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Revista Teológica DOXIA 51

ISSN 2526-2300

ECLESIOLOGIA EM BONHOEFFER
Uma analise reflexiva, histórica e teológica sobre as perspectivas
eclesiológicas de Dietrich Bonhoeffer em Sanctorium Commnuio e
no Discipulado

ECLCESIOLOGY IN BONHOEFFER
A reflective, historical and theological analysis on the ecclesiological perspectives of
Dietrich Bonhoeffer in Sanctorium Commnium and in Discipleship

Jorge Maurício de Souza Rocha*

RESUMO
A Igreja brasileira tem enfrentado atualmente uma verdadeira crise existencial,
visivelmente fragmentada, teologicamente rasa, desnutrida espiritualmente, por
banalizar a fé, tem silenciado sua voz profética, e seu posicionamento diante dos
reais dilemas da nossa sociedade tem sido irrelevante. O presente artigo propõe
uma análise reflexiva sobre a Eclesiologia, sobretudo, a luz das perspectivas
eclesiológicas de Dietrich Bonhoeffer, que tanto por meio sua respeitada produção
acadêmica, quanto pela profundidade de sua impressionante biografia, tem muito
a dizer quanto ao verdadeiro proposito da Igreja, diante de Deus, da comunidade
local, e da sociedade como um todo.
PALAVRAS-CHAVES
Cristianismo. Bonhoeffer. Eclesiologia. Cristologia
ABSTRACT
The Brazilian Church has faced a veritable existential crisis, visibly fragmented,
theologically shallow, spiritually undernourished, by banalizing faith, has silenced
its prophetic voice, and its positioning in the face of the real dilemmas of our
society has been irrelevant. The present article proposes a reflexive analysis on
Ecclesiology, especially in the light of the ecclesiological perspectives of Dietrich
Bonhoeffer, who through both his respected academic production and the depth of
his impressive biography has much to say about the true purpose of the Church,
before God, the local community, and society as a whole.
KEYWORDS
Christianity. Bonhoeffer. Ecclesiology. Christology.

INTRODUÇÃO
Poucos pensadores produziram teologia com tão ampla interação entre a
vida prática e a reflexão como Dietrich Bonhoeffer, teólogo alemão, pastor
luterano que foi executado pelo regime Nazista no fim da 2ª guerra mundial. Suas
reflexões sobre a Igreja de Cristo ocuparam de forma intensa e fascinante, a maior
*
Graduado em Teologia pela Escola de Ensino Superior Fabra

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parte de sua produção teológica. Nesse artigo discorreremos sobre a Eclesiologia


(subdivisão da teologia sistemática, que trata da natureza, função e missão da
igreja), e sobre as reflexões eclesiológicas de Bonhoeffer, que seja por seu
engajamento pessoal, ou por sua brilhante capacidade acadêmico, tem muito a
dizer a Igreja contemporânea, que vem enfrentando o desgaste de um tempo onde
imperam o relativismo, o pragmatismo, e a crise dos absolutos oriundos de uma
sociedade pós-moderna, e a forma como ela se apresenta em nossa realidade e
cultura.

Para isso, preliminarmente, observaremos o conceito de eclesiologia, de


forma breve e sucinta, trataremos de forma geral sobre as abordagens a respeito
desse vasto campo da teologia cristã que observa o dogma da Igreja, bem como
algumas variantes, contexto histórico e direções. Posteriormente trataremos sobre
os principais aspectos da vida e da obra de Bonhoeffer, passo importante para
compreendermos o contexto em que sua eclesiologia foi elaborada e desenvolvida,
tanto no campo teórico, sobretudo, na vida prática.

Por fim, analisaremos mais especificamente algumas de suas reflexões


eclesiológicas, bem como sua visão do que significa na prática o ser Igreja. Para
tal, nosso foco será três de suas principais obras, das quais Bonhoeffer disserta
sobre a Igreja, iniciando por sua tese de doutorado intitulada ―Sanctorum
Communio, uma investigação dogmática sobre a sociologia da Igreja‖ apresentada
aos seus 21 anos, perante a Faculdade de Teologia da Universidade de Berlim, em
que o mesmo recebeu o conceito máximo, o livro Nachfolge, traduzido para o
português sob o titulo de Discipulado escrito em 1937 e Vida em Comunhão
publicada em 1938. Para Bonhoeffer, a Igreja é Cristo presente fisicamente na
terra, através da pregação da palavra e dos sacramentos, e se manifesta
inicialmente pelo chamado ao seguimento.

1 O QUE É ECLESIOLOGIA?
Inicialmente, é importante mencionar que a Igreja Cristã contemporânea,
assim como em outros períodos de transição na história, vem enfrentando grandes
desafios enquanto um organismo vivo e institucional. Portadora de uma
mensagem atemporal, edificada sobre uma afirmação tão solida, que foi capaz de

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atravessar os séculos, proferida pelo apostolo Pedro, “Simão Pedro respondeu:


"O Senhor é o Cristo, o Filho do Deus vivo!”“.(Mt 16:16) e sobretudo, nas
palavras do próprio Cristo, “e sobre esta pedra, edificarei minha igreja” (Mt
16.18), mas que traz consigo um peso cultural e filosófico de uma instituição que
sobrevive a quase 2000 anos de história, atravessando os períodos mais diversos e
conturbados da humanidade, transformando e sendo transformada, adquirindo
características peculiares quer seja assimilando e absorvendo, ou influenciando e
direcionando a cultura ao seu redor.

Levando em consideração as características dos tempos em que vivemos


hoje, por muitos pensadores contemporâneos, compreendido como a ―pós-
modernidade‖, entendemos que o tema da religião, outrora descartado pelo
pensamento ocidental influenciado pelos pressupostos humanistas seculares,
característicos do pensamento iluminista e racionalista da modernidade, agora,
retornam ao debate acadêmico e popular como destaca o teólogo e pesquisador
Michael W. Goheen;

Uma das contribuições positivas dada pela pós-modernidade à cultura


ocidental tem sido a de levar o tema da religião de volta ao debate
acadêmico sério. Vários pensadores pós-modernistas tem tratado de
temas religiosos em seus escritos. Agora temas como perdão e oração
estão presentes na programação de conferencias acadêmicas
conceituadas, o que teria sido impensável apenas vinte anos atrás.
(GOHEEN, 2016 p.170)
Não obstante, esse mesmo destaque, haja vista, o relativismo e a rejeição
das ―verdades absolutas‖ característicos do pós-modernismo, têm gerado grande
necessidade e urgência de uma teologia verdadeiramente bíblica, que corresponda
de forma positiva e objetiva aos anseios do homem contemporâneo, que em busca
da sua própria ―verdade particular‖, vem se distanciando cada vez mais da fé nas
crenças que formaram as bases da nossa sociedade como a conhecemos hoje,
conforme Goheen evidencia, mesmo a razão não sendo mais o centro, ainda
prevalece o desejo de autonomia e emancipação do pensamento humano;

[...] devemos saudar esses desdobramentos, mas também precisamos


observar que o tipo de ―religião‖ expresso por esses pensadores está
muito longe de qualquer coisa parecida com a crença cristã ortodoxa.
Os pós-modernistas podem ter abandonado a confiança na razão, mas
isso não significa que abandonaram um desejo idólatra de autonomia
humana. Nem reabilitaram a confiança na tradição e no Deus vivo –
pelo contrário. [...] (GOHEEN 2016 p.170)

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Nesse contexto, a compreensão real do que significa ―Ser Igreja‖ é tão


importante para nós, enquanto estudantes da teologia cristã, tanto quanto para
cada cristão, membro de qualquer uma das diversas denominações cristãs, seja
católica, evangélica, tradicional ou carismática, histórica ou emergente. Para isso,
a importância do desenvolvimento de uma eclesiologia bíblica, contextualizada,
consciente, consistente e responsável, construída sobre uma ortodoxia comum,
bem como respaldada por uma ortopraxia, uma prática motivada por uma teologia
verdadeiramente cristã, como aponta o teólogo Alister McGrath;

A eclesiologia é aquela área da teologia que busca fornecer uma


explicação teórica para uma instituição que passou por muita mudança
e evolução ao longo dos séculos e que se estabeleceu em um contexto
social e político também variável. Assim, estudar as diversas
perspectivas cristãs sobre a igreja significa adquirir uma noção sobre a
maneira como as instituições adaptam-se às mudanças com a
finalidade de sobreviver [...] (MCGRATH, 2005 p.543)
Eclesiologia é uma subdivisão da teologia sistemática, e trata da natureza,
função e missão da igreja. A tentativa de definir o ―logos‖ da igreja e propõe que,
a exemplo de outras realidades, a igreja possui uma natureza intrínseca ou mesmo
uma essência que pode ser definida pela investigação sistemática. O termo pode
ser definido como o estudo acerca da doutrina da Igreja.

A expressão Igreja vem da palavra grega ―ekklēsia‖ que por vezes tem sido
traduzido como aqueles que foram ―chamados para fora‖ como indica R.C.Sproul;

Ekklēsia é outra palavra grega traduzida por ―igreja‖. A palavra


ekklēsia é formada do prefixo ek, que significa ―fora de‖ ou
―procedente de‖, e de uma forma do verbo kalēo, que significa
―chamar‖. Portanto, ekklēsia significa ―os chamados para fora‖.
(SPROUL, 2017, p 371)
Entretanto, em um sentido mais profundo, e analisando o contexto de como
essa mesma palavra ―ekklēsia‖ era utilizada nos tempos bíblicos, por exemplo,
como os tradutores da septuaginta (tradução em grego do texto hebreu do Antigo
Testamento, feita para uso da comunidade de judeus do Egito no final do século
III e no II a.C., que teria sido realizada por 72 tradutores), o termo ―assembleia‖
seria mais apropriado, logo a Ekklesia de Deus, seria a assembleia, o ajuntamento
ou a ―comunidade de todos os cristãos de todos os tempos‖ como define o teólogo
Wayne Grudem,

A igreja é a comunidade de todos os cristãos de todos os tempos. Essa


definição compreende que a igreja é feita de todos os verdadeiramente

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salvos. Paulo afirma: ―Cristo amou a igreja e entregou-se a si mesmo


por ela‖ (Ef 5.25). Aqui o termo ―a igreja‖ é usado para referir-se a
todos aqueles pelos quais Cristo morreu para redimir, todos os salvos
pela morte de Cristo. Isso, porém, inclui todos os verdadeiros cristãos
de todos os tempos, tanto os salvos do Novo como os do Antigo
Testamento (GRUDEM, 2012, p.715)
Para Grudem, o conceito da Igreja, ou sua abrangência já se fazia presente,
ainda que de forma primeva, entre o povo Hebreu no Antigo Testamento; e a
tradução da palavra hebraica ―qãhal‖, para o grego ―ekklêsiazõ‖, ―convocar uma
assembleia‖ pelos tradutores da septuaginta já indicavam tal abrangência;

Mas esse processo pelo qual Cristo edifica a igreja é apenas uma
continuação do modelo estabelecido por Deus no Antigo Testamento,
por meio do qual ele chamou a povo para si mesmo para ser uma
assembleia em adoração diante dele. Quando Moisés diz ao povo que
o Senhor havia-lhe dito: ―Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas
palavras, a fim de que aprenda a temer-me todos os dias que na terra
viver...‖ (Dt 4.10), a septuaginta traduz a palavra ―reúne‖ (heb. qãhal)
pelo termo grego ekklêsiazõ, ―convocar uma assembléia‖, verbo
cognato do substantivo do Novo Testamento ekklêsia, ―igreja‖.
Portanto, não é surpreendente que os autores do Novo Testamento
possam falar do povo de Israel do Antigo Testamento como uma
―igreja‖ (ekklêsia) no deserto‖ (At 7.38 - tradução do autor)
(GRUDEM, 2012, p.715).
Contudo, a eclesiologia não foi um dos temas mais explorados pelos
primeiros cristãos, como Alister McGrath nos aponta em sua obra, Teologia
sistemática, histórica e filosófica;

A eclesiologia não foi uma questão de grande importância para a


igreja primitiva. A igreja oriental não demonstrou ter consciência da
importância potencial dessa questão. A maior parte dos escritores
gregos patrísticos dos cinco primeiros séculos contentavam-se em
descrever a igreja pelo uso de imagens reconhecidamente inspiradas
nas Escrituras, sem maiores questionamentos. (MCGRATH, 2005,
p.543)
MacGrath ainda sinaliza que foram as ―controvérsias teológicas‖ que
forçaram as primeiras reflexões teológicas sobre a natureza da Igreja como, por
exemplo, a ―controvérsia donatista‖ que foi a primeira a concentrar-se na questão
da doutrina da igreja, e nas questões a ela relacionadas, como a forma de atuação
dos sacramentos. Os donatistas eram exigentes, e insistiam que a Igreja não devia
perdoar nem receber pecadores, e que os sacramentos, administrados pelos
traditores (cristãos que negaram sua fé durante a perseguição de Diocleciano em
303-305 d.C. e que mais tarde foram perdoados e readmitidos na Igreja) eram
ilegítimos.

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Os donatistas acreditavam que todo o sistema de sacramentos da igreja


católica havia se corrompido. Como os sacramentos poderiam ser
validamente ministrados por pessoas que haviam se corrompido dessa
maneira? Portanto, era necessário substituir os traditores por pessoas
que haviam se mantido firmes na fé, mesmo sob perseguição.
Também era preciso batizar e ordenar novamente todos os que haviam
sido batizados e ordenados pelos traditores. Isso levou à inevitável
formação de uma facção separatista na igreja africana [...]
(MCGRATH, 2005 p.546)
Então quando Agostinho (354 a 430 D.C) se torna Bispo de Hipona,
desenvolve o argumento eclesiológico, com a intenção de contrapor o donatismo,
faz uma distinção entre a ―igreja visível e a igreja invisível.‖ Para Agostinho, a
igreja é um corpo misto, formada de uma combinação de trigo e joio, e, embora
seja chamada para seguir a pureza, Cristo fez advertências contra a disciplina
extremamente zelosa que, ao tentar remover o joio, poderia causar dano ao trigo
(Mt 13:24-30). Essa visão ―agostiniana‖ acerca da Igreja tem influenciado a
eclesiologia de forma geral no decorrer da história. Quanto às diferenças entre a
Igreja visível e a Igreja invisível, McGrath diz:

Em primeiro lugar, Agostinho destacou a natureza pecadora dos


cristãos. A igreja não pretendia ser uma comunidade de santos, mas
um ―corpo misto‖ (cor- puspermixtum) de santos e pecadores. Ele
encontra essa imagem em duas parábolas bíblicas: a parábola da rede
que pega muitos peixes, e a parábola do joio e do trigo. Esta última
parábola (Mt 13.24-31) assume especial importância e precisa ser
discutida [...] Para Agostinho essa parábola refere-se à igreja no
mundo. Ela deve esperar encontrar em seu meio tanto santos quanto
pecadores. Tentar fazer uma separação neste mundo é algo prematuro
e inadequado. Essa separação acontecerá no tempo de Deus, no final
da história [...] Portanto, em que sentido a igreja é santa? Para
Agostinho, a santidade em questão não está relacionada aos membros
da igreja, mas a Cristo. A igreja não pode ser uma congregação de
santos neste mundo, pois seus membros estão contaminados pelo
pecado original. No entanto, a igreja é santificada por Cristo, que a
torna santa — uma santidade que será aperfeiçoada e finalmente
concretizada no juízo final. (MCGRATH, 2005 p.546,547)
Diante de muitas outras controvérsias, e do surgimento de vários
movimentos sectários, os ―pais primitivos‖ da Igreja, como foram chamados,
desenvolveram suas percepções teológicas com ênfase a combater o sectarismo
bem como evitar as cismas que por certo, enfraqueceriam a instituição. A Igreja se
desenvolveu cada vez mais através de uma estrutura Episcopal onde os bispos
eram considerados, e se intitulavam sucessores diretos dos apóstolos, conferindo
aos mesmos um caráter sacerdotal, gerando assim uma ideia de que não poderia
haver salvação fora da Igreja romana, sendo assim, os pressupostos de Agostinho,

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de que a Igreja era o corpo misto de Cristo, bem como a ideia de continuidade e
autoridade apostólica concedida aos bispos, outorgaram a Igreja, a noção de
Catolicidade, única depositaria da Graça divina e a total identificação da Igreja
Romana como única representante do Reino de Deus, como destaca o teólogo
Louis Berkhof;

Agostinho não foi totalmente coerente em sua concepção da igreja.


Foi sua luta com os donatistas que o compeliu a refletir mais
profundamente sobre a natureza da igreja. De um lado, ele se mostra o
predestinacionista que concebe a igreja como a companhia dos eleitos,
a communio sanctorum, que têm o Espírito de Deus, e, portanto, são
caracterizados pelo amor verdadeiro. O importante é ser membro vivo
da igreja assim concebida, e não apenas pertencer a ela num sentido
meramente externo. Mas de outro lado, ele é o homem de igreja, que
adere à idéia da igreja defendida por Cipriano, ao menos em seus
aspectos gerais. A igreja verdadeira é a igreja católica, na qual a
autoridade apostólica tem continuidade mediante a sucessão episcopal.
É depositária da graça divina, que ela distribui por meio dos
sacramentos. Esta igreja é, de fato, um corpo misto, no qual têm lugar
membros bons e maus. Em seu debate com os donatistas, porém,
Agostinho admitia que aqueles e estes não estavam na igreja no
mesmo sentido. Ele preparou também o caminho para a identificação
católica romana da igreja com o reino de Deus. (BERKHOF, 2001,
p.553)
Seguindo as bases dessa tradição, a eclesiologia não sofreu grandes
alterações no decorrer da Idade Média, apenas um desenvolvimento da ideia de
Igreja como a detentora da autoridade do Reino de Deus sobre a terra, nesse
sentido a figura do Papa, recebia cada vez mais autoridade e poder absoluto,
chegando ao ponto do seu poder estar acima de reis e governantes dos Estados
oficialmente Cristãos.

Com a expansão do Cristianismo vieram tempos difíceis, pois quanto mais a


Igreja crescia e avançava, em território e poder, consequentemente ela era
secularizada, porém, como o próprio Bonhoeffer evidencia, algo de puro, ou pelo
menos a tentativa da manutenção da fé fora conduzida graças ao movimento
monástico, que com o aval da Igreja, se desenvolvia a margem da secularização da
Igreja Romana;

Com a expansão do cristianismo e o crescimento da secularização da


Igreja, a consciência da graça preciosa foi se perdendo. O mundo
estava cristianizado, e a graça tornou-se propriedade de um mundo
cristão. Com isso, tornou-se barata. A Igreja Romana, no entanto,
preservou um resto dessa primeira consciência. Foi de fundamental
importância a vida monástica não se ter separado da Igreja e esta ter

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tido a sabedoria de tolerar o monasticismo (BONHOEFFER, 2016,


p.22)
Entretanto esse mesmo movimento, conforme Bonhoeffer contribuiu ainda
mais para a própria secularização da Igreja, pois a separava de sua missão e
presença no mundo, favorecendo assim, características do ―dualismo‖ entre o
sagrado e o profano que a acompanhou ao longo dos séculos;

Mas, porque tolerou esse protesto e impediu a ruptura definitiva, a


Igreja relativizou o barateamento da graça e, na verdade, por meio
dele até mesmo ganhou a legitimação de sua própria vida mundana;
pois, nesse momento, a vida monástica tornava-se comportamento
especial de natureza individual, ao qual a massa popular não poderia
ser submetida.[...] Assim, sempre que se desferiam novos ataques à
secularização da Igreja, podia-se apontar para o caminho da vida
monástica, ainda no seio da Igreja, ao lado da qual se podia
legitimar[...]Desse modo, recorrer à compreensão que a Igreja
primitiva tinha da graça preciosa, ideia que se preservava no
monasticismo da Igreja Romana, por fim serviu, paradoxalmente,
como justificação definitiva para a secularização da
Igreja.(BONHOEFFER, 2016, p.23).
Contudo, parece que o ―cisma‖ da Igreja, que Santo Agostinho tanto temeu
e combateu, com sua eclesiologia da Igreja como um corpo misto, o ―communio
sanctorum‖ indivisível, veio a se configurar, de forma inevitável, séculos depois
através da Reforma Protestante.

O Século XVI foi marcado, aparentemente, assim como no período


patrístico, por diversas controvérsias teológicas, sobretudo, das que abalavam a
―unidade da Igreja‖, entretanto, diferentemente dos ―pais da Igreja‖ essa fora uma
inquietação que a Igreja de então não conseguiu equacionar. As tensões que
questionavam a autoridade exclusiva de Roma, não foram movimentos isolados
no seio da Igreja, e já estava acontecendo, de certa forma, em meio a um
movimento humanista ―renovador‖ do pensamento do clero, contudo, fora através
das decisões e atitudes de um monge alemão chamado Martinho Lutero, um dos
precursores do movimento que transformaria de forma contundente a eclesiologia,
o movimento da Reforma Protestante.

A partir da Reforma, o conceito de Cipriano de Cartágo, do ―Extra


ecclesiam nulla salus” ( do latim, fora da igreja não há salvação) teve que ser
redefinido, sobretudo, por aqueles que institucionalmente se desligavam da Igreja
Católica Romana,

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A Reforma do século XVI também testemunhou uma grande


controvérsia em torno deste tema. Como era possível, perguntavam-se
os críticos da Reforma, que os reformadores rompessem com a igreja
estabelecida de uma forma que fosse legítima e formassem suas
próprias igrejas? Esta atitude não correspondia à violação da unidade
da igreja?[...] Como já vimos, a resposta tradicional dos reformadores
a esta crítica era alegar que a igreja medieval havia tornado-se
corrupta a tal ponto que a Reforma tornara-se inevitável.[...]Se uma
reforma interna não fosse possível, a separação e a formação de uma
igreja reformada, fora da esfera de influência da igreja católica
medieval, seria necessária. (MACGRATH, 2005, p.563)
As diversas denominações, bem como suas mais distintas narrativas,
desencadeadas pelo movimento da Reforma, iniciando pela Igreja que se separa
de Roma sob a visão Luterana, transformam a Eclesiologia em Eclesiologias e
assim, varias interpretações surgem acerca do que significa ―ser Igreja‖, bem
como seus dogmas e sacramentos. Por conseguinte, independentes da autoridade
de Roma, as Igrejas reformadas iniciam um processo que marca definitivamente a
eclesiologia. Posteriormente a Igreja Católica Romana, ainda sob a premissa do
―extra ecclesiam nulla salus”, passa a interpretar as igrejas protestantes como
hereges, pagãos e separados da promessa, ao mesmo tempo em que os
protestantes alegavam que a Igreja Católica havia corrompido a verdade e deixado
o posto de única representante do Reino de Deus como vimos no texto de
MacGrath acima.

Essa postura acompanhou a eclesiologia católica ao longo de todo período


da modernidade, sendo debatida apenas no Concilio do Vaticano II já no século
XX quando as Igrejas protestantes vieram a ser reconhecidas como os ―irmãos
separados‖, como salienta MacGrath;

Uma abordagem imperialista que declara a existência de uma única


igreja empírica - isto é, observável - que mereça ser conhecida e
tratada como a verdadeira igreja. De acordo com esta ótica, todas as
demais são fraudulentas, ou, na melhor das hipóteses, um arremedo de
igreja. Esta era a posição defendida pela Igreja Católica Romana antes
do Concilio Vaticano II (1962-1965), quando a igreja católica
reconheceu as demais igrejas cristãs como irmãos e irmãs ―separados‖
em Cristo. (MACGRATH, 2005, p.563)
Sobre a Eclesiologia Católica Romana, vale ressaltar que essa visão mais
ecumênica da Igreja, fica registrada como uma tentativa de reaproximação dos
protestantes, no documento ―CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN
GENTIUM SOBRE A IGREJA‖, disponível no site do Vaticano, como pode
observar no trecho a seguir:

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A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os baptizados que
têm o nome de cristãos, embora não professem integralmente a fé ou
não guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro (28).
Muitos há, com efeito, que têm e prezam a Sagrada Escritura como
norma de fé e de vida, manifestam sincero zelo religioso, crêem de
coração em Deus Pai onipotente e em Cristo, Filho de Deus Salvador
(29), são marcados pelo Baptismo que os une a Cristo e reconhecem e
recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou
comunidades eclesiásticas. (LUMMEN GENTIUM cap.II, 15)
Apesar de todas as tentativas de unidade da Igreja Cristã, dos movimentos
ecumênicos que até mesmo o próprio Bonhoeffer prefigurou, sonhando com a
união dos Cristãos de todas as raças e povos, através da pessoa de Cristo, (como
veremos no próximo tópico), a Eclesiologia enfrenta questões peculiares de nosso
tempo, e como salientamos no inicio desse tópico, uma das maiores narrativas
concorrentes da Eclesiologia tem sido a questão do pluralismo. De acordo com
Sproul (2014, p.09) ―Pluralismo é uma filosofia que permite uma ampla
diversidade de pontos de vista e doutrinas coexistirem dentro de um único corpo‖.
Consequentemente, surgem tantas discordâncias doutrinárias dentro das igrejas, e
paralelamente, uma tentativa de manter a paz e a unidade ao mesmo tempo em
que acomodam as diferentes cosmovisões. Essa tentativa de acomodar os pontos
de vista conflitantes tem gerado igrejas doutrinariamente fracas, e a perca da força
de sua mensagem como nos indica R.C.Sproul,

Conforme a igreja se torna mais pluralista, o número de pontos de


vista contraditórios tolerados aumenta. Por sua vez, a unidade
estrutural e organizacional se torna a principal preocupação. As
pessoas lutam para manter a unidade da igreja visível a todo custo. No
entanto, sempre há um preço a ser pago por isso, e, historicamente, o
preço tem sido a pureza confessional das igrejas. (SPROUL, 2014,
p.09)
E hoje? Como é possível a Igreja do século XXI reagir a tudo isso?
Provavelmente ela se encontre mais fragmentada que em qualquer período da
história, consequentemente, debilitada doutrinariamente e temos observado essa
crise em meio a pergunta: ―o que é a Igreja afinal de contas? ‖

Dietrich Bonhoeffer é considerado um dos teólogos mais importantes da


primeira metade do século XX. Sua eclesiologia é profunda, prática e
experiencial, produzida em meio a uma vida dedicada a Igreja de Cristo, e
provada em um dos períodos mais difíceis da história da humanidade, nesse
sentido sua teologia tem muito a nos ensinar. Sobre seus argumentos teológicos,

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abordaremos mais especificamente no tópico, ―a Eclesiologia de Dietrich


Bonhoeffer‖, segue um resumo de sua vida e obras.

2 DIETRICH BONHOEFFER, VIDA E OBRA.


Nascido em 04 de fevereiro de 1906 na cidade de Breslau, Alemanha,
Dietrich foi o sexto dos oito filhos de Karl Bonhoeffer e Paula Bonhoeffer. Sendo
seus irmãos: Karl Friedrich, Walter, Klaus, Ursula, Christine, Sabine (gêmea de
Bonhoeffer, nascendo apenas quatro minutos depois) e Susane.

Seu pai foi um renomado neurocirurgião, e posteriormente, titular da cadeira


de psiquiatria e neurologia da universidade e diretor do hospital para doenças
nervosas em Berlim. Karl era um homem sóbrio, com autoridade marcante. Uma
pessoa responsável, íntegra, confiável, sempre equilibrado; que possuindo todos
esses atributos, reivindicava o mesmo de seus filhos. Sua mãe, Paula, vinha de
família culta e artística. Filha de um teólogo e de uma condessa que possuía dom
para a música. Paula formou-se professora, surpreendendo seus familiares. Mas
após seu casamento, grande parte do que aprendera no Colégio foi aplicado na
educação de seus filhos até os oito anos, devido sua desconfiança nos métodos
utilizados pelo ensino alemão. Mesmo depois que seus filhos atingiam idade
suficiente para ir à escola Paula continuava com as instruções religiosas.
(METAXAS, 2011, p.18-20)

Sua família vinha de uma linhagem repleta de glórias. Pela ascendência de


seus pais, o histórico familiar se destaca e por três séculos, os Bonhoeffer
estiveram entre as principais famílias de Schwäbisch Hall.

As árvores genealógicas de Karl e Paula Bonhoeffer são tão


carregadas de realizações valorosas que alguém talvez suspeitasse que
as gerações futuras pudessem se sentir de algum modo pressionadas
com aquilo tudo. Mas a profusão de maravilhas legada por tal herança
parece ter sido uma bênção tão grande que, a cada criança nascida,
buscava-se não apenas rivalizar com os gigantes do passado, mas
também superá-los, ir além deles. (METAXAS, 2011, p.16).
A família de Bonhoeffer, mesmo que indiretamente, era influenciada pelas
tradições do pietismo através do Herrnhut, sobretudo, sua mãe, Paula, e talvez
dela, tenha herdado uma espiritualidade ativa e piedosa, o próprio Dietrich, ao
longo de toda a sua vida utilizou os ―Lemas diários‖ dos Morávios em suas

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devoções particulares. Logo praticavam a sua religiosidade muito mais no


ambiente familiar, em casa, do que nos templos.

Fundada por Zinzendorf no século XVIII, Herrnhut dava


prosseguimento à tradição pietista da Irmandade Morávia [...]
Zinzendorf usava o termo ‗fé viva‘, o qual contratava
desfavoravelmente com o nominalismo em vigor da maçante
ortodoxia protestante. Para ele, a fé era menos a respeito de um
ascendimento intelectual as doutrinas e mais um encontro pessoal e
transformador com Deus. Os Herrnhütter, portanto, enfatizavam a
leitura bíblica e a devoção no lar‖. (METAXAS, 2011, p. 20)
No ano de 1914, deu-se inicio a Primeira Guerra Mundial e apesar dos
Bonhoeffer gozarem de certo conforto financeiro, nenhuma família, mesmo as
mais abastadas saíram imunes aos pesares do conflito. Em 1917, os dois irmãos
mais velhos de Dietrich (Karl Friedrich e Walter) foram convocados para o front
de batalha, e em 23 de abril Walter foi atingido por estilhaços de uma granada, o
que o levou a morte. Apesar das circunstancias adversas, Bonhoeffer ainda
mantinha seu lado extrovertido, mas também demostrava um lado sério. Após a
perda de seu irmão Walter e encarando as possibilidades da Alemanha perder a
guerra, esse lado sério ficou mais evidente, sendo nessa época que Bonhoeffer
começou a considerar a ideia de fazer teologia.

Entretanto, ele só se sentiria pronto para anunciar a sua família a decisão de


se tornar um Teólogo, no ano de 1920, nessa época com quatorze anos de idade, e
consequentemente, enfrentou o descredito e o menosprezo dos seus irmãos e
amigos, pois a vocação pastoral e a teologia não eram vistos com bons olhos pela
elite acadêmica de então, mas Bonhoeffer estava determinado, e parece que
mesmo sem ter a total dimensão do que faria, Deus já o preparava para algo
maior, como nos mostra Metaxas nos diálogos que Dietrich teve com seus irmãos;

Num debate sobre a escolha de Dietrich pela teologia, Klaus deteve-se


no problema da igreja em si, chamando-a de ―pobre, débil, chata,
instituição pequeno-burguesa‖. ―Neste caso‖, disse Dietrich, ―eu terei
de reformá-la‖! [...] Seu irmão Karl-Friedrich foi quem menos se
agradou com a decisão de Dietrich. Karl já se havia destacado como
um brilhante cientista. Para ele, Dietrich virava as costas para a
realidade cientificamente concreta e fugia para a névoa da metafísica.
Em um de seus argumentos sobre o assunto, Dietrich disse: ―Dass ess
einen Gott gibt, dafür lass ich mir den Kofp abschlagen‖, que significa
algo como ―É certo que existe um Deus, e por essa certeza deixaria até
mesmo cortar minha cabeça‖. (METAXAS, 2011, p.49)
Mesmo diante do preconceito, Bonhoeffer seguiu com seus estudos,
primeiro em Tubingen, dando continuidade em Berlim, contudo em 1924, na
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época com 18 anos, uma viagem de férias a Roma marcaria de forma significativa
a sua visão sobre a Igreja, o jovem Dietrich ficou fascinado com a beleza, a arte e
a cultura da cidade, sobretudo com a religiosidade que lhe encantou devido à
diversidade, o que provavelmente desencadeou seus anseios ecumênicos sobre a
Igreja de Cristo;

A universalidade da igreja estava ilustrada de uma maneira


maravilhosamente eficaz. Membros brancos, negros e amarelos das
ordens religiosas — todos de vestes sacerdotais, unidos sob a igreja.
Pareceu-me o ideal verdadeiro. Dietrich Bonhoeffer (METAXAS
2011, p.61)
Pensar na Igreja que não esteja limitada a uma nação ou raça, ao contrario
do que sempre orientou, de certa forma a educação religiosa que recebeu, fez com
que sua mente e visão se alongassem acerca da questão: Afinal de contas, o que é
a Igreja? Nesse proposito, ao retornar a Alemanha, Bonhoeffer deu continuidade
aos seus estudos na Faculdade de Teologia da Universidade de Berlim. Dentre os
professores que mais o influenciaram estava; Adolf von Harnack, Karl Holl,
Reinhold Seeberg e Adolf Deissman, todos participantes da teologia liberal. Mas,
o teólogo que Bonhoeffer mais reverenciou e admirou, foi seu mentor e amigo;
Karl Barth, responsável pela oposição à teologia liberal e pelo surgimento da neo-
ortodoxia. Barth era suíço de nascimento e foi talvez o mais importante teólogo do
século XX; para muitos, o maior dos últimos quinhentos anos, como ressalta
Metaxas;

Seu tratado inovador de 1922, A epístola aos Romanos, caiu como


uma bomba inteligente na torre de marfim de estudiosos como Adolf
von Harnack, que se apoiavam severamente na fortaleza expugnável
do método histórico-crítico e que se escandalizaram com a abordagem
bíblica de Barth, denominada neo-ortodoxia, que afirmava a ideia,
particularmente controversa nos círculos teológicos alemães, da real
existência de Deus, e que toda teologia e estudo bíblico devem ser
sustentados por esse pressuposto básico. Barth foi a principal figura a
desafiar e anular a influência da abordagem histórico-crítica alemã
difundida na Universidade de Berlim por Schleiermacher — e
promovida pela atual eminência parda, Harnack. Barth ressaltou a
transcendência de Deus, descrevendo-o como ―totalmente outro‖ e,
portanto, desconhecido por completo pelo homem, exceto por meio da
revelação. (2011 p.72)
Por se recusar a jurar fidelidade a Hitler, Barth seria expulso da Alemanha
em 1934 e se tornaria o principal autor da Declaração de Barmen, na qual a Igreja
Confessante alardeava sua rejeição à tentativa nazista de trazer a filosofia do
Partido para dentro da igreja alemã.

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Dietrich tomou sua decisão: escreveria, afinal, sua tese de doutorado aos 21
anos de idade, sob a orientação de Seeberg, mas optara por um tema dogmático. O
tema, aliás, seria fruto daquele quebra-cabeça intrigante iniciado em Roma, ou
seja, O que é a igreja? Intitulou o texto de Sanctorum Communio: Uma
investigação Dogmática dentro da Sociologia da Igreja. Bonhoeffer definiria a
igreja não como uma entidade histórica ou uma instituição, mas ―Cristo existindo
como comunidade eclesial‖. Um debute deslumbrante. (2011, p.76), sua tese
obteve a avaliação summa cum laude (com máximo louvor) reconhecimento por
obter a máxima qualificação possível em uma titulação universitária, e o próprio
Karl Barth a celebrou com um ―milagre teológico‖.

Como ainda não tinha idade para ser ordenado, ele aceitou ser pastor
assistente em uma comunidade em Barcelona, Espanha coincidindo com a época
da ―grande depressão‖ ele pode experimentar atender uma comunidade em
extrema pobreza e necessidade. Em um célebre sermão, ele lembrou ao seu povo
que ―Deus caminha entre nós em forma humana, falando a nós naqueles que
cruzam nosso caminho, sejam eles estranhos, mendigos, doentes, ou mesmo
naqueles mais perto de nós em nosso dia a dia, tornando-se a ordem de Cristo em
nossa fé nele‖. (2011, p.96)

De volta à Berlim, Bonhoeffer voltou sua atenção para sua ―segunda


dissertação‖ – exigida para conseguir uma designação na universidade. Publicada
em 1931 com o título: Act and Being (Ser e agir) onde cruza analises filosóficas e
teológicas a respeito dos conceitos eclesiológicos que vem desenvolvendo e
parece que dessas analises ele já demonstra um conflito interno entre seu
magnifico status acadêmico e o perturbador chamado de Cristo para o verdadeiro
discipulado.

Entre 1930 a 1931, Bonhoeffer visita à América e ao se deparar com a


realidade das Igrejas em Nova York, a principio, apreensivo quanto ao Seminário
de Teologia União, julgando que ele fosse tão permeado de humanismo liberal
que tivesse perdido suas amarras teológicas. Mas com o passar do tempo, cursos
com Reinhold Niebuhr e longas conversas com seu amigo mais próximo, o
americano Paul Lehmann, trouxeram a Bonhoeffer, grande sensibilidade aos

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problemas sociais da América. Esse choque com a realidade, sobretudo com a


segregação racial vai lapidando a teologia e a visão de reino em sua eclesiologia.

Bonhoeffer retorna a Alemanha em 1931, com apenas 25 anos, mas já com


status de grande teólogo, entretanto, se depara com a ascensão do Nazismo, o que
fez com que sua promissora carreira acadêmica e eclesiástica fosse modificada
dramaticamente. No verão de 1933, Bonhoeffer se opõem firmemente ao
―parágrafo ariano‖, lei proposta pelo partido nacional socialista, que promovia a
segregação dos ―não-arianos‖, que posteriormente levou uma parte da Igreja a
aderir e dar origem ao termo Teuto-Cristãos, a ideia etnocentrista de que Cristo
veio ao mundo para cada nação especifica e não para todas as nações, na verdade
esse ―Paragrafo Ariano‖ foi usado como uma estratégia para afastar os judeus das
Igrejas alemães;

O que está em jogo não é de modo algum questionar se os membros


das congregações alemãs ainda podem tolerar a comunhão da igreja
com os judeus. O que está em jogo é a incumbência da pregação cristã
em dizer: aqui está a igreja, onde judeus e alemães estão juntos sob a
Palavra de Deus; aí está a prova se uma igreja ainda é a igreja ou não.
Dietrich Bonhoeffer (2011, p.165)
Em maio de 1934, nasceu à chamada Igreja Confessante, por obra de uma
minoria interna da Igreja Evangélica Alemã, que adotou a Declaração de Barmen
em oposição ao nazismo e as doutrinas teuto-cristãs. Em abril de 1935,
Bonhoeffer voltou para a Alemanha a fim de dirigir, em Finkenwalde, um
seminário clandestino para a formação de pastores para a Igreja Confessante, a
qual sofria pressões crescentes por parte da Gestapo, que culminaram em agosto
de 1937, no decreto de Himmler, no qual declarou ilegais as atividades de
formação de candidatos a pastores para a Igreja Confessante. Nesse período
Bonhoeffer escreve uma de suas mais emblemáticas obras, o livro Nachfolge,
traduzido para o português sob o titulo de Discipulado, e posteriormente Vida em
Comunhão, onde registra suas experiências em comunidade com os alunos do
seminário.

Em setembro, o seminário de Finkenwalde foi fechado pelos agentes


Gestapo. Nos dois anos seguintes, Bonhoeffer continuou a lecionar na
clandestinidade, entretanto, em janeiro de 1938, a Gestapo o baniu de Berlim e,
em seguida, proibiu-o de falar em público.

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Em 1939, Bonhoeffer aproximou-se de um grupo que conspirava contra


Hitler, do qual participava, seu cunhado, o advogado Hans von Dohnanyi, o
almirante Wilhelm Canaris, e o general Hans Oster. Bonhoeffer foi um relevante
elo entre o movimento ecumênico internacional e a conspiração alemã contra o
partido nacional socialista. Participou de diversas atividades na qual ajudou a
retirar judeus da Alemanha, contudo, ao ser descoberto, foi preso em 1943,
durante o período que passou na prisão, os últimos dois anos de sua vida, escreveu
diversas cartas, principalmente ao seu amigo Eberhard Bethge que junto com a
sua obra inacabada Ética, foram publicadas postumamente.

Depois de uma tentativa fracassada de um atentado contra o próprio Hitler,


pela resistência, conhecido como ―Operação Valquiria‖ no dia 20 de julho de
1944, Bonhoeffer foi transferido para a prisão de Berlim, depois para o campo de
concentração de Buchenwald e, por fim, para o de Flossenbürg, onde foi
enforcado junto com outros conspiradores.

Na manhã daquele dia, entre cinco e seis horas, os prisioneiros, entre


eles o almirante Canaris, general Oster, general Thomas e
Reichgeritsrat Sack, foram retirados das celas, e os veredictos da corte
marcial foram lidos. Pela porta semiaberta, numa das cabanas, avistei
o pastor Bonhoeffer, antes de tirar o uniforme da prisão, ajoelhado no
chão, orando fervorosamente a seu Deus. Fiquei deveras comovido
pelo modo com que esse amável homem orava, tão devoto e tão
confiante de que Deus ouvia sua oração. No local da execução, ele
realizou outra oração curta e depois subiu os degraus até a forca, com
coragem e compostura. A morte dele foi verificada após poucos
segundos. Nos quase cinquenta anos que trabalhei como médico,
raramente vi um homem morrer tão inteiramente submisso à vontade
de Deus. (METAXAS, 2011, p.572)
À distância, soavam os canhões do exército norte-americano do general
George Patton. Três semanas depois Hitler cometeria suicídio e, em sete de maio
de 1944, a guerra na Europa estaria terminada.

No decorrer de sua vida, Bonhoeffer publicou, em 1930, Sanctorum


Communio; em 1931, Ato e ser, em 1937, Discipulado; em 1938, A vida
comunhão. As cartas e as anotações escritas durante sua prisão e enviadas ao seu
amigo Eberhard Bethge, foram publicados por ele postumamente em 1951, junto
com algumas cartas para os pais e algumas poesias, sob o título de Resistência e
submissão. E as obras que, segundo o autor, deviam constituir a sua maior

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contribuição: Ética (1949); Tentação (1953); O mundo na maior de idade (1955-


1966).

3 A ECLESIOLOGIA DE DIETRICH BONHOEFFER


Ao analisar a sua biografia e o conteúdo de sua produção teológica,
podemos perceber que toda a eclesiologia de Dietrich Bonhoeffer foi produzida
como uma reação ao contexto que experimentara; em cada período de sua breve,
porém, intensa vida. Para Bonhoeffer, a Igreja é sempre compreendida, desde suas
primeiras percepções e produções teológicas como, a comunhão dos santos, o
lugar onde a revelação se corporifica, bem como a representação de Cristo no
mundo, de maneira que ao dissertar sobre a Igreja, evidentemente, em Bonhoeffer,
sempre se está tratando também de um tema cristológico. Assim sendo, o
pensamento eclesiológico de Bonhoeffer, pode ser caracterizado, sobretudo como,
cristocêntrico, diaconal e ecumênico, como veremos em algumas de suas obras.
Veremos isso em duas de suas obras:

3.1 Santorum Commnio


Em 1927, Bonhoeffer, com 21 anos, defende sua tese de doutorado, com o
título; Sanctorum Communio. Eine dogmatische Untersuchung zur Soziologie der
Kirche ―Sanctorum Communio: Uma Investigação Dogmática sobre a Sociologia
da Igreja‖. Nesta obra, a filosofia social e a sociologia são postas a serviço da
dogmática, lançando mão do idealismo lógico de Hegel, do pensamento dialogal
(a ―relação eu-tu‖), fazendo referências a Troeltsch, sobretudo, ao pensamento
teológico de Barth, Bonhoeffer tenta chegar à compreensão sistemática da
estrutura da comunhão da Igreja Cristã. E Igreja, como ―Communio Sanctorum‖, é
simplesmente, a presença de Cristo no mundo, é o Cristo existindo como
comunidade; é o próprio Cristo presente como comunidade.

Desta forma, Bonhoeffer defende que a visão neotestamentária de Igreja,


possui dois diferentes conceitos, o ―hierosolimita‖ e o ―paulino‖. Segundo
Bonhoeffer, o conceito hierosolimita (relativo à Igreja de Jerusalém) é o arquétipo
do conceito católico de Igreja, haja vista a centralidade na figura do Papa como

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sucessor apostólico, já o conceito paulino, seria o arquétipo da Igreja Luterana.


Aquele é judeu-cristão; este é gentio-cristão.

Na primeira igreja, houve desde o inicio, uma verdadeira hierarquia,


uma ordem estabelecida por Deus, um direito eclesiástico divino, uma
igreja como instituição, pela qual os indivíduos são acolhidos. Um
grupo bem determinado, o dos ―apóstolos‖, isto é Tiago e os Doze,
possui uma primazia divina permanente, que não poderá ser igualada
por ninguém, e, por essa razão, compete-lhe a liderança. Esse conceito
de Igreja foi superado por Paulo a partira de sua compreensão do
evangelho (BONHOEFFER, 2017, p.111)
Bonhoeffer também sinaliza para a forma que Paulo pensa a respeito do
termo Igreja. Para ele a [ ekklesia ] é o que representa a tradução da
LXX para [qahal], e que em Paulo também é [edah] o que também foi traduzido
por  [synagogue] (BONHOEFFER, 2017, p.111), os judeus mantem o
conceito da que originalmente significava assembleia, ou que não se
diferencia de ―comunidade popular‖, e aplicam o termo a sinagoga, mas como um
grupo fechado, exclusivo aos judeus. Entretanto na língua grega, a expressão tem
um sentido mais próximo de ―assembleia politica‖. Contudo, a comunidade
Cristã, a ―Ekklésia‖ ou a Igreja, extrapola todas as fronteiras nacionais e politicas;
ela é universal e ainda assim, ―um povo‖, ao lado de pagãos e judeus, ela é o
―terceiro gênero‖ e para que os gregos pudessem compreendê-la, Paulo fala da
ekklesia toú theoú = assembleia de Deus] (BONHOEFFER,
2017, p.111). Paulo aponta para a Ekklesia como uma comunidade global, ou
universal, mas também como uma comunidade cristã local.

Em Bonhoeffer, a Ekkelsia, enquanto comunidade global, só é real na


comunidade individual. Como uma fundação de Deus na Terra, e através da
Igreja, Cristo se faz presente no mundo, entretanto, através do espirito Santo,
Cristo se faz presente no individuo que lhe obedece ao chamado, esse é o sentido
da Igreja, a atuação de Cristo, sobre a Igreja, governando a Igreja, mas também
simultaneamente, ―sendo‖ a Igreja, através de Seu corpo. Cristo na Igreja é a nova
humanidade, (1 Co 15:45-47) o novo Adão.

Outra interessante distinção que Bonhoeffer também faz, acerca da Igreja, é


entre a atuação de Cristo e a do Espirito Santo na Igreja, segundo ele, o Espirito
Santo atua por intermédio dos indivíduos, os conduzindo para dentro da Igreja, ou

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seja, para ―dentro‖ de Cristo, que por sua vez atua sobre a comunidade, sobre o
corpo como um todo;

A posição de Cristo em relação à igreja é basicamente dupla; ele é o


Criador de toda a vida que repousa nele, o construtor da igreja, mas
está também todo o tempo realmente presente em sua igreja, pois a
igreja é seu corpo, ele a domina como a cabeça domina o corpo.
Porém o corpo é governado pelo Espírito Santo (1Co 12.13; Ef 2.18;
4.4), sendo que o Espírito de Cristo e o Espírito Santo devem ser
nitidamente diferenciados por não serem idênticos no modo de
atuação, o que Cristo é para a comunidade toda o Espírito Santo é
para os indivíduos. Ele tange os indivíduos na direção de Cristo, traz
Cristo até eles (Rm 8.14; Ef 2.22), promove a comunhão entre eles
(2Co 13.13; Fp 2.1), Isto é, sua atividade se estende a vida social das
pessoas e serve-se de sua inserção social e de suas vontades sociais, ao
passo que o espírito de Cristo está voltado para o modo histórico da
vida humana global (BONHOEFFER, 2017, p.112).
Desse modo, já em sua primeira obra, Bonhoeffer demonstra suas
convicções a respeito da Igreja de Cristo, e nos apresenta uma eclesiologia com
características ecumênicas, enxergando a Igreja como Comunidade, sendo assim,
percebemos que para Bonhoeffer, os cismas, as tantas divisões que a Igreja Cristã
sofrera, bem como o exclusivismo de algumas instituições, o etnocentrismo e as
diferenças teológicas não poderiam ser motivos de mais fragmentação, pois a
Igreja em sua tese é ―Cristo existindo em comunidade‖, e como estaria Cristo
dividido(1Co 1.13)? Como bem nos deixa claro em sua obra;

Na comunidade, Cristo age como se estivesse em seu instrumento.


Nela, ele está presente; como o espirito santo está presente no
individuo, Cristo se torna presente na comunidade dos santos. Quando
levada a sério, a ideia do corpo significa que essa ―imagem‖ quer
equiparar Cristo e a comunidade, como o próprio Paulo faz claramente
(1Co 12.12; 6.15); pois estou onde está o meu corpo. Assim Paulo
pode perguntar no caso de uma cisão da comunidade:
meméristai hó Xristós?= estaria Cristo
dividido?] (1Co 1.13). Partindo da convicção de que o próprio Cristo é
a comunidade, chega-se a ideia de uma vida orgânica na comunidade
segundo a vontade de Cristo extraída da imagem do organismo físico.
Todavia é mais do que evidente que tanto uma quanto a outra colidem
com a realidade da pecaminosidade e esperam por uma reflexão
sistemática mais profunda. Assim cristo é a presença real apenas na
comunidade. A comunidade está nele e ele na comunidade (1Co 1.30;
30.16; 2Co 6.16; 13.15; Cl 3.9; 2.17) e “estar em Cristo‖ significa o
mesmo que “estar em comunidade”. (BONHOEFFER, 2017, p.113)
Bonhoeffer concluiu que a Sanctorum Communio provém da firmeza e da
convicção de Jesus Cristo, não como uma personalidade que lançou o ideal com o
qual foi possível formar a comunidade dos santos, mas em que Nele mesmo já se
encontrava a presença da igreja, pois em Cristo a humanidade é incorporada

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realmente na comunidade com Deus. A Igreja é instituída e realizada por Jesus


Cristo, como Sanctorum Communio, ela é sujeito; é Cristo existindo como
ekklésia, como comunidade dos santos.

3.2 Discipulado
A partir da primavera de 1935, Bonhoeffer é enviado como regente do
Seminário de Pregação de Finkenwalde. Ali, pode desenvolver seu conceito de
Igreja, não apenas de forma teórica, como já havia feito na fase mais acadêmica
de sua vida, mas, sobretudo na pratica, visto que a esse tempo, já havia se
envolvido na luta contra o Nacional socialismo. O resultado desse período foi uma
de suas obras mais populares e emblemáticas, o livro Nachfolge, (traduzido no
Brasil como Discipulado). A principio o Discipulado surge como um curso
ministrado em 1936 na universidade de Berlim (ultimo antes de ter sua licença de
professor caçada), e posteriormente publicado em 1937.

Em Discipulado, Bonhoeffer nos aponta para uma eclesiologia da Igreja


como in statu confessionais (igreja confessante) e a caracteriza como ―Igreja
seguidora‖. No seguimento, ou discipulado, está a essência do ser cristão, e o
seguimento só pode ser realizado na ―Vida em Comunhão‖ Isso quer dizer que a
Igreja, fundamenta-se na fé e na obediência a Jesus, pois, somente a fé e a
obediência possibilitam o seguimento.

O conceito de situação em que a fé se torna possível nada mais é que a


paráfrase da circunstância em que os dois enunciados seguintes não só
têm validade, como são igualmente verdadeiros: Só o que crê é
obediente, e Só o obediente é que crê (BONHOEFFER, 2016, p.38)
Bonhoeffer apresenta a resposta para as seguintes questões: O que é ser um
Discípulo de Cristo, e qual é o custo disso? É nos apresentado o conceito de
―graça barata e graça preciosa‖, e seguindo a lógica e a essência de sua
eclesiologia em que nos afirma que a Igreja é o próprio Cristo existindo no
mundo, e, sobretudo na comunidade dos santos, Bonhoeffer faz na verdade uma
forte critica a teologia liberal que, de uma forma abrangente, já predominava nas
Igrejas de seu pais, inclusive, vários alunos do seminário de Finkenwalde, que ele
fora direcionado a lecionar, já chegavam totalmente acéticos, desconsiderando até
mesmo os pilares da fé Cristã, pois a ―graça barata‖ é aquela que não necessita de

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arrependimento, essa ―graça barata‖ aceita o pecador e o pecado, não diferencia a


Igreja de uma mera convenção social, nesse ponto Bonhoeffer diz;

A graça barata é graça como doutrina, como princípio, como sistema;


é perdão dos pecados como algo já dado por certo; é o amor de Deus
como conceito cristão de Deus. Quem aceita o amor de Deus já está
perdoado de seus pecados. A Igreja que segue esse tipo de doutrina da
graça se vê automaticamente beneficiada por ela. [...] A graça barata,
em vez de justificar o pecador, justifica o pecado. Desse modo,
resolve tudo sozinha, nada precisa mudar e tudo pode permanecer
como antes. ―Nossos esforços são vãos.‖ O mundo continua mundo, e
nós continuamos pecadores, ―mesmo na vida mais piedosa‖
(BONHOEFFER,2016, p.19]
Para Bonhoeffer, é evidente que o chamado ao seguimento, não pode ser
barateado, a Igreja é Cristo, é Cristo existindo, e dessa forma, quando o homem é
chamado ao discipulado, é chamado para dentro da Igreja, ou seja, chamado para
dentro de Cristo, de forma que é preciso uma nova vida, e se o seguimento requer
uma nova vida, logo, custou a vida, a Vida do próprio Cristo, que se doou por sua
igreja, esse é o custo do discipulado, é por isso que a graça é preciosa, pois na
eclesiologia de Bonhoeffer, ela é a encarnação do próprio Deus;

A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, pelo qual o ser humano


vende feliz tudo que possui; é a pérola preciosa, pela qual o mercador
oferece todos os seus bens; é o domínio do reino de Cristo, pelo qual o
ser humano arranca o olho que o faz tropeçar; é o chamado de Jesus
Cristo, pelo qual o discípulo deixa suas redes para trás e o segue. A
graça preciosa é o evangelho que sempre se deve procurar, a dádiva
que se deve pedir, a porta à qual se tem de bater. Essa graça é preciosa
porque chama ao discipulado; é graça porque chama ao discipulado de
Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida ao ser humano; é graça pois
só assim dá vida ao ser humano; é preciosa porque condena o pecado;
é graça porque justifica, perdoa o pecador. É preciosa, sobretudo
porque foi preciosa para Deus, porque lhe custou a vida de seu Filho
— ―Porque fostes comprados por preço‖ (1Co 6.20) — e, portanto,
não pode ser barato para nós o que custou caro para Deus. É graça,
sobretudo, porque Deus não considerou que seu próprio Filho custasse
caro demais para pagar por nossa vida, e assim o deu por nós. A graça
preciosa é a Encarnação de Deus (BONHOEFFER,2016, p.20,21)
Outro aspecto importante da eclesiologia bonhoefferiana, é a sua ênfase na
presença viva de Cristo, na palavra e nos sacramentos, e estes proclamados pela
Igreja. Bonhoeffer tinha a convicção de que o Cristo de hoje, vivo e ressurreto,
exercendo seu ministério por meio da sua Igreja, é tão ou mais evidente do que o
Cristo em carne, em seus três anos de ministério terreno;

Ele continua presente entre nós, corporalmente e em sua Palavra. Se


quisermos ouvir seu chamado ao discipulado, temos de ouvi-lo onde
ele se encontra. O chamado de Jesus Cristo se faz ouvir na Igreja por

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meio de sua Palavra e sacramento. A pregação e os sacramentos da


Igreja são o lugar da presença de Jesus Cristo. Quem quiser ouvir o
chamado de Jesus ao discipulado não precisa de uma revelação
pessoal. Ouça a pregação e receba o sacramento! Ouça o evangelho do
Senhor crucificado e ressurreto! É na Igreja que ele está presente por
inteiro, o mesmo Jesus que convivia com os discípulos. Ali está o
Cristo glorificado, vivo e vitorioso. E só ele pode chamar ao
discipulado (BONHOEFFER, 2016, p. 179,180).
Como Corpo de Cristo, a Igreja é a continuação da presença física de Cristo
que por meio da palavra, exerce o chamado para o seguimento a cada discípulo,
assim como fez com os apóstolos, a força do chamado é o que garante o
posicionamento do discípulo, mas é através do Batismo que o mesmo sofre uma
ruptura com o mundo, é arrancado do mundo e introduzido através da paixão e
glorificação de Cristo para dentro da Igreja, para ―dentro‖ de Cristo;

O batismo não é oferta do ser humano, mas oferta de Jesus Cristo. Ele
se fundamenta totalmente na vontade de Jesus Cristo conforme
expressa em seu chamado. Batismo quer dizer ser batizado; é ter de
sofrer o chamado de Cristo. No batismo, o ser humano torna-se
propriedade de Cristo. [...] Daquele momento em diante, passa a
pertencer a Cristo. É arrancado do poder do mundo e torna-se
propriedade de Cristo. O batismo, portanto, significa rompimento.
Cristo intervém no domínio de Satanás, põe a mão sobre os seus e cria
sua Igreja. Passado e presente são separados. As coisas antigas
passaram, e tudo se tornou novo (BONHOEFFER, 2016, p. 184,185).
O seguimento iniciado pelo batismo exerce influencia total sobre o novo
cristão, que passa a se relacionar apenas com Cristo, e através desse
relacionamento, todas as afeições são redirecionadas e redefinidas. Bonhoeffer
entende que só Cristo é o mediador entre Deus e os homens, (1 Timóteo 2:3-6),
mas amplia esse conceito ao enfatizar que Cristo agora é Mediador entre o
discípulo e o mundo, todas as formas de relacionamentos da pessoa que foi
batizada para ―dentro de Cristo‖ são profundamente transformados, de sorte que o
Cristão só conhece a Cristo agora, e através de Cristo, passa a conhecer todas as
coisas;

No batismo, o rompimento é realizado em minha vida. Sou privado


das relações diretas com o mundo, porque Cristo, o Mediador e
Senhor, se interpõem entre mim e o mundo. Quem é batizado já não
pertence ao mundo, já não serve ao mundo, já não lhe é subordinado.
Agora ele pertence somente a Cristo e se relaciona com o mundo
apenas por meio de Cristo (BONHOEFFER, 2016, p.184,185).
Palavra e sacramento (batismo e ceia), de acordo com Bonhoeffer; (2016,
p.204) ―No batismo, recebemos a dádiva de sermos membros do corpo; na Ceia, a
comunhão (koinonia) corporal com o corpo do Senhor e, em consequência disso, a

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comunhão corporal com os membros desse corpo‖. Esses são os alicerces da


―Sanctorum Communio‖, a eclesiologia de Bonhoeffer é evidentemente
cristológica e se manifesta na presença de Cristo na Igreja e essa, através da
presença de Cristo no mundo, a partir da comunhão, iniciada pela palavra,
confirmada pelo batismo e vivenciada através da ceia do Senhor, a Igreja passa
então a obter as características fundamentais para retornar ao mundo e manifestar
a presença de Cristo novamente através da pregação conforme Bonhoeffer;

O batismo e a Ceia pertencem exclusivamente à Igreja do corpo de


Cristo. A Palavra dirige-se a todos, a crentes e descrentes. Os
sacramentos pertencem somente à Igreja. Assim, a Igreja cristã é, no
sentido verdadeiro, Igreja do batismo e da Ceia e, somente a partir daí,
Igreja da pregação. Evidenciou-se que a Igreja de Jesus Cristo
reivindica espaço de pregação no mundo. O corpo de Cristo é visível
na Igreja que se une em torno da Palavra e dos sacramentos
(BONHOEFFER, 2016, p. 204).
Essa Igreja que vive a vida de Cristo em todo o tempo, é enviada de volta ao
mundo, testemunhando a todo instante, a Igreja de Jesus é ―confessante‖, sendo
assim, Bonhoeffer compreende em sua teologia, que toda a vida da Igreja
acontece no lugar que ela deve estar, no caso, o discípulo é participante do corpo
de Cristo, e deve sê-lo em qualquer lugar onde se faz presente, resgatando e
restaurando a cultura vigente, as interações, toda forma de pensar e agir de volta
aos originais propósitos do Criador. Contudo Bonhoeffer também entende a
necessidade de um lugar físico, um lugar para a prática e a organização do culto,
onde a palavra e os sacramentos são ministrados, também enfatiza a importância
da comunhão diária, do viver em comum dos que foram chamados ao seguimento;

Com isso, torna-se bem evidente o espaço da pregação e da ordem da


Igreja em sua necessidade estabelecida por Deus. A pergunta agora é
se, dessa maneira, já temos uma definição da forma visível da Igreja
do corpo de Cristo ou se ela ainda reivindica outros espaços no
mundo. A resposta do Novo Testamento não deixa qualquer dúvida: a
Igreja não só precisa de lugar para seu culto e organização, mas
também para a vivência diária de seus membros. Nosso tema,
portanto, passa a ser agora o espaço de vida da Igreja visível
(BONHOEFFER, 2016, p. 206).
Quanto à necessidade de comunhão, Bonhoeffer traz a tona, a nossa
humanidade, desfazendo uma suposta ―superioridade espiritual‖, o engano que
uma religiosidade baseada em falsa piedade pode gerar, ou seja, a ideia de que não
precisamos uns dos outros, a pretensa ilusão de que alguém pode ser um cristão
sozinho ou independente; esse conceito, ele desenvolve em uma de suas mais

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simples e fascinantes obras, o livro Vida em Comunhão, escrito logo após o


seminário clandestino em Finkenwalde ser descoberto e ter seu funcionamento
proibido pela Gestapo, e o encerramento dramático e abrupto daqueles mais de
dois anos em que Bonhoeffer pode vivenciar momentos de intensa comunhão
diária com os 22 seminaristas que preparava para pastorear a Igreja Confessante,
em oposição a Igreja estatal Alemã, que nessa época, já havia se rendido ao
regime Nazista, Bonhoeffer registra em seus momentos de solidão e angustia, a
saudade da comunhão, a falta do convívio, do partilhar, das orações, deixando
evidente que a Igreja é o lugar comum, de pessoas de reais, de seres humanos, que
foram criados para viver a unidade,

Não é vergonha o crente ter saudade da companhia de outros cristãos,


como se isso fosse sinal de viver ainda por demais na carne. O ser
humano é criado na carne, na carne apareceu o Filho de Deus na terra
por amor a nós, na carne foi ressuscitado, na carne o crente recebe
Cristo no Sacramento, e a ressureição dos mortos levará a comunhão
perfeita das criaturas espirito-carnais de Deus. Através da presença
física do irmão, o crente louva o Criador, Reconciliador e Salvador,
Deus Pai, Filho e Espirito Santo (BONHOEFFER, 1997, p.11).
Aqui, Bonhoeffer nos apresenta uma eclesiologia que desafia a frieza e
muitas vezes o individualismo de nosso tempo, enfatizando que a presença do
irmão Cristão é tão importante, pois segundo suas próprias palavras são ―um
gracioso sinal físico da presença do Deus Triúno‖. (1997, p.11), e na solidão,
visitante e visitado podem reconhecer um no outro o Cristo presente na carne,
recebem e se encontram como se com o Senhor se encontrassem, a comunhão,
conforme Bonhoeffer é uma das graciosas bênçãos de Deus a sua Igreja, e para
ele, essa verdade é tão profunda que chega ao ponto de dizer que ―o Cristo
proclamado na boca do irmão, é mais forte e evidente do que o Cristo guardado
em nossos corações‖, e por isso a comunhão é tão necessária, e uma das principais
características de sua eclesiologia;

Deus quis que procurássemos e achássemos sua Palavra viva no


testemunho de irmãos, na boca de uma pessoa. Por isso o cristão
precisa do cristão que lhe diga a Palavra de Deus, e necessita dele
constantemente, quando a incerteza e o desanimo o acediam, pois não
poderá ajudar a si mesmo sem burlar a verdade [...] O Cristo no
próprio coração é mais fraco do que o Cristo na palavra do irmão;
aquele é incerto, este é certo (BONHOEFFER, 1997, p.13, 14).
A experiência da Comunhão Cristã, conforme Bonhoeffer (1997, p,75-78),
também se faz presente no serviço, que ele apresenta em três características; ouvir

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o irmão, se colocar a sua disposição e dar suporte em suas cargas e sofrimentos


(Gl 6.2).

Na comunidade dos Santos, também se faz evidente a pratica da confissão e


do perdão, e assim, como já temos evidenciado, em Bonhoeffer, a graça é preciosa
demais para ser mal administrada, ao discípulo compete entender que suas falhas
foram perdoadas, primeiramente por Cristo, e que por esse motivo, não pode reter
o perdão ao irmão que se arrepende e confessa;

A comunhão dos santos não é a comunhão ―ideal‖ de pessoas perfeitas


e sem pecado. Não é a comunhão dos puros que já não dão ao pecador
a oportunidade de se arrepender. Ao contrário, é a comunhão que se
mostra digna do evangelho do perdão proclamando verdadeiramente o
perdão de Deus, que nada tem a ver com perdão autoministrado; é a
comunhão dos que de fato experimentaram a graça preciosa de Deus e
que andam de modo digno do evangelho, não desperdiçando nem
descartando essa graça (BONHOEFFER, 2016, p.237).
Os sacramentos são pilares factuais da presença e da unidade da Igreja com
o Cristo vivo; logo a Ceia do Senhor ocupa uma importante função em sua
eclesiologia. Ao praticar a confissão mutua e a declaração de perdão, a
comunidade estará preparada para celebrar a Ceia do Senhor. Dessa forma, a
alegria em Cristo na comunidade é completa, as vidas em comunhão dos cristãos
sob a palavra alcançam seu alvo por meio do sacramento;

Como podemos participar verdadeiramente desse corpo de Cristo que


fez tudo por nós? Pois de uma coisa temos certeza: não existe
comunhão com Jesus Cristo que não seja a comunhão em seu corpo,
no qual somos recebidos, no qual está nossa salvação. Tornamo-nos
participantes da comunhão do corpo de Cristo por meio dos dois
sacramentos do corpo de Cristo, o batismo e a Ceia do Senhor
(BONHOEFFER, 2016 p.193).
Por fim, o chamado ao seguimento, a entrada por intermédio do batismo, a
comunhão e o serviço, a pratica da confissão e do mutuo perdão, a presença de
Cristo na Ceia do Senhor, são características de Cristo vivendo por meio do seu
corpo, dessa forma, a Igreja de Cristo, a Sanctorum Communio é a própria
imagem de Cristo, e por isso, Bonhoeffer enfatiza de forma veemente que a
mesma deve ―andar como Cristo andou‖;

[...] porque somos feitos à imagem de Cristo, iguais a Cristo devemos


ser. Porque já carregamos a imagem de Cristo, só Cristo pode ser o
modelo que temos de seguir. Porque ele mesmo vive sua verdadeira
vida em nós, podemos ―andar assim como ele andou‖ (1Jo 2.6), fazer
como ele fez (Jo 13.15), amar como ele amou (Ef 5.2; Jo 13.34;
15.12), perdoar como ele perdoou (Cl 3.13), ter ―o mesmo sentimento

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que houve também em Jesus Cristo‖ (Fp 2.5), imitar os exemplos que
ele nos deixou, dar a vida pelos irmãos como ele deu a vida por nós
(1Jo 3.16). (2016, p.254).
Para Bonhoeffer, só podemos ser como Cristo, porque Cristo foi como nós,
porque fomos conformados à sua imagem. Agora que nos tornamos imagem de
Cristo, podemos viver de acordo com seu exemplo;

Aqui de fato obras são praticadas, aqui, na simplicidade do


discipulado, a vida igual à de Cristo é vivida. Aqui ocorre a
obediência simples à Palavra. Sobre a minha própria vida, sobre a
minha nova imagem, não recai mais nenhum olhar. Eu a perderia no
mesmo momento em que a desejasse ver. Ela é apenas o espelho para
a imagem de Jesus Cristo, na qual fixo meu olhar. O discípulo vê
apenas aquele a quem segue. (2016, p.254)
A Igreja, no discipulado, carrega a imagem do Cristo encarnado, crucificado
e ressurreto, que foi feito imagem de Deus, dele pode-se finalmente dizer que foi
chamado para ser ―imitador de Deus‖. O discípulo de Jesus é o imitador de Deus.
―Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados‖ (Ef 5.1).

A Igreja para Bonhoeffer se manifesta na força do chamado ao seguimento e


no poder da Comunhão dos Santos que em Cristo são chamados ao discipulado
radical, a serem verdadeiramente ―sal da terra e luz do mundo‖ (Mt 5.13-16). Sua
eclesiologia é profundamente prática, sua vida e a sua morte respaldaram o
conteúdo de sua produção teológica que infelizmente fora tão precocemente
interrompida.

―E, por causa disso, sofro e estou preso como um criminoso. Mas a
palavra de Deus não está presa. Portanto, estou disposto a suportar
qualquer coisa se isso trouxer salvação e glória eterna em Cristo Jesus
para os que foram escolhidos. Esta é uma afirmação digna de
confiança: "Se morrermos com ele, também com ele viveremos. Se
perseverarmos, com ele reinaremos. Se o negarmos, ele nos negará. Se
formos infiéis, Ele permanecerá fiel, pois não pode negar a si mesmo"
(2 Tm2.9-13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente artigo possibilitou uma análise importante
sobre a Igreja de Cristo, as abordagens históricas, bem como os caminhos
percorridos através dos tempos, sob um víeis eclesiológico, nos permitiram
observar, que mesmo entre erros e acertos, a Igreja Cristã tem atravessado os
séculos e porque não dizer, influenciado e moldado positivamente a cultura das
nações ocidentais, bem como seus valores éticos e morais, sobretudo, por meio da

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pregação do evangelho de Jesus Cristo. Entretanto essa mesma Igreja, enquanto


instituição humana tem sofrido principalmente em nossos dias com os males da
pós-modernidade, fragmentada e muitas vezes dividida, enfraquecida pelo
pluralismo de ideias e convicções, pelo pragmatismo, pelo hedonismo, e mesmo
que em crescente popularidade em solo brasileiro, até de certa forma, gozando o
status da ―Cultura Pop‖, tem se transformado em uma instituição inchada,
extremamente antropocêntrica, doutrinariamente fraca e sem vigor.

Sobre esse prisma, a teologia prática e profunda de Dietrich Bonhoeffer,


experimentada em uma das épocas mais obscuras da história da humanidade,
doutrinariamente ortodoxa e piedosa, mas extremamente humana, mesmo tendo
sido formulada em uma época em que o Liberalismo Teológico eclodia na mente e
na pena de renomados pensadores, tem muito a nos ensinar, sua eclesiologia
profundamente comprometida com as escrituras, sua visão abrangente do que é
―ser Igreja‖, pode em muito contribuir para resgatar em nosso tempo, as bases de
uma Igreja forte, que não se divida entre tantas doutrinas e praticas, e que não se
venda nem adultere a sua mensagem, para se amoldar aos padrões distorcidos dos
dias atuais (graça barata).

Que o legado teológico que Dietrich Bonhoeffer nos deixou, sua


eclesiologia que de forma resumida foi apresentada nesse artigo, sobretudo, sua
postura integra ao longo de toda a sua vida e, principalmente, diante da morte,
possa nos ser tão útil para o estudo acadêmico quanto para a práxis da Igreja
Brasileira, que as convicções que alicerçaram a vida de Bonhoeffer venham
contribuir para a unidade da Igreja, e na forma como os verdadeiros discípulos de
Cristo, interagem com a sociedade contemporânea. Pois sem tais pressupostos, a
Igreja corre sempre o risco de assumir qualquer forma, de se aculturar sem nunca
conseguir ser o ambiente criado pela obediência que possibilita a vida pela fé em
Cristo.

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