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PLANO DE AULA: concurso para professor substituto da UFLA

Tópicos de abordagem: o sentido fragmentado em torno do ambientalismo; relação


entre ambientalismo, racionalidade e produção; a lógica conflitiva imanente à disputa
por recursos no processo de desenvolvimento dessa lógica; racionalidade instrumental e
racionalidade crítica; as consequências nefastas do uso da racionalidade instrumental;
hermenêuticas nas gramáticas de abordagem: extinção, conflitos rurais, catástrofe.

Aula:

O artigo de Acselrad (2010) volta-se, em primeiro lugar, aos sentidos racionalizados em


torno dos processos concretos que justificam o conceito de “ambientalismo”. Ele chega
a falar em nebulosa ambientalista, expressão que evidencia a semântica plural e
fragmentada em torno das concepções de ambientalismo, operadas na vida a partir de
tendências difusas. No entanto, para o autor, haveria duas categorias, em suma, capazes
de abrigar as variadas tendências dos “subconjuntos de entidades” porta-vozes dessa
semântica para a atuação política: os movimentos sociais críticos ao modelo
conciliatório de desenvolvimento e gestão, representantes de um ecologismo
contestatório capaz de ir à raiz dos problemas; e outro, representante da racionalidade
instrumental de gestão das crises sociais, marcado por concepções tecnocráticas e
voltadas aos interesses empresariais, que representariam um “confronto em
colaboração”, conforme expressão do texto que revela como a antecipação dos
problemas por movimentos sociais não-radicais são capazes de canalizar o rumo do
debate público. Assim, as duas perspectivas sugerem que os movimentos radicais são
radicais por não terem compromisso em servir o que está posto, enquanto que os
desenraizados antecipariam os debates para direcioná-los no caminho da gestão da crise.
Desta forma, a pergunta “para quem servem” acaba por colaborar na compreensão dos
fundamentos que orientam suas ações, bem como das consequências delas no mundo
prático. Neste sentido, é importante ressaltar que, muito embora haja essas duas
perspectivas, um exame atento dos conflitos ambientais pode sugerir contornos
complexos. Quando Acselrad fala em “justiça ambiental”, ele a apresenta como uma
perspectiva singular. Muito embora não seja radical, ela possui a potência de constituir
arenas que colocam em foco os problemas econômicos e sociais em torno do
ambientalismo.

Ao citar o pensador romeno Georgescu-Roegen, Acselrad fala que o conceito de


ambientalismo nada mais faz do que jogar luz em questões em torno da apropriação da
matéria e da energia. O que explicita a importância de categorias relativas à
racionalidade e à produção para compreender o sentido dos dilemas expressados por ela.
A questão que se coloca é: para onde são canalizados os recursos planetários? Desde
Rousseau (2001[1754]), por exemplo, a questão da disputa por recursos na cultura
humana é vista como a origem da desigualdade:
“O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e
encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da
sociedade civil. Quantos crimes, guerras assassínios, misérias e horrores não teria
poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos,
tivesse gritado aos seus semelhantes: 'livrai-vos de escutar esse impostor; estareis
perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém'.” (91)

Há, portanto, na apropriação dos recursos formas de razão utilitárias, voltadas aos meios
e à regulação, interessadas na configuração presente, e formas de razão a que ele se
refere como “culturais”, voltadas tanto aos fins quanto aos meios, que vão à direção da
crítica de Rousseau. Elas se coadunariam, organicamente, em ações práticas
conservadoras, no primeiro caso, ou progressistas, no segundo, uma vez que os
conceitos são responsáveis por mediarem a compreensão dos processos sociais.

Marcuse (1999[1941]) deixa claro como a técnica não pode ser pensada apenas nos
termos dos seus efeitos, fetichizada separadamente, mas como uma parte integral dos
processos sociais em curso, já que eles a direcionam. Ele relaciona a maneira como
essas duas perspectivas, da forma como Acselrad coloca, são relativamente recentes na
história da humanidade, uma vez que elas se relacionaram ao próprio desenvolvimento
do capitalismo e da sua relação na produção da cultura. Neste processo, a produção de
mercadorias acabou por tirar progressivamente da razão a sua independência crítica. É
aí que a racionalidade individualista se torna tecnológica, porque o desenvolvimento
desse processo, nos termos sociais nos quais foi levado adiante, pressupõe
necessariamente a reificação. Na complexidade que integra esses processos é que a
técnica impacta a sociedade e o ambiente. Seja no sentido dos polos industriais, por
causa da destruição direta do meio ambiente, seja na dos polos agrícolas, no sentido da
opressão aos excluídos dos processos modernos. Assim, a ideia de eficiência, de gestão
institucional das crises, necessariamente se relacionaria à própria produção de sentido
de um mundo que produz violência, já que essa forma de racionalidade,
verdadeiramente não-racional, é violadora por depender do controle e da repressão para
se afirmar, ao contrário da razão crítica que procura dar à razão o que é da razão (ou
seja, comparar seus postulados à sua imanência). Diz Marcuse:

“Estes valores de verdade pertenciam, em grande parte, à racionalidade crítica que


interpretava o processo social em termos das potencialidades que continha. Uma
racionalidade assim só pode se desenvolver totalmente em grupos sociais cuja
organização não seja padronizada pelo aparato e suas formas dominantes ou em seus
órgãos e instituições. [...] Os valores de verdade críticos, nascidos num movimento
social de oposição, têm sua importância modificada quando este movimento se
incorpora ao aparato” (87).

Assim, podemos compreender de uma maneira mais integrada os dilemas e as relações


sociais concretas em torno do que o conceito de ambientalismo sugere, no sentido das
condições materiais e espaciais em torno da produção e da reprodução da sociedade. Na
medida em que a questão é compreendida nesses termos, o conflito social em torno dela
também fica exposto. E, no cenário brasileiro, a expressão “chantagem locacional” a
que Acselrad se refere ajuda a compreender como não se trata de uma especificidade
localista, mas da maneira como geograficamente os interesses globais estão dispostos.
Diz Acselrad:

“‘chantagem locacional’, ou seja, do jogo político das grandes corporações, que


procuram impor aos setores menos organizados da sociedade a aceitação de níveis de
poluição rejeitados por países e setores sociais mais organizados e criteriosos na
definição de restrições a processos poluentes e ambientalmente danosos” (p.113).

A compreensão desses processos traz em si uma potência capaz de realocar a


perspectiva dos problemas ambientais para as questões relativas à administração da
vida, que distribui e gere com seus mecanismos os impactos dos processos de
acumulação e de concentração e transformação dos recursos, de forma a estabelecer os
perfis locais da produção das mercadorias, bem como de quem perde e de quem ganha.
Quando um conceito não corresponde ao que ele se propõe a representar
verdadeiramente, ele se encerra em processos destrutivos e violentos. É aí que razão,
irrazão e ação convergem. Essa perspectiva também garante à periferia do capitalismo
um protagonismo curioso em torno da resistência à violência desses processos de
modernidade incapazes de serem modernos, uma vez que procuram preservar elementos
de uma modernidade que não é moderna. De acordo com Giddens (2010[1999]):

”[...] Em muitos países menos desenvolvidos, regulamentações de segurança e de


preservação do meio ambiente são praticamente inexistentes. Algumas empresas
transnacionais vendem ali produtos controlados ou proibidos nos países industrializados
[...]. Seria possível dizer que isso parece menos uma aldeia global que uma pilhagem
global” (25-26).

Tais perspectivas nos apresentam a ideia de risco como a administração máxima não só
da vida presente, mas do futuro, o que aponta para a gravidade dos conflitos
socioambientais, subjugados a uma lógica de controle descontrolada e violadora:

“Nossa sociedade vive após o fim da natureza. O fim da natureza não significa
obviamente, que o mundo físico ou os processos físicos deixam de existir. Significa que
poucos aspectos do ambiente material que nos cerca deixaram de ser afetados de certo
modo pela intervenção humana. Grande parte do que costumava ser natural não é mais
completamente natural, embora nem sempre possamos saber ao certo onde termina uma
coisa e começa a outra” (37).

É nesse sentido que a própria dinâmica da sociedade engendra a sua catástrofe


ambiental. Antes mesmo de ser ambiental, trata-se de uma catástrofe total, de todas as
formas de vida. A perspectiva se contrasta com algumas formas de radicalidade desses
processos. Munido de uma perspectiva sensível à estética, o paisagista Roberto Burle
Marx (1987[1976]) atenta para o caráter violento e extintor dessa lógica, da
racionalidade instrumental, ignorante à própria “lógica” imanente à vida:
“Não existem possibilidades de recuperação também para uma série infinita de
pequenas unidades de valor paisagístico incalculável - submetidas a outros tantos
processos anacrônicos. Nesses casos, a mola propulsora é a miséria e a ignorância. É o
que se assiste inúmeras vezes, ao ser submetida ao cultivo uma área impossível de ser
cultivada, devido à má qualidade do solo, à presença de rochas, ao terreno acidentado
ou íngreme. Destrói-se, em função de um rendimento material ínfimo, uma paisagem de
valor cênico incalculável, ou uma formação florística de beleza invulgar” (78).

Se Burle Marx se preocupa com a paisagem e a razão em torno dela, José de Souza
Martins (1986), por outro lado, joga foco em alguns aspectos fundamentais para
compreender a questão estritamente política em torno dos conflitos ambientais no Brasil
ao tratar das especificidades do mundo rural. Ao deter-se sobre elas, Martins procura
desmistificar uma compreensão mecânica do camponês. Em seu livro, fala a respeito
das racionalizações teóricas em torno deles, que tendiam a compreendê-los como uma
força política de menor importância para um pretenso marxismo ortodoxo que os via
como uma entidade monolítica, uma vez que o mundo rural teria uma lógica que
precisava ser reconhecida melhor. Ele afirma que:

“[...] há uma distorção teórica na discussão politica [...] a respeito das lutas camponesas.
Nela, a história é concebida como o desenvolvimento das forças produtivas e das
alterações que tal desenvolvimento promove nas relações sociais. Certamente, o
desenvolvimento das forças produtivas tem um papel crucial no processo histórico e no
alcance das lutas políticas. Entretanto, fazer dele sinônimo de história é uma heresia.
Não é preciso que as forças produtivas se desenvolvam em cada estabelecimento
agrícola ou industrial, em cada sítio ou oficina, a ponto de impor a necessidade das
relações característicamente capitalistas de produção, de impor o trabalho assalariado,
para que o capital estenda suas contradições e sua violência aos vários ramos da
produção no campo e na cidade. Claro está que as tensões que o capital cria no sítio de
um pequeno lavrador ou na oficina de um artesão são distintas da tensão que permeia
suas relações com o trabalhador da grande indústria. A concepção de desenvolvimento
com a qual Marx trabalhava não era a do desenvolvimento igual, e sim a do
desenvolvimento desigual. É o que permite entender transformações sociais profundas
em sociedades, desse ponto de vista, atrasadas” (14).

A radiografia feita por Martins reitera a perspectiva de que há relevância e radicalidade


na crítica ao processo de modernização do capitalismo promovida pelos movimentos
sociais da periferia do capitalismo. Tanto ele quanto Acselrad, que também valorizou as
formas de resistência do mundo rural, e Burle Marx parecem, de algum modo, convergir
no sentido de que uma catástrofe é iminente. Nesse sentido, é feliz encerrar com a
lembrança da crítica feita por Benjamin na décima quinta tese sobre o conceito de
história, que aponta como o verdadeiro inimigo a quem devemos voltar nossas forças o
ritmo do relógio que designa o progressivo desmoronamento de um desenvolvimento
em vertigem.
Na Lousa:

Sobre a complexidade dos processos concretos em torno do conceito de ambientalismo:


“A caracterização da historicidade da questão ambiental encontra, na literatura
sociológica, grande apoio na noção de "ambientalização" (Buttel,1992; Leite Lopes,
2004). Essa pode designar tanto o processo de adoção de um discurso ambiental
genérico por parte dos diferentes grupos sociais, como a incorporação concreta de
justificativas ambientais para legitimar práticas institucionais, políticas, científicas etc.
Sua pertinência teórica ganha, porém, força particular na possibilidade de caracterizar
processos de ambientalização específicos a determinados lugares, contextos e momentos
históricos. É por meio desses processos que novos fenômenos vão sendo construídos e
expostos à esfera pública, assim como velhos fenômenos são renomeados como
"ambientais", e um esforço de unificação engloba-os sob a chancela da "proteção ao
meio ambiente". Disputas de legitimidade instauram-se, concomitantemente, na busca
de caracterizar as diferentes práticas como ambientalmente benignas ou danosas. Nessas
disputas em que diferentes atores sociais ambientalizam seus discursos, ações coletivas
são esboçadas na constituição de conflitos sociais incidentes sobre esses novos objetos,
seja questionando os padrões técnicos de apropriação do território e seus recursos, seja
contestando a distribuição de poder sobre eles” (ACSELRAD, 2010, p.103).

Sobre a complexidade das relações rurais de produção no Brasil: “Há disputas pela
terra entre grandes empresas multinacionais e posseiros pobres; entre fazendeiros
tradicionais e os mesmos posseiros; entre as próprias grandes empresas; entre grandes
empresas e índios; entre índios e posseiros; entre arrendatários e índios. Não há lutas
unicamente entre ricos e pobres; há lutas entre ricos e ricos; entre pobres e pobres [...]”
(MARTINS, 1986, p.109)

Forças orgânicas majoritárias em torno do ambientalismo:

Ecologismo de resultados (desenraizado) (confronto em colaboração). ONGS de


mercado, políticas ambientais de empresas, sindicatos patronais, etc.

Ecologismo contestatório (radical) (crítica ao modelo conciliatório do


desenvolvimento). Seringueiros; Movimento de Atingidos por Barragens (MAB);
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), etc.

Arquétipos de trabalhadores rurais:

Posseiro: lavrador pobre, sem títulos da sua própria terra.

Agregado: serve o proprietário em troca de poder fazer sua própria roça.


Arrendatário e parceiro: pagam o proprietário em troca da lavoura em seu terreno.

"Grileiro": toma uma terra que não é sua a partir de meios ilegais como falsificação de
documentos e subordo para revendê-la.

Alguns grupos indígenas envolvidos historicamente nos conflitos por terra: kaingang,
guajajara, suruí, gaviões, parakanã, etc.

Razão instrumental (razão voltada para fins, no limite produtora de irracionalidade)

Racionalidade crítica (razão preocupada com os termos, meios e fins, da própria


racionalidade).

Bibliografia oficial utilizada:

ACSERALD, Henri. “Ambientalização das lutas sociais – o caso dos movimentos por
justiça ambiental”. Estudos Avançados, 24 (68), p. 103-119, 2010.

GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós.


7. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2010.

MARCUSE, Herbert. “Algumas implicações sociais da tecnologia moderna”. “Algumas


implicações sociais da tecnologia moderna”. In; Tecnologia, guerra e fascismo. São
Paulo: Edusp, 1999, p. 73-104.

MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no


campo e seu lugar no processo político. 3a ed. Petrópolis: Vozes, 1986.

Bibliografia complementar:

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história
da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin, São Paulo:
Brasiliense, 1994.

MARX, Roberto Burle; TABACOW, José (Org.). Arte e paisagem: conferências


escolhidas. São Paulo: Nobel, 1987.

ROUSSEAU, Jean-Jaques. Discurso sobre a origem da desigualdade. Trad. Maria


Lacerda de Moura. Ed. Ridendo Castigat Mores, versão para e-book (2001[1754]).

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