sobre o Rio Putumayo, no Peru.
Mas a informação não procede: o primeiro cinematógrafo arrastado pela jungla amazônica foi
o do etnólogo e lingüista Theodor Koch-Grünberg e o primeiro filme ali rodado foi “Taulipang”,
em 1911. Logo depois vem Edgard Roquette Pinto, com seus registros etnográficos
realizados em 1912 para o Museu Nacional, durante a expedição amazônica da Comissão
Rondon. Com uma agravante para Silvino Santos. Por mais que quisesse, ficou devendo à
história o ônus da prova: em 1914 eclode a 1ª. Guerra Mundial, o navio que transporta seus
negativos, que deverão ser copiados num laboratório dos Estados Unidos, é colocado a
pique, e o filme submerge... O segundo filme do português também se perdeu. Em 1918 os
comerciantes Manoel Gonçalves e Avelino Cardoso encomendam a Silvino um documentário
com o título “Amazonas, o Maior Rio do Mundo”, para comemorar a inauguração da primeira
produtora da hiléia, a Amazônia Cine Film. Com o pretexto de copiar o filme em Londres,
Propércio Saraiva, noivo da filha de Cardozo, desaparece com os originais, deixando Silvino
a ver navios nas barrancas do Rio Negro... Este é da tragédia somente o antelóquio, a
história da “cinemateca submergida” apenas começa a ser escrita.
A conquista do inútil
“O louco e o possesso”
“Fáustico desbravador de fronteiras” soa algo patética, mas é uma das adjetivações da crítica
alemã que cai como uma luva no personagem Herzog. Suas exigências sempre beiraram a
fronteiras do suportável e se refletem em toda sua obra, d´“O enigma de Kaspar Hauser” por
“Aguirre” (subtítulo : “a ira de Deus”) a seus documentários sobre a escalada do Torre
Catedral na Patagônia ou do inferno nos campos de petróleo, durante a 1ª. Guerra do Golfo;
todos de uma beleza estóica e comovente. Que Herzog faz sucesso domo encenador de
óperas, principalmente do “fáustico” Wagner, não surpreende, apenas ironiza a obsessão do
diretor por rasantes no olho do furacão. Quem os pilota são anti-heróis de causas perdidas,
no máximo de “conquistas inúteis”. Fitzcarraldo é o Aguirre reembarcado: este é o espanhol
delirante à caça do “Eldorado” e aquele, o seringalista obcecado em construir a Ópera de
Manaus, sua releitura e farsa. O que os define e une é sua obsessão.
O agente Wickham
Mas há um outro, talvez o principal motivo para o resgate de Fitzcarraldo, cujo realismo é
escamoteada pela aura do filme cult. A História por trás da estória - nunca referida, nem
pelo making of “Burden Of Dreams“ (Perseguir o sonho) de Les Blank, muito menos por
Herzog - é a brutalidade da “febre da borracha” na selva amazônica no final do séc. 19.
“Descoberta” por monsieur Charles Marie de la Condamine durante sua expedição de 1736
ao Equador, mas conhecida há séculos como cahuchu ou caoutchouc por quase todas as
tribos indígenas da Amazônia ou como pau de xiringa pelos conquistadores
portugueses, a hevea brasiliensis e o látex dela extraído (substância perecível e pegajosa,
devido à ação da temperatura) são redescobertos como produto de utilidade industrial com a
invenção da técnica de vulcanização pelo britânico Charles Goodyear em 1842; época em
que a vila de Barra do Rio Negro fundada pelos portugueses, se reinventa como a cintilante
Manaus da febre do “ouro branco”. O certo é que o ocaso do ciclo da borracha já se escrevia
desde 1876, como crônica de um desastre anunciado. Seu autor: Henry Wickham,
aventureiro fracassado do British Empire, boçal e imperialista convicto. Este desembarca em
Santarém e mediante a arregimentação de indígenas ingênuos, consegue coletar 70 mil
sementes de seringueira, que são escondidas em 819 cestos com castanhas do Pará e
contrabandeadas pelo capitão Murray a bordo do cargueiro Amazonas para Liverpool, e de lá
para o Jardim Botânico de Kew, na Inglaterra. Wickham fez seu primeiro pé-de-meia
recebendo 10 libras esterlinas por cada lote de 1.000 sementes viáveis. Essa operação de
contrabando e imperialismo biológico mudaria o curso da História Mundial na véspera da 1ª.
Guerra mundial, quando as primeiras sementes da seringueira germinavam em solo da
Malásia e da Índia, quebrando os barões da Amazônia.
Mas aqueles cartazes que anunciam a apresentação do tenor Caruso no Teatro Amazonas,
inaugurado em 1896, são uma tremenda cascata (e obsessão) de Werner Herzog. Ironia da
história: com medo do cólera, Caruso ficou em Belém e Manaus ficou a ver navios; os que
vinham da Amazônia Profunda, onde a História de fato começa a ser escrita em 1888, por
um tal de Isaías Fermín Fitzcarrald – cenário ao qual convergem, unidos por desencontros,
acasos e obsessões, personagens tão dessemelhantes como o fotógrafo alemão Georg
Hübner, seu amigo e antropólogo, também alemão, Theodor Koch-Grünberg, o cônsul
britânico em Santos, Roger Casement, e Silvino Santos. Em 1888 Hübner e seu conterrâneo
Charles Kröhle vão tentar a sorte na Amazônia peruana. Sua motivação é comercial,
mergulham na floresta com a expectativa de reconhecimento. Seu projeto é a construção de
um acervo fotográfico inédito de “regiões em parte desconhecidas e de tribos selvagens para
além dos Andes” (Hübner), capaz de torná-los fotógrafos imprescindíveis para acompanhar
os naturalistas em suas expedições na floresta. Em 1895 Hübner se estabelece em Manaus,
dando início ao mercado da fotografia paisagística e etnográfica da Amazônia e à sua sólida
amizade de mais de vinte anos com Koch-Grünberg.
O "paraíso do diabo"
Obsessões movem montanhas. E Isaías Fermín Fitzcarrald tinha a sua: descobrir uma
passagem entre dois rios da Amazônia Peruana, que viabilizassem o acesso ao Rio Acre-
Purus, e através dele, a navegabilidade até Manaus, com o escoamento da vasta produção
de látex para os mercados europeus. Nascido em 1862 como filho primogênito do marinheiro
e imigrante irlandês, William Fitzgerald, Carlos Fermín irrompe em cena em 1888 no assim
chamado “oriente peruano”, depois de ser condenado à morte como espião chileno durante a
Guerra do Pacífico, escapar do fuzilamento por um fio, perder o amado pai e - sentindo-se
impotente para desfazer o estigma que o humilhava – desaparecer nas profundezas da
floresta amazônica; sem pistas, por isso dado por morto, por familiares e amigos. Na floresta
começou a circular um causo. Dizia de um “índio branco” nas cabeceiras do Ucayali, que se
apresentava aos índios Campas como “filho do Sol”: “Hablaba la lengua de los campas y les
dijo que el ´Padre Sol´ lo haba enviado con un mensaje, para que las tribus errantes viviesen
como hombres civilizados, formando pueblos con su iglesia respectiva”, conta seu biógrafo
Ernesto Reyna.
Durante dez anos o filho de irlandês vive entre os índios, explora seu território, aprende a
técnica do sangramento da shiringa e a confecção do látex e, como autoproclamada
reencarnação do Inca Juan Santos Atahuallpa, ganha-os como súditos, pregando os
evangelhos cristãos – incansável gesto de gratidão ao Padre Carlos (“Padre Sol”), que o
reconhecera na prisão, salvara-o do fuzilamento e que, agora, abençoava o método
Fitzcarraldo de submissão dos Campas mediante a chantagem: “ou obedeciam cegamente,
ou secariam os rios e desapareceria a caça” (sic!). Em torno de 1890 Fitzcarraldo se instala
festivamente em Iquitos como todo-poderoso senhor das matas de Madre de Dios,
cujos seringais nativos se estendiam aos rios Manu, Tahuamanu, Las Piedras e Los
Amigos, e tem a seus pés mais de 2 mil peões indígenas, fiéis escudeiros de sua obsessão:
a saída para Manaus.
O varadero ou istmo de Fitzcarrald
A metáfora da história
A imitação da façanha tardou 87 anos, a repetição da história buscava um novo ator. E é
possível que tudo tenha começado certa noite em Karnac (Bretanha), conta Herzog com
ensaiada imprecisão. Ele buscava uma cenário para “O enigma de Kaspar Hauser” e na
paisagem deparou-se com menires e dolmens gigantescos. Imaginou, então, um “propósito
demencial”: transportar aquelas pedras enormes e pesadíssimas, cada uma com 150
toneladas de peso e uma altura de 12 metros – “uma tarefa possível”, afinal, seus escultores
o tinham feito séculos atrás, dispondo de meios parecidos: alguns milhares de operários e
alguns troncos de madeira. E foi assim que a idéia de um barco atravessando uma montanha
no braço, foi se impondo à imaginação, porque subitamente lembrou-se de um “episódio” que
tinha ouvido no Peru, no qual um seringalista tinha conseguido uma façanha semelhante,
desconversa Herzog, que voltaria ao Peru e repetiria a façanha; mais uma vez nos braços
dos índios Campas.
Um barco que escala e um filme que move montanhas: esta é “uma metáfora monstruosa,
animista, deslocadora das leis da natureza [materializada]... antes que a maquinária da
ilusão eletrônica dos Spielbergs e Lucas, mormente conhecida por simulação
computadorizada, fizesse dinosauros caminhar, alcançando resultados confundíveis com o
real! ... Alcançar o impossível na contramão da lei da gravidade: esta foi a (absurda) utopia
do fazedor de filmes Werner Herzog; ser „titânico“ mesmo no fracasso, sua esperança
estética“ (2).
O efeito Koch-Grünberg
Outro barco fora d´água, capotado; canoa comprida, cheia de carga. E outra vez, a peleja
com a lei da gravidade: um grupo de homens a carrega no braço, cachoeira acima. Ao fundo,
uma caudalosa corredeira. É uma foto, sua legenda explica: “Barco virou, Rio Uaupés, Koch-
Grünberg, 1904”. Justaposta à imagem da Contamana de Fitzcarrald, contará uma nova
estória - “montagem de atrações”, diria Vlasevlod Pudovkin. Também esta foto indica certa
obsessão, a do antropólogo Koch-Grünberg, forcejando contra o curso do Rio Negro e a
maré da História nas entranhas de suas florestas. É sua primeira expedição à Amazônia. Da
realizada entre 1898 e 1900, ao Xingu, em companhia de Hermann Meyer, prefere não se
lembrar; quase morreram, de fome e vertigem. Não é o primeiro alemão desvairado a
embrenhar-se nestas paragens. Em 1820 os obcecados Carl Friedrich Phillip Martius e
Johann Baptist Spix xeretaram pelo Negro e o Japurá até as raias da Colômbia. A propósito:
no Südfriedhof, o cemitério da zona sul de Munique, há uma lápide com a efígie de Éolo, o
deus dos ventos glaciais do norte; os que mataram de frio a Isabela e Yuri, os dois curumins
arrancados em 1820 destas matas e levados por Martius para a Baviera –
descabeçada Völkerkunde, “etnologia” aquela!
Este, no entanto, é um pesquisador que chega sem nariz empinado, que não arma sua
barraca na “clareira da academia”, mas que participa criativamente do quotidiano no interior
das malocas. Muito presente e participativo, apesar de extenuado, K.-Grünberg se instala
nas aldeias do Alto Rio Negro. Seu diário (Dois anos entre os indígenas, 1903-1905) registra
intensa comunicação e interação com os “visitados”. Não está preocupado consigo mesmo,
sua atitude da „jovialidade participativa“ contracena radicalmente e rejeita aquela
“observação melancólica”, fatalista, as lamuriantes (narcisistas?) “auto-reflexões” de um Lévi-
Strauss (ah, estes tristes franceses!...). Paciente e respeitoso, somente muitos meses após
sua aceitação, é que o antropólogo inicia seu projeto sonhado: o ateliê da selva,
chamado Anfänge der Kunst im Urwald – “Inícios da Arte na Floresta”... Distribui enormes
quantidades de lápis e papel aos seus anfitriões e incita-os ao desenho. O resultado é
espantoso, sublime: argutos observadores e hábeis desenhistas (escolados nas filigranas da
pintura corporal e do geometrismo de cestaria), centenas de índios recriam seu universo.
Koch-Grünberg exulta, mas os tambores do Putumayo e do Caquetá interrompem a alegria
do alemão e de seus amigos.
Mais ao sul, em território boliviano, entre o Acre e o Mamoré, começa outro império, o do
caudilho Suárez. Beneficiado pela outorga de terras públicas e concessões econômicas,
Suárez se estabelece em Cachuela Esperanza. Entre 1880 y 1886 duplica a exportação da
borracha e eclodem as inevitáveis rivalidades com seu conterrâneo Antonio Vaca Diez e o
peruano Carlos Fermín Fitzcarrald. Estradeiro, ladino, Fitzcarrald negocia acordos e faz
sociedades com ambos os bolivianos: se apossa dos seringais até o rio Manu e empurra seu
mitológico barco Contamana para o lambe-pratos Suárez; senhor do rio Acre até o momento
das invasões brasileiras e a entrada em cena de um mercenário espanhol chamado Galvés.
Apesar da perda do Acre para o Brasil, Suárez continuará ampliando seus negócios. Com a
morte de Fitzcarraldo e Vaca Diez, controlará mais de 60 % da produção da borracha
boliviana e de parte da Madre de Dios peruana. Quando as plantações inglesas das
seringueiras roubadas começaram a germinar no Ceilão e na Malásia, sinalizando o ocaso
da borracha amazônica, Suárez tinha entesourado uma fortuna de aprox. 2,7 milhões de
libras esterlinas e suas propriedades cobriam 4,9 milhões de hectares; algo em torno de 4,4
% do território nacional boliviano. Titular de um cargo de senador, o boliviano sonhara com
um Reich amazônico de longa duração: nas sedes de seus barracões instalou campos de
concentração para jovens e mulheres indígenas, violadas sistematicamente por “clientes
especiais” para a procriação de uma nova “raça seringueira”, escrava. Encarnação virtual de
Himmler e Pol Pot, Suárez encharcou a Amazônia profunda com sangue e obscenidade.
A Missão Casement
Talvez porque a barbárie de Suárez demorasse em reverberar até a distante Iquitos, o editor
Benjamin Saldaña Roca concentrou-se na denúncia das atrocidades cometidas por J.C.
Araña contra “seringueiros colombianos”, leia-se: os índios Huitoto, anfitriões de Koch-
Grünberg. Sua fonte de informação: o reverendo norte-americano Walter Hardenburg,
visitante indignado com o que testemunhara nos barracões de Aranã e por isso tornado
“prisioneiro” pelo seringalista. Alardeado, mas safado, Araña arquiteta uma manobra: em
1907 viaja a Londres e refunda a Casa Araña com o nome “laranja” de Peruvian Amazon
Company, instituindo uma junta diretiva de empresários ingleses. Hardenburg segue-o até a
Grã-Bretanha e entrega seu testemunho (Putumayo, the Devil´s Paradise) ao jornal Truth.
Este faz circular reportagens sobre um “Congo [belga] com donos britânicos” – indigestão e
constrangimento às margens do Tamisa.
Apesar do choque, a Chancelaria inglesa leva quase três anos para designar seu cônsul em
Santos para investigar os fatos; em território colombiano. Seu nome: Roger Casement.
Acompanhado de mais três súditos, durante um ano Casement mergulha no âmago da
caligem e não deixa dúvidas em seu The Blue Book of Putumayo (azuis eram todos os
relatórios confidenciais do Foreign Office): “No início do ano de 1900, a zona de Putumayo
foi palco da morte de aproximadamente 40 mil indígenas. As mortes foram atrozes y cruéis:
banhando seus cabelos em querosene, foram queimados vivos, torturados até encasularem-
se como vermes, estuprados, aplicações de cepos, morte de anciãos, mulheres e crianças.
Estas mortes brutais foram lideradas pelo cauchero de então, Julio C. Araña” (Roger
Casement). Em seu clássico A acumulação do Capital (1919) a legendária deputada e
militante marxista alemã Rosa Luxemburg já dedica um parágrafo indignado ao caso
Putumayo. "Tive a sensação de não ter lido um livro, mas ter estado presente no sítio da
ação", desabafou um Jorge Luis Borges abismado com a sordidez e a truculência narradas
pelo colombiano José Eustacio Rivera em sua novela La vorágine, de 1924, ainda inédita no
Brasil: mulheres e meninas indígenas mantidas como prostitutas em cativeiro, pelourinho,
chibata, afogamentos, velhos, jovens e crianças queimados vivos em fogueiras; 30 mil
assassinatos, 10 mil sobreviventes mutilados... (4)
O cineasta acidental
No auge das denúncias na Grã-Bretanha, uma novidade estrepitosa, capaz de reverter sua
sorte, chega aos ouvidos de J.C. Araña : o cinematógrafo. Atuando como comerciário
fotógrafo ocasional em Belém do Pará, é quando a História, a grande prostituta, escolhe o
distraído português Silvino Santos para conduzir a trama de J.C. Araña: enviado a Paris, sua
missão consiste em aprender a operação do cinematógrafo nas oficinas dos irmãos Pathé e
o desenvolvimento de uma película resistente ao calor tropical, nos laboratórios Lumière.
Retornando ao Brasil, é enviado ao rio Putumayo, próximo à atual fronteira com o Acre, e em
1912 começa a rodar um filme, cuja versão “Paraíso” desmentiria a versão “Diabo” sobre os
seringais de Araña. Tal foi a afeição de J.C. por Silvino, que aquele lhe entregou a mão de
Anna Maria Schermuly, descendente de alemães, sua tutelada.
Destituído de seu filme publicitário, cujos negativos jaziam em algum lugar no fundo do
Atlântico, J.C. Araña enfrenta a Corte britânica em 1913 com uma nova versão
“cinematográfica” para seu genocídio: ”medidas necessárias para enfrentar a agressividade
de índios antropófagos”... A propósito: enquanto Joseph Conrad escrevia “No coração das
trevas”, o cônsul inglês no Congo tinha sido um tal de Roger Casement. Seu relatório sobre
as atrocidades belgas, corroborado pelos relatos do amigo Conrad, custou-lhe a
transferência para o Brasil, difamado como homossexual e “degenerado”. Mas essa é outra,
uma longa estória: Casement era irlandês de cepa rebelde, um dos fundadores do futuro
IRA. Agia na clandestinidade, conseguiu apoio e armas na Alemanha. Foi enforcado
naqueles dias, quando seu arquiinimigo, o canalha J.C. Araña, baixava chasqueando as
escadarias da Supreme Court; solto, porque cidadão não pertencente à jurisdição britânica.
Em 1924 K.-Grünberg retorna ao Brasil para sua última expedição à Amazônia, organizada
pelo geógrafo norte-americano Hamilton Rice. É quando, inusitadamente, se cruzam os
caminhos do antropólogo e de Silvino Santos, escalado como cinegrafista da missão. Seu
objetivo era o levantamento cartográfico e etnográfico das cabeceiras do Rio Branco, entre o
Brasil e a Venezuela, com a busca de canais de ligação com a Bacia do Rio Orenoco –
missão à qual Alexander Von Humboldt já se aferrara 120 anos antes, descobrindo o Canal
de Cassiquiare. Uma feroz epidemia de malária engolfa a Amazônia. Pressionado pela
esposa em Manaus, Rice decide atrasar sua partida para Roraima, onde é esperado durante
muitos dias por K. Grünberg, que morre subitamente na localidade de Vista Alegre, vitimado
pela malária da qual Rice se esconde. O bravo antropólogo é sepultado nas próprias
margens do Branco. E aqui arrebenta o filme e “dá um branco” na tela da história: onde
estava Silvino naquele momento? E Georg Hübner, o “diretor de produção” de K.-Grünberg,
quê fazia? Por que não foi feito nenhum registro do antropólogo em Vista Alegre? O fotógrafo
e o cinegrafista estavam com Rice em Manaus? ...
As coleções etnográficas de K.-Grünberg foram destruídas nos bombardeios de Berlim pelos
norte-americanos e britânicos durante a 2a. guerra mundial. Não foi outra a sorte das fotos
de Hübner (incluída aí a primeira coleção de fotografia botânica da Amazônia), em grande
parte destruídas pelas bombas incendiárias, as famosas blockbusters testadas em Dresden.
Notas