1. Narrador
A paixão por pensar, em consonância com a paixão pela vida
redescoberta através da memória e da imaginação, constituem os traços mais
marcantes da vida e da obra de Mário de Andrade, exemplarmente encontrados
nestes Contos novos.
Escritos a partir de 1924, reescritos ao longo de até dezoito anos de
depuração artística, os Contos dividem-se, do ponto de vista de seu foco narrativo,
em dois tipos: os narrados em primeira pessoa, de caráter memorialistas, e os
narrados em terceira pessoa, nos quais a voz do narrador onisciente confunde-se
com a voz dos personagens.
Em ambos os tipos, há uma aproximação entre narrador e
personagem, tanto pela adesão do adulto aos momentos do passado recriados
através do personagem-narrador, protagonista dos contos em primeira pessoa,
quanto pela adesão do narrador aos protagonistas dos contos em terceira pessoa.
Tal aproximação e/ou adesão do narrados aos personagens é
percebida, nos dois tipos de contos, por um recurso narrativo extremamente
moderno a que chamamos de discurse indireto livre, discurso em que não há as
convenções que distinguem a voz do narrador da voz dos personagens: no discurso
direto, pelos dois pontos e pelo travessão com os quais o narrador deixa os
personagens falarem: no discurso indireto, pelas conjunções integrantes [ que, se] e
pelos verbos declarativos com os quais o narrador incorpora em seu próprio falar a
fala dos personagens.
Os três tipos existem mas predomina o discurso indireto livre nos
contos novos, o que lhes dá uma liberdade sintática que preserva a afetividade e a
expansividade do discurso direto ao mesmo tempo que mantém alguns elementos
típicos do discurso indireto.
2. Enredo
Comentário
O Poço. Joaquim Prestes, fazendeiro rico, dono de três automóveis, de dez chapéus,
criador de mel e inventor da moda dos pesqueiros de beira de rio, é uma
personalidade estranha, obcecada pela idolatria da autoridade. Num dia frio,
chuvoso e escuro, leva uma visita ao pesqueiro de que é proprietário, e onde quatro
operários constroem um poço. Neste contexto, pressiona os homens a prosseguirem
com o trabalho, praticamente impossível pelas condições atmosféricas. Deixa cair a
caneta-tinteiro no poço, uma caneta de our5o, exigindo que os operários a
resgatem. Maltrata-os então de forma cruel e desumana, até o momento em que
um dos operários – José – desafia sua autoridade e impede que o irmão, fraco e
doente – Albino – volte a descer ao poço.
Contrariado mas impotente, o velho cede à firmeza de José, embora
se vingue alguns dias depois, xingando os operários, que reencontraram a caneta,
por ela não escrever. Abre, então, a gaveta da escrivaninha onde há várias
lapiseiras e três canetas-tinteiro, uma de ouro...
Comentário
Em geral, tanto nestes últimos contos comentados quanto nos primeiros, há uma
fixação de momentos, de breves lapsos de vida, que ora revelam a beleza, a
grandeza da suspensão da mediocridade cotidiana [Vestida de preto, O ladrão, O
peru de Natal especialmente], ora revelam o desamparo, a prepotência, que fazem
parte desta mesma mediocridade [Nelson, O poço].
Machado de Assis
1. Enredo
Vivendo no Engenho Novo, um subúrbio da cidade do RJ, quase recluso em sua casa,
construída segundo o molde da que fora a de sua infância, na Rua de Matacavalos,
Bento de Albuquerque Santiago, ,com cerca de 54 anos e conhecido pela alcunha de
Dom Casmurro por seu gosto pelo isolamento , decide escrever sua vida.
Bentinho, que há muito tinha conhecimento das intenções de sua mãe, sofre
violento abalo pois fica sabendo que a reativação da promessa, que parecia
esquecida, devia-se ao fato de José Dias ter informado D. Glória a respeito de seu
incipiente namoro com Capitolina Pádua, que morava na casa ao lado. Capitu, como
era chamada, tinha então catorze anos e era filha de um tal de Pádua, burocrata de
uma repartição do Ministério da Guerra. A proximidade, a convivência e a idade
haviam feito com que os dois adolescentes criassem afeição um pelo outro. D.
Glória, ao saber disto, fica alarmada e decide apressar o cumprimento da promessa.
Os planos de Capitu, informada do assunto, e Bentinho para, com a ajuda de José
Dias, impedir que D. Glória cumprisse a decisão ou, pelo menos, a adiasse,
fracassam. Como último recurso, o próprio Bentinho revela à mãe não ter vocação,
o que também não a faz voltar atrás. Tio Cosme, um viúvo, irmão de D. Glória e
advogado aposentado, que vivia na casa desde que seu cunhado falecera, e a prima
Justina, também viúva, que, há muitos anos, morava com a mãe de Bentinho,
procuram não se envolver no problema. Assim, a última palavra fica com D.Glória,
que, com o apoio do padre Cabral, um amigo de tio Cosme, decide finalmente
cumprir a promessa e o envia ao seminário, prometendo, contudo, que se dentro de
dois anos não revelasse vocação para o sacerdócio estaria livre para seguir outra
carreira. Antes da partida de Bentinho, este e Capitu juram casar-se.
Enquanto isto, Bentinho continuava seus esforços junto a José Dias, que, tendo
fracassado em seu plano de fazê-lo estudar medicina na Europa, sugeria agora que
ambos fossem a Roma pedir ao Papa a revogação da promessa. A solução definitiva,
contudo, partiu de Escobar. Segundo este, D. Glória prometera a Deus dar-lhe um
sacerdote, mas isto não queria dizer que o mesmo deveria ser necessariamente seu
filho. Sugeriu então que ela adotasse algum órfão e lhe custeasse os estudos. D.
Glória consultou o padre Cabral, este foi consultar o bispo e a solução foi
considerada satisfatória.
Livre do problema, Bentinho deixa o seminário com cerca de 17 anos e vai para São
Paulo estudar, tornando-se cinco anos depois, o advogado Bento de Albuquerque
Santiago. Por sua parte, Escobar, que também saíra do seminário, tornara-se um
comerciante bem-sucedido, vindo a casar com Sancha, amiga e colega de escola de
Capitu. Em l865, Bento e Capitu finalmente casam-se, passando a morar no bairro
da Glória. O escritório de advocacia progride e a felicidade do casal seria completa
não fosse a demora em nascer um filho. Isto faz com que ambos sintam inveja de
Escobar e Sancha, que tinham tido uma filha, batizada com o nome de Capitolina.
Depois de alguns anos, nasce Ezequiel, assim chamado para retribuir a gentileza do
casal de amigos, que dera à filha o nome da amiga de Sancha.
Ezequiel revela-se muito cedo uma criança inquieta e curiosa, tornando-se a alegria
dos pais e servindo para estreitar ainda mais as relações de amizade entre os dois
casais. A partir do momento em que Escobar e a Sancha, que moravam em Andaraí,
resolvem fixar residência no Flamengo, a convivência entre as duas famílias torna-
se completa e os pais chegam a falar na possibilidade de Ezequiel e Capitulazinha,
como era chamada a pequena Capitolina, virem a se casar.
Em 1871 Escobar, que gostava de nadar, morre afogado. No enterro, Capitu, que
amparava Sancha, olha tão fixamente e com tal expressão para Escobar morto que
Bento fica abalado e quase não consegue pronunciar o discurso fúnebre. A
perturbação, contudo, desaparece rapidamente. Sancha retira-se em seguida para a
casa dos parentes no Paraná, o escritório de Bento continua a progredir e a união
entre o casal segue crescendo. Até o momento em que, cerca de um ano depois,
advertido pela própria Capitu, Bento começa a perceber as semelhanças de Ezequiel
com Escobar. À medida que o menino cresce, estas semelhanças aumentam a tal
ponto que em Ezequiel parece ressurgir fisicamente o velho companheiro de
seminário.
Num gesto extremo, Bento decide suicidar-se com veneno, colocado numa xícara de
café. Interrompido pela chegada de Ezequiel, altera intempestivamente seu plano e
decide dar o café envenenado ao filho mas, no último instante, recua e em seguida
desabafa, dizendo a Ezequiel que não é seu pai. Nesse momento Capitu entra na
sala e quer saber o que está acontecendo. Bento repete que não é pai de Ezequiel e
Capitu exige que diga por que pensa assim. Apesar de Bento não conseguir expor
claramente suas idéias, Capitu diz saber que a origem de tudo é a casualidade da
semelhança, argumentando em seguida que tudo se deve à vontade de Deus.
Capitu retira-se e vai à missa com o filho. Bento desiste do suicídio.
Durante a discussão fica decidido que a separação seria o melhor caminho. Para
manter as aparências, o casal parte pouco depois rumo à Europa, acompanhado do
filho. Bento retorna a seguir, sozinho. Trocam algumas cartas e Bento viaja outras
vezes à Europa, sempre com o objetivo de manter as aparências, mas nunca mais
chega a encontrar-se com Capitu. Tempos depois morrem D.Glória e José Dias.
Bento retira-se para o Engenho Novo. Ali, certo dia, recebe a visita de Ezequiel de
Albuquerque Santiago, que era então a imagem perfeita de seu velho colega de
seminário. Capitu morrera e fora enterrada na Europa. Ezequiel permanece alguns
meses no RJ e depois parte para uma viagem de estudos científicos no Oriente
Médio, já que era apaixonado da arqueologia. Onze meses depois morre de uma
febre tifóide em Jerusalém e é ali enterrado.
2. Personagens principais
Bentinho/Dom Casmurro
Capitu
Escobar
Sancha
Mais limitada e menos vital que Capitu, Sancha é seu oposto, como fica claro no
fugaz incidente com Bento Santiago, quando ela recusa a dar o passo que levaria
além dos limites impostos à sua condição de mulher casada.
D. Glória
José Dias
Padre Cabral
4. Comentário crítico
Nos últimos anos, esta visão histórica da obra machadiana acentuou-se ainda mais.
Como era natural, além de cair no agrado do grande público leitor, o casal de
protagonistas, Bentinho e Capitu, tornou-se, ao longo do tempo, um dos centros de
atenção das análises feitas pela crítica a respeito de Dom Casmurro, a tal ponto
que, em alguns casos, o romance ficou reduzido a única questão: Capitu traiu ou
não traiu? Sob este ponto de vista, Dom Casmurro passou a ser não a história de
uma traição - afirmação sem dúvida abonada pelo texto - mas a história da dúvida
sobre uma traição, o que, a partir de uma leitura honesta, é uma evidente e
injustificada extrapolação. Para Bento Santiago, o narrador, não há a mínima dúvida
do valor das provas circunstanciais de que dispõe: Ezequiel é filho de Escobar. E o
texto não coloca, em momento algum, em questão o valor destas provas
circunstanciais, nem do ponto de vista objetivo - o valor em si das mesmas - nem de
um ponto de vista subjetivo - a capacidade de discernimento do protagonista. No
texto, Bento Santiago é antes um ingênuo - por perceber tarde demais o problema -
do que um manomaníaco ou um obsessivo. Ele é apresentado, aliás, como um
exemplo perfeito de normalidade, segundo se pode deduzir de sua vida posterior à
morte dos que o rodeavam. Afirmações como 'o texto é uma visão distorcida, pois é
a visão de Bentinho' ou 'a narrativa de Capitu seria diferente' são hipotéticos
absurdos, a não ser que se queira ver Dom Casmurro como uma grande armadilha
montada por este mestre da narrativa que é MA com o objetivo de divertir-se às
custas de seus leitores de todas as épocas.
Seja como for, esta discussão acabou sendo muito justamente relegada a um plano
sem importância e a crítica prefere hoje salientar elementos cuja presença no texto
é inegavelmente sólida. Em primeiro lugar, retomando o velho tema, nunca
abandonado nos estudos sobre Dom Casmurro, do humour machadiano, procura
analisá-lo em outro plano, localizando-o historicamente. Nesta perspectiva, a
mistura de serenidade e desencanto perante a vida - encarnada por Bento Santiago
mais do que por qualquer outro personagem de Machado de Assis - deixa de ser
apenas um genérico olhar de tristeza lançado sobre a condição humana e passa a
símbolo da falta de perspectivas e da decadência de uma elite que, sobre uma
estrutura escravista, montara uma paródia aristocrática nos trópicos dominados
pelo empuxo avassalador do capitalismo industrial anglo-francês. Sereno mas
incapaz de ação, conformado mas pessimista, Bento Santiago carrega em si o fim
de um tempo e, em sua lucidez, vinga-se de todos, a todos sobrevivendo e de todos
fazendo o necrológio.
Gonçalves Dias foi um dos poucos poetas que soube dar um toque
realmente brasileiro na sua poesia romântica, mesmo escrevendo sobre todos os
temas mais caros ao Romantismo europeu, como o amor impossível, a religião, a
tristeza e a melancolia.
O nome de Gonçalves Dias está mais ligado, porém, com a poesia indianista.
Isso se deve ao fato de ninguém ter conseguido criar versos tão líricos, belos e
magníficos quantos os que o poeta maranhense dedicou aos costumes, crenças,
tradições dos índios brasileiros, por ele considerados como verdadeiros
representantes de nossa cultura nacional.
Mais do que uma vigorosa exaltação nacionalista, alguns dos versos que
Gonçalves Dias dedicou aos índios servem e muito para denunciar os três séculos de
destruição que os colonizadores impuseram às suas culturas.
Catar Feijão
Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Mas primeiramente iremos conhecer quem foi este engenhoso poeta, para
somente assim podermos nos inteirar de suas características pessoais.
CARACTERÍSTICAS
GERAÇÃO DE 45
FORMAS REGULARES DE ESTROFAÇÃO E AO VERSO METRIIFCADO
ESTILO
Criou um estilo seco, antilírico, de musicalidade dissonante.
Textos de configuração concreta: EX:
O LÁPIS, O ESQUADRO, O PAPEL:
O DESENHO, O PROJETO, O NÚMERO;
O ENGENHEIRO PENSA O MUNDO JUSTO.
MUNDO QUE NENHUM VÉU ENCOBRE.
(...)
Em toda a sua trajetória poética Manuel Bandeira nos mostra a preocupação com a
constante busca por novas formas de expressão.
Os versos livres de Bandeira sempre foram escritos sem preocupações. Ele não
gostava de modificar nada. Até mesmo, segundo o próprio poeta, o poema "Vou me
embora para Pasárgada" foi escrito dessa forma.
Poemas escolhidos
INGÊNUO ENLEIO
O IMPOSSÍVEL CARINHO
TEMA E VOLTAS
A obra O calor das coisas, de Nélida Piñon, é um livro de contos que tratam de
circunstâncias presentes no cotidiano das pessoas. São treze histórias nas quais é
fácil perceber as mesmas preocupações da autora: a importância da palavra e a
manipulação política da linguagem. Desta vez, porém, há uma grande carga de
humor. De fina ironia e construção complexa para desvendar os mais recônditos
cantões da alma de seus personagens.
Nélida utiliza imagens belas e delicadas para tratar das paixões humanas. Seus
enredos, sempre originais, muitas vezes confundem-se com o discurso. Nélida
alterna poesia e crítica, racionalidade e erotismo em páginas de leitura voraz e
provocadora.
A multiplicidade das histórias deixa ver um certo número de temas recorrentes, que
se espelham entre si e se desenvolvem uns aos outros. Tem-se assim, por exemplo,
o tema fantástico da união (im)possível de espécies diferentes e o da mutação
humana, o do incesto e o da homossexualidade. Em todos os casos tem-se o
homem infrator, ora por sua ação, ora pela inação que, nesses contos, não significa
jamais fraqueza mas escolha e assunção de força. Esse homem infrator exige,
limpa, ordena, organiza, que tais são os verbos recorrentes na gramática nelidiana.
Nas histórias que nesse livro se conta, não há reorganização (construção) do mundo
destruído pelos personagens, pelas circunstâncias, pela narração. Quando ocorre, a
auto-organização do protagonista implica a desvalorização de seu contexto, que só
lhe interessa como cenário, palco de experiências próprias e não partilháveis.
É por isso que não se pode, a rigor, falar da existência de diálogos nesses textos.
Entre os personagens só há monólogos e o preenchimento do silêncio pelo
pastiche do lugar-comum, falas que apontam o vazio de que são feitas.
CONTO ESCOLHIDO:
I love my husband
Eu amo meu marido. De manhã à noite. Mal acordo, ofereço-lhe café. Ele suspira
exausto da noite sempre maldormida e começa a barbear-se. Bato-lhe à porta três
vezes, antes que o café esfrie. Ele grunhe com raiva e eu vocifero com aflição. Não
quero meu esforço confundido com um líquido frio que ele tragará como me traga
duas vezes por semana, especialmente no sábado.
Ele diz que sou exigente, fico em casa lavando a louça, fazendo compras, e por cima
reclamo da vida. Enquanto ele constrói o seu mundo com pequenos tijolos, e ainda
que alguns destes muros venham ao chão, os amigos o cumprimentam pelo esforço
de criar olarias de barro, todas sólidas e visíveis.
A mim também me saúdam por alimentar um homem que sonha com casas-
grandes, senzalas e mocambos, e assim faz o país progredir. E é por isto que sou a
sombra do homem que todos dizem eu amar. Deixo que o sol entre pela casa, para
dourar os objetos comprados com esforço comum. Embora ele não me cumprimente
pelos objetos fluorescentes. Ao contrário, através da certeza do meu amor,
proclama que não faço outra coisa senão consumir o dinheiro que ele arrecada no
verão. Eu peço então que compreenda minha nostalgia por uma terra antigamente
trabalhada pela mulher, ele franze o rosto como se eu lhe estivesse propondo uma
teoria que envergonha a família e a escritura definitiva do nosso apartamento.
O que mais quer, mulher, não lhe basta termos casado em comunhão de bens? E
dizendo que eu era parte do seu futuro, que só ele porém tinha o direito de
construir, percebi que a generosidade do homem habilitava-me a ser apenas dona
de um passado com regras ditadas no convívio comum.
Comecei a ambicionar que maravilha não seria viver apenas no passado, antes que
este tempo pretérito nos tenha sido ditado pelo homem que dizemos amar. Ele
aplaudiu o meu projeto. Dentro de casa, no forno que era o lar, seria fácil alimentar
o passado com ervas e mingau de aveia, para que ele, tranqüilo, gerisse o futuro.
Decididamente, não podia ele preocupar-se com a matriz do meu ventre, que devia
pertencer-lhe de modo a não precisar cheirar o meu sexo para descobrir quem mais,
além dele, ali estivera, batera-lhe à porta, arranhara suas paredes com inscrições e
datas.
Filho meu tem que ser só meu, confessou aos amigos no sábado do mês que
recebíamos. E mulher tem que ser só minha e nem mesmo dela. A idéia de que eu
não podia pertencer-me, tocar no meu sexo para expurgar-lhe os excessos,
provocou-me o primeiro sobressalto na fantasia do passado em que até então
estivera imersa. Então o homem, além de me haver naufragado no passado, quando
se sentia livre para viver a vida a que ele apenas tinha acesso, precisava também
atar minhas mãos, para minhas mãos não sentirem a doçura da própria pele, pois
talvez esta doçura me ditasse em voz baixa que havia outras peles igualmente
doces e privadas, cobertas de pêlo felpudo, e com a ajuda da língua podia lamber-se
o seu sal?
Olhei meus dedos revoltada com as unhas longas pintadas de roxo. Unhas de tigre
que reforçavam a minha identidade, grunhiam quanto à verdade do meu sexo. Alisei
meu corpo, pensei, acaso sou mulher unicamente pelas garras longas e por revesti-
las de ouro, prata, o ímpeto do sangue de um animal abatido no bosque? Ou porque
o homem adorna-me de modo a que quando tire estas tintas de guerreira do rosto
surpreende-se com uma face que lhe é estranha, que ele cobriu de mistério para
não me ter inteira?
Eu lhe disse então, se não quer discutir o amor, que afinal bem pode estar longe
daqui, ou atrás dos móveis para onde às vezes escondo a poeira depois de varrer a
casa, que tal se após tantos anos eu mencionasse o futuro como se fosse uma
sobremesa?
Ele deixou o jornal de lado, insistiu que eu repetisse. Falei na palavra futuro com
cautela, não queria feri-lo, mas já não mais desistia de uma aventura africana
recém-iniciada naquele momento. Seguida por um cortejo untado de suor e
ansiedade, eu abatia os javalis, mergulhava meus caninos nas suas jugulares
aquecidas, enquanto Clark Gable, atraído pelo meu cheiro e do animal em
convulsão, ia pedindo de joelhos o meu amor. Sôfrega pelo esforço, eu sorvia água
do rio, quem sabe em busca da febre que estava em minhas entranhas e eu não
sabia como despertar. A pele ardente, o delírio, e as palavras que manchavam os
meus lábios pela primeira vez, eu ruborizada de prazer e pudor, enquanto o pajé
salvava-me a vida com seu ritual e seus pêlos fartos no peito. Com a saúde nos
dedos, da minha boca parecia sair o sopro da vida e eu deixava então o Clark Gable
amarrado numa árvore, lentamente comido pelas formigas. Imitando a Nayoka, eu
descia o rio que quase me assaltara as forças, evitando as quedas d'água, aos gritos
proclamando liberdade, a mais antiga e miríade das heranças.
O marido, com a palavra futuro a boiar-lhe nos olhos e o jornal caído no chão, pedia-
me, o que significa este repúdio a um ninho de amor, segurança, tranqüilidade,
enfim a nossa maravilhosa paz conjugal? E acha você, marido, que a paz conjugal se
deixa amarrar com os fios tecidos pelo anzol, só porque mencionei esta palavra que
te entristece, tanto que você começa a chorar discreto, porque o teu orgulho não
lhe permite o pranto convulso, este sim, reservado à minha condição de mulher? Ah,
marido, se tal palavra tem a descarga de te cegar, sacrifico-me outra vez para não
vê-lo sofrer. Será que apagando o futuro agora ainda há tempo de salvar-te?
Suas crateras brilhantes sorveram depressa as lágrimas, tragou a fumaça do cigarro
com volúpia e retomou a leitura. Dificilmente se encontraria homem como ele no
nosso edifício de dezoito andares e três portarias. Nas reuniões de condomínio, a
que estive presente, era ele o único a superar os obstáculos e perdoar aos que o
haviam magoado. Recriminei meu egoísmo, ter assim perturbado a noite de quem
merecia recuperar-se para a jornada seguinte.
Para esconder minha vergonha, trouxe-lhe café fresco e bolo de chocolate. Ele
aceitou que eu me redimisse. Falou-me das despesas mensais. Do balanço da firma
ligeiramente descompensado, havia que cuidar dos gastos. Se contasse com a
minha colaboração, dispensaria o sócio em menos de um ano. Senti-me feliz em
participar de um ato que nos faria progredir em doze meses. Sem o meu empenho,
jamais ele teria sonhado tão alto. Encarregava-me eu à distância da sua capacidade
de sonhar. Cada sonho do meu marido era mantido por mim. E, por tal direito, eu
pagava a vida com cheque que não se poderia contabilizar.
Ele não precisava agradecer. De tal modo atingira a perfeição dos sentimentos, que
lhe bastava continuar em minha companhia para querer significar que me amava,
eu era o mais delicado fruto da terra, uma árvore no centro do terreno de nossa
sala, ele subia na árvore, ganhava-lhe os frutos, acariciava a casca, podando seus
excessos.
Durante uma semana bati-lhe à porta do banheiro com apenas um toque matutino.
Disposta a fazer-lhe novo café, se o primeiro esfriasse, se esquecido ficasse a olhar-
se no espelho com a mesma vaidade que me foi instilada desde a infância, logo que
se confirmou no nascimento tratar-se de mais uma mulher. Ser mulher é perder-se
no tempo, foi a regra de minha mãe. Queria dizer, quem mais vence o tempo que a
condição feminina? O pai a aplaudia completando, o tempo não é o envelhecimento
da mulher, mas sim o seu mistério jamais revelado ao mundo.
Já viu, filha, que coisa mais bonita, uma vida nunca revelada, que ninguém colheu
senão o marido, o pai dos seus filhos? Os ensinamentos paternos sempre foram
graves, ele dava brilho de prata à palavra envelhecimento. Vinha-me a certeza de
que ao não se cumprir a história da mulher, não lhe sendo permitida a sua própria
biografia, era-lhe assegurada em troca a juventude.
Só envelhece quem vive, disse o pai no dia do meu casamento. E porque viverás a
vida do teu marido, nós te garantimos, através deste ato, que serás jovem para
sempre. Eu não sabia como contornar o júbilo que me envolvia com o peso de um
escudo, e ir ao seu coração, surpreender-lhe a limpidez. Ou agradecer-lhe um
estado que eu não ambicionara antes, por distração talvez. E todo este troféu logo
na noite em que ia converter-me em mulher. Pois até então sussurravam-me que eu
era uma bela expectativa. Diferente do irmão que já na pia batismal cravaram-lhe o
glorioso estigma de homem, antes de ter dormido com mulher.
Sempre me disseram que a alma da mulher surgia unicamente no leito, ungido seu
sexo pelo homem. Antes dele a mãe insinuou que o nosso sexo mais parecia uma
ostra nutrida de água salgada, e por isso vago e escorregadio, longe da realidade
cativa da terra. A mãe gostava de poesia, suas imagens sempre frescas e quentes.
Meu coração ardia na noite do casamento. Eu ansiava pelo corpo novo que me
haviam prometido, abandonar a casca que me revestira no cotidiano acomodado. As
mãos do marido me modelariam até os meus últimos dias e como agradecer-lhe tal
generosidade? Por isso talvez sejamos tão felizes como podem ser duas criaturas
em que uma delas é a única a transportar para o lar alimento, esperança, a fé, a
história de uma família.
Ele é único a trazer-me a vida, ainda que às vezes eu a viva com uma semana de
atraso. O que não faz diferença. Levo até vantagens, porque ele sempre a trouxe
traduzida. Não preciso interpretar os fatos, incorrer em erros, apelar para as
palavras inquietantes que terminam por amordaçar a liberdade. As palavras do
homem são aquelas de que deverei precisar ao longo da vida. Não tenho que
assimilar um vocabulário incompatível com o meu destino, capaz de arruinar meu
casamento.
Assim fui aprendendo que a minha consciência que está a serviço da minha
felicidade ao mesmo tempo está a serviço do meu marido. É seu encargo podar
meus excessos, a natureza dotou-me com o desejo de naufragar às vezes, ir ao
fundo do mar em busca das esponjas. E para que me serviriam elas senão para
absorver meus sonhos, multiplicá-los no silêncio borbulhante dos seus labirintos
cheios de água do mar? Quero um sonho que se alcance com a luva forte e que se
transforme algumas vezes numa torta de chocolate, para ele comer com os olhos
brilhantes, e sorriremos juntos.
Ah, quando me sinto guerreira, prestes a tomar das armas e ganhar um rosto que
não é o meu, mergulho numa exaltação dourada, caminho pelas ruas sem endereço,
como se a partir de mim, e através do meu esforço, eu devesse conquistar outra
pátria, nova língua, um corpo que sugasse a vida sem medo e pudor. E tudo me
treme dentro, olho os que passam com um apetite de que não me envergonharei
mais tarde. Felizmente, é uma sensação fugaz, logo busco o socorro das calçadas
familiares, nelas a minha vida está estampada. As vitrines, os objetos, os seres
amigos, tudo enfim orgulho da minha casa.
Estes meus atos de pássaro são bem indignos, feririam a honra do meu marido.
Contrita, peço-lhe desculpas em pensamento, prometo-lhe esquivar-me de tais
tentações. Ele parece perdoar-me à distância, aplaude minha submissão ao
cotidiano feliz, que nos obriga a prosperar a cada ano. Confesso que esta ânsia me
envergonha, não sei como abrandá-la. Não a menciono senão para mim mesma.
Nem os votos conjugais impedem que em escassos minutos eu naufrague no sonho.
Estes votos que ruborizam o corpo mas não marcaram minha vida de modo a que
eu possa indicar as rugas que me vieram através do seu arrebato.
Nunca mencionei ao marido estes galopes perigosos e breves. Ele não suportaria o
peso dessa confissão. Ou que lhe dissesse que nessas tardes penso em trabalhar
fora, pagar as miudezas com meu próprio dinheiro. Claro que estes desatinos me
colhem justamente pelo tempo que me sobra. Sou uma princesa da casa, ele me
disse algumas vezes e com razão. Nada pois deve afastar-me da felicidade em que
estou para sempre mergulhada.
Não posso reclamar. Todos os dias o marido contraria a versão do espelho. Olho-me
ali e ele exige que eu me enxergue errado. Não sou em verdade as sombras, as
rugas com que me vejo. Como o pai, também ele responde pela minha eterna
juventude. É gentil de sentimentos. Jamais comemorou ruidosamente meu
aniversário, para eu esquecer de contabilizar os anos. Ele pensa que não percebo.
Mas, a verdade é que no fim do dia já não sei quantos anos tenho.
E também evita falar do meu corpo, que se alargou com os anos, já não visto os
modelos de antes. Tenho os vestidos guardados no armário, para serem
discretamente apreciados. Às sete da noite, todos os dias, ele abre a porta sabendo
que do outro lado estou à sua espera. E quando a televisão exibe uns corpos em
floração, mergulha a cara no jornal, no mundo só nós existimos.
Sou grata pelo esforço que faz em amar-me. Empenho-me em agradá-lo, ainda que
sem vontade às vezes, ou me perturbe algum rosto estranho, que não é o dele, de
um desconhecido sim, cuja imagem nunca mais quero rever. Sinto então a boca
seca, seca por um cotidiano que confirma o gosto do pão comido às vésperas, e que
me alimentará amanhã também. Um pão que ele e eu comemos há tantos anos sem
reclamar, ungidos pelo amor, atados pela cerimônia de um casamento que nos
declarou marido e mulher. Ah, sim, eu amo meu marido.
.
O escritor usa uma narrativa agressiva, com forte realismo, para retratar o
submundo do crime e da violência urbana no Rio de Janeiro da década de 70.
Nos contos o autor passa pela Guerra do Paraguai, pelo Amazonas, passando pelo
Rio de Janeiro, sempre focando figuras banais mas, que olhadas com um pouco mais
de atenção, de banais não tem nada.
O Cobrador é um livro de contos bem distintos entre si, mas que têm em comum o
fato de manterem sempre o seu foco no homem sofrido. Sofrido não pela guerra ou
pelas doenças, mas pelo dia a dia, que às vezes exige muito dele próprio, se
alimenta de seu sangue e de sua energia psíquica sem que se dê conta, a não ser
quando entra em colapso. E para representar isso, escolher as palavras certas
dentro do mundo coloquial é uma arte, uma grande arte, que Rubem Fonseca
exerce com maestria.
O COBRADOR
O primeiro conto, que dá nome ao livro, é sobre um homem que sai pelas ruas
cobrando o que lhe devem. O que lhe devem? Dignidade. Quem lhe deve? A
sociedade. Na primeira cena, ele está em um consultório de dentista e se recusa a
pagar a conta. Por que ele pagaria alguma coisa se ninguém lhe pagava a dignidade
que ele merecia? E naquele momento ele declara que não faz mais parte daqueles
que são cobrados, mas dos cobradores. Mesmo que se precise de uma arma para
isso porque esse preço custa muita violência e radicalismo.
PIERRÔ DA CAVERNA
Tudo isso está mesclado com uma história do dia-a-dia, mas, também aí, o literário
penetra soberano. A menininha de doze anos que ele, um cinqüentão, acaba
possuindo, chama-se Sofia como a heroína de Quincas Borba. Em meio do monólogo
aloucado do cinqüentão repontam ecos machadianos. “Após contemplarmos certas
coisas, ou uma determinada coisa, há que mudar de vida”. Parece que ele insiste
em usar, ao lado de formas bem coloquiais, outras que só o acervo de elementos
literários de sua memória poderia sugerir.
Mas, apesar de toda essa liberdade que o escritor assume diante do gravador,
acaba aparecendo a dificuldade de comunicar: “Não sei, estou muito confuso, sinto
que estou escondendo coisas de mim, eu sempre faço isso quando escrevo mas
nunca pensei que o fizesse falando em segredo com esta fria maquineta”. E, ao
mesmo tempo, toda esta dificuldade de comunicação, tão angustiosa, não o impede
de contar de modo excelente uma história construída, com início, meio e fim, entre
os episódios soltos e a literatura de seu monólogo oral.
ENCONTRO NO AMAZONAS
Neste conto o narrador e seu sócio, Carlos Alberto, perseguem uma pessoa durante
anos. "Soubemos que ele havia se deslocado de Corumbá a Belém, via Brasília, de
ônibus", começa o conto. O perseguido vinha do Sul, da fronteira com a Argentina, e
de repente desaparece não se sabe em que direção: talvez rumo a Macapá ou
Manaus, ou quem sabe mais a oeste, para Porto Velho e depois Rio Branco. Nem
sequer as feições do homem (deduz-se que é um homem) são claras para os
perseguidores. "Sonhei com ele", diz o narrador. "Não era a primeira vez. Eu nunca
o tinha visto mas sonhava com ele. Com a descrição que me haviam feito dele." É
sempre assim. Nunca se sabe quando se pisa em terreno seguro, nunca se sabe por
que acontece o que está acontecendo, nem para quê.
A arte dos contos de Fonseca é retesar a corda das palavras para que expressem o
vazio do mundo, a antipatia dos indivíduos pela espécie: neles se mata e se destrói
por inércia, se trepa por inércia. O amor pode destruir tudo.
CAMINHO DE ASSUNÇÃO
O conto "Caminho de Assunção" parece retomar, como parte de um sistema literário
pessoal, certos procedimentos caros a Isaac Bábel (a frase curta e fustigante; os
pormenores de cor e de cheiro que se destacam; a guerra em seu horror, dada
incisivamente em primeiros planos eisensteinianos, pode-se dizer - uma sucessão de
metonímias que se gravam na memória; tudo isso numa verdadeira “montagem” de
episódio, em quatro páginas escassas, mas altamente significativas) teríamos assim
histórias da Guerra Russo-Polonesa de 1920 repercutindo numa narrativa sobre a
Guerra do Paraguai!
LIVRO DE OCORRÊNCIAS
Fazendo jus a seu título, "Livro de ocorrências" conta, em detalhes, três ocorrências
policiais.
Neste conto de Rubem Fonseca, o narrador brinca com o diálogo e se angustia com
um estupro amoroso.
Zeca odeia sua ex-namorada e a família dela. Quando ele os vê numa festa em sua
antiga casa, adquirida pela família da moça depois da pressuposta ruína econômica
da família do rapaz, ele executa um plano de vingança contra a moça.
O JOGO MORTO
H. M. S. CORMORANT EM PARANAGUÁ
ONZE DE MAIO
Narrado em primeira pessoa, este conto está fortemente ligados com a realidade
social da época.
José, vítima do sistema: "Aquele ser velho me foi imposto por uma sociedade
corrupta e feroz, por um sistema iníquo que força milhões de seres humanos a uma
vida parasitária, marginal e miserável" (FONSECA, 1997, p. 134), percebe que seus
pensamentos não podem ser vigiados e que continua sendo o mesmo homem
inteligente e astuto que sempre fora. Une-se, então, aos seus companheiros,
Pharoux e Cortines, para realizar um motim em busca da liberdade. A luta passa a
ser não só intelectual mas também física, pois invadem a casa do diretor do asilo e
tomam o poder pela força: "A idéia me agrada. A história ensina que todos os
direitos foram conquistados pela força. A fraqueza gera opressão" (FONSECA, 1997,
p. 135); ou seja, a afirmação é de que os oprimidos devem fortalecer-se e usar a
força contra os opressores. Para o narrador, a única forma de ganhar o complexo
jogo da sobrevivência.
Neste conto, a perda da liberdade individual está em cada idoso internado, pois são
vigiados diuturnamente pelos funcionários. Não parecendo um cerceamento da
liberdade, mas sim um excesso de cuidados. O narrador, todavia, revela que não
está sendo bem cuidado, ao contrário, a alimentação é péssima, não tem
atendimento médico, não tem boas condições de higiene, os internos não podem
conversar entre si e devem apenas assistir televisão e dormir. Esses acontecimentos
levam o homem a um sentimento de desencanto da vida e a uma sensação de vazio
existencial que José busca suprir com a tentativa de incitar uma revolução, uma luta
para que o ser humano venha a ter um pouco mais de dignidade ou, pelo menos,
seja respeitado em sua diferença.
Esse "eu" de estrutura violenta está em José, narrador de “Onze de Maio”, que o
possui com força permanente no ser. Ele se sente humilhado e excluído da vida
social por ser velho, mas consegue transpor obstáculos aparentemente
intransponíveis para um homem de sua idade. O narrador justifica sua violência,
pela sofrida diante da sociedade que o excluiu e pelo tratamento recebido do diretor
e funcionários do asilo, que supostamente, estariam tentando matá-lo.
Os Irmãos [...] também têm televisão no quarto e assistem a outros programas que
não são transmitidos para nós. Sei, por perguntas que faço inocentemente, que eles
também dormem em frente ao vídeo. Televisão é muito interessante, descontando
o sono e o esquecimento.(FONSECA, 1997, p. 126)
Este conto, bem como o conto "O Cobrador", levanta várias questões sobre a
sociedade pós-moderna, mas neste trabalho o objetivo foi buscar um entendimento
da crise existencial vivida pelas personagens e o porquê de suas ações violentas.
Análise
Senhora foi publicado em 1875. O romance pode ser considerado uma das obras-
primas de seu autor e uma das principais da literatura brasileira. Uma vez que trata
do tema do casamento burguês, ou seja, baseado no interesse financeiro, pode ser
considerada precursora do Realismo ou pré-realista.
A personagem Aurélia Camargo é idealizada como uma rainha, como uma heroína
romântica, pelo narrador. De "régia fronte, coroada de diadema de cabelos
castanhos, de formosas espáduas", essa personagem, no entanto, é ao mesmo
tempo "fada encantada" e "ninfa das chamas, lasciva salamandra". Ao estereótipo
da "mulher-anjo" romântica, o narrador acrescenta, assim, um elemento demoníaco,
elemento que, em vez de explicitar, deixa sugerido, "sob as pregas do roupão de
cambraia que a luz do sol não ilumina", e também "sob a voz bramida, o gesto
sublime, escondendo o frêmito que lembrava silvo de serpente" ou quando "o braço
mimoso e torneado faz um movimento hirto para vibrar o supremo desprezo". Tal
maneira de caracterizar a personagem - pelos elementos exteriores - é típica do
narrador observador. Tal caracterização, por sua vez, humaniza a personagem,
afastando-a do maniqueísmo romântico e acrescentando-lhe traços realistas.
Estrutura da obra
Enredo
No final, Fernando, um ano após o casamento, negocia com Aurélia o seu resgate.
Devolve-lhe os vinte contos de réis, que correspondiam ao adiantamento do
montante total do dote com o qual possibilitava o casamento da irmã, e mais o
cheque que Aurélia lhe dera, de oitenta contos de réis, na noite de núpcias.
Espaço
Personagens
3. Dona Emília: Viúva, mãe de Aurélia. Mulher honesta e séria, que amargou
imenso sofrimento por causa de seu amor por Pedro Camargo.
4. Pedro Camargo: Pai de Aurélia, filho natural de um rico fazendeiro do interior
de São Paulo, de quem nutria grande medo. Morre à mingua por não conseguir
confessar seu casamento contra a vontade do pai.
5. Lourenço Camargo: Avô de Aurélia. Pai de Pedro. Homem duro e rústico, mas
que procura ser justo depois que descobre a existência do casamento do filho.
7. Lemos: Tio de Aurélia. “Velho de pequena estatura, não muito gordo, mas rolho
e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo tinha certa
vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava petulância de rapaz, e casava
perfeitamente com seus olhinhos de azougue.” Foi escolhido por Aurélia como tutor
porque a moça podia dominá-lo facilmente.Estilo de época e individual
Questões
1. (PUC-SP) A questão central, proposta no romance Senhora, de José de Alencar, é a do
casamento. Considerando a obra como um todo, indique a alternativa que não condiz com o
enredo do romance:
Considerando este trecho no contexto da obra a que pertence, é correto afirmar que, nele, a
personagem Fernando Seixas:
a) rejeita os objetos que o cercam, porque deseja conquistar posição elevada em ambientes
b) dá-se conta de que aqueles objetos, que tanto valorizara, nesse momento eram
a comprovação dos erros que praticara.
c) experimenta o fascínio por objetos luxuosos que não são seus e decide lutar para
conseguir possuí-los.
d) sente renascer nele a revolta por não dispor de meios econômicos para possuir objetos
luxuosos.
e) relembra infantilmente sua existência anterior, quando podia usufruir do luxo que agora
perdia, e lamenta sua situação atual.
3. (ITA) O romance Senhora (1875) é uma das obras mais representativas da ficção de José
de Alencar. Nesse livro, encontramos a formulação do ideal do amor romântico: o amor
verdadeiro e absoluto, quando pode se realizar, leva ao casamento feliz e indissolúvel. Isso
se confirma, nessa obra, pelo fato de:
Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam
unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o
mesmo estalão.
Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos pretendentes, dando-
lhes certo valor monetário. Em linguagem financeira, Aurélia contava os seus adoradores
pelo preço que razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial.
O romance Senhora, ilustrado pelo trecho:
Análise da obra
O romance anuncia no título o seu desfecho pouco alegre, apesar do enredo em que
os efeitos cômicos estão aliados ao entusiasmo ingênuo do personagem central e ao
seu inconformismo e obsessões. Quaresma é um tipo rico em manifestações
inusitadas: seus requerimentos pedindo o tupi-guarani como língua oficial, seu jeito
de receber chorando as visitas, suas pesquisas folclóricas; tudo procurando
despertar o riso no leitor que, no final, presencia sua morte solitária e triste: “Com
tal gente era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente num ilhéu qualquer,
mas levando para o túmulo inteiramente intacto o seu orgulho, a sua doçura, a sua
personalidade moral, sem a mácula de um empenho, que diminuísse a injustiça de
sua morte, que de algum modo fizesse crer aos algozes que eles tinham direito de
matá-lo”.
Outro personagem que merece especial atenção é Ricardo Coração dos Outros, o
seresteiro do subúrbio, que enriquece a narrativa em que se mostra a paixão pela
cidade, os bairros distantes, as serenatas e os violões compondo um cenário
pitoresco do Rio de Janeiro da época.
Estrutura da obra
Duas são suas grandes ações. A primeira está em estudar o folclore do Brasil para
incrementar uma festa de seu vizinho, General Albernaz com algum folguedo
popular. Descobre então o Tangolomango, brincadeira que consistia na dança com
dez crianças, até que um sujeito, com uma máscara, deveria pegar uma a uma
sucessivamente. O problema é que Quaresma empolgou-se tanto com a brincadeira
que terminou passando mal, por falta de ar, ou, como se dizia na época, acabou
tendo um “tangolomango”. Por aí já se tem uma idéia da ironia do autor.
Enfim, a revolta é sufocada. Quaresma é transferido para a Ilha das Cobras, onde
trabalhará como carcereiro. É então que presencia uma cena que lhe é chocante.
Um juiz aparece por lá e distribui (esse termo é o mais adequado mesmo) as
condenações aleatoriamente, sem julgamento ou qualquer outro tipo de análise.
Indignado, pois acreditava que sua pátria, para ser perfeita, tem de estar
sustentada em fortes ideais de justiça, escreve uma carta para o presidente,
pedindo a reparação de tal erro.
Infelizmente, o herói não foi interpretado adequadamente, o que revela uma certa
miopia dos governantes. Por causa de tal pedido, é preso e condenado à morte, pois
foi visto como uma traição. Há nesse ponto uma ironia, pois justo o único
personagem que se preocupou com o seu país foi considerado traidor, enquanto
outros, que se aproveitaram no conflito para conseguir vantagens políticas, como
Armando Borges, Genelício e Bustamante, saíram-se vitoriosos.
No final, tal qual Dom Quixote, Quaresma acorda, recobra a razão. Percebe que a
pátria, por que sempre lutara, era uma ilusão, nunca existira. Num momento
pungente, tocante, descobre que passara toda a sua vida numa inutilidade.
O narrador é solidário com sua personagem pois não deixa de criticar os que
zombam de Quaresma. No livro, encontramos ora um Quaresma, entusiasmado,
apaixonado pelo Brasil, ora um Quaresma desiludido, amargo, diante da ingratidão
do país para com seus bons objetivos. Nesse ponto, o que vemos é um personagem
condenado à solidão, já que seus ideais batem de frente com os interesses políticos
e com o capital estrangeiro.
Enredo
Depois de algum tempo, o projeto agrícola de Quaresma cai por terra, derrotado por
três inimigos terríveis. Primeiro, o clientelismo hipócrita dos políticos. Como
Policarpo não quis compactuar com uma fraude da política local, passa a ser
multado indevidamente.O segundo, foi a deficiente estrutura agrária brasileira que
lhe impede de vender uma boa safra, sem tomar prejuízo. O terceiro, foi a
voracidade dos imbatíveis exércitos de saúvas, que, ferozmente, devoravam sua
lavoura e reservas de milho e feijão. Desanimado, estende sua dor à pobre
população rural, lamentando o abandono de terras improdutivas e a falta de
solidariedade do governo, protetor dos grandes latifundiários do café. Para ele, era
necessária uma nova administração.