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O TROVADORISMO

I. Período: Idade Média


Marco Inicial: 1198 (ou 1189), quando o trovador Paio Soares de Taveiros compõe a cantiga de
Garvaia (manto escarlate; vestido luxuoso da Corte) endereçada a Maria Pais Ribeiro, a Ribeirinha,
favorita de D. Sancho I; é considerado o mais antigo documento literário português.
Término: 1418, quando Fernão Lopes é nomeado Guarda-Mor da Torre do Tombo, por D. Duarte.

II. Origens da poesia trovadoresca


- Tese arábica: originada pela influência da poesia árabe (carjas moçárabes, ou seja, refrões de
poemas hispano-árabes escritos no dialeto moçárabe).
- Tese folclórica: fruto da poesia criada pelo povo com um caráter espontâneo, anônimo, primitivo,
popular, afastado da cultura dominante.
- Tese médio-latinista: influência da literatura latina produzida na Idade Média.
- Tese litúrgica: originada da poesia religiosa, em estreita ligação com a cultura dominante.

III. Causas da influência provençal nas cantigas de amor


- Cruzadas: os jograis, acompanhando os senhores feudais a caminho de Jerusalém, passavam pelo
porto de Lisboa.
- Casamento entre nobres, como os de D. Afonso Henriques, D. Sancho I e D. Afonso III com
princesas ligadas à Provença.
- Influência do clero e suas reformas; vinda de prelados franceses para bispados na Península Ibérica.
- Peregrinação de portugueses a Santa Maria de Rocamador, no sul da França, e de trovadores dessa
região a Santiago de Compostela.

IV. Língua: galego-português ou galaico-português, devido à unidade lingüística entre Portugal e


Galiza.

V. Cancioneiros: coletâneas de canções. Os três primeiros são os principais:


- Cancioneiro da Ajuda: composto no reinado de Afonso III (fins do século XIII); exclui a produção
do rei D. Dinis, possuindo 310 cantigas, quase todas de amor. Apresenta iluminuras (gravuras) que
comprovam a ligação com a música.
- Cancioneiro da Vaticana: inclui 1205 cantigas de todos os gêneros; foi descoberto na biblioteca do
Vaticano.
- Cancioneiro da Biblioteca Nacional (antigo Colocci-Brancuti): é o mais completo, englobando
trovadores dos reinados de Afonso III e D. Dinis; abrange todos os gêneros de composições,
incluindo fragmentos de uma Arte de Trovar.
- Cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o Sábio, rei de Castela e Leão. É o único cancioneiro
constituído de cantigas de inspiração religiosa. Possui-se o códice original, com ricas iluminuras e a
música de todas as cantigas.

VI. A poesia trovadoresca


1. Quanto ao gênero: classifica-se em três grupos:
- Cantigas de amor;
- Cantigas de amigo;
- Cantigas de escárnio e maldizer.

2. Quanto ao estilo:
- de mestria: cantigas sem refrão, mais artísticas e livres de elementos populares;
- de refrão: cantigas com estribilho ou refrão, geralmente de cunho popular.
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Cantigas de Amor
- Autoria: masculina.
- Emissor: masculino, referindo-se à “mha senhor”.
- Tema: lírico-amoroso, onde encontramos a confissão do sofrimento amoroso (coita) pelo amor
impossível por uma senhora, geralmente de classe social superior. A atitude do eu-lírico
caracteriza-se pela vassalagem amorosa, de acordo com as regras do amor cortês, com marcante
influência provençal.
- Meio refletido: palaciano.
- O amor cortês e suas regras:
 a mesura: moderação na expressão do sentimento amoroso a fim de evitar a sanha da senhora;
 o amor oculto: preservação da identidade da dama, não revelando seu retrato físico nem seu
nome, empregando, em lugar deste, o “senhal” (pseudônimo poético);
 amor à distância: o processo amoroso é desencadeado pelo ver;
 a vassalagem: o culto ao amor como serviço;
 o elogio impossível: a divinização da dama;
 a coita e o morrer de amor: o amor infeliz apresenta a morte como solução, enquanto o
sofrimento do amador torna-o digno desse sentimento;
 o amor associado à religião: “Deus artifex”, organizador do universo e da beleza da “senhor”.

Cantigas de Amigo
- Autoria: masculina.
- Emissor: feminino, referindo-se ao “amigo” ou amado. O destinatário do poema pode ser esse
amado ou confidente - mãe, irmã(s) ou amiga(s), a natureza.
- Tema: lírico-amoroso, onde encontramos geralmente a confissão do sofrimento amoroso causado
pela indiferença do amigo ou saudades pela separação; outras vezes a mulher se justifica por não
corresponder ao amor de seu amigo ou festeja a felicidade do amor correspondido.
- Meio refletido: popular, campesino.
- Quanto ao assunto, a cantiga de amigo classifica-se como:
* bailada – referência a dança e baile;
* alva ou alba ou alvorada – focaliza o amanhecer depois de uma noite de amor;
* barcarola ou marinha – o mar é o confidente, referindo-se a tudo que com ele se associe, como os
barcos, a guerra, o perigo do mar;
* pastorela – diálogo entre a pastora e o cavalheiro;
* serrana ou serranilha – referência a montes, a vida dos pastores serranos;
* romaria – referência a uma romaria, dando-se o encontro dos namorados na igreja;
* fontana – referência a fontes;
* serena – focaliza o entardecer.

Cantigas de Escárnio
Tema satírico, moral ou social, exprimindo-se o poeta de forma indireta, por meio da ironia ou do
sarcasmo. São “aquelas que os trobadores fazen querendo dizer mal D’alguem em elas, e dizem lho per
palavras cubertas que ajam dous entendimentos pera lhe lo non entenderen ligeiramente” (Arte de
Trovar).

Cantigas de Maldizer
Tema satírico, moral ou social, onde o poeta acusa e nomeia, ofendendo claramente: “aquelas que
fazem os trobadores mais descubertamente; en elas entran palavras que queren dizer mal e non averan
outro entendimentos senon aquel que queren dizer chaãmente” (Arte de Trovar). O trovador utilizava
muitas vezes termos baixos e chulos, resvalando para a obscenidade.
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Na Provença, de um modo geral, as composições satíricas receberam o nome de ‘servantés’, que só
se diferencia da canção pelo tema: “com caráter mais objetivo, refletia as opiniões e os sentimentos do
trovador sobre os homens e a vida social. Daqui necessariamente o seu caráter moral e satírico. O
gênero admitia três classes fundamentais”:
- o sirvantês moral ou religioso: focaliza “a decadência da cavalaria e a rudeza dos barões, as sátiras
contra as mulheres e os ataques à corrupção e desmandos do clero”;
- o sirvantês político: “explora e comenta com veemência os sucessos do tempo, sobretudo a luta dos
reis ingleses com os senhores feudais de França e a campanha militar e religiosa do norte contra o
sul, a cruzada albigense”;
- o sirvantês pessoal: “ataca certos aspectos da vida íntima ou profissional dos indivíduos”.
(LAPA, R., 1977, p.181-183)

VII. Terminologia e recursos poéticos

- Cobra: nome dado à estrofe;

- Palavra: forma como era chamado o verso;

- Palavra perduda: verso branco. “Porque alguns trobadores, pera mostrarem moor mestria, meterom
en ssas cantigas que fazeron huna palavra que non rimasse com as outras e chaman-lhe palavra
perduda. E esta palavra pode meter o trobador no começo ou no meyo ou na cima da cobra, en qual
logar quiser, pero que, se a meter en hũa cobra, deve a meter nas outras en cada hũa delas, en aquel
lugar” (Arte de Trovar);

- Fiinda: estrofe de menor extensão (de um a três versos) ao fim do poema, ligada a este pela rima
com a última estrofe, nas cantigas de mestria, ou com o refrão. Serve de remate ou conclusão à
cantiga;

- Cantiga ateúda: é aquela que apresenta ligação sintática entre todas as estrofes, as quais se
encadeiam por cavalgamento ou enjambement. Em muitas obras surge o termo atafinda, empregado
erroneamente, com as seguintes definições: “processo métrico que consiste em levar o pensamento
ininterruptamente até ao fim da cantiga” (LAPA, R., p.222). “A articulação lógica de uma estrofe à
outra se faz mediante os conectivos e, que, pero, ca, etc.” (SPINA, S., p.384). “Trata-se, afinal, de
uma variante de encavalgamento ou enjambement, pelo qual as palavras indispensáveis ao sentido
de um verso são atiradas para o verso seguinte, com a particularidade de que os versos assim
ligados constituem, na “ata-fiinda”, o termo e o começo de duas estrofes consecutivas. Ao contrário
do que poderia parecer à primeira vista, geralmente não conduz a uma seqüência ininterrupta do
discurso, porque cada estrofe exprime afinal o mesmo pensamento, segundo o processo repetitivo
tradicional. É um mero jogo rítmico (não-coincidência da pausa frásica com a pausa estrófica)”.
(SARAIVA e LOPES, p.63). Para Massaud Moisés, na atafinda “o final de um verso liga-se
diretamente ao seguinte, sem qualquer interrupção de sentido ou de ritmo” (p.30).

- Dobre: processo que “consistia em repetir a palavra em dois ou mais lugares de cada estrofe”
(LAPA, R., p.222), de preferência no primeiro e último versos da cobra, “jogando por vezes com os
seus vários sentidos, o que transformará em trocadilho um simples processo repetitivo” (SARAIVA
e LOPES, p. 63). A Arte de Trovar define o dobre como: “Dobre [h]e dizer hũa palavra cada cobra
duas vezes ou mays, mays deuen-[n]a meter na cantiga muy gardadamente. E conuem, como a
meteren en hũa das cobras, que asy o metan nas outras todas. E se aquel dobre que meteren na hua
meteren na[s] outras, poden no hy meter em outras palavras, pero sempre naquel talho e daquela
manera que o meteren na prima. E outrossy o deve[n] de meter na fiinda per aquela manera.” (Obs.
talho: copla, estrofe; forma, disposição).
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- Mordobre (mozdobre, mosdobre, mor doble): artifício que “consiste na repetição da palavra nas
suas formas cognatas, derivadas” (SPINA, S., p.422); semelhante ao dobre, “dava-se a repetição da
palavra, mas nas suas derivações, utilizando-se geralmente diversas formas verbais” (LAPA. R.
p.223). Como informa na Arte de Trovar, “Mozdobre (h)e tanto como o dobre, quanto he no
entendimento das palavras, mays as palavras desvarijam-se, porque mudan os tempos”.

- Paralelismo: “característica da cantiga d’amigo na sua forma original, quase autóctone, o


paralelismo apresenta-se sob diversas modalidades” (SPINA, S., p. 425). Eram, geralmente,
composições com número par de estrofes, terminadas com refrão, sendo considerado como unidade
rítimica o par de dísticos, com vocábulos iguais ou de significação muito próxima. Neste caso, o
segundo verso da primeira estrofe é o primeiro verso da terceira estrofe; o segundo verso da
segunda é o primeiro verso da quarta estrofe (ver SARAIVA e LOPES, p. 47 e 48).

- Leixa-Pren (deixa-prende): processo de encadeamento das estrofes, usado nas cantigas


paralelísticas, que consiste na repetição de um verso inteiro de uma estofe na seguintre ou na
subseqüente. “A repetição, à cabeça de cada nova estrofe, no verso final duma estrofe anterior é
talvez o vestígio de um primitivo processo de composição improvisada, que obriga um dos
improvisadores a repetir o último verso do outro, para o qual devia achar seqüência” (SARAIVA e
LOPES, p. 49).

- Rimas: era obrigatória na poética trovadoresca, podendo ser consoantes (ou soantes, quando há
identidade de sons a partir da vogal tônica, como por exemplo: grado/levado) e assonantes (ou
toantes, quando há identidade de vogal tônica, como em comygo/salido). O esquema usado na
primeira estrofe devia permanecer em todas; as rimas, porém, podiam ser as mesma, ou não, sendo
no primeiro caso chamadas uníssonas e no segundo, singulares. As estrofes cujos versos têm todos
a mesma rima são chamadas monórrimas, mais raras.

- As cantigas, de modo geral, podem ser monologadas ou dialogadas. As dialogadas podem ser de
amigo ou de amor; assim as distingue a Arte de Trovar do CBN.: “E porque alguũas cantigas hi ha
en que falam eles e elas outrossi, por en he ben de entenderdes se som d’amor se d’amigo, porque
sabede que, se eles falam na prima cobra a elas na outra, he d’amor, porque se move a razon dela,
como nos ante dissemos, e se elas falam na primeira cobra he outrossi d’amigo; e se ambos falam
em ũa cobra he outrossi segundo qual deles fala na cobra primeiro”. Entre as dialogadas devem-se
distinguir as tenções “porque son feytas per maneira de razon que hum aja contra outro, em que
diga aquelo que por bem tever na prima cobra e outro responda-lhe na outra dizendo o contrayro.
Estas se poden fazer d’amor, ou d’amigo,ou d’escarnho ou de mal dizer, pero que deven ser de
meestria. E destas podem fazer quantas cobras quiserem, fazendo cada huũ a sua part(e); se hy
ouver d’aver fiinda fazen ambos senhas, ou duas, ca non convem de fazer cada huũ a mays cobras
nem mays fiindas que o outro” (Arte de Trovar).

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