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ECONOMIA
Ben Haring
A economia do Egito antigo é uma área difícil de estudo devido à falta de preservação
de muitos dados (especialmente dados quantitativos); também é um assunto
controverso no qual opiniões muito divergentes têm sido expressadas. Certamente,
porém, a principal produção e receita bruta da sociedade egípcia como um todo e de
seus membros individuais eram agrárias, e como tais, dependentes da subida e vazante
do Nilo durante o ano. A maioria dos produtores agrícolas provavelmente eram
fazendeiros arrendatários autossuficientes que trabalhavam nos campos pertencentes a
pessoas ricas ou aos bens do estado e templo. Além disso, havia forças de trabalho
institucionais e de corveia, e escravos, mas a relativa importância desses grupos para a
sociedade como um todo é difícil estimar. De acordo com evidência textual, os artífices
estavam nas mãos das forças de trabalho institucionais, mas indicações também
existem de artesãos trabalhando para empreiteiros privados. O comércio era
essencialmente de troca com referência a unidades fixas de têxtis, grão, cobre, prata e
ouro como medidas de valor. Moedas foram importadas e produzidas no Período
Tardio, mas um sistema ao lado de uma economia monetária é atestado somente a
partir do Período Ptolomaico em diante. As praças de mercado eram frequentadas por
pessoas privadas (incluindo mulheres), bem como comerciantes profissionais tanto
nativos como estrangeiros. As importações foram asseguradas por conquistas e
controle militar no Levante, durante o qual a prata, o óleo, e o vinho chegaram ao
Egito, e em Núbia, rica em seus depósitos de ouro.
Economia em seu sentido mais amplo pode ser definida como o sistema, ou os
diferentes meios, nos quais mercadorias materiais são produzidas, distribuídas e
consumidas. Na linguagem diária, “economia” significa o uso eficiente de recursos
escassos, e o processo de compra e venda que parece estar no centro de uma atividade
econômica muito moderna. Tal uso popular do termo provavelmente é propenso
negligenciar aspectos da sociedade humana que são não menos “econômicos”, tais
como taxação (um aspecto da política econômica governamental), ou subsistência (o
modo autossuficiente de produção e consumo em tradicionais sociedades agrárias). Para
colocar isto diferentemente, “economia” não é necessariamente o mesmo que
“comércio”. De fato, comércio parece ser justamente um aspecto de um sistema
econômico, a relativa importância da qual é pensado estar sujeito à mudança histórica
(veja Comércio abaixo). Há realmente nenhum aspecto único de sociedade humana que
seja irrelevante para sua economia (geografia, demografia, e mentalidade foram
realçadas como particularmente importantes por Janssen, 1975b: 132-139).
Produção Agrária
Pode não haver dúvida que a produção no Egito antigo foi, antes de tudo,
agrário, as principais safras de alimento sendo trigo (emmer) e cevada, e os principais
componentes da dieta egípcia sendo pão e cerveja. Muitas dessas e outras safras foram
produzidas por fazendeiros arrendatários, que eram amplamente autossuficientes no que
diz respeito ao seu próprio alimento. Eles viviam no que os antropólogos se referem
como uma sociedade camponesa (ou economia camponesa): uma economia
principalmente consistindo de produtores agrários autossuficientes que pagavam ao
governo parte de suas safras como imposto, ou como aluguel para proprietários da terra
que eles cultivavam. Uma variação da sociedade camponesa, mais especificamente
relevante a países modernos desenvolvidos, é que aquele fazendeiro que vende as safras
a dinheiro, subsequentemente são capazes de comprar alimento. Tal estratégia pode
ocasionalmente estar refletida em fontes egípcias – por exemplo, no Conto do
Camponês Eloquente do Império Médio, no qual o “camponês” (sḫtj), realmente um
caçador / coletor do Oásis Wadi el-Natrun, tende a trocar seus produtos (minerais,
plantas selvagens, peles de animal) por grão no mercado.
Basicamente, toda instituição tinha dois tipos de domínios agrários. Nos termos
de Gardiner (1948), esses eram: “não rateado” (presumivelmente trabalhado ou
supervisionado pelo próprio pessoal da instituição); e “rateado” ou p(s)š (cultivado por
outras instituições ou indivíduos privados). A maior parte das safras de campos rateados
era mantida pelas partes cuidando de seu cultivo, enquanto uma pequena parte (variando
entre 7,5% a 15%) vinha a ser o que Gardiner considerava ser pertencente à instituição.
Essa instituição, contudo, deveria, particularmente, ser considerada não como a
proprietária, mas como tendo sido intitulada ao encargo recebido da terra (a
porcentagem especificada): campos rateados frequentemente estavam nas mãos de
pessoas privadas, que eram os reais proprietários, e que anualmente pagavam imposto à
instituição governamental ou do templo (Haring, 1998). Essa situação também é
refletida no Papiro Valençay I. As pessoa cultivando sua própria terra e pagando seu
imposto ao tesouro real são ali chamados de nmḥ(y) (plural: nmḥyw), uma palavra
originalmente significando “órfão”, mas que no Império Novo tinha adquirido o
significado adicional “livre” ou “privado”, e se referia a pessoas que possuíam
propriedade, mas não estavam entre os funcionários mais elevados do estado ou do
templo (sr, plural: srw; para essa antítese veja Römer, 1994: 412-451). Um status
similar tem disso atribuído por egiptólogos a pessoas chamadas nḏs (plural: nḏsw),
“pequeno”, em textos oriundo do Império Intermediário (ex. Moreno García, 1997: 32-
39), e para o s n njwt tn “homem dessa cidade” do Império Médio (Quirke, 1991), mas
essa interpretação tem sido discutida (veja Andrássy, 1998 para s n njwl tn; e veja
Franke, 1998 para nḏs). No Período Greco-Romano, nmh(y) tornou-se o equivalente a
eleutheros grego. A palavra raramente é usada no Papiro Wilbour, mas é provável que
os indivíduos listados ali como proprietários de campos rateados e como pagadores de
impostos tivessem precisamente aquele status.
Trabalho
Embora esteja claro que escravidão era comum, é mais difícil estimar como
importante a escravidão foi para economia egípcia. A antropologia econômica considera
dois critérios para estabelecer a importância da escravidão para a sociedade: 1) grandes
diferenças hierárquicas entre as camadas sócias, levando em conta a delegação de
trabalho para as classes mais baixas; e 2) a existência de recursos econômicos “abertos”
(isto é, meios livremente acessíveis de sobrevivência), sem os quais não há necessidade
para escravos como uma categoria social separada. A extensão de recursos econômicos
“abertos” no Egito antigo está longe de ser clara, mas egiptólogos assumem que o
trabalho compulsório era principalmente corveia, ao invés de escravidão.
Comércio
A razão de prata para cobre foi estável durante grande parte do Império Novo (1
unidade de prata contra 100 unidades de cobre), mas mudou por volta do final da 20ª
Dinastia (1 unidade de prata contra 60 de cobre). É suposto que antes do final do
Império Médio, a prata era mais valiosa do que o ouro, porque toda vez que os textos
mais antigos mencionam ambos os metais, a prata é mencionada primeiro (tento sido o
costume em textos econômico começar primeiro com as mercadorias mais caras). A
redução no valor da prata é explicada por seu influxo do norte, que aumentou através da
dominação do Egito no Levante, especialmente depois das conquistas no início do
Império Novo (Lucas, 1962: 247). O próprio Egito tem poucos depósitos naturais de
prata, o oposto do ouro, um principal mineral egípcio.
2. Transporte e seus custos. A seção precedente torna claro que podia ter havido
comércio sem dinheiro. O pagamento e o estoque em espécie, muitas vezes,
necessitavam do transporte de mercadorias em grandes quantidades. O comércio de
longa distância, especialmente, dependia pesadamente da infraestrutura disponível.
Dada a ausência de estradas pavimentadas no Egito antigo, o transporte por terra (no
vale do Nilo e no deserto) dependeu inteiramente da força de trabalho e do enorme
número de burros (os camelos não fizeram sua aparição no Egito antes do Período
Tardio). A maior parte do transporte de qualquer escala substancial era de navio; os
registros administrativos mencionam navios capazes de transportar 40 toneladas de grão
ou mais (Papiro Amiens e Papiro Baldwin: veja Janssen, 2004: 27-30). A navegação no
Nilo significava remar rio abaixo quando em direção ao norte, e fazendo uso do vento
do vento em direção ao Mar Mediterrâneo quando indo para o sul. Viajando de
Memphis para Tebas podia levar duas semanas ou mais.
Textos Ramessidas especificam os custos do transporte de grão no Nilo como
aproximadamente 10% da carga (Janssen, 1994). Fora os custos do transporte em si,
havia pedágios e taxas a serem pagos. Os pedágios tinham de ser pagos quando
passando em fortalezas militares no Egito e na Núbia, embora os navios de templo
pudessem ser isentados por decreto real. Uma cena na tumba do vizir Rekhmira
descreve a coleta de impostos oriundos de cidades e fortalezas no sul do Egito; dentre
esses achamos as fortalezas de Biga e Elephantine (fig. 3: segunda da esquerda em
ambos registros). Os impostos estão associados a portos internacionais de comércio.
Possíveis referências antigas são feitas em duas cartas (EA 39-40: Moran, 1992: 112-
113) de Chipre nas quais o faraó e o vizir (?) são questionados a não permitir quaisquer
reivindicações sendo feitas contra mercados cipriotas.
Documentação clara sobre impostos está presente desde o Período Persa, mas
pode-se refletir a prática já corrente na precedente 26ª Dinastia (Briant e Descat, 1998).
Ademais, Heródoto nos informa que a dinastia concentrou o comércio com os
mercadores gregos no assentamento de Naukratis no Delta ocidental, que é mais uma
indicação do interesse do governo no comércio estrangeiro (e nas possíveis receitas
vindo desse comércio). Isso não significa que o comércio com mercadores estrangeiros
estavam restritos a instituições governamentais, visto que as cenas da tumba do Império
Novo mostram mercadores levantinos se engajando no comércio em mercados locais às
margens do Nilo (fig. 2). Aparentemente era permitido a esses mercadores
comercializar no Egito (exportar seu óleo e vinho, bem como a indispensável prata para
o tráfico econômico do dia a dia) – talvez depois do pagamento de impostos.
3. Mercados e mercadores. Troca privada podia provavelmente ocorrer em todo
lugar e a qualquer hora. Vendas ou aluguéis de itens caros, contudo, seriam afetados
com testemunhos presentes, e poderia envolver a tomada de um juramento por parte do
vendedor ou locatário, prometendo que não haveria reivindicações por terceiros sobre o
item transferido. Essas eram convenções orais (refletidas na única documentação textual
proveniente de Deir el-Medina ramessida) até depois do Império Novo, quando eles
tornaram-se parte fixas de contratos escritos.
Textos e cenas de tumba testificam a existência de praças de mercado onde bens
móveis mudavam de mãos. A palavra egípcia para margem do rio (mryt) é, muitas
vezes, usada com o significado “praça de mercado”, e cenas de tumba confirmam que
tais lugares estavam, na realidade, localizados no rio. As barracas descritas nas cenas
acomodam homens e mulheres. O último podia ocupar-se do comércio local,
provavelmente como vendedoras de produção excedente da household, especialmente
têxtis (Eyre, 1998). Têxtis (de linho) geralmente eram um meio comum de pagamento,
muito como grão, cobre e prata, e são documentados como tais na troca de bens móveis
e propriedades reais oriundos do Império Antigo em diante (ex. Posener-Kriéger, 1979).
O comércio em um contexto institucional parece ter sido limitado aos homens. A
palavra egípcia šwtj significa “comerciante”, mas não necessariamente “mercador”
(Römer, 1992). Transportadores desse título trabalhavam para templos e para as
households de pessoas ricas, a tarefa deles sendo trocar a produção excedente dessas
households (ex. têxtis) por outros itens, tais como óleo e metais. Tais empreendimentos
comerciais estão registrados nos diários do navio a partir do Período Ramessida
(Janssen, 1961). Embora atestados nos contextos institucionais, os comerciantes bem
podem ter usado a posição deles e habilidades para engajar-se em transações para seus
próprios benefícios (Bickel, 1998: 164-166), como fizeram os artífices institucionais
(veja Trabalho, acima).