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Aula:
Há, portanto, na apropriação dos recursos formas de razão utilitárias, voltadas aos meios
e à regulação, interessadas na configuração presente, e formas de razão a que ele se
refere como “culturais”, voltadas tanto aos fins quanto aos meios, que vão à direção da
crítica de Rousseau. Elas se coadunariam, organicamente, em ações práticas
conservadoras, no primeiro caso, ou progressistas, no segundo, uma vez que os
conceitos são responsáveis por mediarem a compreensão dos processos sociais.
Marcuse (1999[1941]) deixa claro como a técnica não pode ser pensada apenas nos
termos dos seus efeitos, fetichizada separadamente, mas como uma parte integral dos
processos sociais em curso, já que eles a direcionam. Ele relaciona a maneira como
essas duas perspectivas, da forma como Acselrad coloca, são relativamente recentes na
história da humanidade, uma vez que elas se relacionaram ao próprio desenvolvimento
do capitalismo e da sua relação na produção da cultura. Neste processo, a produção de
mercadorias acabou por tirar progressivamente da razão a sua independência crítica. É
aí que a racionalidade individualista se torna tecnológica, porque o desenvolvimento
desse processo, nos termos sociais nos quais foi levado adiante, pressupõe
necessariamente a reificação. Na complexidade que integra esses processos é que a
técnica impacta a sociedade e o ambiente. Seja no sentido dos polos industriais, por
causa da destruição direta do meio ambiente, seja na dos polos agrícolas, no sentido da
opressão aos excluídos dos processos modernos. Assim, a ideia de eficiência, de gestão
institucional das crises, necessariamente se relacionaria à própria produção de sentido
de um mundo que produz violência, já que essa forma de racionalidade,
verdadeiramente não-racional, é violadora por depender do controle e da repressão para
se afirmar, ao contrário da razão crítica que procura dar à razão o que é da razão (ou
seja, comparar seus postulados à sua imanência). Diz Marcuse:
Tais perspectivas nos apresentam a ideia de risco como a administração máxima não só
da vida presente, mas do futuro, o que aponta para a gravidade dos conflitos
socioambientais, subjugados a uma lógica de controle descontrolada e violadora:
“Nossa sociedade vive após o fim da natureza. O fim da natureza não significa
obviamente, que o mundo físico ou os processos físicos deixam de existir. Significa que
poucos aspectos do ambiente material que nos cerca deixaram de ser afetados de certo
modo pela intervenção humana. Grande parte do que costumava ser natural não é mais
completamente natural, embora nem sempre possamos saber ao certo onde termina uma
coisa e começa a outra” (37).
Se Burle Marx se preocupa com a paisagem e a razão em torno dela, José de Souza
Martins (1986), por outro lado, joga foco em alguns aspectos fundamentais para
compreender a questão estritamente política em torno dos conflitos ambientais no Brasil
ao tratar das especificidades do mundo rural. Ao deter-se sobre elas, Martins procura
desmistificar uma compreensão mecânica do camponês. Em seu livro, fala a respeito
das racionalizações teóricas em torno deles, que tendiam a compreendê-los como uma
força política de menor importância para um pretenso marxismo ortodoxo que os via
como uma entidade monolítica, uma vez que o mundo rural teria uma lógica que
precisava ser reconhecida melhor. Ele afirma que:
“[...] há uma distorção teórica na discussão politica [...] a respeito das lutas camponesas.
Nela, a história é concebida como o desenvolvimento das forças produtivas e das
alterações que tal desenvolvimento promove nas relações sociais. Certamente, o
desenvolvimento das forças produtivas tem um papel crucial no processo histórico e no
alcance das lutas políticas. Entretanto, fazer dele sinônimo de história é uma heresia.
Não é preciso que as forças produtivas se desenvolvam em cada estabelecimento
agrícola ou industrial, em cada sítio ou oficina, a ponto de impor a necessidade das
relações característicamente capitalistas de produção, de impor o trabalho assalariado,
para que o capital estenda suas contradições e sua violência aos vários ramos da
produção no campo e na cidade. Claro está que as tensões que o capital cria no sítio de
um pequeno lavrador ou na oficina de um artesão são distintas da tensão que permeia
suas relações com o trabalhador da grande indústria. A concepção de desenvolvimento
com a qual Marx trabalhava não era a do desenvolvimento igual, e sim a do
desenvolvimento desigual. É o que permite entender transformações sociais profundas
em sociedades, desse ponto de vista, atrasadas” (14).
Sobre a complexidade das relações rurais de produção no Brasil: “Há disputas pela
terra entre grandes empresas multinacionais e posseiros pobres; entre fazendeiros
tradicionais e os mesmos posseiros; entre as próprias grandes empresas; entre grandes
empresas e índios; entre índios e posseiros; entre arrendatários e índios. Não há lutas
unicamente entre ricos e pobres; há lutas entre ricos e ricos; entre pobres e pobres [...]”
(MARTINS, 1986, p.109)
"Grileiro": toma uma terra que não é sua a partir de meios ilegais como falsificação de
documentos e subordo para revendê-la.
Alguns grupos indígenas envolvidos historicamente nos conflitos por terra: kaingang,
guajajara, suruí, gaviões, parakanã, etc.
ACSERALD, Henri. “Ambientalização das lutas sociais – o caso dos movimentos por
justiça ambiental”. Estudos Avançados, 24 (68), p. 103-119, 2010.
Bibliografia complementar:
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história
da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin, São Paulo:
Brasiliense, 1994.