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UCLA – ENCYCLOPEDIA of EGYPTOLOGY

ECONOMIA
Ben Haring

A economia do Egito antigo é uma área difícil de estudo devido à falta de preservação
de muitos dados (especialmente dados quantitativos); também é um assunto
controverso no qual opiniões muito divergentes têm sido expressadas. Certamente,
porém, a principal produção e receita bruta da sociedade egípcia como um todo e de
seus membros individuais eram agrárias, e como tais, dependentes da subida e vazante
do Nilo durante o ano. A maioria dos produtores agrícolas provavelmente eram
fazendeiros arrendatários autossuficientes que trabalhavam nos campos pertencentes a
pessoas ricas ou aos bens do estado e templo. Além disso, havia forças de trabalho
institucionais e de corveia, e escravos, mas a relativa importância desses grupos para a
sociedade como um todo é difícil estimar. De acordo com evidência textual, os artífices
estavam nas mãos das forças de trabalho institucionais, mas indicações também
existem de artesãos trabalhando para empreiteiros privados. O comércio era
essencialmente de troca com referência a unidades fixas de têxtis, grão, cobre, prata e
ouro como medidas de valor. Moedas foram importadas e produzidas no Período
Tardio, mas um sistema ao lado de uma economia monetária é atestado somente a
partir do Período Ptolomaico em diante. As praças de mercado eram frequentadas por
pessoas privadas (incluindo mulheres), bem como comerciantes profissionais tanto
nativos como estrangeiros. As importações foram asseguradas por conquistas e
controle militar no Levante, durante o qual a prata, o óleo, e o vinho chegaram ao
Egito, e em Núbia, rica em seus depósitos de ouro.

Economia em seu sentido mais amplo pode ser definida como o sistema, ou os
diferentes meios, nos quais mercadorias materiais são produzidas, distribuídas e
consumidas. Na linguagem diária, “economia” significa o uso eficiente de recursos
escassos, e o processo de compra e venda que parece estar no centro de uma atividade
econômica muito moderna. Tal uso popular do termo provavelmente é propenso
negligenciar aspectos da sociedade humana que são não menos “econômicos”, tais
como taxação (um aspecto da política econômica governamental), ou subsistência (o
modo autossuficiente de produção e consumo em tradicionais sociedades agrárias). Para
colocar isto diferentemente, “economia” não é necessariamente o mesmo que
“comércio”. De fato, comércio parece ser justamente um aspecto de um sistema
econômico, a relativa importância da qual é pensado estar sujeito à mudança histórica
(veja Comércio abaixo). Há realmente nenhum aspecto único de sociedade humana que
seja irrelevante para sua economia (geografia, demografia, e mentalidade foram
realçadas como particularmente importantes por Janssen, 1975b: 132-139).

Considerando que os meios de produção e distribuição podem ser reconstruídos


sobre a base de pesquisa textual, arqueológica e geológica, a quantificação continua
sendo o problema central no estudo de uma economia antiga, tal como a egípcia, devido
à falta de preservação de muitas fontes de informação. Ademais, discussões egiptólogas
tendem a concentrar-se em fontes textuais, a distribuição social e cronológica da qual é
assimétrica (registros institucionais do Império Novo e Período greco-romano sendo
relativamente bem representados). Abordagens mais integrativas que incluem dados
arqueológicos podem bem contribuir significativamente para nosso atual estado de
conhecimento.

Produção Agrária

Pode não haver dúvida que a produção no Egito antigo foi, antes de tudo,
agrário, as principais safras de alimento sendo trigo (emmer) e cevada, e os principais
componentes da dieta egípcia sendo pão e cerveja. Muitas dessas e outras safras foram
produzidas por fazendeiros arrendatários, que eram amplamente autossuficientes no que
diz respeito ao seu próprio alimento. Eles viviam no que os antropólogos se referem
como uma sociedade camponesa (ou economia camponesa): uma economia
principalmente consistindo de produtores agrários autossuficientes que pagavam ao
governo parte de suas safras como imposto, ou como aluguel para proprietários da terra
que eles cultivavam. Uma variação da sociedade camponesa, mais especificamente
relevante a países modernos desenvolvidos, é que aquele fazendeiro que vende as safras
a dinheiro, subsequentemente são capazes de comprar alimento. Tal estratégia pode
ocasionalmente estar refletida em fontes egípcias – por exemplo, no Conto do
Camponês Eloquente do Império Médio, no qual o “camponês” (sḫtj), realmente um
caçador / coletor do Oásis Wadi el-Natrun, tende a trocar seus produtos (minerais,
plantas selvagens, peles de animal) por grão no mercado.

Há dados insuficientes para estabelecer o montante da produção agrícola (grão


ou outra coisa) no Egito antigo. Dados quantitativos são escassos e sua distribuição
cronológica é desigual. Estimativas têm sido feitas, contudo, da população e extensão
total de áreas férteis durante os períodos Faraônico e greco-romano. Os números
geralmente citados por egiptólogos são aqueles vindos de Butzer (1976: 81-98) com
base em pesquisas arqueológicas. Butzer calculou uma área fértil de 22.400 km² e uma
população de 2.9 milhões no início do período de Ramisside (aproximadamente 1250
a.C.), e 27.300 Km² com uma população de 4.9 milhões no Período Ptolomaico (cerca
de 150 a.C.). a suposição básica é que 130 pessoas podiam viver da produção de um
km² no primeiro período e 180 no segundo período. Seu alimento basicamente incluía
trigo e cevada, verduras, tâmaras e peixe, e para quem tinha recursos, a dieta incluía
carne e fruta. O aumento na produção agrícola por km² no período greco-romano pode
ser explicado por melhorias na tecnologia agrícola (dispositivos de irrigação, novas
safras), e talvez por uma administração agrícola mais eficiente.

Alguns documentos fornecem dados concernentes à produção de grão por km²,


embora continuem haver incertezas sobre as medidas empregadas e a qualidade dos
campos referentes. Textos administrativos oriundos do Período Ramessida (1295 -1069
a.C.) sugerem uma norma de 2.700 a 2.900 litros por hectares (1/há) para terra alagadas
– isto é, campos de melhor qualidade, submergidas pela elevação anual do Nilo na
antiguidade. (Conversão de litros para quilos é aparentemente um processo menos
confiável: referências retratando a conversão mostram estimativas divergentes, nas
quais o equivalente de um litro de grão varia entre 0, 512 a 0,705 quilos; veja Baer,
1962: 42; e Kemp, 1986: 132.) A parte do Período Ramessida iguala àqueles encontrada
em registros do Egito do início do século XX (Miller, 1991: 262, 263; variando entre
aproximadamente 2.000 a 2.800 1/há para o trigo, e entre 2.500 a 3.400 1/há para a
cevada). Tipos menos produtivos de terra eram esperados propiciar três quartos ou
metade desses montantes. É incerto quanto de terra disponível para agricultura
realmente era semeada com trigo ou cevada, ao invés de verduras, árvores frutíferas,
forragem para animais, ou linho. É suposto, contudo, que a maioria da terra alegada era
usada para cultivar safras de grão.

Fontes ramessidas nos contam sobre a organização da produção agrária à medida


que isto está conectado aos templos e departamentos governamentais. O pessoal dessas
instituições era chamado de ihuty (iḥwtj; plural: iḥwtjw). De acordo com alguns textos
(papiros do Museu britânico EA 10447 e Bolonha 1086, óstraco Gardiner 86), um ihuty
era responsável pela produção anual de quase 16.000 litros de grão. Para isso, ele teria
de trabalhar 5,5 a 6 hectares de terra alagada. O documento agrário mais importante
desse período, Papiro Wilbour, registra áreas ainda maiores como de responsabilidade
de um único ihuty. Juntas, essas fontes sugerem que a palavra ihuty se refere a um
supervisor, ao invés (ou também) um membro da presente força de trabalho. Em um
nível superior, o ihuty era supervisionado por escribas, sacerdotes, ou funcionários
elevados do estado e do templo.

Interesses Privados e Institucionais

Os documentos anteriormente mencionados também indicam que a exploração


institucional de uma e da mesma porção de terra frequentemente envolvia mais de uma
parte. O Papiro Valençay I, oriundo do final da Dinastia XX (aproximadamente 1069
a.C.; Gardiner, 1948: 205-206), dá um exemplo claro das instituições e pessoas que
possuíam pedaços de terra e estavam sujeitos à taxação. O texto é uma carta escrita pelo
ancião de Elephantine, que estava sendo considerado responsável pela produção de
cevada em um tipo de propriedade do governo, o khato (ḫᴈ-tᴈ), que, nesse caso, estava
incorporado a uma propriedade tebana do templo. Um escriba daquela instituição vinha
pegar a cevada, mas o ancião se opôs que o pedaço de terra especificado não era de sua
responsabilidade. Ao contrário, ele argumentou que isso era a propriedade de alguns
indivíduos privados, e taxado como tal pelo tesouro real. O texto, desse modo, mostra
os três tipos de proprietários de terra pontualmente mencionados em documentos
agrícolas: real, do templo e privado. O Papiro Wilbour oriundo do reino de Ramsés V
(1147-1143 a.C.) é um amplo registro de campos institucionais no Médio Egito e as
partes intituladas à sua produção. Dentre as instituições estão grandes templos urbanos e
pequenos provinciais, e um seleto número de departamentos governamentais, tais como
o tesouro real e haréns.

Basicamente, toda instituição tinha dois tipos de domínios agrários. Nos termos
de Gardiner (1948), esses eram: “não rateado” (presumivelmente trabalhado ou
supervisionado pelo próprio pessoal da instituição); e “rateado” ou p(s)š (cultivado por
outras instituições ou indivíduos privados). A maior parte das safras de campos rateados
era mantida pelas partes cuidando de seu cultivo, enquanto uma pequena parte (variando
entre 7,5% a 15%) vinha a ser o que Gardiner considerava ser pertencente à instituição.
Essa instituição, contudo, deveria, particularmente, ser considerada não como a
proprietária, mas como tendo sido intitulada ao encargo recebido da terra (a
porcentagem especificada): campos rateados frequentemente estavam nas mãos de
pessoas privadas, que eram os reais proprietários, e que anualmente pagavam imposto à
instituição governamental ou do templo (Haring, 1998). Essa situação também é
refletida no Papiro Valençay I. As pessoa cultivando sua própria terra e pagando seu
imposto ao tesouro real são ali chamados de nmḥ(y) (plural: nmḥyw), uma palavra
originalmente significando “órfão”, mas que no Império Novo tinha adquirido o
significado adicional “livre” ou “privado”, e se referia a pessoas que possuíam
propriedade, mas não estavam entre os funcionários mais elevados do estado ou do
templo (sr, plural: srw; para essa antítese veja Römer, 1994: 412-451). Um status
similar tem disso atribuído por egiptólogos a pessoas chamadas nḏs (plural: nḏsw),
“pequeno”, em textos oriundo do Império Intermediário (ex. Moreno García, 1997: 32-
39), e para o s n njwt tn “homem dessa cidade” do Império Médio (Quirke, 1991), mas
essa interpretação tem sido discutida (veja Andrássy, 1998 para s n njwl tn; e veja
Franke, 1998 para nḏs). No Período Greco-Romano, nmh(y) tornou-se o equivalente a
eleutheros grego. A palavra raramente é usada no Papiro Wilbour, mas é provável que
os indivíduos listados ali como proprietários de campos rateados e como pagadores de
impostos tivessem precisamente aquele status.

Em um nível inferior (com o qual os documentos institucionais não estavam


interessados) estavam os presentes agricultores, que podem ter sido forças de trabalho
institucionais, proprietários privados ou arrendatários. O último (referido na seção
anterior como fazendeiros arrendatários) permaneceu não documentado até o final do 3º
Império Intermediário. Nesse meio tempo, os arrendamentos de terra tinham começado
a aparecer como contratos escritos, uma tradição que continuou no Período Greco-
Romano sob o nome misthosis. Documentos de períodos anteriores ocasionalmente se
referem à prática, mas os próprios acordos podem ter sido orais. De acordo com tais
contratos, o arrendatário pagava um quarto ou até metade da safra como aluguel
(Donker van Heel, 1998; Hughes, 1952). O contrato também mencionava imposto sobre
a colheita (šmw), cerca de 10 % da safra, a ser pago pelo arrendador a um templo ou ao
governo, e é tentador observar as receitas a partir de domínios rateados mencionados no
Papiro Wilbour tal como esse próprio imposto (Eyre, 1994: 130; Haring, 1998: 85).
Visto que muitos dos lotes nesse documento pertenciam a domínios rateados, e a
maioria desses a indivíduos privados, deve ter havido um grande número de
proprietários de terras ricos no Egito que podiam agir como arrendadores. Além disso,
embora a terra fosse notavelmente barata quando comparada com outros meios de
produção (tais como gado e escravos), as pessoas que não eram ricas não estariam
inclinadas a comprá-la (Baer, 1962). Segue-se que muitos dos camponeses do Egito
provavelmente arrendavam a terra que eles cultivavam.

Um caso especial de interesses comuns nos campos, a incorporação de terra do


soberano (khato) nas propriedades de outras instituições, é ilustrativa da interação
complexa entre templos e o governo. Traços de khato, proeminentemente, estão no
Papiro Wilbour e em outros documentos agrícolas. Lotes de khato estavam incluídos
nos domínios rateados dos templos, os quais significa que os templos recebiam somente
menores partes de suas receitas; a parte principal ia para a própria instituição do khato e
era devidamente registrada entre suas receitas não rateadas. É possível que o montante
de terra de khato, de longe, excedeu os próprios domínios não rateados dos templos,
desse modo, formou-se uma principal parte de seus bens em termos de área produtiva,
considerando que o montante de grão que os templos receberam disso era relativamente
baixo. Dados oriundos do Papiro Wilbour também sugere que o status de terra do khato
podia mudar: terra de khato incorporada no domínio rateado de alguma outra instituição
podia, ao longo do tempo, tornar-se autônoma, domínios não rateados. Essas
características de khato ajudam a explicar as excessivas proporções de alguns bens do
templo recentemente criados, bem como sua redução nos anos posteriores.

Esse exemplo deixa claro que a questão, se os templos eram economicamente


independentes ou, particularmente partes integrantes da administração do governo, está
fora de propósito (Haring, 1997: 17-20); Janssen, 1975b: 180-182). Eles claramente
eram instituições separadas, mas não completamente autônomas, e seus interesses
estavam intimamente ligados àqueles dos departamentos do governo e do soberano. Seu
poder econômico, portanto, necessariamente, não era uma ameaça para os interesses do
estado em qualquer momento na história faraônica. O rei teria de considerar, contudo,
os interesses dos sacerdotes e dos administradores do templo. A partir do Império
Antigo em diante, era possível para ele isentar propriedades do templo da tributação ou
trabalho compulsório (corveia) por decreto (Goedicke, 1967 dá vários exemplos). Tais
decretos eram emitidos em relação à instituições específicas e podem, portanto, não
representar uma política geral. Inspeções governamentais a templos e sua riqueza
econômica são bem atestadas para os Impérios Médio e Novo; inspeções de templo em
todo país são conhecidas desde os reinos de Amenemhat II, Tutankhamen, Merenptah e
Ramsés III (Spalinger, 1991).
Fora as inspeções e certos aspectos fiscais (tais como khato), os templos
parecem ter sido unidades econômicas fechadas. Não há indicações de que a riqueza do
templo deu um estoque reserva para a população em épocas de escassez de alimento, a
despeito de sugestões ao contrário (ex. Kemp, 2006: 257). De fato, as contribuições
marginais pagas pelos templos da Tebas ocidental à comunidade vizinha de
trabalhadores de necrópole no Período de Ramsés, e sua relutância de ajudar quando o
suprimento de alimento do último faltar (Haring, 1997: 256-263, 268-273), enfatizam
que os templos normalmente não representavam tal papel.

Trabalho

Uma estratégia de receita diferente de subsistência foi o trabalho, ou voluntário


ou compulsório. O trabalho compulsório é conhecido do Egito antigo em duas formas:
corveia e escravidão. Corveia (bḥ) é bem atestada como trabalho compulsório periódico
(especialmente em períodos anteriores), e todos, exceto os funcionários mais altos,
podiam ser sujeitos a isso (Eyre, 1987a: 18-20). No Império Antigo, grupos de
trabalhadores sujeitos a essa prática eram chamados de mrt e trabalhavam em domínios
agrícolas fundados pelo governo (Moreno Garcia, 1998). Essa mesma palavra mrt era
usada para o pessoal das oficinas do templo no Império Novo; esses frequentemente
eram prisioneiros pegos durante campanhas militares (Eyre, 1987b: 189). No Império
Médio, trabalho compulsório temporário em campos do estado era controlado pelo ḫnrt
(interpretado como “trabalho de campo” por Quirke, 1990: 135-136). Mesmo o nmḥ(y)
do Império Novo (veja Interesses Institucionais e Privados acima) podia ser intimado
para serviço por funcionários do governo, como está claro no decreto do Rei Horembeb
(Kruchten, 1981: 30,50).

Escravidão é atestada no Egito desde o final do 3º milênio a.C. em diante. As


pessoas podiam ser compradas e vendidas, e herdadas, e pode-se, desse modo, ser
chamadas de escravos no sentido legal da palavra, embora a terminologia egípcia seja
vaga: ḥm (fem. ḥmt) e bᴈky) podem ambos ser traduzidos como “escravo”, mas também
como “servente” (Hofmann, 2005). Não somente podiam os próprios escravos serem
vendidos, mas também seus serviços; textos ramessidas referem-se a essa prática com a
expressão hrw n bᴈk “dia de serviço” (Menu, 1998). Desde o Período Tardio em diante,
nós conhecemos sobre a prática de indivíduos ingressando na escravidão por contrato
como um meio de saldar dívidas pesadas (por exemplo, papiros Rylands III-VII: Cruz-
Uribe, 1982).

Embora esteja claro que escravidão era comum, é mais difícil estimar como
importante a escravidão foi para economia egípcia. A antropologia econômica considera
dois critérios para estabelecer a importância da escravidão para a sociedade: 1) grandes
diferenças hierárquicas entre as camadas sócias, levando em conta a delegação de
trabalho para as classes mais baixas; e 2) a existência de recursos econômicos “abertos”
(isto é, meios livremente acessíveis de sobrevivência), sem os quais não há necessidade
para escravos como uma categoria social separada. A extensão de recursos econômicos
“abertos” no Egito antigo está longe de ser clara, mas egiptólogos assumem que o
trabalho compulsório era principalmente corveia, ao invés de escravidão.

Fontes textuais aparentemente concernentes a trabalho assalariado geralmente


referem-se a forças de trabalho institucionais a quem eram dados rações. As rações
podiam, contudo, ser tão altas quanto capazes de receber os artífices institucionais para
comercializar com seu excedente de grão (Eyre, 1987b: 201). Não há indicações da
existência de um mercado de trabalho livre para artífices ou outros trabalhadores
especializados. É improvável, contudo, que a habilidade artesanal foi somente
institucional: pesquisa arqueológica e etnológica sugere indústria, sazonal ou
permanente, nas households camponesas e oficinas locais (veja, por exemplo, Köhler,
1997 para produção de cerâmica).

Comércio

Comércio é o cerne das economias modernas, consequentemente também da


economia como uma disciplina erudita. As sociedades industriais desde o século XIX
em diante mostram padrões racionais em demanda, produção e trabalhos coletivos. O
valor deles podem ser expresso em montantes de dinheiro, e isso se faz possível vender
produtos e trabalho no mercado. Desse modo, virtualmente tudo pode ser comprado e
vendido, e a coisa “racional” a se fazer é vender por um preço alto (ou baixar o preço a
fim de se vender mais), e comprar, produzir e transportar tão barato quanto possível.
Esse modelo racional (moderno), contudo, provém da suposição de liberdade
considerável de escolha por parte de compradores e vendedores. O grau de liberdade
pode geralmente diferenciar de acordo com o tipo de sociedade e sua época, e sempre é
restrito. Todavia, o comércio oriundo do Egito antigo diz respeito a vendas de terra (tais
como as inscrições na tumba de Metjen da 5ª Dinastia) e casas ou tumbas (papiros da 5ª
Dinastia de Gebelein: Posener-Kriéger, 1979). Textos se referindo a comércio, local e
de longa distância, desde períodos posteriores abundam. Descrições em tumbas dos
Impérios Antigo e Novo mostram mercados e navios de mercadores (figs. 1 e 2).
Aspectos Importantes de comércio no Egito Antigo para o qual existem dados incluem o
seguinte:

1. Unidades de valor e pagamento. A troca de mercadorias no Egito faraônico


pode melhor ser caracterizada como troca com dinheiro – isto é, troca com referência a
unidades fixas de valor. Preços se formados por tradição ou por demanda e oferta
parecem ter sido mais estáveis do que aquelas em mercados modernos. Eles podiam ser
expressos, basicamente, em qualquer mercadoria, mas sem dúvida a mais comum eram
unidades de grão, cobre e prata (também popular foi o linho: veja número 3 abaixo). O
preço de qualquer objeto dado, parte de propriedade real, animal e escravo podiam ser
expresso nessas mercadorias. Embora “dinheiro” no sentido moderno da palavra não
existiu no Egito antigo, algumas de suas características definitivas – tais como padrão
de valor e meio de pagamento – estavam presentes.

Uma palavra egípcia estritamente abordando nossa palavra “dinheiro” (e de fato,


frequentemente traduzido como tal) é “prata” (ḥḏ). No Império Novo e posteriormente,
a palavra foi usada para se referir a pagamento, mesmo se o pagamento realmente não
era em prata. Essa prática pode ter sido uma consequência das crescentes quantidades de
prata circulando no Egito depois das conquistas estrangeiras. Até o 3º Período
Intermediário, contudo, não há indicação de um banco ou garantia, assegurando o valor
dos meios de pagamento, ou uma forma fixa daqueles meios (tais como moedas ou
cédulas), sem mencionar valor fiduciário (como oposto a intrínseco). Em documentos
desde a 21ª Dinastia em diante, a prata usada em pagamentos teria vindo do “Tesouro de
Harsaphes” (presumivelmente em Heracleópolis); no Período Saite, um tesouro tebano é
mencionado; e depois da conquista persa, o “tesouro de Ptah” em Menphis. Müller-
Wollermann (2007: 1353) sugeriu que esses tesouros de templo agiam como fiadores.
Moedas egípcias ou outras formas fixas de objetos de prata usados como pagamento não
são atestadas nesses períodos. Contudo, Reservas de moedas gregas de prata do Período
Tardio têm sido encontradas no Egito e há indicações da circulação e até imitação de
moedas gregas nessa época (Müller-Wollermann, 2007: 1355-1356). Moedas inspiradas
nas gregas, mas com inscrições egípcias datam desde a 30ª Dinastia até o 2º Período
Persa. Os Ptolomeus conduziram sua própria produção maciça de moedas e a economia
egípcia ptolomaica chegou a assemelhar-se com um sistema monetário (incluindo
bancos), embora o pagamento em espécie permanecesse uma prática comum. O valor do
grão flutuava no decorrer do ano agrícola desde baixo (quando as colheitas eram
compradas) até alto (no período precedente das colheitas). As flutuações de longo prazo
(tais como o aumento dramático nos preços do grão desde o reino de Ramsés III em
diante) podem ser devidas a falhas na política econômica do governo, ou a repetida crise
ecológica (baixas inundações do Nilo). Empréstimos de grão entre pessoas podiam tirar
vantagens de flutuações a curto e longo prazos, além de exigir o pagamento de juros
consideráveis (muitas vezes 100% ou mais). As unidades básicas de grão em “saca”
(ẖᴈr) e suas subdivisões, o hekat (ḥqᴈt) e o oipe (ipt). No Império Novo, a saca foi uma
unidade de quase 80 litros, subdividida em 4 oipe, cada uma da qual com sua disposição
era composta de 4 hekat. Uma subdivisão a mais, o kin (knw) (1/10 do hekat,
aproximadamente ½ de um ter), era usada para líquidos, mas não para grão (Reineke,
1963). A partir do Período Tardio em diante, o grão foi medido em artabe (rtb), um
unidade menor do que a saca, e muitas vezes de capacidade incerta (estima-se variação
entre 32 a 40 litros; veja Vleeming, 1985).

A razão de prata para cobre foi estável durante grande parte do Império Novo (1
unidade de prata contra 100 unidades de cobre), mas mudou por volta do final da 20ª
Dinastia (1 unidade de prata contra 60 de cobre). É suposto que antes do final do
Império Médio, a prata era mais valiosa do que o ouro, porque toda vez que os textos
mais antigos mencionam ambos os metais, a prata é mencionada primeiro (tento sido o
costume em textos econômico começar primeiro com as mercadorias mais caras). A
redução no valor da prata é explicada por seu influxo do norte, que aumentou através da
dominação do Egito no Levante, especialmente depois das conquistas no início do
Império Novo (Lucas, 1962: 247). O próprio Egito tem poucos depósitos naturais de
prata, o oposto do ouro, um principal mineral egípcio.

As áreas de mineração de ouro estavam localizadas no Deserto Oriental, mas foi


a incorporação da Núbia dentro do Império egípcio que deu aos faraós acesso a vastos
recursos de ouro. Até seja possível que o valor do ouro aumentara levemente no meio da
18ª Dinastia devido a seu maciço influxo. O ouro foi especialmente importante para a
política estrangeira do Egito como um meio de financiar guerras e de dar presentes entre
as forças políticas da época. O cobre era muito acessível no Egito (principalmente no
Deserto Oriental e no Sinai) e era a matéria prima para ferramentas antes que o ferro
tornar-se comum no 1º milênio a.C..

As unidades de peso usadas para metais foram o deben (dbn): aproximadamente


90 gramas no Período Ramessida e depois; consideravelmente menos nos períodos mais
antigos; cf. Graefe, 1999) e sua 10ª parte, o kite (qdt). Uma unidade especial para a prate
foi o seniu ou sh(en)ati (šn҅tj), possivelmente 7,5 gramas. Outrossim, o kite foi a unidade
preferida para metais preciosos, embora o ouro raramente fizera sua aparição no tráfico
econômico do dia a dia.

2. Transporte e seus custos. A seção precedente torna claro que podia ter havido
comércio sem dinheiro. O pagamento e o estoque em espécie, muitas vezes,
necessitavam do transporte de mercadorias em grandes quantidades. O comércio de
longa distância, especialmente, dependia pesadamente da infraestrutura disponível.
Dada a ausência de estradas pavimentadas no Egito antigo, o transporte por terra (no
vale do Nilo e no deserto) dependeu inteiramente da força de trabalho e do enorme
número de burros (os camelos não fizeram sua aparição no Egito antes do Período
Tardio). A maior parte do transporte de qualquer escala substancial era de navio; os
registros administrativos mencionam navios capazes de transportar 40 toneladas de grão
ou mais (Papiro Amiens e Papiro Baldwin: veja Janssen, 2004: 27-30). A navegação no
Nilo significava remar rio abaixo quando em direção ao norte, e fazendo uso do vento
do vento em direção ao Mar Mediterrâneo quando indo para o sul. Viajando de
Memphis para Tebas podia levar duas semanas ou mais.
Textos Ramessidas especificam os custos do transporte de grão no Nilo como
aproximadamente 10% da carga (Janssen, 1994). Fora os custos do transporte em si,
havia pedágios e taxas a serem pagos. Os pedágios tinham de ser pagos quando
passando em fortalezas militares no Egito e na Núbia, embora os navios de templo
pudessem ser isentados por decreto real. Uma cena na tumba do vizir Rekhmira
descreve a coleta de impostos oriundos de cidades e fortalezas no sul do Egito; dentre
esses achamos as fortalezas de Biga e Elephantine (fig. 3: segunda da esquerda em
ambos registros). Os impostos estão associados a portos internacionais de comércio.
Possíveis referências antigas são feitas em duas cartas (EA 39-40: Moran, 1992: 112-
113) de Chipre nas quais o faraó e o vizir (?) são questionados a não permitir quaisquer
reivindicações sendo feitas contra mercados cipriotas.
Documentação clara sobre impostos está presente desde o Período Persa, mas
pode-se refletir a prática já corrente na precedente 26ª Dinastia (Briant e Descat, 1998).
Ademais, Heródoto nos informa que a dinastia concentrou o comércio com os
mercadores gregos no assentamento de Naukratis no Delta ocidental, que é mais uma
indicação do interesse do governo no comércio estrangeiro (e nas possíveis receitas
vindo desse comércio). Isso não significa que o comércio com mercadores estrangeiros
estavam restritos a instituições governamentais, visto que as cenas da tumba do Império
Novo mostram mercadores levantinos se engajando no comércio em mercados locais às
margens do Nilo (fig. 2). Aparentemente era permitido a esses mercadores
comercializar no Egito (exportar seu óleo e vinho, bem como a indispensável prata para
o tráfico econômico do dia a dia) – talvez depois do pagamento de impostos.
3. Mercados e mercadores. Troca privada podia provavelmente ocorrer em todo
lugar e a qualquer hora. Vendas ou aluguéis de itens caros, contudo, seriam afetados
com testemunhos presentes, e poderia envolver a tomada de um juramento por parte do
vendedor ou locatário, prometendo que não haveria reivindicações por terceiros sobre o
item transferido. Essas eram convenções orais (refletidas na única documentação textual
proveniente de Deir el-Medina ramessida) até depois do Império Novo, quando eles
tornaram-se parte fixas de contratos escritos.
Textos e cenas de tumba testificam a existência de praças de mercado onde bens
móveis mudavam de mãos. A palavra egípcia para margem do rio (mryt) é, muitas
vezes, usada com o significado “praça de mercado”, e cenas de tumba confirmam que
tais lugares estavam, na realidade, localizados no rio. As barracas descritas nas cenas
acomodam homens e mulheres. O último podia ocupar-se do comércio local,
provavelmente como vendedoras de produção excedente da household, especialmente
têxtis (Eyre, 1998). Têxtis (de linho) geralmente eram um meio comum de pagamento,
muito como grão, cobre e prata, e são documentados como tais na troca de bens móveis
e propriedades reais oriundos do Império Antigo em diante (ex. Posener-Kriéger, 1979).
O comércio em um contexto institucional parece ter sido limitado aos homens. A
palavra egípcia šwtj significa “comerciante”, mas não necessariamente “mercador”
(Römer, 1992). Transportadores desse título trabalhavam para templos e para as
households de pessoas ricas, a tarefa deles sendo trocar a produção excedente dessas
households (ex. têxtis) por outros itens, tais como óleo e metais. Tais empreendimentos
comerciais estão registrados nos diários do navio a partir do Período Ramessida
(Janssen, 1961). Embora atestados nos contextos institucionais, os comerciantes bem
podem ter usado a posição deles e habilidades para engajar-se em transações para seus
próprios benefícios (Bickel, 1998: 164-166), como fizeram os artífices institucionais
(veja Trabalho, acima).

Teorias sobre Economia Egípcia Antiga

A economia de uma sociedade antiga – e uma que é culturalmente muito


diferente da nossa – tal como o Egito faraônico é provável mostrar características que
não têm paralelos nas economias modernas. Reconstruir tal economia antiga não
deveria, portanto, derivar-se exclusivamente de observações e teorias econômicas
modernas. Inteiramente destituído de preferência de qualquer teoria específica é o
importante trabalho de Wolfgang Helck, que chegou a suas conclusões empiricamente,
sobre a base de coleções extensivas e um soberbo panorama de dados antigos (veja
principalmente Helck, 1960-1969: 1975). Helck argumentou que a consciência
econômica desenvolveu-se vagarosamente na história egípcia e que o desenvolvimento
dessa consciência foi dificultado pela economia centralista do Império Antigo; apenas a
partir do 1º Período Intermediário em diante as pessoas privadas, progressivamente, se
libertariam do amplo estado redistributivo.
Janssen (1975b: 137-139) sustentou que as características a mentalidade egípcia
antiga exibida na religião e na arte, tal como a (suposta) ausência de individualismo,
também se aplicava à economia. Ele viu o pensamento econômico dos egípcios como
“realístico” ao invés de “abstrato”, e pouco interessados com a motivação de obter
lucro. O caráter da economia egípcia com um todo, ele viu como principalmente
redistributivo – isto é, dominado por taxação e tributos. Janssen baseou sua discussão
em características gerais de economias camponesas por todo o mundo. Ao fazê-lo, ele
se mostrou um patrocinador de um movimento mais amplo na história econômica que
tinha começado nos anos 40 e foi especialmente influente na antropologia econômica.
Uma fonte de sua inspiração foi a emergência de economias (na Europa oriental e Ásia)
que eram diferentes das economias “capitalistas” de mercado. Outra foi o interesse
antropológico em economias “primitivas” (Eichler, 1993: 2-4). Uma reflexão anterior
desse movimento na Egiptologia foi o estudo de Siegfried Morenz de conspícuo
consumo (1969).
A principal inspiração para esse movimento “substantivista” ou “primitivista”
foi o historiador econômico Karl Polanyi. Ele e seus seguidores (principalmente
antropólogos) sustentaram que a economia não era para ser vista como um fenômeno
autônomo (isto é, como um mercado autorregulável), mas como embedded em um
contexto social e político (Dalton, 1971; Polanyi et al., 1975). Esse embeddedness
mostra-se em três diferentes maneiras (também chamados de “modelos de integração”):
troca (no comércio), reciprocidade (em estruturas sociais, tal como parentesco), e
redistribuição (em centralismo político). Essa sequência de pensamento tornou-se
influente na historiografia (por exemplo, no trabalho de Moses Finley) e em estudos do
Oriente Próximo a partir dos anos 70 em diante. Na Egiptologia, acha-se sua expressão
mais clara na discussão de Renate Müller-Wollermann sobre comércio no Império
Antigo (1985). Autores discutindo a natureza da economia egípcia antiga viam a
redistribuição como seu aspecto chave (com ou sem referência específica a Polanyi:
Bleiberg, 1984, 1988; Janssen, 1981). O assiriologista e historiador Mario Liverani usou
a teoria de Polanyi para analisar o tráfico econômico internacional como apresentado
nas fontes do Oriente Próximo (incluindo o egípcio) a partir da Idade Tardia do Bronze
(Liverani chegou à importante conclusão de que os “modelos de integração” não
determinaram os vigentes processos econômicos, mas particularmente sua apresentação
ideológica em textos e descrições monumentais (ibid: 22-24).
Outros exprimiram ceticismo, e até profundo protesto contra a visão inpirada por
Polanyi da economia antiga (Silver, 1995). A virada foi recente nos anos de 1980,
quando visões mais modernistas foram apresentadas, notavelmente por Barry Kemp
(2006; originalmente publicado em 1989) e Malte Römer (1989). Kemp admitiu (vs.
Jelck e Janssen) que não havia falta de consciência econômica no Egito antigo, dada a
competição política e social claramente evidente nos registros antigos. Ele também
mostrou que um governo redistribucionista nunca teria sido capaz de satisfazer as
demandas de um população inteira – além disso, nem mesmo aquelas de suas próprias
instituições. Conclui-se que qualquer economia é um acordo entre o controle do
governo e mercado autorregulável, no qual demanda privada é um importante estímulo
e fixadora de preços. Todavia, discussões em grande parte nos anos 90 focavam sobre
redisbruição (ex. Eichler, 199), serviço do estado, e a ausência de individualismo
(Bleiberg, 1994).
A relativa importância do governo e mercado e os meios nos quais esses estavam
inter-relacionados parece dominar a presente discussão da economia egípcia antiga (veja
também Kemp, 2006: 302 – 335). David Warburton, parcialmente inspirado pelas
teorias de John Maynard Keynes, presta atenção no governo participando da produção e
do emprego (Warburton, 1991, 1997, 1998). Um economista recentemente caracterizou
o papel do estado na economia do Egito antigo como uma “instituição consolidadora de
risco” (Wilke, 2000).

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