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$ÓCIO

DO FILHO
A verdade sobre os negócios milionários de
Fábio Luís, filho de Lula

MARCO VITALE

$ÓCIO DO FILHO
A verdade sobre os negócios milionários de
Fábio Luís, filho de Lula




1ª Edição





Rio de Janeiro
Edição do Autor
2018
© Publicado em 2018 Edição do Autor.

Capa: Obra “Cabeça de Larápio” de Manassés Andrade

Revisão: Gabriel Soares


Diagramação: Sergio Felipe

www.sociodofilho.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Agência Brasileira do ISBN Bibliotecária Priscila Pena Machado CRB-7/6971

V836 Vitale, Marco
$ócio do filho / Marco Vitale. Rio de Janeiro :
M. A. V. da Costa, 2018. Dados eletrônicos (pdf).


ISBN 978-85-923683-1-9

1. Autobiografia. 2. Enriquecimento ilícito. 3. Lavagem de dinheiro. I. Título.
CDD 364.168

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio seja eletrônico ou
mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet sem a permissão
expressa do autor (Lei nº 9.610, de 19.02.1998).

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“Prefira dizer a verdade e ficar mal com os homens
a mentir e vir a ficar mal com Deus.”
(Cid Moreira)


Dedicatória
Dedico este livro às minhas quatro filhas: Amanda, Giovana, Letícia e
Clara, com a esperança de que no futuro o Sócio do Filho não seja mais o
retrato do país em que elas vivem.

Gratidão
A gratidão é um sentimento de amor e conexão com Deus. É acima de
tudo a Ele que agradeço.
Sócio do Filho me revelou rostos amigos, poucos, mas bastantes para me
fortalecer e fazer perseverar na escrita destas páginas, um documento da
corrupção que macula a história recente do país.
Agradeço a minha família que, embora preocupada, compreendeu as
horas dedicadas a pesquisas, investigações e textos muitas vezes reescritos.
A Manasses Andrade, um irmão e artista plástico, que cedeu a sua obra
para ilustrar a capa desse livro.
A Janir Holanda, jornalista, a cuja experiência profissional muito deve
esta obra.
A Gabriel Soares pela revisão dos originais, palavras amigas e pelo
prefácio desta edição.
Na reta final, a felicidade em conhecer Sergio Felipe, um incrível
parceiro e talento na editoração.
Destaco o trabalho jornalístico sério realizado por Ítalo Nogueira, da
Folha de S. Paulo, e Claudio Dantas, do Antagonista. Suas reportagens foram
fontes preciosas para este trabalho.
A Jacó por seus inigualáveis almoços servidos para os que me visitaram
durante esse quase retiro.
Finalmente, a Lovely, minha collie, que me fez companhia em
intermináveis noites de trabalho.

Nota do autor
O jornalista é o historiador do presente. Recorro a esta afirmação para
definir o Sócio do Filho como uma grande reportagem. Ela cobre os anos de
2009 a 2016, nos quais Fábio Luís Lulinha da Silva usou a influência política
do pai, o ex-presidente Lula, para fazer fortuna ao lado dos sócios Jonas
Suassuna, dono do Grupo Gol, e Kalil e Fernando Bittar. Não interpretei, não
julguei e cuidei para que minhas convicções não interferissem no curso
editorial do livro. Prevaleceu a soberania dos fatos – o que vi e ouvi –,
ilustrados por documentos inéditos que expõem a gênese das ações criminosas
aqui relatadas.

Prefácio

“A luta do homem contra o poder é a luta
da memória contra o esquecimento.”
Milan Kundera

Em nosso país, a corrupção não é exclusividade de empresas, partidos
políticos e instâncias governamentais, mas uma característica endêmica de
uma sociedade que insiste em fetiches de esperteza, vantagem e benefício de
pares. O Sócio do Filho, quase um exercício de micro-história brasileira,
contribui no debate contra o ideário vil daqueles que insistem em afirmar suas
teorias deletérias de “pequenos e grandes atos corruptos”, que apenas servem
para aprofundar as mazelas sociais da nação.
Num país em que a figura do “cidadão de bem” é tão mitológica quanto
a do “político honesto”, cabe-nos seguir a recomendação de Cícero, Maquiavel
e tantos outros: nos munir da História, assimilar seus erros e acertos, assumir
nossa cota de responsabilidade e atuar de forma eficaz na construção de uma
república que faça jus ao nome.
Maquiavel em várias obras além de O Príncipe, como Discursos e
Histórias Florentinas, afirma que a humanidade sempre esteve mais ou menos
no mesmo estágio e somente o estudo profundo do passado, aliado ao diálogo,
debate e prospecção do presente, permite a uma nação se libertar dos erros
cometidos pelos governantes no poder. A motivação de Marco Vitale ao trazer
Sócio do Filho à luz alinha-se a essa missão quase pedagógica.
Embora não seja mais historiográfica, a famosa lição de Cícero da
“História, mestra da vida” é vital na formação política e histórica de cada
cidadão, principalmente se levarmos em conta os interesses escusos e
individuais que sempre foram um entrave a civilizações mais igualitárias e
socialmente justas.
Em países como o Brasil, que tem um interesse plutocrático em manter
desigualdades para subsidiar seus pares, sempre se caminhou politicamente na
parte úmida da areia para a próxima onda apagar os rastros do percurso. E se
por ventura algum indício fica, queima-se a história viva – por negligência ou
crime – e passa-se por cima de quem, e do que, preciso for. Um
maquiavelismo forjado vale mais que o original.
A experiência jornalística do autor, num relato livre de agendas
editoriais e financiamentos duvidosos, documenta sete anos de convívio no
coração do Grupo Gol, uma empresa que servia de palco para um teatro do
absurdo. O leitor encontrará aqui uma obra corajosa de um fotógrafo,
jornalista e cidadão consciente de seu papel. É uma narrativa imparcial de fatos
vividos e presenciados para que não sejam apagados e esquecidos.
Marco Vitale faz uma contribuição cívica importante ao relatar de forma
voluntária às autoridades tudo o que viu e ouviu. O Sócio do Filho é um novo
passo nessa mesma direção. Sua narrativa mostra de forma clara, envolvente,
c o m o , stricto sensu, o Grupo Gol e seus associados conduziam seus
“negócios”, deixando na mente do leitor, lato sensu, uma nítida ideia dos
bastidores do “fazer política” no Brasil. São revelações estarrecedoras, com
cifras milionárias, de mau uso dos recursos públicos e de desmandos políticos.
É o que ocorre enquanto os homens exercem seus podres poderes.

Rio de Janeiro, setembro de 2018

Gabriel Soares de Souza
(professor, revisor e Life Coach, atua de forma
independente em atividades de extensão cultural e
científica)

“Vou te dar um tiro na testa”

Um circo chamado Gol. Uma aldeia de caciques. O


que vi e ouvi durante meus sete anos no Grupo Gol.
Como descobri e por que decidi revelar os bastidores
das negociatas promovidas por Lulinha e sua trupe.
Ameaças veladas e explícitas. Quem sou eu.
Eu sou o dono da testa que continua sob ameaça de um tiro. Chamo-me
Marco Vitale, 49 anos, jornalista e, acima de tudo, fotógrafo. Para o objetivo
deste livro, comecei a existir em 2009 quando entrei para o Grupo Gol de
Jonas Suassuna. Já o conhecia. Eu era gerente de marketing da Folha de S.
Paulo, onde entrei em 1992. Meu trabalho também abrangia os jornais Folha
da Tarde e o saudoso Notícias Populares. Certa vez, fui chamado para
conhecer um publicitário carioca que tinha os direitos dos hinos dos principais
clubes de futebol do Brasil. Levava a ideia de lançá-los em CDs por meio dos
jornais como produto agregado. Era Jonas Suassuna. O resultado de vendas na
Folha da Tarde e Notícias Populares foi bom, nada mais do que isso, mas
tornou-se o embrião de um projeto cujo sucesso seria contado em milhões de
reais.
Na época Cid Moreira havia gravado o Novo Testamento, com vendas
realizadas principalmente pela TV em programas populares. Sugeri – estamos,
então, em 1998 – que fizéssemos o mesmo com a Bíblia e Suassuna se
encarregou de contratar Cid Moreira. A novidade é que pela primeira vez os
CDs da Bíblia seriam vendidos como produtos agregados a jornais. Sucesso
imediato em São Paulo que conquistou o Brasil. Suassuna ficou milionário e,
quando lhe era conveniente, me concedia o mérito de autor da ideia. Só voltei
a encontrá-lo em 2009. Fui à empresa dele, a Gol, que não tem relação com a
companhia aérea de mesmo nome, com uma ideia que não prosperou, mas
acabei contratado para desenvolver projetos mobile para jornais, que teriam o
conteúdo disponibilizado em smartphones e tablets.
Logo percebi que a empresa tinha despesas incompatíveis com seus
negócios conhecidos. A conta simplesmente não fechava: uma estrutura de
luxo em um prédio da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, uma
equipe de executivos bem remunerada – uma aldeia de caciques, todos em
cargos de direção, e uns poucos índios. Motoristas particulares, almoços de
diretoria caros, em que não faltavam produtos importados, tudo contribuía
para colocar a empresa e seus negócios sob suspeição.
Suassuna, que controlava as pessoas a seu redor com dinheiro e o poder
que acreditava possuir, sempre me tratou com respeito e isso significava ser
poupado dos gritos e palavrões que costumava dirigir a outros diretores. Gritar
sempre foi característica dele. Gritava por tudo e por nada. Ora imprecava por
causa de uma conta de R$ 20 mil de táxi de seus sócios Fábio Luís e Kalil
Bittar que a Gol devia pagar, ora ameaçava genericamente qualquer um que
pensasse em prejudicá-lo.
Ele não poupava esforços para se manter onipresente dentro e fora do
Grupo Gol. Uma de suas estratégias era manter-se próximo dos veículos de
comunicação, oferecendo-lhes em permuta de anúncios publicitários o
desenvolvimento de aplicativos mobile para smartphones e tablets. Dessa
forma, fortalecia o portfólio da Gol Mobile e criava a imagem de uma empresa
fornecedora de tecnologia para grandes grupos de mídia. Tinha medo que a
imprensa viesse a descobrir contratos nebulosos como os firmados com a Oi,
seus negócios de fachada de milhões de reais intermediados pelos sócios Fábio
Lulinha da Silva, Kalil e Fernando Bittar, sempre por meio do uso da
influência política do ex-presidente Lula.
Quando chego à Gol em 2009, Suassuna já era sócio do Fábio Luís Lula
da Silva, o Lulinha, e dos irmãos Kalil e Fernando Bittar. Convivi com Fábio,
Kalil e Fernando de forma harmoniosa. O Kalil tinha problemas de
relacionamento com outros diretores, não gostava deles, sentimento que era
recíproco. Na Gol não havia negócios sendo realizados, mesmo assim a
empresa era rica. Todos sabiam que existia uma rotina de reuniões de
Suassuna, Fábio, Kalil e Fernando Bittar com Luiz Eduardo Falco, então
presidente da Oi. A Gol tinha contratos vultosos com essa operadora de
telefonia, mas não se sabia para que prestação de serviços. Certo dia, um dos
diretores me alertou: “Marco, você sabe que é o otário da vez? Aqui não é
para fazer negócios. Aqui é para alugar a bunda. Ficar sentado e mostrar que
tem história e sucesso profissional para contar.” Éramos vacas de presépio
para Suassuna exibir para visitas. Executivos de alto nível a serviço dele.
Um discurso de moralidade, interpretado por Suassuna – “não queremos
negócio com estatais!” – era a exceção numa empresa cuja regra seguia a
máxima “locupletemo-nos todos”. O projeto Conexão Educação de 2009, com
o governo do estado do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral), por exemplo –
detalhado em outro capítulo – gerou R$ 93,7 milhões para a Oi e um repasse
estimado em mais de R$ 10 milhões para a recém-criada Gol Mobile. Nessa
época o Grupo Gol tinha mais dois contratos com a Oi: um deles com a Goal
Discos e outro com a Gol Mobile, que geraram R$ 52,4 milhões até 2013. Os
objetos dos contratos eram subterfúgios para justificar sua assinatura e nunca
se registraram para a Oi resultados financeiros compatíveis com o negócio.
O ambiente na Gol parecia a exibição de um espetáculo de variedades.
Um circo em que o bufão Suassuna circulava contando suas vantagens,
dirigentes fingiam que trabalhavam e, para quebrar a rotina, os corredores às
vezes serviam como octógono de MMA. Roberto Bahiense – diretor
responsável pela Nuvem de Livros – e Kalil Bittar mais de uma vez
enfrentaram-se a socos. Percebo que aquilo ia virar um inferno quando a
imprensa começa a devassar a sociedade de Suassuna com Fábio Luís e os
irmãos Bittar.
O apartamento em que morava Fábio Lulinha da Silva, nos Jardins, em
São Paulo, era então um complicador. Suassuna, locatário de f a t o , o
“emprestara” ao sócio, filho de Lula, que depois se mudou para um
apartamento comprado por Suassuna e avaliado em R$ 7 milhões. Em todo
caso, este era apenas um detalhe a mais num grande imbróglio. A sociedade
deles abrigava negócios suspeitos em que faturamentos não tinham a
contrapartida de entregas de produtos e serviços. Foram contratos de fachada
obtidos por meio da influência política do então presidente Lula.
Era tarde, não havia como reparar os malfeitos. O cerco aperta. A
Operação Lava Jato está nas ruas e Suassuna demonstra insegurança e
apreensão. Também perdera a confiança nos sócios, pois suspeitava que
agiam sem sua participação em outros negócios. A sociedade, tornada
inviável, encerra-se em 2015.
No dia 4 de março de 2016 deflagra-se a Operação Aletheia. Lula é
levado coercitivamente para depor. Com uma ordem de busca e apreensão a
Polícia Federal chega à Gol e a casa de seu dono. Um fato a mais no seu temor
de ser preso, desde que as suspeições se agravaram por ser um dos
proprietários do sítio de Atibaia. É um empresário acuado, inseguro, quem me
chama: “Marco, eu preciso que você monte uma empresa, uma plataforma de
Ensino a Distância. Um novo negócio porque vou fechar a Gol. Vou mandar
estes filhos da puta todos embora. Preciso de um novo caminho.” Seu objetivo
era me tirar da empresa. Eu não precisava mais ir à Gol, mas continuaria
recebendo meu salário.
Isto se deu três meses depois da operação Aletheia. Era nítido o
desconforto de Suassuna em manter na empresa alguém que não acreditava
em seus discursos de moralidade. Um clima opressivo tomara conta da Gol.
Seu dono, que antes representava seu teatro aos gritos para todos ouvirem,
passara a se reunir a portas fechadas.
Fui trabalhar em casa. Suassuna, que nunca tinha me visitado, passou a
aparecer semanalmente, depois menos. Não queria me perder de vista. Enrolava
com o tal projeto de Educação a Distância e me sondava para ver se eu não iria
representar um problema para ele. Em uma das visitas, Suassuna se esgueirou
para trás de uma pequena palmeira, sempre temendo estar na mira de alguma
câmera. Dizia-se perseguido. Sua fala era desconexa, lamentava que não tinha
recursos para pagar a folha salarial da empresa, faltava-lhe dinheiro até para
compras no supermercado. O mentiroso de sempre, mas, em vez de exaltar
grandezas, misérias. De repente, explodiu: “Não tenho medo de ninguém! Não
tenho medo de porra nenhuma! Já entraram na minha empresa, entraram na
minha casa, sofri busca e apreensão. Já fizeram tudo! Hoje quem quiser pode
vir para cima de mim. Pode ser você! Quem vier vai levar um tiro na testa.”
Uma ameaça explícita seguida de outras veladas de autores diferentes
depois que tornei pública minha intenção de publicar este livro. Um advogado
de um dos personagens deste relato chegou a me enviar uma mensagem por
WhatsApp. Tentava me intimidar.
Não havia mais clima para continuar no Grupo Gol. Reuni-me com
Suassuna e seu advogado no escritório deste no Centro do Rio para discutir o
distrato. Foi uma conversa tensa, com um desfecho inesperado. Suassuna,
rubor, raiva e desespero alternando-se, passa a se esmurrar com violência
incontida. Foi a última vez que o vi. A imagem que ficou é a de hematomas
cobrindo o rosto antes sorridente e amigável.
Passado algum tempo, recebo uma intimação da Receita Federal – Força
Tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro – para prestar esclarecimentos sobre
uma empresa chamada PJA. Nunca ouvira falar nela. Porém, o endereço era o
mesmo da casa da Lagoa, primeira sede da Gol. Meu depoimento foi ao
supervisor e a mais dois auditores da Receita Federal. A conversa durou cerca
de duas horas e meia e os ajudou a montar o intricado quebra-cabeça de
negociatas do Grupo Gol.
Este primeiro contato com os investigadores me tirou da letargia em que
me encontrava desde que me afastara daquele circo chamado Gol. Ficara
anestesiado pela sucessão e gravidade dos acontecimentos que presenciara.
Precisava exorcizar aquelas lembranças desagradáveis. Ofereci-me, então,
para colaborar. Prestei depoimentos, encaminhei arquivos e mensagens de e-
mails sobre os temas investigados. Após terminar a ajuda à Receita Federal na
Força Tarefa da Lava Jato, decidi buscar outras formas de expressão para meu
depoimento. Durante quase dois meses encontrei-me para entrevistas com o
repórter Ítalo Nogueira, da Folha de S. Paulo, que as publicou nas edições de
21, 22 e 23 de outubro de 2017. Por causa delas, o Ministério Público Federal
do Rio de Janeiro fez contato comigo. No MPF-RJ prestei dois depoimentos.
Uma semana antes do segundo depoimento, recebi uma mensagem de um
agente da Polícia Federal do Paraná: repetiria para eles o que dissera à
imprensa? Disse que sim. Levei para a Superintendência da Polícia Federal em
Curitiba, em meu primeiro depoimento, dois MacBooks para serem
apreendidos e espelhados. Em janeiro de 2018, estive pela segunda vez com os
investigadores durante dois dias. Este livro é um documento do que vi e ouvi
em sete anos no Grupo Gol, acompanhado de fartas provas dos fatos descritos.
Boa leitura a todos.


Folha de S. Paulo, 21 de outubro de 2017.

Folha de S. Paulo, 21 de outubro de 2017.


Folha de S. Paulo, 21 de outubro de 2017.



O Antagonista, 21 de outubro de 2017

Negócios de mentira,
dinheiro de verdade

A origem e a carreira de Jonas Suassuna, a formação


do Grupo Gol, os malabarismos de retórica de um grande
mentiroso e os poderes de uma mãe de santo nas
empresas Gol.
“Ele é o maior mentiroso que conheço.” A sentença, atribuída ao ex-presidente
Lula, e muitas vezes repetida por Kalil Bittar, refere-se a Jonas Suassuna,
personagem controverso, empresário de negócios que se tornaram nebulosos,
que emprestou suas empresas do Grupo Gol para servirem à lavagem de dinheiro
para os sócios Fábio Luís, filho do ex-presidente, e os irmãos Bittar, Kalil e
Fernando. Estes nunca foram amigos de Suassuna, mas usaram amizades e a
influência de Lula para encher as burras com o dinheiro da corrupção, sempre
unidos pela ganância desmedida e todos, enquanto este livro é escrito,
cozinhando no caldeirão da Lava Jato.
Jonas Leite Suassuna Filho nasceu em 7 de agosto de 1958, na Paraíba. Ele é
o fio condutor dos relatos deste livro, que trata de negócios fraudulentos
iniciados em 2009, quando se associou a Fábio Lulinha da Silva. Tem 60 anos,
casou-se com a empresária Cláudia Bueri em 2013, e tem um casal de filhos de
relacionamento anterior. Ex-seminarista, sua origem é humilde, suou muito – em
suas próprias palavras – para sobreviver. Mas é um passado que conta sem
qualquer vestígio de nostalgia ou orgulho, apenas conta.
Suassuna ganhou notoriedade quando se revelou que era um dos donos do
sítio de Atibaia, que o Ministério Público Federal investigou por supostamente
ter servido a Lula como forma de propina, por meio de reformas e melhorias ali
feitas pelas empreiteiras Odebrecht e OAS. É um sujeito bonachão, expressão
amigável, mas que se transfigurou muitas vezes sob pressão de sucessivas
denúncias envolvendo sua sociedade com Lulinha e negócios mal explicados
com a operadora Oi. A imprensa não lhe dava trégua. O empresário bem-
sucedido, que não economizava regalos a parceiros de negócios e seus
familiares, pagava-lhes despesas de viagem, vivia então à beira de um ataque de
nervos.
Até que a Lava Jato o iluminasse com seus holofotes, Jonas Suassuna era
nome restrito a seu círculo de negócios, com raras incursões na vida da alta
sociedade carioca e assíduo frequentador anônimo de bons restaurantes. A partir
de 1985, os meios publicitários cariocas acostumaram-se a seu nome e a sua
presença. Ele fundara a Zapt, uma pequena agência que conquistou prêmios do
setor e estabeleceu as bases de um empresário arrojado, inovador, mas sempre
traído por sua arrogância: Zapt, “zombando da propaganda tradicional”, dizia ele
de sua empresa, ao mesmo tempo que ensaiava incursões em áreas inacessíveis a
novatos. Mesmo assim, em 1995, elege-se presidente da Abap-Rio, a regional
carioca da Associação Brasileira de Agências de Publicidade. Seus pares na
entidade reconhecem que ali ele fez história. Suassuna implementou campanhas
de grande repercussão social. Em 1998, mobilizou a associação e os cariocas sob
a bandeira de “Reage, Rio”, promovendo passeatas antiviolência, e mais tarde
engajou-se no movimento “SOS Crianças Desaparecidas”.
Na década de 1990, a Zapt ia bem, mas se tornara pequena para as ambições
de Suassuna. Estava instalada numa confortável casa próxima às margens da
Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, mas distante do fausto da futura sede própria
do Grupo Gol na Barra da Tijuca.
O empresário já ampliara e diversificara suas atividades. Criou o projeto
“Vasco 2000”, para captar patrocínios para o clube, incursionou na Fórmula
Indy, conquistando investidores para a volta do piloto Roberto Pupo Moreno às
pistas de corrida – um negócio que foi investigado e rendeu algumas prisões – e
descobriu na Espanha o filão que o tornaria milionário. Desde que teve uma
rápida passagem pela Televisa como consultor, ele viajava com frequência
àquele país. Tornara-se figurinha fácil ali, mas pelo menos uma vez posou de
figurão, em Madri, ao integrar a comitiva do presidente Lula em 2011. Foi Lula
quem lhe abriu as portas da operadora Vivo, mais uma vez agindo para
beneficiar o filho Lulinha, sócio de Suassuna.
Na Espanha, o filão de ouro multiplicava-se pelas bancas de jornais, que
estampavam uma bem-sucedida novidade: venda de produtos agregados às
publicações. Por uma pequena quantia a mais, o leitor levava o jornal e um CD
de música, uma fita VHS, livros em fascículos e o que mais os executivos de
marketing conseguissem inventar.
Corria o ano de 1998 quando a figura imponente de Jonas Suassuna, falando
alto e distribuindo sorrisos como se fossem brindes, chegou à sede da Folha de
S. Paulo. Seu destino era a sala dos executivos de marketing do jornal. Levava
uma ideia na cabeça, de que se apropriara na Espanha, e a certeza de que
repetiria no Brasil o sucesso obtido nas bancas de jornais espanholas com a
oferta de produtos agregados. Aqui, na véspera de clássicos de futebol, os jornais
circulariam com CDs de hinos dos clubes que estariam em campo. Bingo. Todos
lucraram com o negócio e nasceu a Goal Records, embrião do Grupo Gol.
“Eu vim depois do carro e antes do avião” – em referência ao carro e à
companhia aérea, ambos Gol – não se cansava de repetir o fanfarrão Suassuna,
que já então multiplicava seus sucessos e suas mentiras. É ainda o ex-presidente
Lula, segundo versão de Kalil Bittar, quem diz: “O Jonas mente com tanta
empolgação que você fica ali prestando atenção e sabendo que é mentira o que
ele está falando. Ele é o maior mentiroso que eu conheço.” Com alguma boa
vontade pode-se dizer que eram apenas fanfarronices, para conferir grandeza a
seus negócios. Na história contada a aritmética da mentira não tinha limites.
Narrava o efeito de seu discurso em reuniões, como tinha deixado a plateia
encantada. Prometia levar a Nuvem de Livros – um de seus projetos, como se
verá adiante – à China. As grandes mentiras surgiriam da sociedade com Fábio
Lulinha da Silva e Kalil e Fernando Bittar. Negócios de fachada, sem lógica
comercial, serviços nunca prestados ou parcialmente realizados, mas faturados;
grandes mentiras que enchiam os bolsos dos sócios com dinheiro de verdade.
Com os CDs de hinos de futebol espalhados pelo Brasil, o dinheiro entrava
fácil, e ainda lícito, mas insuficiente para que Suassuna pudesse se
autoproclamar um milionário de verdade. Estava, mesmo assim, no caminho
certo: a proximidade dos executivos de jornais era promissora, ele só não sabia
então que seus primeiros milhões de reais teriam um toque divino. A Bíblia
narrada por Cid Moreira ocuparia, em 1998, o lugar dos CDs de hinos de
futebol, para alcançar a astronômica cifra de 30 milhões de unidades vendidas,
com faturamento bruto de R$ 150 milhões. São números quase oficiais, que
variavam de acordo com o dia e o humor de Suassuna. Numa reunião com um
executivo de uma operadora de telefonia, por exemplo, ele, com uma expressão
teatral, apontou para uma foto de Michael Jackson na parede e perguntou:
“Gosta deste cara?” Diante da resposta afirmativa, emendou: “Pois saiba que já
vendi mais CDs do que seu ídolo.” Michael vendeu 750 milhões de cópias.
O milagre dos milhões de reais começara a operar-se. O tronco de telefonia
da Folha de S. Paulo – a Folha da Tarde acabava de lançar a Bíblia Narrada –
entrou em colapso por causa da enxurrada de telefonemas de jornaleiros. Todos
queriam mais CDs da Bíblia e, suprema heresia, bancas foram assaltadas e a
Bíblia chegou ao câmbio negro pela mão de bandidos.
Eram Bíblias e dinheiro para não acabar mais. Suassuna não economizava
em benesses e em saciar sua compulsão para o exibicionismo. Aos parceiros de
negócio era oferecida comissão de R$ 0,10 por CD vendido. O folclore em torno
do exibicionista enriquecia-se com novos episódios, sempre conforme sua
estratégia de impressionar e deslumbrar as pessoas. Ora estava em São Paulo e
decidia comprar um Mercedes para calar os que duvidavam de seus milhões
arrecadados com a venda de CDs em jornais. Ora fechava o hotel Nas Rocas,
localizado em uma ilha a 5 km da vila de Búzios, RJ, para receber convidados de
todo Brasil. Com tudo pago, direito a acompanhante e jatinho particular fretado
para os mais nobres, Moët Chandon e taças de cristal para recepcioná-los em
seus quartos; tudo isso era pouco diante de outras excentricidades. Certa vez,
Suassuna reuniu cerca de duzentos convidados para apresentar sua mansão no
Itanhangá, na Barra da Tijuca, Rio. Já então, as estrelas do socialite carioca o
reconheciam como um dos seus. Foi uma noite de encantamento, enriquecida
por um requintado menu.
Na chegada à mansão, uma cena insólita recepcionava os convidados no
jardim. Iluminada por poderosos holofotes, uma Ferrari vermelha – que chega a
custar mais de R$ 1,5 milhão no Brasil – brilhava em todo seu fausto, abrigada
aos pés de uma palmeira. O exuberante Suassuna circulava entre os convivas,
recompensado por calorosos tapinhas nas costas e comentários que não se
fartavam de elogiar a beleza do carro. O chef responsável pelo menu teve que
recolher-se a sua insignificância, pois a excelência de seus acepipes não bastava
para competir com a poderosa máquina. Mas foi vingado. Não se sabe como,
nem porquê, parte da palmeira desabou sobre a Ferrari, danificando a mais
faiscante joia da coroa Suassuna.
Mau presságio. Em todo caso, forças ocultas zelavam pela segurança do
anfitrião. Havia uma mãe de santo mantida de plantão para o que desse e viesse.
A bruxa do Jonas, como ficou conhecida, opinava sobre negócios e pessoas antes
mesmo que os executivos do Grupo Gol fossem ouvidos. Suas mandingas não
poupavam os inimigos do patrão e seu poder espiritual era requisitado até em
questões mais simples, como a contratação de profissionais. Mesmo diretores
tiveram que passar pelo escrutínio da bruxa do Jonas.
“Liga pra ela!” Já se sabia de quem se tratava. A ordem dada aos gritos –
como Suassuna se expressava, para o bem e para o mal – ouvida em toda
empresa, anunciava que algo de grave ou importante estava para acontecer. O
telefonema nem sempre dava conta do recado. A gravidade de uma situação
podia exigir a presença física da mãe de santo na empresa. Ela e seu protegido
encerravam-se na sala de reuniões que, para tais efeitos, é mais apropriado
chamar de sala de “despachos”.
Quando o Grupo Gol e seu dono começaram a frequentar o noticiário, a mãe
de santo viu seu trabalho dobrar. Certa vez, um repórter pediu uma entrevista e
adiantou a pauta: o projeto Conexão Educação, um escândalo explicado em
outro capítulo, e seus negócios com Fábio Lulinha da Silva. Um Suassuna com o
rosto vermelho, pânico estampado na fisionomia, encerrou a ligação sem dar
resposta ao jornalista. Ato contínuo, a mãe de santo já estava ao telefone.
Conversaram sem testemunhas. Mas não foi difícil descobrir o que aconteceu ali.
Finda a conversa, a empresa foi mobilizada para pesquisar toda informação
disponível sobre o repórter. Uma foto dele foi despachada por e-mail para a
bruxa. Pouco depois, um Suassuna aliviado comentava: “ela prometeu tirar ele
do meu caminho”. O repórter, designado para nova pauta ou por qualquer outro
motivo, nunca mais apareceu.
Durante quase uma década, o Grupo Gol navegou nas águas tranquilas
e amigáveis do projeto Bíblia. Mas sucessivos negócios malsucedidos
abalaram o caixa da empresa. Perdera-se muito dinheiro com a Bíblia
Infantil gravada pela apresentadora Angélica, a História dos Santos na
voz de Chico Anísio e o projeto de gravação do Apocalipse em CDs,
também na voz de Cid Moreira. Não era ainda o fim do mundo, nem
da Gol, mas requeria providências urgentes. Estava armado o cenário
para a entrada de novos sócios que pudessem livrar o Grupo Gol do
final dos tempos. Um amigo em comum levou Jonas Suassuna ao
encontro de Fábio Lulinha da Silva, Kalil e Fernando Bittar. Os
malabarismos de retórica do grande mentiroso encantaram os futuros
sócios. O empresário quebrado posou de milionário, e convenceu.


Chamada de capa para o 11º CD da Bíblia narrado por Cid Moreira - Folha da Tarde, 07 de novembro
de 1998.

Anúncio da coleção d e CDs d a Bíblia narrados por Cid Moreira encartados no jornal Agora que foi
sucessor da extinta Folha da Tarde Folha de S. Paulo, 26 de junho de 1999.


Suassuna inflava os resultados dos Cds da Bíblia em suas apresentações, chegando a 45 milhões de cópias
vendidas.
A quadrilha Gol

Sócios sob medida. A Gol balança, mas não cai


graças a Lulinha e aos irmãos Bittar. Empresas de
fachada para negócios fraudulentos. Lavagem de dinheiro
passa pelo pagamento de despesas pessoais.
A situação da Gol em 2008 era preocupante. A fortuna amealhada com os CDs
da Bíblia tinha ido pelo ralo de negócios mal feitos por Suassuna, também um
perdulário sem limites. Além disso, o custo financeiro da separação dele da
primeira esposa, sócia na Goal Records, fez sangrar mais o caixa da empresa. O
acaso foi em socorro do empresário. Um amigo dele foi trabalhar na G4
Entretenimento e Tecnologia Digital Ltda. Tratava-se de uma produtora de vídeo
para campanhas políticas do interior de São Paulo e alguns poucos comerciais de
TV, fundada em Campinas, SP, por Kalil e Fernando Bittar e Fábio Luís Lula da
Silva. Dito assim, parece tratar-se de um pequeno negócio, mas a G4 se tornaria
acionista da Gamecorp, controladora do canal PlayTV, a qual a Oi se associou
comprando 33% de suas ações, um investimento de R$ 5,2 milhões. Os sócios
perfeitos para tirar Suassuna da encrenca financeira em que estava metido. O
amigo intermediou um encontro entre eles.
“Fomos encontrar Jonas Suassuna pensando que nossos problemas estavam
resolvidos, que ele tinha muita grana, e na verdade estava quebrado. Ele é que
precisava do nosso dinheiro.” Os novos sócios logo perceberam o engodo
encenado pelo dono da Gol, mas nem por isso a sociedade entre eles deixou de
prosperar.
Os irmãos Kalil e Fernando Bittar são filhos de Jacó Bittar, ex-prefeito de
Campinas e um dos melhores amigos do ex-presidente Lula. Com uma ambição
desmedida por dinheiro, tinham uma arma poderosa para isso, a influência de
Lula, pai de Fábio Luís. O dono da Gol vislumbrou ali a oportunidade de que
precisava para virar os negócios a seu favor. O envolvente Suassuna pôs em ação
sua técnica de conquista preferida, deslumbrar as pessoas. Alugou para isso uma
casa em Miami, onde passou a promover encontros com membros da família
Lula da Silva. Queria estabelecer uma proximidade com os parentes dele e lhes
ofereceu o melhor que o dinheiro podia comprar.
O controle acionário da BR4 foi dividido entre a G4 Entretenimento Ltda, de
Fábio Luís e dos irmãos Bittar, e a Gol Mídia, de Suassuna. A G4 controlava
66,66% das ações e a Gol Mídia, 33,34%. Os Bittar e Fábio Luís se diziam
sócios da Gol Mobile, mas era o nome de Suassuna que aparecia na razão social
desta empresa. Embora não existisse no papel, havia sociedade de fato para a
divisão dos lucros da Gol Mobile, que firmou contratos fraudulentos com a Oi, e
foram subcontratados para projetos com a prefeitura e o governo do estado do
Rio. O ex-governador Sérgio Cabral e o ex-prefeito Eduardo Paes se envolviam
pessoalmente nas negociações. Na prefeitura do Rio atuava como coadjuvante a
Contax, uma empresa de call center encarregada de repassar dinheiro para a Gol
por meio de contratos para o desenvolvimento de aplicativos para celular.
Fábio Luís Lula da Silva tem 43 anos e é o filho mais velho de Luís Inácio
Lula da Silva com Marisa Letícia. Formou-se em Ciências Biológicas pela
Universidade Paulista e foi monitor do Parque Zoológico de São Paulo. Veste-se
de jeans e tênis, gosta de games, não resiste a um chope e esteve acima do peso
até que Suassuna o convenceu a aderir à malhação e contratar um personal
trainer. No Grupo Gol, mostrava-se brincalhão, descontraído. Ele, assim como
Kalil e Fernando, posava de meninão, com um jeito nerd de ser.
Fábio Luís tem gostos simples, a quem vão bem pão com mortadela e
cerveja, mas despesas extravagantes. Gastou R$ 1,6 milhão, pagos em grande
parte pela Gol, em obras, armários planejados e mobiliário para o apartamento
em que mora, de propriedade de Suassuna. No início da sociedade, frequentava
bastante o Grupo Gol, no Rio de Janeiro, mas as visitas escassearam. Era ele que
comandava, para desgosto de Suassuna, as reuniões da sociedade e encaminhava
as tomadas de decisões. Nas reuniões com empresários e políticos mostrava-se
discreto, mas não havia dúvida de que se negociava ali com o filho de Lula. O
poder e influência do pai eram cartas na mesa para o que fosse necessário. Suas
opiniões e vontade prevaleciam sempre, principalmente quando o assunto tratado
era dinheiro.
Kalil Bittar não é de fazer muitos amigos e alguns creditam isto a seu jeito
grosseiro, que nunca faz questão de disfarçar. É macmaníaco, viciado em
tecnologia. Sua sala na Gol, na qual podiam ser vistas pilhas de embalagens de
iPhones que havia comprado, exibia como decoração desde a espada de Darth
Vader, o vilão de Guerra nas Estrelas, até miniaturas de personagens de games. O
destaque ficava por conta de um enorme quadro com a foto de Lula, em
perspectiva forçada, uma técnica que usa a distância relativa de um objeto para
criar ilusão de ótica. Lula, dependendo do ângulo de visão, podia ser visto de
camisa social, trajando um macacão de operário da Petrobras, ou vestindo terno
com a faixa presidencial.
Kalil tinha, no Rio de Janeiro, dois apartamentos no valorizadíssimo
Condomínio Península, na Barra da Tijuca, onde Jonas Suassuna também foi
morar. Era também proprietário – fato pouco conhecido – de um apartamento na
Av. Alexandre Ferreira, no nobre bairro da Lagoa, vizinho à antiga sede da Gol,
e onde um dos irmãos do Suassuna passou a morar. Sua evolução patrimonial foi
significativa. Além desses apartamentos e outros em Campinas, SP, ainda se
gabava de ter algumas dezenas de títulos de consórcios de carros. Ele era alvo
preferido de Amauri Melo, um dos ex-diretores da Gol: “Ô, Bittar, eu tenho
currículo, você tem folha corrida.” Depois generalizava: “Isto aqui é uma
lavanderia. Um dia vou implodir tudo. Vou matar o Jonas e o Kalil do coração
quando eu abrir a boca.”
Fernando Bittar é o oposto do irmão. Mais magro, mais baixo e mais
educado, é o tipo do boa pinta que agrada as mulheres. Aparentava timidez e
uma postura low-profile em relação à condução dos negócios. Na Gol, dizia-se
que estava na sociedade por ser irmão de Kalil. Nas decisões, incluindo as
financeiras, a participação de Fernando era menor do que a dos demais. Um
verdadeiro arroz de festa, só útil para acompanhar, até que tudo mudou. Ao se
noticiar que ele era um dos donos do sítio de Atibaia, o tímido Fernando vira
protagonista. Ele, que durante anos organizou agendas e negócios por meio de
contatos que tinham identificação política e amizades com o presidente Lula,
torna-se conhecido na mídia nacional.
Fábio, Kalil e Fernando, que haviam crescido juntos, eram amigos. Com o
sócio, o businessman, laranja para os íntimos, só negócios. Praticamente não
existia relação social entre eles. Algumas vezes, poucas, saíram para um drink
ou um jantar na casa do patrão da Gol. Suassuna também cultivava a álcool a
relação com Lula, enviando-lhe caixas do caríssimo uísque Johnnie Walker Blue
Label. Fábio Luís não gostava de ser preterido nessas ocasiões e também exigia
receber igual mimo.
O dinheiro ilícito ganho por meio da sociedade deles tinha como principal
fonte a Oi, como se verá adiante neste livro. Diferentes empresas do Grupo Gol
foram usadas e os valores migravam entre elas, numa intricada operação para
lavagem do dinheiro. Tratava-se de empresas de fachada, algumas sem
funcionários e sem atividades, empregadas apenas para a assinatura de contratos
fraudulentos. Um exemplo é a Gol Mídia, criada para movimentar os milhões
obtidos por outras empresas do Grupo Gol. Sem nunca ter desenvolvido
qualquer atividade, a Gol Mídia era sócia da G4 na BR4, que tinha participação
na Gamecorp, e por aí circulavam os lucros dos negócios ilícitos. Suassuna se
tornou sócio de Lulinha na BR4 Participações por meio da Gol Mídia. A Lava
Jato investigou que esta empresa serviu de canal para a transferência de recursos.
Entre 2007 e 2016, a Gol Mídia recebeu em suas contas cerca de R$ 7,15
milhões, o mesmo valor que foi sacado. Do total que entrou em suas contas,
Suassuna transferiu aos sócios R$ 5,4 milhões, e mais R$ 300 mil de suas
empresas. R$ 2 milhões se destinaram às empresas de Kalil Bittar – PDI
Processamento Digital – e do Lulinha – Gamecorp. A Gol Mídia também serviu
para a compra dos carros de luxo para os sócios e pagamento de viagens
nacionais e internacionais. Kalil e Fernando Bittar emitiam notas fiscais mensais
com valores entre R$ 30 e R$ 40 mil, além de promissórias descontadas no
Banco Santander com valores superiores. Kalil recebia por meio de notas da sua
empresa PDI, Fernando Bittar, da Coskin, e Lulinha pela G4. Outro meio
empregado para a lavagem de dinheiro foi o aplicativo Mosqueteiro, de envio de
mensagens SMS, um projeto antigo e inacabado da Gol. Foi ressuscitado para
Suassuna pagar mais de R$ 2 milhões a G4 Entretenimento Ltda, que deveria
desenvolver o aplicativo. A G4 recebeu este dinheiro e subcontratou Rafael
Leite, amigo de Fábio e dos Bittar, para fazer a programação do Mosqueteiro.
Recebeu R$ 20 mil por isto. O Mosqueteiro mesmo nunca ninguém viu ou usou.
A lavagem de dinheiro dava-se, também, por meio de pagamentos, pela Gol,
de contas pessoais de Fábio Luís e dos irmãos Bittar. Isto incluía principalmente
passagens aéreas, prestações da compra de imóveis e aquisição de carros. Fábio
Luís, que antes ocupara um apartamento alugado por Suassuna, mora num
luxuoso apartamento de 335 metros quadrados, no Edifício Hemisphere, na Rua
Juriti, perto do Parque Ibirapuera, em São Paulo, propriedade do dono da Gol.
Custou R$ 3 milhões e hoje está avaliado em cerca de R$ 7 milhões. Ali foram
feitas reformas no valor de R$ 1,6 milhão patrocinadas em sua maior parte por
Suassuna e Fernando Bittar que arcaram com R$ 1,1 milhão.
No último ano dessa sociedade, 2015, o Grupo Gol movimentou a espantosa
quantia de R$ 106 milhões sem negócios que justificassem esses valores. No ano
seguinte, o faturamento voltou ao patamar habitual de R$ 11 milhões. Em abril
de 2017, sem Lulinha e os irmãos Bittar, a Gol perdeu o contrato da Nuvem de
Livros com a Vivo. Seu faturamento caiu para praticamente zero.


Suassuna e Lula na sala de Kalil Bittar na sede do Grupo Gol no Rio de Janeiro.


Reunidos na sede do Grupo Gol: Paulo Okamoto, Lula, Kalil e Fernando Bittar,
Lulinha e Suassuna.
Abre-se a caixa preta da Oi

Muitos milhões de reais numa ação entre amigos.


Lula muda o Plano Geral de Outorgas lei que
regulamenta as telecomunicações e beneficia a operadora
Oi. Fábio Luís Lula da Silva entra no milionário mundo
das negociatas.
Os negócios suspeitos de Fábio Luís da Silva e dos irmãos Kalil e Fernando
Bittar com a operadora de telefonia Oi datam de bem antes da sociedade com
Jonas Suassuna, por meio da criação da BR4 Participações. Em 2004, os três
fundaram a Gamecorp, voltada para o desenvolvimento de conteúdo,
basicamente games, e mais tarde responsável pelo canal PlayTV. Poucos meses
depois de nascer a Gamecorp, a Oi – na época ainda Telemar – investiu R$ 5,2
milhões na aquisição de 33% de ações dela. Investigadores da Lava Jato
chegaram a números bem mais expressivos. A Oi e empresas ligadas a ela
injetaram R$ 82 milhões na empresa de Lulinha. Contudo, ainda era pouco como
se verá adiante.
Questionou-se o motivo de a Oi, que não era estatal, mas explorava uma
concessão pública na área de telefonia, ter injetado milhões de reais em uma
empresa recém-criada e com um capital de R$ 100 mil. E mais, o filho do então
presidente da República era o dono da Gamecorp. A operação foi investigada
pela Polícia Federal e Ministério Público, mas o caso foi arquivado em 2012.
Outro fato intrigante é que, até 2015, a Andrade Gutierrez, também alvo da Lava
Jato, figurava entre as controladoras da Oi. Seu presidente, Otávio de Azevedo,
disse em delação premiada à Polícia Federal que o investimento na Gamecorp
foi uma decisão estratégica de negócios. De qualquer forma, esta explicação
pode ser revista. No momento em que este livro é escrito, está sendo discutido
um recall da delação da Andrade Gutierrez, e é previsível que o tema ganhe
novos fatos.
Tudo muito conveniente. Em novembro de 2008, o presidente Lula assinou o
decreto que mudava o Plano Geral de Outorgas, que permitiu a Oi comprar a
concorrente Brasil Telecom. Uma dívida de gratidão que seria paga pela
operadora de telefonia por meio de contratos com a Gol, o laranja da vez de
Lulinha e dos irmãos Bittar.
É bom relembrar. No início de 2008, começaram as negociações para a
compra da Brasil Telecom pela Oi. Mas como, se a lei de outorga de
telecomunicações não permitia isso? Uma empresa de telefonia não podia
adquirir outra que atuasse em diferente região, a não ser que abrisse mão, num
prazo de seis meses, da concessão que já possuía. Mesmo com este obstáculo do
decreto nº 2.534 de 2 de abril de 1998, que tratava Plano Geral de Outorga de
Serviço de Telecomunicações, as empresas prosseguiam nas negociações. Eis
que, por obra e graça do presidente Lula, a ilegalidade torna-se legal. Em 20 de
novembro de 2008 é assinado o decreto nº 6.654, alterando o Plano Geral de
Outorgas, que passa a permitir este tipo de aquisição. Questionado, o governo
justifica este jogo de cartas marcadas com uma singela explicação: o decreto iria
facilitar a criação de uma grande empresa de capital nacional para enfrentar os
mexicanos da Claro e os espanhóis da Vivo. Em 2009, o negócio é fechado por
R$ 5,8 bilhões com participação do BNDES.
Da parte da operadora Oi, a sociedade com Lulinha justificava-se, pois o
investimento baseara-se numa lógica de mercado – a área de games para
celulares era promissora –, mas não convenceu. A vultosa aplicação de dinheiro
na Gamecorp franqueou a entrada de Fábio Luís Lula da Silva, até então
estagiário de biologia na Fundação Parque Zoológico de São Paulo com um
salário mensal de R$ 600,00, no milionário mundo das negociatas. Não se tem
notícia de games desenvolvidos pela Gamecorp na época, mais envolvida no
lançamento de um canal de televisão, o PlayTV.
Fábio Luís tornou-se presidente deste novo empreendimento, que começou a
operar com a exibição de videoclipes que juntavam música e games. Em junho
de 2006, a Rede Bandeirantes de TV entrou no negócio por meio do aluguel à
Gamecorp de seis horas diárias de programação do canal 21 (UHF-SP). Iniciou-
se, então, uma verdadeira ação entre amigos. A Oi faz um aporte de mais R$ 10
milhões para a compra antecipada de comerciais na PlayTV. A Rede
Bandeirantes, por sua vez, tem aumentada sua receita de publicidade do governo.
Tudo tão conveniente que reportagens chegaram a mencionar a existência de um
contrato de gaveta entre a Bandeirantes e Lulinha para partilharem essa verba
comercial extra. Se non è vero, è ben trovato.
Do primeiro encontro entre Jonas Suassuna, Fábio Luís e Kalil e Fernando
Bittar nasce a BR4 Participações, fundada para ser plataforma de contratos de
fachada com e por meio da Oi. Era preciso dar caráter de legitimidade à
contrapartida da operadora beneficiada pela mudança na lei de outorga da
telefonia.
Entra em ação a Gol Mobile de Suassuna, como entrariam outras empresas
do Grupo Gol. Recém-criada, ainda sem funcionários, ela recebe recursos da Oi.
Seguiram-se, como será detalhado adiante neste livro, o Conexão Educação (R$
93,7 milhões, dos quais mais de R$ 10 milhões da Gol), o portal de voz de Cid
Moreira, com mensagens bíblicas (R$ 27,2 milhões); Clubes de Conteúdo por
SMS, Mais Bela Mais Leve (R$ 25,2 milhões). Todos estes contratos foram
investigados pela Força Tarefa da Lava Jato e constam de relatórios da Polícia
Federal de setembro de 2016.
A desfaçatez dos negócios superfaturados e fraudados não tinha limites.
Contratavam-se serviços com o Grupo Gol, sem que este tivesse expertise para
executá-los. Operava-se sempre da mesma maneira: a Oi na jogada, disparos de
SMS para diferentes fins e contratados por governos. Ora, o grupo não tinha
nenhuma empresa capacitada para isso, mas recebia da operadora valores de
400% a 500% superiores ao preço cobrado no mercado pelo mesmo serviço de
envio de SMS e por volumes não realizados.


Faturamentos milionários oriundos da Oi e registrados no Laudo Pericial do Departamento de
Polícia Federal Superintendência Regional no Paraná – Operação Lava Jato No 2005/2016-
SETEC/SR/PF/ PR – PG 08 – 19 de setembro de 2016.
Mais Bela e Mais Leve, um conto do vigário
no celular

Contratos feitos sob medida. A gênese do conto do


vigário. A Oi paga R$ 25 milhões ao Grupo Gol e fatura
quase zero. As risíveis mensagens de SMS.
O acordo estava feito: a Oi pagaria ao Grupo Gol R$ 52,4 milhões durante
quatro anos (2009-2013), com valores mensais em contratos de R$ 1,2 milhão e
um adiantamento de R$ 800 mil. Se fosse um negócio lícito, estabeleciam-se
suas bases, seu objeto, quem faria o quê, e assinava-se o contrato. Mas quando se
trata de uma negociata, a lógica é outra. Tal montante mensal tinha que ser
justificado por contratos de fachada, para lhe conferir um caráter de legalidade e
não chamar atenção. Daí nasceram os projetos Mais Bela e o Mais Leve. O
primeiro dedicado a temas e conselhos sobre beleza, o segundo, saúde e
emagrecimento. Os dois juntos, ao custo de R$ 600 mil mensais pagos pela Oi,
receberam o pretensioso título de clubes de conteúdo por SMS. Tratava-se de um
legítimo conto do vigário com a pompa e a circunstância de recursos dos
smartphones. Os restantes R$ 600 mil por mês iriam para o Portal de Voz,
Mensagens da Bíblia com Cid Moreira, como se verá adiante neste livro.
O Mais Bela e o Mais Leve deixaram nos bolsos dos afortunados sócios R$
25.213.405,69, valores líquidos confirmados em relatório da Polícia Federal,
Força Tarefa da Lava Jato, de setembro de 2016. Esse dinheiro chegava a
Lulinha e aos Bittar por meio do pagamento de despesas pessoais e notas fiscais
de empresas como a G4, onde Lulinha recebia, PDI, Kalil Bittar, e a Coskin,
Fernando Bittar. Essa dinheirama devia ser provida por clientes da Oi que
receberiam três mensagens diárias por SMS em seus celulares com dicas de
beleza ou emagrecimento. Uma simples vista nos números do negócio mostra a
fraude. Para ser assinante do clube, o interessado pagava à operadora de celular
R$ 1,99 por semana. O Grupo Gol divulgou por meio releases que os clubes
alcançaram oito mil assinantes. Mentira, mas mesmo que fosse verdade as contas
não fechavam. A Oi pagava R$ 600 mil por mês a Gol e mal chegava a faturar
míseros R$ 100,00. O tamanho do golpe pode ser medido pelo número de
assinantes dos serviços. Suassuna recebeu o seguinte e-mail de um de seus
diretores em 15 de abril de 2012: “Pena não façamos nada para reduzir a
vergonha que é termos clubes abandonados a indigência”, e segue, informando
os resultados: “Assinantes totais, 380; assinantes ativos, 30; assinantes em
tarifação: 350”. O e-mail conclui: “Tarifação do mês anterior, zero; tarifação
acumulada em abril, zero”.
O constrangimento dos diretores da Gol chamados a participar de reuniões
sobre o Mais Bela e o Mais Leve era evidente. Não havia o que discutir diante
do acachapante fracasso comercial. Suassuna saía em defesa dos projetos, não
aceitava a recomendação para cancelá-los. Por trás de sua intransigência estava o
milionário contrato com a Oi.
O fracasso de vendas era previsível pois o que se propunha como conteúdo
era primário. “Fumar faz mal à saúde e pode causar câncer de pulmão”;
“pratique exercícios físicos para melhorar seu condicionamento físico”; “o
consumo exagerado de açúcar aumenta as chances de desenvolver cárie”; são
algumas das mensagens de SMS enviadas ao desavisado cliente. Para a Gol a
irrelevância do conteúdo oferecido nunca mereceu atenção, pois o objetivo fora
atingido, justificar o fajuto acordo com a Oi.
A fraude do Mais Bela e do Mais Leve vai à origem do próprio projeto.
Suassuna se apresentava como dono da ideia e a Gol como sua integral
desenvolvedora. Quem se der ao trabalho de visitar o site w2it.com.br vai
encontrar em seu portfólio o verdadeiro autor do aplicativo e administrador de
dados com interface web para os clubes Mais Bela e Mais Leve, conforme texto
informativo: “Os clubes Mais Bela e Mais Leve são serviços de informação
oferecidos pela Gol Mobile voltados para a beleza e a saúde da mulher.
Consistem em boletins que, assinados semanalmente, visam a integração SMS
com os serviços online. Para o celular segue o envio de dicas, enquanto na
internet é possível fazer um acompanhamento de sua meta traçada a partir dos
conselhos de especialistas (médicos, nutricionistas, etc). Esse aplicativo
desenvolvido pela We Do IT é totalmente integrado com o celular e tem sua
entrada de conteúdo gerenciada por um administrador de dados com interface
web.” A referida equipe de especialistas médicos nunca existiu, sendo restrita a
um endocrinologista, amigo de Suassuna.
A Tim e a Vivo também foram integradas aos projetos Mais Bela e Mais
Leve como parte da estratégia de Suassuna de legitimar seus contratos. Mas a
evidência dos números é ainda mais reveladora da fraude. Durante quatro anos a
Tim pagou a Gol R$ 19 mil, a Vivo, R$ 48 mil, e a Oi, R$ 25,2 milhões.
Embora a Gol recebesse aproximadamente R$ 600 mil por mês da Oi
pelos clubes Mais Bela e Mais Leve, eles não estiveram ativos durante toda a
vigência do contrato. Em dezembro de 2012, Ricardo Machado – um dos
diretores de Ti do Grupo Gol – solicitou por e-mail um levantamento interno
sobre LAs que não estavam ativas. LA é jargão técnico para large account, que
significa um canal aberto por uma empresa de tecnologia para a transferência de
conteúdos para os clientes de uma operadora de telefonia, de forma direta ou
indireta, por meio de uma empresa integradora. A Gol tinha LAs abertas que não
estavam ativas e Ricardo pedia que se avaliasse as que deveriam ser mantidas.
Nesse e-mail estão citados Mais Bela e Mais Leve que tinham LAs não ativas,
ou seja, os clubes estavam parados. Eles nunca tinham acontecido de fato, a não
ser para os interesses financeiros de Lulinha, dos Bittar e de Suassuna.


Revista Época, 22 de janeiro de 2018.



Site do clube de conteúdo Mais Bela para clientes das operadoras de telefonia.



Site da empresa “We do It” em www.w2it.com.br que se declara desenvolvedora dos aplicativos Mais Bela e
Mais Leve.

De: Amauri Mello amauri@golmobile.com.br
Assunto: Fwd: Channel Status Clube Mais Bela
Data: 15 de abril de 2012 06:52
Para: Kalil Bittar kbittar@mac.com, Marco Vitale vitale@golgrupo.com.br, Caio Suassuna
caio@golgrupo.com.br, Marcio Brandão marcio@golgrupo.com.br
Cc: Jonas Suassuna jsuassuna@golmobile.com.br

Caros
Pena nao façamos nada para reduzir a vergonha que eh termos clubes abandonados
a indigencia. Eu venho hah um ano falando em realimentar esses importantes
ativos, origem da Golmobile.
Pena ver que gastamos energias em coisas menores. O
potencial comercial eh imenso via patrocinador...
E criamos marcas...
Abrs,
Amauri
Sent from my iPad
Begin forwarded message:

From: Servidor de Conteudo Gol Mobile <contentserver@golmobile.com.br>
Date: April 15, 2012 4:01:12 AM GMT-03:00
To: reports@golmobile.com.br, claudia@lognetwork.com.br, centrocapilar@sheilabellotti.com.br,
roberta@lognetwork.com.br
Subject: Channel Status Clube Mais Bela

ASSINANTES TOTAIS: 380

Ativos: 30
Em ciclo de tarifacao: 350

Tarifacao total do mes anterior: 0 Tarifacao acumulada
ABRIL: 0

E-mail de 15 de abril de 2012 em que um diretor da Gol registrou a vergonha e o resultado zero
dos clubes de conteúdo usados como fachada para o contrato milionário com a Oi.



E-mail de 13 de dezembro de 2012 em que o diretor de tecnologia pede autorização para
cancelar os serviços inativos há vários meses, incluindo o Mais Bela e Mais Leve.

Contrato Fantasma assombra a Oi

Portal de Voz, mensagens da Bíblia com Cid


Moreira, um projeto que foi sem nunca ter sido. Oi
faturava em média R$ 704,00 mensais e pagava R$ 600
mil a Gol. Um contrato fantasma assombra a operadora.
De novo a busca de uma justificativa para valores que estavam prometidos pela
Oi e precisavam ser faturados. Parte do R$ 1,2 milhão por mês pago durante
quatro anos estava resolvida pelos clubes Mais Bela e o Mais Leve, que
custariam R$ 600 mil aos cofres da operadora de telefonia. Entra, então, em cena
o Portal de Voz, mensagens da Bíblia com Cid Moreira para buscar os restantes
R$ 600 mil mensais.
A solução era simples. Suassuna tinha a experiência dos CDs da Bíblia,
comercializados em bancas de jornal, daí nasceu a ideia do portal de voz. Cid
Moreira gravaria passagens da Bíblia, que estariam disponíveis para os clientes
da Oi. Ligava-se para o número do portal para ouvir mensagens do texto
sagrado, com a tarifa proporcional aos minutos consumidos. Suassuna acreditava
que esta seria uma solução acima de qualquer suspeita e apostava nisto por causa
do histórico de sucesso dos CDs do Antigo Testamento. Enganou-se.
O engodo, confrontado com os números, não resiste à mais simples análise
de credibilidade. Para começar, o relatório da Força Tarefa da Polícia Federal
identificou pagamentos desse contrato, de quatro anos, que alcançaram R$
27.253.400,00. O faturamento efetivo da Oi com o Portal manteve a média de
R$ 704,00 por mês. Além de R$ 600 mil mensais, o contrato também previa uma
antecipação de R$ 800 mil para produção do Portal de Voz - adaptação das
mensagens da Bíblia e gravações de novas mensagens. Cid Moreira gravou os
textos em seu estúdio particular em sua casa e nunca viu um tostão dessa
antecipação. Onde ela foi parar? Nos bolsos dos intrépidos sócios, é claro. Cid
Moreira contou que devia receber pelo licenciamento das gravações cerca de R$
40 mil mensais. Na época ele enfrentava uma batalha judicial com seu antigo
advogado e foi convencido por Suassuna a usar este valor para um acordo. O
dono da Gol cuidou de tudo.
O mercado nunca vira nada parecido com tal negócio. Neste tipo de
empreendimento a empresa de telefonia pega o conteúdo que lhe interessa e o
oferece a seu cliente, pagando ao fornecedor um percentual sobre as vendas. Em
geral, a operadora fica com 60% do total recebido com as ligações feitas pelos
clientes e remunera o parceiro com 40% do valor arrecadado. Ninguém faz um
pagamento fixo. Sobravam evidências para a fraude.
Mudanças na presidência da Oi eram sempre motivo de apreensão na Gol.
Bastava o diretor financeiro, Alessandro Sargentelli, fazer o alerta – “a Oi não
pagou”, “a Oi atrasou” – para a tropa de sócios entrar em campo. Lulinha, os
irmãos Bittar e Suassuna – só eles na Gol cuidavam deste contrato: sabiam que
tinham que dobrar o novo CEO da operadora para que os pagamentos não
fossem interrompidos. Nunca foi diferente.
Em 2013, Alessandro Sargentelli quis saber o resultado do portal de voz do
Cid Moreira. Havia urgência na solicitação, ordens de Suassuna, e a Oi foi
acionada. A resposta do diretor de SVA (Serviço de Valor Agregado) da
operadora, foi surpreendente. Ele não sabia de nada, não tinha informações de tal
negócio. Tratava-se de um contrato fantasma. Como, envolvendo valores tão
vultosos, era desconhecido de quem deveria ser seu responsável na Oi?
Sargentelli teve que enviar uma cópia dele à Oi. Uma das peculiaridades do
contrato:
Cláusula quarta – do faturamento e pagamento. A Oi, além de R$ 600 mil
por mês, deveria pagar à Gol 50% do faturamento do conteúdo da Bíblia que
fosse assinado ou acessado pelos seus clientes. Suassuna nunca deu importância
a este extra, mas começou a correr atrás do prejuízo quando a imprensa passou a
pressioná-lo por explicações para os contratos com a operadora.
Essa caça ao contrato é anterior às operações realizadas pela Lava Jato no
Grupo Gol. A imprensa não dava trégua a Suassuna. Veículos de comunicação
importantes como a Folha de S. Paulo, Veja, Época, queriam entrevistas para
atender à invariável pauta: os negócios com a Oi.
Suassuna fugia das entrevistas, enquanto buscava um álibi para os nebulosos
negócios do Portal de Voz. Fez, então, parcerias com alguns jornais para um
projeto chamado Mensagens da Bíblia. Foram gravados CDs para venda por
meio desses jornais de forma consignada. No verso desses CDs, a artimanha. Ali
constava o telefone do Portal de Voz, uma tentativa de justificar um projeto que
foi sem nunca ter sido. Retumbante fracasso. Lançado em um jornal popular de
Minas Gerais, o Super Notícias, as vendas alcançaram poucos milhares de CDs.
Para uma tiragem de 100 mil CDs, o fechamento de contas foi de estarrecer os
mais pessimistas com o negócio: encalhe médio de 95%, 5 mil CDs vendidos.
Usaram o Livro Sagrado e Cid Moreira nesse
imbróglio como uma cortina de fumaça para encobrir a maracutaia do
Grupo Gol em favor de Lulinha e Kalil e Fernando Bittar. É de Cid
Moreira o comentário que dissipou qualquer dúvida sobre a decisão de
escrever este livro: “Prefira dizer a verdade e ficar mal com os
homens a mentir e vir a ficar mal com Deus.”

De: Alessandro Sargentelli ale@golgrupo.com.br
Assunto:
Data: 23 de maio de 2013 12:35
Para: Rafael Mafra rafael.rodrigues@oi.net.br
Cc: vitale@golgrupo.com.br
Rafael

Como conversamos, segue anexo cópia do contrato referente ao portal de

voz da Biblia. Aguardamos as novas informações acerca dos preços por

chamada e/ou minutos .

Abs Alessandro

Contrato Goal Discos…lia.pdf


E-mail de 23 de maio de 2013 em que o diretor financeiro da Gol envia
a cópia do contrato milionário para um executivo da Oi.



Trechos do contrato do Portal de Voz da Bíblia narrada por Cid Moreira


Trechos do contrato do Portal de Voz da Bíblia narrada por Cid Moreira

Assunto: RES:
Data: 23 de maio de 2013 16:07
Para: Alessandro Sargentelli
Cc:

Alessandro,

Conforme solicitado, segue o relatório ao trafego do portal de voz.

De acordo com os nossos valores padrões, o valor a ser considerado para efeito de repasse para
serviços desta modalidade é de R$ 0,115 por minuto.
Qualquer duvida, estou à disposição. Abs,
Rafael Mafra
SVA - Ger. de Messaging & Serviços Básicos Diretoria de Produtos e Mobilidade
Oi (21) 8758 1241

As marcas acima estão legalmente protegidas.
Antes de imprimir, lembre-se do seu compromisso com o meio ambiente



De: Alessandro Sargentelli Enviada em: quinta-feira, 23 de maio de 2013 12:40 Para: Rafael Mafra
Cc:
Assunto:
Rafael
Como conversamos, segue anexo cópia do contrato referente ao portal de voz da Biblia. Aguardamos
as novas informações acerca dos preços por chamada e/ou minutos .
Abs Alessandro


Trafego_Goal.xls x


Esta mensagem, incluindo seus anexos, pode conter informações privilegiadas e/ou de caráter
confidencial, não podendo ser retransmitida sem autorização do remetente. Se você não e o
destinatário ou pessoa autorizada a recebê-la, informamos que o seu uso, divulgação, copia ou
arquivamento sao proibidos. Portanto, se você recebeu esta mensagem por engano, por favor, nos
informe respondendo imediatamente a este e-mail e em seguida apague-a.

E-mail de 23 de maio de 2013 em que o executivo da Oi informa os resultados pífios do contrato após
mais de quatro anos da sua assinatura.



Anexo do e-mail de 23 de maio de 2013 com os resultados obtidos
pela Oi com o contrato Portal de Voz da Bíblia

Conexão Educação

Um projeto que começou bem e acabou mal. Das


1.591 escolas estaduais apenas 38 viram o Conexão
Educação. Custou R$ 93,7 milhões ao governo do Estado
do Rio de Janeiro pagos à Oi. Mais de R$ 10 milhões
foram para Lulinha e sócios.
A ideia era boa e revolucionária ao sistema educacional do Estado Rio de
Janeiro. Seu objetivo mirava reduzir as preocupantes taxas de evasão escolar. O
projeto utilizaria a tecnologia de SMS (Short Message Service), por meio de
uma moderna rede de comunicação integrada, para registrar em tempo real a
frequência dos alunos em salas de aula. Isto permitiria aos pais acompanhar a
assiduidade e desempenho dos filhos na escola. Pais e alunos mal chegaram a
usufruir de tal projeto que ensaiou poucos e trôpegos passos. Mas a Oi e seus
parceiros embolsaram R$ 93,7 milhões.
“Com este sistema, será possível acompanhar a frequência, o desempenho
escolar e a quantidade de merenda servida a cada estudante, ajudando as escolas
na organização e no planejamento pedagógico”. Assim rezava o discurso do
governo do estado do Rio para o projeto Conexão Educação, implantado em
2009 durante a gestão de Sérgio Cabral. Nessa época a educação no estado do
Rio de Janeiro já ocupava um dos últimos lugares no ranking nacional, de acordo
com pesquisa do Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB). Os
baixos índices de desempenho eram a manifestação mais visível de um sistema
de ensino em colapso.
Para que o projeto fosse implantado era essencial que todas as unidades
educacionais fossem mobilizadas para recadastrar os alunos. A novidade nesse
recadastramento, e gatilho para fazer funcionar todo o sistema, era obter o
número de celular do pai ou responsável do aluno. Também seria feita uma foto
do estudante para a pauta eletrônica e a carteira escolar com chip de dados. Por
meio da tecnologia empregada – RFID (identificação por rádio frequência) – no
chip estariam todas as informações sobre o aluno. Para entrar em sala de aula,
ele passaria a carteira com chip em um leitor ótico. O aparelho registraria sua
presença e enviaria a informação para a diretoria da escola e a Secretaria de
Educação. Um mecanismo perfeito para controle efetivo de presença do aluno
nas aulas. As informações deveriam ser compartilhadas por professores, diretoria
da escola e a Secretaria Estadual de Educação, além de seus pais e responsáveis.
A distribuição das carteiras, entretanto, foi pífia e as escolas não tinham
leitores para realizar o controle. O projeto previa, ainda, a disponibilização de
um computador ou notebook em sala de aula, para ser utilizado como ferramenta
pedagógica, e que também poderia ter acoplado um leitor dos cartões dos alunos
para identificar as frequências. Ficou tudo no papel.
O Conexão Educação prometia uma sala de controle central com
informações online de todos os alunos matriculados na rede estadual de ensino,
que nunca chegou a ser inaugurada. Suassuna alardeava que o governador
Cabral, entusiasta do projeto, tinha um monitor com todas essas informações em
sua própria sala. Um grande engodo. O governador nunca teve tal painel de
controle por que o Conexão Educação ficou no meio do caminho e não alcançou
tal estágio tecnológico.
O recadastramento (pelo menos esta parte foi cumprida) revelou um dado
alarmante: da base informada de 1.478.000 alunos, centenas de milhares estavam
registrados na rede de ensino, mas não matriculados nas escolas. Esses
fantasmas existiam para as contas públicas estabelecerem dotações para a rede
estadual de ensino. As escolas recebiam recursos financeiros diretos, merenda ou
uniformes em desacordo com o número real de estudantes inscritos nas unidades
educacionais. Professores e diretores, em alguns casos, também poderiam
receber um adicional de remuneração pelo número de alunos que atendiam em
sala de aula.
Do projeto Conexão Educação constava a instalação de equipamentos
eletrônicos nos refeitórios das 1.591 unidades da rede. Por meio do cartão
magnético do aluno, seriam colhidas informações para controle do consumo de
merendas. Os aparelhos custaram R$ 5,26 milhões e chegaram a ser enviados a
30% das escolas, mas, segundo o Tribunal de Contas do Estado, o equipamento
foi usado por apenas três alunos de uma única escola, o Colégio Estadual
Rosária Trotta, em Campo Grande.
A tecnologia, que prometia o melhor dos mundos para o sistema educacional
do estado do Rio poderia ter sido um instrumento valioso de gestão, mas tornou-
se um exemplo de desperdício da verba pública. Os pais teriam informações em
tempo real para o acompanhamento escolar do seu filho recebendo um SMS
alertando: “Senhor Fulano de Tal, seu filho Fulano Junior não veio à escola
hoje.” O boletim escolar também seria enviado da mesma forma.
Outra funcionalidade da carteira com chip RFID era seu uso em transportes
coletivos. Para isto chegou a ser firmada uma parceria entre o governo do Estado
e a Fetranspor. Não houve, entretanto, a integração com o transporte público
para o passe livre dos estudantes e controle das passagens, da mesma forma que
não foi feito controle das ausências dos alunos, nem envio por SMS das notas
para os celulares dos pais e responsáveis.
Um contrato foi assinado entre o governo Sérgio Cabral e a Oi para a
realização do Conexão Educação. A operadora de telefonia criou um consórcio
com várias empresas, entre elas a Gol Mobile. O governo estadual pagou R$
93,7 milhões a Oi. Desse montante, R$ 26 milhões destinavam-se à elaboração
do software de controle subcontratado da Gol Mobile, a qual, estima-se, ficou
com mais de R$ 10 milhões, embolsados por Suassuna e seus sócios Lulinha,
Kalil e Fernando Bittar.
Uma auditoria foi instaurada pelo TCE – Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro – para investigar o mau uso do dinheiro público neste milionário
negócio. Em 31 de março de 2015, seis anos depois de lançado o Conexão
Educação, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) concluiu que ele, abandonado
dois anos após o anúncio, não cumpriu o propósito.
O termo de referência utilizado para a contratação do Conexão Educação e
reproduzido no relatório de auditoria do TCE – processo 109.476-4/11 FLS 584
até 597 – é idêntico ao modelo utilizado pela Gol Mobile em suas propostas,
evidenciando que Suassuna, Lulinha e os irmãos Bittar foram os mentores e
realizadores da contratação da Oi. Não se teve sequer o cuidado de preencher as
lacunas do modelo base. O documento foi assinado com a presença desses
inusitados parênteses: “A contratada deverá entregar o projeto de Rede de
Integração para Gestão Escolar finalizado e em operação até (XX) dias após o
término do cadastramento inicial dos alunos.”
A Gol Mobile foi escolhida para desenvolver o software para o Conexão
Educação e o disparo das mensagens por SMS, com o relatório de frequência e
de notas escolares dos alunos para os responsáveis. Uma escolha difícil de
explicar. A Gol Mobile, então recém-criada, não estava preparada para
desenvolver e implementar uma solução de tecnologia na área de educação que
abrangia 97 munícipios do estado do Rio de Janeiro, 1.591 escolas. Na época,
Jonas Suassuna mal começara a estruturar a área de tecnologia da Gol, a qual se
dedicaria à criação de aplicativos, sem expertise para softwares.
O processo de contratação da Gol Mobile pela Oi ignorou normas e padrões
da operadora, pois não se realizou uma RFP (Request for Proposal) pela área de
compras, que poderia ter barrado o negócio. A Gol não poderia ser contratada
para o envio de mensagens por SMS sobre a frequência dos alunos por não ser
integradora (broker) com as outras operadoras – Vivo, Claro, Tim e Nextel.
Mas isto não era problema para Lulinha e seus sócios que se mobilizaram
para uma série de reuniões, ora com o então governador Sérgio Cabral, ora com
o presidente da Oi.
Um desses encontros teve a participação do diretor da Gol Mobile
responsável pela gestão do projeto. Ele estava encarregado das planilhas de
disparos de SMS que seriam apresentadas nas reuniões. Pânico. Os gritos de
Suassuna e Kalil Bittar fizeram estremecer os vidros da Range Rover em que
estavam todos. O executivo levara as planilhas erradas. Elas exibiam os números
reais, algumas centenas de disparos de SMS durante testes de implantação do
projeto Conexão nas poucas escolas com leitores dos cartões dos alunos em
funcionamento. Voltaram à sede da Gol para buscar as planilhas fraudadas. A
maracutaia não era segredo para Lulinha. Ele sabia que o projeto não decolara e
a Gol não tinha disparado os SMS. Sua presença na tropa de choque da Gol era
para garantir que sairiam das reuniões com a liberação dos pagamentos pelos
serviços não executados.
As quantidades previstas de SMS contratados para comunicação com os pais
e responsáveis nunca foram disparadas. A Gol mesmo assim recebeu pelo
serviço, valendo-se de planilhas falsas apresentadas no gabinete do governador
do estado do Rio de Janeiro. A Oi poderia ter detectado a fraude, mas não lhe
interessava criar dificuldades para o filho do ex-presidente Lula e sócios.
O TCE notificou a Oi sob a razão social de TNL PCS S/A para que
esclarecesse os seguintes itens relativos à execução do contrato ASJU/SEEDUC
No 33/08:
1) Pagamento por cadastramento não realizado em desacordo com o item
4.1.1 do termo de referência.
2) Pagamento por mensagens de texto não utilizadas em desacordo com o
item 4.4 do termo de referência.
3) Subcontratação irregular, afrontando a cláusula XV, parágrafo 1º do
contrato.
4) Não implementação do controle de frequência “online” em desacordo com
o item 3 – OBJETIVO do termo de referência.
5) Implementação deficiente do controle de consumo de merenda em
desacordo com o item 3 – OBJETIVO do termo de referência.
6) Não utilização do serviço de SMS para o objetivo previsto no projeto em
desacordo com o item 4.4 do termo de referência.
7) Atraso na entrega dos cartões do estudante em desacordo com o item 4.2.2
do termo de referência.
A auditoria do TCE verificou que após quase dois anos do início do contrato,
somente 38 escolas das 1.591 previstas tinham alguma evidência de utilização do
sistema Letivo desenvolvido pela Gol Mobile.
O TCE também concluiu que o pacote de mensagens por SMS adquiridos
estava superdimensionado. Foram comprados 216 milhões de SMS e em dois
anos apenas 7,9 milhões foram disparados. Essa quantidade era suficiente para
enviar cerca de 14 mensagens via SMS para cada habitante do estado do Rio de
Janeiro. Apenas nesse item, os técnicos do TCE estimaram em R$ 15 milhões o
prejuízo causado pelo serviço não utilizado. Apesar dessas evidências, a TCE
isentou a Oi de responsabilidade, concluindo que a operadora de telefonia
disponibilizou o software e os disparos de SMS contratados, porém não
utilizados. O relatório do TCE apontou a Secretaria de Educação como culpada
pelas falhas e não houve menção à empresa de Suassuna. Mesmo assim, a
quadrilha Gol pode vir a ser chamada a se explicar, pois a Polícia Federal,
enquanto este livro é escrito, investiga o Conexão Educação.
Ao Conexão Educação soma-se outras evidências do uso da Oi para
beneficiar o filho do ex-presidente Lula. A Folha de S. Paulo, na edição de 18 de
junho de 2018, noticia que o ex-subsecretário de saúde do estado do Rio, César
Romero, em depoimento ao Ministério Público Federal, disse que Sérgio Côrtes,
ex-secretário da mesma pasta, pretendia tratar do tema num eventual acordo de
delação. Procurado pela Folha, este disse que o então governador Sérgio Cabral
lhe telefonou, recomendando que recebesse Suassuna. “O Jonas estava com ele
no Palácio (Guanabara). O pedido do governador foi: “É para receber e fazer.”
Suassuna ofereceu um serviço de SMS para o programa de combate à dengue.
De acordo com o ex-secretário, a proposta interessou, mas o preço por
mensagem estava acima do cobrado pelo mercado.


Folha de S. Paulo, 18 de junho de 2018.


Um mimo ao ex-governador Sérgio Cabral: a carteirinha do projeto que causou prejuízo de
milhões ao Estado do Rio de Janeiro


Relatório de Auditoria Governamental Ordinária do TCE RJ Nº 109.476-4/11 que comprovou
as irregularidades do Conexão Educação.



Trechos do Relatório de Auditoria Governamental Ordinária do TCE RJ No 109.476-4/11 que
comprovou as irregularidades do Conexão Educação.

1746, central de fraude ao cidadão

Um aditivo contratual é tramado para favorecer a


Gol, que mesmo sem condições operacionais pega carona
no serviço de teleatendimento. O Tribunal de Contas do
Município descobre um prejuízo de R$ 2,9 milhões à
prefeitura em apenas um ano. Todos os relatórios de SMS
do 1746 foram fraudados.
A velha receita das maracutaias, usada com maestria por Lulinha e sócios, mais
uma vez chega à mesa de negociação: pega-se um projeto de boa repercussão
social, adicionam-se executivos do mercado de telefonia comprometidos com a
armação, junta-se um agente público de grande poder decisório e tempera-se
tudo com a influência política do ex-presidente Lula. Está pronta a fraude do
1746, cuja receita alcança milhões de reais. A primeira parte é da Oi, mas
Suassuna, Lulinha e os Bittar recebem a fatia mais generosa.
O projeto 1746 – Central de Atendimento ao Cidadão –, inspirado no 311
de Nova Iorque, chegou à cena política e social prometendo tornar-se um marco
na vida dos cariocas. Propunha-se a unificar o Disque Rio, integrando todos os
serviços de teleatendimento da Prefeitura do Rio de Janeiro, incluindo as
ouvidorias. Telefone e aplicativos para smartphones unidos para facilitar a rotina
da cidade. Uma nova realidade em que o carioca documentaria sua reclamação
com fotos tiradas pelo celular e as encaminharia para o órgão responsável por
sua demanda. Os serviços de treze secretarias estariam integrados: disque sinal;
disque luz; teleburaco; disque IPTU; nota carioca; disque transporte; defesa
civil; telesaúde; disque dívida ativa; teleordem; disque ordem; disque patrulha e
telecomlurb.
O contrato para a realização do 1746 foi firmado entre a Contax, Oi e a
prefeitura do Rio de Janeiro. A Gol foi subcontratada. Lulinha, Suassuna,
Fernando e Kalil tiveram várias reuniões com o então prefeito Eduardo Paes
antes do 1746 ser lançado. Suassuna jactava-se de que a Gol levara para Paes o
que seria a revolução no atendimento ao cidadão. A prefeitura, antes só
“ouvidos”, teria “boca” para comunicar-se com o carioca. Informaria o status das
reclamações e daria a boa notícia quando o problema fosse resolvido.
Com a bênção do prefeito Eduardo Paes, que negaria mais tarde sua
intermediação no negócio, a Gol Mobile teve garantida sua fatia no bolo 1746. A
Contax, responsável pelo call center do 1746, e a operadora Oi, sempre ela,
dariam um jeito para que o arranjo político fosse honrado. A Contax se
encarregaria de fazer pagamentos superfaturados pelos aplicativos para
smartphones e tablets, além do site do 1746, desenvolvidos pela Gol Mobile. A
Oi pagaria a Lulinha e sócios, via Gol Mobile, pelo disparo também
superfaturado de SMS com os protocolos abertos e informações sobre o
andamento das solicitações do usuário. Tal aparência de legalidade ruía diante de
um detalhe. A Contax tinha uma empresa chamada Todo, desenvolvedora de
aplicativos. Por que contratar a Gol Mobile para este serviço se a Todo era maior
em estrutura e abrangência e com mais capacidade técnica do que a empresa de
Suassuna?
A Contax, responsável pelo atendimento telefônico do 1746, recebia
anualmente aproximadamente R$ 12 milhões da prefeitura para prestação deste
serviço. Inventou-se, então, um aditivo contratual para remunerar a Gol. O
arranjo para o dinheiro que viria por meio da Oi deu um pouco mais de trabalho.
A solução saiu de um encontro entre representantes da Casa Civil, da Secretaria
de Fazenda, da Oi e Suassuna. Uma executiva da Oi sugeriu que a Gol Mobile
fosse paga por meio de um contrato da Oi com a Prefeitura do Rio de Janeiro
que tinha saldo na Casa Civil. O objeto dele era o serviço de ligação de voz, a
R$ 0,39 o minuto. Isto não tinha nada a ver com o envio de SMS, mas ninguém
deu importância ao detalhe. Com este jeitinho, o envio de mensagens passou a
custar oito vezes mais do que a média vigente no mercado. Nesta época, o Iplan-
Rio, órgão da secretaria de tecnologia da prefeitura, tinha feito uma cotação
avaliando o envio de SMS em R$ 0,05.
A argumentação para justificar o superfaturamento dos SMS foi a de que
havia uma inteligência necessária para os disparos das mensagens. Não é
verdade, não existe SMS inteligente, são todos iguais. O custo de envio do SMS
independe do conteúdo de texto encaminhado, que poderia ser feito por qualquer
empresa integradora de operadoras de telefonia que tivesse acesso ao sistema do
1746. O responsável pela coordenação dos trabalhos do 1746, Gustavo Miranda,
fez diversas advertências à Contax. Registros de não conformidades na
qualidade do trabalho que era prestado pela Contax no 1746 estavam
diretamente relacionados com a Gol Mobile.
As irregularidades vão mais longe. Como já visto, a Gol não era integrada
com as operadoras de telefonia para o envio de SMS e, portanto, não possuía
capacidade operacional para prestar esse serviço de forma direta à Oi e indireta
ao 1746. O trabalho era, então, quarterizado, com a Gol atuando como
atravessadora ao contratar um broker de envio de SMS.
O contrato do 1746 teve uma peculiaridade. Nas negociatas anteriores, os
valores pagos à Gol eram definidos no fechamento do acordo. No 1746, Lulinha
e sócios negociavam anualmente com Eduardo Paes o que iriam receber e só
então entregavam à prefeitura propostas comerciais superfaturadas para justificar
os valores que seriam pagos. O dinheiro era liberado para o Grupo Gol por meio
da Oi e conforme o fluxo de caixa do município. No primeiro ano a prefeitura
pagou à Oi R$ 3,4 milhões pela prestação de serviço ao 1746, dos quais R$ 1,7
milhão foram para Suassuna, Fábio Luís e os irmãos Bittar.
A prefeitura também pagou à Oi por SMS não enviados. Números inflados
davam conta de 8,7 milhões de disparos de mensagens, numa cidade com seis
milhões de habitantes. Isto ocorria para ajustar a planilha de serviços prestados
ao valor liberado pelo prefeito do Rio para pagamento.
Um exemplo real: em janeiro de 2012, a prefeitura sinalizava para a Oi
que iria liberar R$ 1 milhão. A operadora informava à Gol Mobile, pedindo os
relatórios dos SMS enviados entre os meses de março e julho de 2011 que
deveriam corresponder, em valor de prestação de serviço, à quantia a ser paga.
Porém, o controle registrava apenas 188.301 mensagens enviadas, o que geraria
uma fatura de R$ 73.437,39. Como em outros casos, fraudava-se a planilha na
própria Oi, que recebera da Gol Mobile o número real de SMS disparados. Essa
fatura foi emitida pela Oi e paga pela prefeitura no valor de R$ 1.021.800,00.
Uma fraude que causou apenas nessa nota fiscal um prejuízo de R$ 948.362,61
ao município do Rio.
Há outras evidências: em março de 2012, a Oi cobrou da prefeitura do Rio
R$ 899.999,88 pelo envio de 2.307.692 SMS no período de três meses –
outubro, novembro e dezembro de 2011. No mês seguinte, abril de 2012, a Oi
faturou contra a prefeitura do Rio o mesmo valor de R$ 899.999,88 pelo envio
de exatos 2.307.692 SMS, só que então referentes ao período de dois meses –
janeiro e fevereiro de 2012. A desfaçatez e o sentimento de impunidade não
tinham limites. Repetiam-se os números nas planilhas fraudadas sem qualquer
preocupação com sua coerência. Um relatório enviado por e-mail em 18 de
junho de 2013 por Sandro Maia – diretor de TI da Gol – exibe o tamanho do
golpe. O número real de disparos de SMS, no período de outubro, novembro e
dezembro de 2011, foi de 170.513 SMS. Cobraram-se, portanto, 2.137.179 SMS
a mais. A Oi, que deveria receber da prefeitura R$ 66.500,00, botou em seu
caixa R$ 833.499,81 e repassou R$ 461.538,40 para a Gol Mobile.
As negativas sobre a armação para favorecer a Gol eram previsíveis.
Nestes conturbados tempos de um país assolado pela corrupção, a presunção de
inocência virou mantra. Ninguém é culpado até prova em contrário. Pois, segue-
se a prova. Um e-mail de 9 de janeiro de 2012 do presidente da Contax, Michel
Sarkis, informa Suassuna sobre a autorização de um aditivo no contrato da
Prefeitura com a Contax para o atendimento das ligações do 1746. Estava
sacramentada a participação da Gol Mobile no negócio. Sarkis escreveu: “Na
semana passada fui autorizado pela Prefeitura a dar andamento no Termo Aditivo
para pagamento dos serviços adicionais da Gol”. Em outro trecho, o presidente
da Contax deixa claro o conluio e a armação para a montagem do Termo
Aditivo: “Na última sexta-feira, na Gol, estive alinhando o conteúdo a constar no
Termo Aditivo a ser elaborado entre Contax e Prefeitura. Neste início de semana
estamos precificando o produto e produzindo junto a nossa equipe do jurídico a
formatação final do Termo Aditivo a ser assinado. Após a assinatura do Termo
com a prefeitura estaríamos autorizando a emissão da Nota da Gol contra a
Contax e após recebermos repassar o valor a eles.”
Sob pressão dos fatos que indicavam o favorecimento à empresa de
Suassuna, a assessoria do ex-prefeito Eduardo Paes emitiu uma nota oficial, que
também menciona a noticiada intervenção do ex-presidente Lula, cobrando
atrasos de pagamento a Gol pelo serviço do 1746: “A Prefeitura do Rio não
firmou contrato com a empresa Gol Mobile. O contrato da prefeitura para os
serviços de envio de SMS do 1746 foi com a empresa Oi, que era a empresa
contratada por meio de licitação global para realizar todos os serviços de
telefonia da Prefeitura do Rio. A Oi é quem pode explicar as razões técnicas para
a subcontratação do grupo Gol e a referida prestação desse serviço que não foi
submetido a aprovação pela prefeitura. Além disso, o ex-prefeito Eduardo Paes
reafirma que em nenhum momento o ex-presidente Lula tratou desse assunto
com ele. “Aliás, seria impossível reclamar de atraso de pagamento com quem
não se tem contrato.”
Ora, não era segredo para ninguém as reuniões semanais na Prefeitura do
Rio com a Gol e outras empresas envolvidas no projeto 1746, entre elas a
Contax e Accenture. A maioria delas lideradas pelo deputado federal e na
ocasião secretário da Casa Civil Pedro Paulo. Portanto, todos sabiam que a Gol
Mobile participava do 1746. Esses encontros serviam para analisar a evolução do
desempenho do atendimento dos chamados do teleatendimento.
A maracutaia funcionou de 2011 até 2014. A Gol Mobile recebeu da
Contax R$ 5.313.610,78 e R$ 5.413.519,16 da Oi, totalizando R$ 10.727.129,16
segundo relatório da Polícia Federal Força Tarefa da Lava Jato de setembro de
2016. A Gol Mobile repassou mais de R$ 2 milhões para a empresa G4
entretenimento de Lulinha, Kalil e Fernando Bittar. Os auditores do Tribunal de
Contas do Município calcularam um prejuízo de R$ 2,9 milhões aos cofres
públicos apenas entre março de 2011 e fevereiro de 2012. Também chamou a
atenção o fato de a prefeitura pagar valores idênticos para períodos diferentes
num serviço de demanda “aleatória”. Como era empresa subcontratada, a Gol
Mobile não aparece nos relatórios dos auditores.
Em novembro de 2015, a Contax, controlada pela Andrade Gutierrez que
também era acionista da Oi, foi investigada pela Operação Lava Jato. A Polícia
Federal, ao apreender telefones na residência do presidente da Andrade
Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, encontrou indícios de que autoridades
foram “beneficiadas por repasses ilícitos, dissimulados ou travestidos de doações
eleitorais”. Em setembro de 2017, a Contax trocou o nome para LIQ, por causa
da imagem negativa que ficou no mercado pelos seus negócios junto a governos
e por suspeitas contribuições políticas.



Folha de S. Paulo, 23 de outubro de 2017


A Prefeitura informou o recebimento de 3 milhões de ligações do 1746 em 2012. Nesse período
realizou o pagamento fraudado de 12,8 milhões de SMS à Oi. A Gol fez o envio de apenas 1
milhão de SMS, recebendo 13 vezes mais pelo serviço prestado.

E-mail de 9 de janeiro de 2012, mostra o conluio entre a Prefeitura do Rio e a Contax para
incluírem a Gol Mobile no 1746, com a elaboração do Termo Aditivo ao contrato.

De: Jonas Suassuna
Assunto: Fwd: [Disparos SMS] LA
26026jonassuassuna1@mac.com
Data: 13 de setembro de 2013 10:20
Para: Marco Aurélio Vitale vitale@golgrupo.com.br, Kalil Bittar 1 kbittar@mac.com, Alessandro
Sargenteli Sargenteli ale@golgrupo.com.br
Amigos

Esse é o quadro.

Temos que cobrar isso ,URGENTE Abs
Jonas


Início da mensagem encaminhada

De: "Sandro Maia (GolMobile)" <sandromaia@golmobile.com.br>
Data: September 12, 2013, 7:35:17 PM GMT-03:00
Para: Jonas Suassuna <jonassuassuna1@mac.com>
Cc: ricardo@golmobile.com.br
Assunto: [Disparos SMS] LA 26026

Jonas,
Em anexo, o relatório referente aos disparos de SMS, relacionados a LA
26026. Um resumo do relatório:
De Março/2011 a 10/Setembro/2013, foram realizados, através da LA 26026 para o Projeto
1746, um total de 2.348.597 disparos. De Novembro/2012 a Agosto/2013, foram realizados,
através da LA 26026 para o Projeto SAEB, um total de 894.983 disparos.
De Outubro/2012 a Janeiro/2013, foram realizados, através da LA 26026 para o Projeto Pré-
Matrícula RJ, um total de 124.083 disparos. Independente do Projeto, para a LA 26026, realizamos
3.367.663 disparos.
Além do cenário acima, estão homologadas soluções para disparos para os projetos abaixo:
Porto Alegre/GSH (Oi ) – Aguardando informação da Oi para início dos disparos;
Pré-Matrícula RJ 2014 (Oi) – Início de novos disparos programados para Outubro/2013.

Abs,
Sandro Maia PMO – GolMobile
sandromaia@golmobile.com.br www.golmobile.com.br
Tel.: 55 21 2432-2600
Skype: sandro.maia


SMS_26026_Tot al por…13.xlsx

E-mail de 13 de setembro de 2013 mostra que Suassuna tinha conhecimento do volume real de
SMS disparados no 1746, mas recebia por valores fraudados e multiplicados dezenas de vezes.


Planilha da Gol com as quantidades reais de SMS disparados pela Gol que eram manipuladas e
cobradas indevidamente à Prefeitura do Rio que pagava sem questionar.


Planilha com os recebimentos indevidos por SMS superfaturados e não disparados pela Gol
Mobile e cobrados pela Oi à Prefeitura do Rio. Destaque para fraudes ocorridas em períodos
diferentes com valores exatamente iguais.



Registro de preços de envio de SMS do IplanRio, órgão da Prefeitura do Rio e com valor de R$
0,05 enquanto era pago a Oi um valor oito vezes superior: R$ 0,39.

A milionária biblioteca digital

Como Lulinha e sócios ficam R$ 40.093.378,64


mais ricos. Ajudinha do ex-presidente Lula na Espanha
facilita entrada de Suassuna na Vivo. A rasteira do
prefeito Eduardo Paes.
Abril de 2011. Um intruso integrara-se à comitiva do então presidente Lula em
visita à Espanha. Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, não gosta de vê-
lo no corredor do hotel que hospeda o presidente e o interpela de maneira brusca:
“O que você está fazendo aqui?” O intruso não se intimida: “O presidente está
sabendo. Kalil falou com ele.” Ele permanece onde está, à espera da
permissão para entrar no quarto de Lula.
A resposta de Suassuna, o intruso, foi incisiva. Paulo Okamotto sabia que
aquela presença ali não era bom sinal, sem ainda vislumbrar o que se tramava
nos bastidores para favorecer as empresas do “Ronaldinho dos Negócios”, como
o ex-presidente se refere ao filho Fábio Luís. Okamotto nunca fez segredo de
suas ressalvas sobre os sócios de Fábio Luís, antevendo que seus negócios ainda
iriam causar prejuízo à imagem de Lula.
Alguns meses depois, em setembro de 2011, surge o primeiro indício do
que ocorreu nos bastidores na Espanha. Suassuna anuncia durante a Bienal do
Livro, no Rio de Janeiro, o acordo fechado com a operadora Vivo para oferecer a
Nuvem de Livros a seus clientes. O contrato vigorou até abril de 2017 e, até
2016, deixou Lulinha e seus sócios R$ 40.093.378,64 mais ricos – como consta
em relatório da Polícia Federal – valor pago pela Vivo à Editora Gol.
Foi ideia de Kalil Bittar. Da agenda de Lula na Espanha constavam
reuniões com o presidente e altos executivos da Telefônica. Kalil ia dar um jeito
de Suassuna participar do encontro. Planejava-se que a empresa espanhola
controladora da Vivo no Brasil facilitasse uma parceria comercial com a Editora
Gol para explorar a Nuvem de Livros, uma biblioteca digital, como se verá
adiante. Incorporado à comitiva, Suassuna participou dessa e de outras reuniões,
com o dono do Santander e com o presidente da agência de notícias EFE,
fornecedora de conteúdo jornalístico para a Nuvem de Livros. Na Telefônica,
Lula foi direto, segundo relato do dono da Gol: “Olha, esse aqui é o Jonas, ele
tem uma biblioteca digital, uma tal Nuvem de Livros, que a Vivo precisa
oferecer para seus clientes lá no Brasil. Você tem que falar lá com os seus caras
da Vivo para receberem o Jonas e fazerem negócio.” Eram costumeiras as
ajudinhas do ex-presidente a seu filho Fábio Luís e seus sócios. Quando visitava
o Rio de Janeiro, onde fica a sede da Gol, Lula recebia uma lista de pendências
que requeriam sua intervenção. Em geral, envolviam o governador Sérgio Cabral
e o prefeito Eduardo Paes.
Com a Nuvem de Livros carimbada por Lula e pelo presidente da
Telefónica na Espanha, Suassuna queria encontrar Antônio Carlos Valente,
presidente da Vivo no Brasil e que também esteve presente nas agendas do ex-
presidente Lula na Espanha. Acreditava que seria fácil marcar uma reunião para
apenas discutir os detalhes do contrato. Errou. Valente se esquivou do encontro.
Kalil Bittar, chamado à cena, ouviu de um contrariado Suassuna: “A gente
precisa falar com o presidente, aqui não entenderam a ordem da Telefónica.”
Kalil falou com Lula e enviou um e-mail para o presidente da Vivo em 13 de
junho de 2011 em que escreveu: “Honrado em entrar em contato novamente.
Permita-me apresentar o assunto. Meu sócio Jonas esteve com o senhor em abril
em Madri, e tal visita redundou em outras, onde apresentamos uma série de
produtos para a TELEFONICA junto com o senhor Navarro. Produtos estes, de
PlayTV a produtos mobile. Desta forma, gostaria de solicitar encontro para
reportar ao senhor todas as informações. Iríamos eu, Jonas e Fabio Silva.” No
dia seguinte chega a resposta de um amistoso Valente: “Seria um prazer receber
Kalil, Jonas e, claro, Lulinha”.
A reunião foi marcada para o dia 12 de julho de 2011, às 16h, na sede da
Vivo em SP. Saíram de lá com sinal verde para o contrato da Nuvem de Livros.
A Nuvem de Livros nasceu de uma oportunidade de mercado propiciada
pela lei 12.244, assinada pelo presidente Lula em 24 de maio de 2010. Ela
determina que todas as instituições de ensino públicas tenham, até 2020, uma
biblioteca com acervo mínimo de livros igual ou superior ao número de alunos
matriculados. Para tanto é admitido “qualquer suporte destinado à consulta,
pesquisa, estudo ou leitura”. Havia, portanto, espaço para bibliotecas digitais.
Suassuna, diante das previsíveis dificuldades das escolas para cumprirem a
lei implantando bibliotecas físicas, fez desenvolver uma biblioteca digital
multiplataforma, para ser acessada por computador, smartphone ou tablet.
Estabeleceu planos de negócio com editoras, que receberiam trinta por cento do
faturado pela Editora Gol com assinaturas da Nuvem de Livros, no caso de
clientes da Vivo.
O contrato da Nuvem de Livros previa que, do faturamento com as
assinaturas de clientes para acessá-la, 50% ficava para a Vivo e 50% para a
Editora Gol que deveria remunerar o integrador, a Movile. Esse contrato vigorou
até que Jonas Suassuna se tornasse alvo da Lava Jato. Foi rescindido em abril de
2017, pouco mais de um ano após a operação de busca e apreensão da Polícia
Federal na Gol e na residência dele.
A Nuvem de Livros era oferecida por SMS disparados principalmente para
a base de clientes de pré-pagos. Os clientes da Vivo nem sempre sabiam que
estavam assinando a Nuvem de Livros. As mensagens, em sua maioria,
promoviam sorteios de carros e outros bens. O cliente dava a aceitação para
participar do sorteio, mas estava assinando a Nuvem de Livros. Sempre que o
número de reclamações por cobrança indevida e cancelamentos crescia de forma
preocupante, novas mensagens por SMS eram enviadas com outras promoções e
a carteira de usuários da Nuvem de Livros da Vivo assim sobrevivia.
A Nuvem de Livros custava aos clientes da Vivo R$ 3,49 por semana,
depois reajustados para R$ 3,99. O perfil do assinante era o cliente pré-pago ou
Vivo Controle, que não recebe extrato mensal da operadora e na maioria das
vezes nem percebia a cobrança da Nuvem de Livros em seus créditos. Na Gol
chamava-se isto de “Movileduto”, ou seja, quando a Movile – integradora da
Nuvem de Livros – abria o “duto” e enviava centenas de milhares de mensagens
de sorteios de carros e outros brindes. Desta forma outros milhares de clientes da
Vivo aderiam, em sua maioria de forma inocente, à base de assinantes da Nuvem
de Livros.
A biblioteca digital nunca funcionou bem. Sua navegação era ruim e seus
aplicativos apresentavam problemas. Na loja do Google Play a avaliação dos
usuários foi média, três das cinco estrelas possíveis, sempre acompanhada de
reclamações. Na Apple Store foi pior, pois não chegou a receber o número
mínimo de avaliações para ter sua nota publicada.
Um artifício tributário garantia à Gol um dinheiro extra. A Nuvem de
Livros é um serviço em que o consumidor tem acesso ao conteúdo durante o
período da sua assinatura. Terminada esta, o cliente não fica com nenhum livro,
pois não é possível realizar download definitivo dos títulos. A Gol tratou a
Nuvem de Livros, por meio de seus parceiros e respectivos clientes, como sendo
a comercialização de licenças de livros digitais com as características tributárias
de um livro físico. Assim, se beneficiava por um enquadramento fiscal que prevê
a emissão de recibos e não de notas fiscais por prestação de serviços.
Na área política, Lulinha, Suassuna e os irmãos Bittar abriram caminho
para a Nuvem de Livros na prefeitura do Rio de Janeiro. O prefeito Eduardo
Paes aprovou a compra de 298.287 licenças da Nuvem de Livros para
distribuição aos alunos, bibliotecários e educadores da rede municipal de ensino.
O valor do contrato era de R$ 2.982.870 pelo período de cinco meses, R$
596.574,00 por mês. Cada licença custava R$ 2 mensais.
Tudo sacramentado, com publicação no Diário Oficial, o negócio sofreu
uma reviravolta. Paes estava virtualmente reeleito e os sócios Fábio, Kalil e
Suassuna resolveram fazer o papel de bons moços e alertar o prefeito sobre o
risco político do contrato da Nuvem de Livros. A compra, sem concorrência, se
fizera por inegibilidade, sustentada por uma declaração de exclusividade de
conteúdo da Nuvem de Livros. Um artifício legal, mas nem por isso menos
suspeito. Os adversários políticos, na reta final da campanha, poderiam descobrir
e infernizar a vida de Paes por isso. O Diário Oficial do Município, de 10 de
agosto de 2012, publicou o empenho da verba, cancelado na publicação de 4 de
setembro de 2012.
Paes se comprometera a retomar o negócio após as eleições, inflando o
contrato. Seriam, então, R$ 3,8 milhões em licenças da Nuvem de Livros por um
período de 12 meses. Ficou na promessa, reeleito o prefeito não mais atendeu
Suassuna e seus sócios e a Secretaria de Educação estava sempre com a agenda
cheia, pelo menos para o pessoal da Gol.
A transferência dos valores recebidos pela Nuvem de Livros por meio da
Editora Gol se dava pela contratação de serviços de fachada das empresas dos
sócios Lulinha, Fernando e Kalil Bittar ou pagamento de contas pessoais deles.
Certa vez, Suassuna pagou a G4 de Lulinha, Kalil e Fernando Bittar pelo
desenvolvimento e suporte do aplicativo da Nuvem de Livros, mas a G4 não
prestou tal serviço, nunca desenvolveu este e nenhum outro aplicativo.


Folha de S.Paulo, 22 de outubro de 2017


Publicação da contratação da Nuvem de Livros no valor de R$ 2.982.870,00 no Diário Oficial
do Munícipio do Rio de 10 de agosto de 2012.


A rasteira de Eduardo Paes. O cancelamento da contratação da Nuvem de Livros no valor de R$
2.982.870,00 no Diário Oficial do Munícipio do Rio de 4 de setembro de 2012.


Uma mentira contada mundo afora: 1 milhão de assinantes da Nuvem de Livros. A carteira de
clientes da biblioteca digital nunca passou de algumas de dezenas de milhares.

Banco Banca, novos índios na tribo da Gol

Um novo jeito de lavar dinheiro. Um negócio que


nunca existiu movimenta R$ 19.956.000,00. Grupo Gol
ajuda Banco Cruzeiro do Sul a manipular ações na bolsa.
Em 2005, Suassuna anunciou um novo empreendimento. Até então seus
negócios se restringiam aos brindes agregados a jornais – CDs religiosos e fitas
VHS com filmes. A ascensão econômica das classes C, D, E, boa parte delas fora
da rede bancária, oferecia uma oportunidade. Sem conta corrente e cartão de
crédito, eram 45 milhões de órfãos – cálculo de Suassuna – à espera de adoção.
E se as milhares de bancas de jornais que distribuíam seus produtos por meio de
jornais pelo Brasil afora se tornassem redes bancárias? Começava a gestação do
Banco Banca.
A renda movimentada por essas classes saltara de US$ 125 bilhões em 2002
e chegaria a US$ 463 bilhões em 2010, segundo o Data Popular/PNDA/IBGE.
Em seu discurso para defender o projeto em gestação, Suassuna dizia que esses
valores equivaliam aos PIBs do Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Equador,
Peru, Guatemala, Guiana e Suriname somados. Tratava-se da aritmética da
mentira, bem a seu estilo.
Com esses exagerados números, ele procurava aumentar a ordem de
grandeza do negócio que prometia botar em prática: a implantação de uma rede
de produtos e serviços bancários em bancas de jornais em todo o país. Para isto
utilizaria os contatos estabelecidos com os jornais que vendiam seus produtos
promocionais. Para atrair esses grupos de comunicação, seriam oferecidas uma
participação percentual nas receitas com as operações bancárias na banca e a
facilidade de cobrança das vendas de suas publicações pelos jornaleiros que
poderiam quitá-las por meio de um terminal na própria banca. Suassuna queria
instalar, nas bancas de jornais de todo o país, caixas eletrônicos em uma versão
simplificada, menor e com operações limitadas.
Ele imaginou o lançamento do projeto em 27.000 bancas de jornais em um
universo que imaginava de 40.000 pontos de venda. Segundo seu projeto, os
terminais bancários nos jornaleiros permitiriam o recebimento de contas,
abertura de contas corrente e de poupança, concessão de empréstimos e vendas
de títulos de capitalização. Ainda seria possível a recarga de celulares e cartões
de vale transporte e refeição. Nos planos de Suassuna, o cidadão teria acesso a
serviços públicos como INSS, documentos de trânsito, declaração de imposto de
renda e outros. Tratava-se de um projeto de tal complexidade que só existia na
retórica do ilusionista dono da Gol, o mago das negociatas.
Para realizar o projeto, Suassuna criou o Banco Banca, uma empresa em
sociedade com os banqueiros Luís Felipe Índio da Costa e Luis Otavio Azeredo
Lopes Índio da Costa, pai e filho, respectivamente, donos do Banco Cruzeiro do
Sul. Suassuna tinha a participação de 50% e o restante era distribuído entre Luís
Felipe Índio da Costa, 35%, e Luis Otavio Azeredo Lopes Índio da Costa, 15%.
Em 2010, durante o Congresso da ANJ – Associação Nacional de Jornais (a
Gol Mobile foi um dos patrocinadores do evento), Suassuna fez a apresentação
do Banco Banca buscando parcerias com os jornais. Do lado de fora do auditório
do congresso, no stand da Gol Mobile, foi exposto um protótipo de terminal
bancário do Banco Banca. Uma estrutura azul de metal, bem menor do que um
caixa eletrônico do tipo 24h, dispunha de uma tela, câmera de vídeo e uma
máquina do tipo de cartão de crédito. Uma logomarca do Banco Banca no alto
adornava o terminal. Nada ali funcionava, era um protótipo fake.
Ninguém levou a sério o projeto. Apenas o jornal Diário de S. Paulo aceitara
fazer um teste anos antes. O Banco Cruzeiro do Sul chegou a ministrar um
treinamento para os funcionários do jornal paulista, principalmente os de
atendimento ao leitor. Mas o Banco Banca não aconteceu. Não teve funcionários,
não foi desenvolvido um sistema operacional, não houve terminais instalados,
nem obteve clientes. Mesmo assim, arrecadou R$ 19.956.000,00, transferidos
para a conta da PJA Empreendimentos, que tinha o nome de fantasia de ZAPT,
antiga agência de propaganda de Jonas Suassuna, utilizada nessa operação para
lavagem de dinheiro. Entre 2008 e 2011, R$ 19,1 milhões foram pagos pelo
Banco Cruzeiro do Sul a PJA e R$ 856.000,00 pelo escritório de advocacia
Halbouti & Kerr Pinheiro, um personagem inteiramente desconhecido pelos
diretores da Gol.
O Banco Cruzeiro do Sul sofreu intervenção do Banco Central em 2012 e
teve a falência decretada em 11/08/2015. Diz o relatório da Polícia Federal:
“Chama a atenção o fato de que os dois sócios do investigado no Banco Banca
serem controladores do BCSUL e o mesmo ser a única fonte de receitas da
empresa. Um dos motivos da decretação de falência do BCSUL foi a concessão
de créditos fictícios a uma grande quantidade de pessoas através do chamado
crédito consignado. Chama atenção o fato de esse ser o principal serviço
oferecido pelo Banco Banca ao BCSUL, por meio da captação de clientes em
bancas de jornais. Os cadastros fornecidos pelo Banco Banca podem ter sido
utilizados para o cometimento das concessões fictícias de crédito que culminou
na falência daquele banco”.
No Grupo Gol, todos sabiam que o Banco Banca foi um projeto que nunca
aconteceu e era desconhecida a movimentação de quase R$ 20 milhões por meio
do Banco Cruzeiro do Sul. Outra transação entre Suassuna e o Cruzeiro do Sul
aconteceu em 2010. Luis Octavio Índio da Costa foi à Gol com o pedido de uma
operação de compra e venda de ações do seu próprio banco. Segundo o relatório
da Polícia Federal, “outro crime investigado na falência do BCSUL é a
manipulação artificial do preço de suas ações. Consta na DIRPF de 2010 do
investigado, uma operação de venda de ações do BCSUL, adquiridas nos dois
anos anteriores, com ganho de capital de R$ 2.828.681,90 (54% de lucro sobre o
custo de aquisição). Tal operação resulta suspeita pelo fato de o investigado ter
relação de sociedade com os gestores daquele banco, ter duas de suas empresas
com receitas oriundas exclusivamente daquele banco e ter encerrado suas
aplicações e retirado todos os valores daquele banco pouco tempo antes da
intervenção do Banco Central. O BCSUL consta como principal cliente de outra
empresa do investigado, tendo pago R$ 19,1 milhões a PJA Empreendimentos
entre 2008 e 2011”.
Os negócios de Suassuna com a família Índio da Costa iam além do Cruzeiro
do Sul. O deputado federal Índio da Costa teve reuniões com o dono da Gol em
horários bem impróprios. Aparecia às 22h e os encontros eram a portas fechadas.
Durante a campanha de 2010, em um almoço na sede do Grupo Gol, Suassuna
disse para o Lulinha e Kalil Bittar que iria ajudar financeiramente a campanha
do amigo, que era candidato a vice-presidente na chapa de José Serra.
Após os encontros com Índio da Costa, um
vaidoso Suassuna passava para Kalil Bittar informações que
acreditava serem privilegiadas sobre as estratégias de campanha de
Serra e do PSDB. Imaginava que suas falas chegassem até a então
presidente Dilma e seus marqueteiros. Suassuna sonhava acordado.


Sem funcionários, a PJA recebeu R$ 19.956.000,00 conforme o Laudo Pericial do Departamento
de Polícia Federal Superintendência Regional no Paraná– Operação Lava Jato No 2005/2016-
SETEC/SR/PF/ PR – PG 08 – 19 de setembro de 2016.


Em julho de 2010, Suassuna conseguiu através de Lulinha uma reunião com o Banco do Brasil
em tentativa frustrada de tornar a instituição sócia da maracutaia do Banco Banca.

Salve-se quem puder!

Corre-corre atrás de documentos comprometedores.


Varredura nos computadores. Operação Aletheia faz
busca e apreensão na sede do Grupo Gol e na casa de seu
dono. Suassuna chama Lula de pai e pede ajuda.
À medida que as ações da Lava Jato se ampliavam, um sentimento se
generalizava entre os diretores do Grupo Gol que eram testemunhas da ilicitude
dos negócios comandados por Suassuna e seus sócios Lulinha, Kalil e Fernando
Bittar: Suassuna vai ser denunciado, a Polícia Federal vai entrar na empresa, ele
vai ser preso. Não se cogitava, então, do destino dos outros sócios e não é
preciso ser adivinho para chegar às três hipóteses. Basta para isso, como ocorre
em toda investigação do crime organizado, seguir o caminho do dinheiro.
A investigação sobre os reais proprietários do Sítio de Atibaia – são dois
terrenos, um de Suassuna, outro de Fernando Bittar – foi o gatilho que disparou a
série de denúncias sobre a relação promíscua de Suassuna com o ex-presidente
Lula. Estava aberta a porta para chegar aos nebulosos negócios do Grupo Gol
com Lulinha. O expansivo Suassuna torna-se arredio, mal disfarçando a
crescente preocupação. Instala-se na empresa a operação salve-se quem puder.
Corriam os primeiros meses de 2016 quando ele determinou que se
preparassem relatórios dos negócios da Gol Mobile que pudessem demonstrar o
lado sadio da empresa. Ficariam de fora os contratos milionários de fachada com
a Oi entre 2009 e 2013: Portal de Voz, Clubes de SMS Mais Bela e Mais Leve. A
papelada sobre o Conexão Educação exasperou Suassuna. O projeto era tratado
internamente como Letivo e de sua apresentação constava uma foto do ex-
governador Sérgio Cabral numa carteira de estudante. Foi arrancada de uma das
pastas e Cabral acabou no lixo, enquanto o Conexão era considerado impróprio
para representar o lado bom da Gol.
A seguir procedeu-se a uma meticulosa varredura nos arquivos digitais do
Grupo Gol. A ordem era identificar e separar qualquer documento que pudesse
expor detalhes comprometedores da sociedade com Lulinha e Cia. Alessandro
Sargentelli, diretor financeiro, Roberto Bahiense, responsável pela Nuvem de
Livros, e Ricardo Machado, diretor de TI, ficaram responsáveis por essa
operação pente fino. Alessandro Sargentelli é uma autêntica caixa preta viva da
Gol. Ele sabe de todas as negociações da empresa e da ciranda financeira entre
os sócios. Sargentelli cuidou pessoalmente do recolhimento e da separação dos
documentos relativos à sociedade entre Fábio, Kalil, Fernando e Suassuna, que
foram escamoteados. Todos os arquivos físicos seriam transferidos para a sala 3
da sede do Grupo Gol. A entrada ali tornou-se proibida a não ser para o diretor
financeiro e sua equipe.
A sala de reunião 3 foi uma escolha que nunca chegou a ser bem explicada.
Não tinha nenhuma característica de local secreto para guardar documentos tão
explosivos. Com recursos multimídia de última geração, paredes revestidas com
madeira nobre, ficava no andar térreo da sede, inteiramente exposta. Mesmo
assim, no dia 4 de março de 2016, durante a ação de busca e apreensão na Gol,
como parte da Operação Aletheia, a Polícia Federal e a Receita não deram
importância à sala 3.
Enquanto os documentos incriminadores continuavam a fluir para a sala 3,
Suassuna deu uma ordem bem mais radical para o trabalho de dar sumiço a
material comprometedor. Os HDs de todos os computadores dos diretores do
Grupo Gol, depois de substituídos por novos, também iriam para a sala 3. Ali,
uma equipe trabalharia intensamente para, antes de apagar, salvar arquivos
importante em HDs externos. A força-tarefa para ocultação de provas estava
instruída para redobrar a atenção com o que dissesse respeito à Editora Gol.
A enorme mesa de reunião da sala 3 ficou literalmente coberta de pastas de
documentos, misturadas aos HDs que continham arquivos suspeitos. Roberto
Bahiense assumira o comando da operação salve-se quem puder, além de se
tornar o “consigliere” do chefe. O fragilizado Suassuna passara a reunir-se a
portas fechadas com ele. Foi amparado na condição de xerife da crise que
Bahiense convocou diretores da Gol e comunicou-lhes: “Estamos decidindo se
vamos apagar os arquivos das câmeras da empresa.” As gravações faziam delas
uma bomba de efeito retardado. Haviam registrado a movimentação do pessoal
com pastas e com caixas, indo para a sala 3, a troca de HDs e todas as ações para
ocultação de provas. O chefe estava viajando e decidiram aguardar sua volta.
Suassuna autorizou que as gravações comprometedoras fossem apagadas.
Passava pouco das 6h do dia 4 de março de 2016 quando a Polícia Federal
botou na rua a Operação Aletheia. Enquanto em São Bernardo do Campo o ex-
presidente Lula, sob condução coercitiva para depor, tinha seu apartamento
submetido a uma ação de busca e apreensão, a sede do Grupo Gol e a casa e seu
dono, no Rio de Janeiro, também recebiam a visita dos agentes federais e da
Receita.
A sede do Grupo Gol fica em um prédio de três andares na Barra da Tijuca,
na Av. Prefeito Dulcídio Cardoso, 4225. É uma rua arborizada e tranquila, à
beira do Canal de Marapendi e bem próxima da praia. Na parte externa, existem
jardins com plantas ornamentais e pequenos lagos artificiais rodeiam o prédio,
habitados por coloridas carpas. Quando os agentes da polícia federal bateram à
porta da sede da Gol, havia apenas dois funcionários na empresa. Com o
mandado de busca e apreensão, os policiais levavam uma lista de pessoas cujas
salas queriam inspecionar, dos setores administrativo e financeiro, e
principalmente da Editora Gol.
Ao ser surpreendido em casa pela chegada da polícia federal e ao saber que
sua empresa também era vasculhada por agentes, Suassuna ligou para Roberto
Bahiense e acionou um advogado para que fossem para a Gol acompanhar a
ação policial. Os agentes revistaram os três pavimentos da sede da Gol, assim
como sua área externa. No térreo, revistaram a sala de reunião 1, depois a 2, em
seguida foram para a 4 e 5. Entre a 2 e 4 fica a porta para um corredor que leva à
sala 3. Os agentes perguntaram o que havia ali. Ao saberem que era outra sala de
reunião, um deles disse: “Esta empresa tem muitas salas de reuniões. Nessa a
gente não vai.” E prosseguiram a revista por outros setores do prédio.
Este acaso poupou Suassuna de dores de cabeça ainda maiores, mas não foi o
único. Sobre uma mesa na sala de tecnologia, vasculhada pelos agentes, um
funcionário esquecera um pequeno embrulho. Enrolado em papel ofício e atado
por um elástico, um HD externo tinha o nome de seu destinatário, Fábio Luís, o
Lulinha.
Na sala de Roberto Bahiense, os agentes encontraram uma carta que
Suassuana mandara redigir para o ex-presidente Lula. O consigliere Bahiense era
o escritor do chefe e redigia para ele cartas, notas, pronunciamentos etc. Em um
resumo a carta dizia: “Prezado presidente Lula, escrevo-lhe, respeitosa e
refletidamente, para explicar como amigo os motivos de eu não tê-lo procurado
desde que eclodiu este movimento difamatório que se abate sobre o senhor, sua
família e que me atinge igualmente, em escala menor”. Bahiense prossegue
comparando Suassuna ao ex-presidente, afirmando que ambos vinham dos
mesmos rincões. Justifica a inocência do patrão ao dizer. “Nunca transgredi,
nunca desonrei princípios, nunca usurpei. Jamais, em tempo algum, vali-me da
nossa relação de amizade para locupletar-me”. E encerra com “Tudo isso
passará”.
A carta estava na gaveta da mesa da sala de Roberto Bahiense. Ele tentou
escondê-la, passando-a para o advogado. Um agente da Polícia Federal viu e a
apreendeu. O policial ainda fez uma reprimenda a Bahiense, ameaçando-o com
prisão, caso fosse flagrado novamente mexendo em algum documento.
Em sua residência, no Condomínio Península, também na Barra da Tijuca,
Suassuna igualmente passava por uma busca em apreensão. Dias depois disso,
ele diria que enfrentou os agentes ao afirmar: “Olha, eu só vou dizer uma coisa
para vocês. Se um de vocês desrespeitar a minha casa ou a minha mulher, vocês
vão ver o que eu vou fazer. Vocês vão ter que usar a arma que têm aí porque vou
partir para cima de vocês.” O bufão de sempre. Os policiais apreenderam seu
iPad e celulares.
A documentação apreendida na Sede da Gol está sob investigação da Lava
Jato. Os agentes não obtiveram nada que Jonas Suassuna não quisesse que
encontrassem. A sala 3 permaneceu incólume, guardiã de documentos
potencialmente explosivos. No dia seguinte à Operação Aletheia, ela começou a
ser esvaziada. Foram usados táxis para levar o material para destino ignorado.
Meses antes da Operação Aletheia, a sociedade de Suassuna com Lulinha,
Kalil e Fernando já fora desfeita. Durante uma viagem de Kalil, ele foi
despejado de sua sala, que foi destinada a outro diretor. Seus pertences, entre
eles a poderosa e já inútil espada de Darth Vader, foram metidos num caixote à
espera de seu dono.
Suassuna ficou dias sem aparecer na empresa. Muito abatido, parecia uma
fera enjaulada. Caminhava de maneira incerta pela enorme sala de seu
apartamento no Condomínio Península, enquanto recebia algum de seus
diretores. Numa dessas ocasiões, o telefone tocou. Era o ex-presidente Lula.
Suassuna atendeu e o chamou de pai. Atropelando as palavras, tomado por
incontrolável nervosismo, ele disse: “Pai, você viu o que fizeram comigo? Pai,
me ajude.” Em seguida: “Eu não sei o que fazer. Eu preciso de um advogado que
seja bom nesse tipo de assunto.” Lula recomendou Ary Bergher. “Pai, vai ser
muito caro? Quanto é que vai custar?” A testemunha deste diálogo telefônico
não sabe qual foi a resposta, mas foi visível que ela tranquilizara Suassuna. No
outro dia, Bergher assumiu a defesa do caso em relação a Lava Jato e ao sítio de
Atibaia.




O luxo da sala 3 serviu para a ocultação de provas durante a Operação Aletheia em 4 de março
de 2016.


De: Roberto Bahiense robertobahiense@golmobile.com.br
Assunto: Pastas
Data: 3 de março de 2016 15:26
Para: Alessandro Sargentelli ale@golmobile.com.br, Ricardo Machado ricardo@golmobile.com.br,
Marco Aurélio Vitale vitale@golgrupo.com.br
As pastas de cada área deverão ser agrupadas na Sala 3, conforme
recomendação do Jonas, Obrigado.




Roberto Bahiense
Gol Grupo
Diretor de Relações Institucionais

E-mail de 3 de março de 2016, véspera da busca e apreensão na sede do Grupo Gol, em que
Roberto Bahiense transmite a outros diretores as ordens de Suassuna para colocar pastas e
documentos na sala 3.

Mi casa es tu casa*

A Gol paga despesas de aluguel de Lulinha.


Suassuna compra apartamento luxuoso para o amigo e
sócio. Obras de reforma e mobiliário custam R$ 1,6
milhão.
Mi casa es tu casa. A expressão dá a exata medida da relação promíscua de
Suassuna com seus sócios e a família Lulinha da Silva. Em 2008, Lulinha foi
morar de graça em um apartamento de alto padrão nos Jardins, bairro nobre de
São Paulo, alugado por Jonas Suassuna. Além de hospedar o sócio
graciosamente no imóvel que lhe custava R$ 12 mil mensais, Suassuna pagava o
condomínio, IPTU e demais taxas do apartamento. No final de 2010, essa
benesse chegou ao noticiário do jornal Folha de S. Paulo.
Tinha início uma sucessão de denúncias que iriam atormentar a vida do
Grupo Gol. Suassuna e seu fiel escudeiro, Alessandro Sargenteli, diretor
financeiro, mantinham o contrato de locação em segredo. Lulinha confirmara ao
repórter da Folha que a Gol pagava o aluguel do apartamento. Mas, em
“contrapartida”, tinha levado os móveis da antiga residência e iria transferir o
contrato para seu nome. Lulinha disse, ainda, à Folha que foi morar com o amigo
Suassuna, quando se separou. “Ele arcava com o aluguel e eu entrei com os
móveis da minha antiga residência e assumi as despesas do apartamento. Há
quatro meses pedi para ficar com todo o apartamento, pois me tornei pai, e
estamos transferindo o contrato para meu nome.”
Já Suassuna, explicou que tinha um quarto no apartamento, que usava
quando viajava a São Paulo até Lulinha levar a mulher para morarem juntos.
Tratava-se de apartamento luxuoso, apenas um por andar, quatro suítes e
quatro vagas na garagem. Na cobertura do edifício, uma piscina servia em
conjunto a todos os moradores. O dono do imóvel disse que o Grupo Gol alugara
o apartamento e Suassuna era o fiador. O proprietário foi informado de que o
imóvel seria usado para hospedagem de executivos da Gol em viagens a São
Paulo. No entanto, como se viu, a história era outra.
O dono da Gol disse que apenas fora em socorro de um amigo. Lulinha,
abandonado pela mulher que o trocou por um diplomata, tornara-se um “sem
teto” sentimental. Suassuna ofereceu-lhe o apartamento dos Jardins. Lulinha foi
ficando por lá, casou-se outra vez, teve filho e nunca abriu mão dos favores que
recebia.
Para apagar o incêndio que assumia proporções perigosas, Suassuna
anunciou que suspenderia o pagamento dos aluguéis. Isto não queria dizer,
entretanto, que deixaria de “ajudar” o amigo, como se saberia anos depois. Um
apartamento – luxuoso, claro, pois que se tratava de um filho do ex-presidente
Lula – foi comprado por Suassuna para tudo continuar como antes. Até o
momento em que este livro é escrito, Lulinha continuava morando lá, na
Avenida Juriti, em Indianápolis, bairro nobre da zona sul da capital paulista.
É um apartamento de 335 metros quadrados, quatro amplas suítes, uma
equipada com jacuzzi, varanda gourmet e home cinema, quatro vagas na
garagem, com direito a manobrista e depósito privativo. Entre os carros de
Lulinha há uma SUV avaliada em R$ 155 mil e que exibe uma placa com as
iniciais de nome FLS – Fábio Luís Lula da Silva.
O apartamento que Suassuna comprou em 2009 por R$ 3 milhões está
avaliado em cerca de R$ 7 milhões. Pagar o aluguel de um imóvel nesse prédio é
privilégio de poucos, R$ 40 mil por mês, fora o condomínio. Mesmo diante de
tal evidência, em seu discurso de transparência, Lulinha afirmava ter pago,
durante 13 meses, R$ 15 mil mensais para cobrir suas despesas com locação. Na
declaração de Imposto de Renda de Lulinha não há registro de pagamento de
aluguel ao sócio, segundo o laudo da Polícia Federal, e nunca existiu nenhum
contrato de locação.
A Lava Jato apurou que antes de Lulinha ocupar o imóvel, foi realizada uma
suntuosa reforma que custou R$ 1,6 milhão de reais, 72% desse valor foi
generosamente custeado por terceiros, ou seja, R$ 1,1 milhão. A compra de
móveis e eletrodomésticos também foi patrocinada por Suassuna, com a
participação de Kalil Bittar, Fernando Bittar e a sua esposa Lilian. Em 2 de maio
de 2011, Lilian Bittar enviou e-mail para a Gol para informar que a construtora
queria uma procuração pública em cartório para que ela pudesse ter carta branca
para realizar as obras que Lulinha queria. Suassuna enviou o documento.
Segundo relatório da Polícia Federal, a reforma do imóvel, sem mobiliário e
eletrodomésticos, custou R$ 772.762,00, dos quais R$ 139.049,00 foram
custeados por Lulinha e esposa. Dos R$ 725.811,00 pagos pelos móveis do
apartamento, Lulinha e mulher arcaram com R$ 317.569,00. Os patrocinadores
do restante das compras, no valor de R$ 408.242,00, foram Suassuna e Lilian
Bittar.
O Grupo Gol pagou R$ 326.681,00 apenas pelo mobiliário planejado da
fábrica de móveis de luxo Ornare, tudo ao gosto e por escolha de Lulinha, que
também decidiu as benfeitorias do apartamento. As despesas foram feitas sem
consulta prévia ao financeiro da Gol e quando Alessandro Sargentelli recebeu as
contas, a notícia se espalhou pelos corredores da empresa. Muitos foram
solidários ao patrão, que acreditavam trabalhar duro para conduzir os negócios
da empresa enquanto os sócios esbanjavam recursos. Quando as notas fiscais
chegaram à Suassuna, ele voltou a espernear e gritar, o teatro de sempre. Jogava
para a arquibancada, pois sabia que se tratava de uma operação para lavagem de
dinheiro em favor de Lulinha.
Não houve comedimento para a compra de eletrodomésticos importados.
Mais R$ 130.889,00 para pagar, mas a mulher de Lulinha, talvez compadecida
diante de tantas despesas, resolveu desembolsar R$ 1.518,00 para quitar um
refrigerador. Um e-mail encontrado pelos investigadores da Lava Jato mostra a
ciranda de compras do filho de Lula. Em 30 de setembro de 2013, o diretor
comercial da Miami Store, em Campinas (SP), Carlos Abdalla Diaz, diz a Kalil
Bittar: “Olá Kalil, tudo bem? Seguem os orçamentos dos produtos escolhidos
pelo Fábio e esposa. Preciso transformá-los em pedido e negociar com você a
forma de pagamento e desconto. Agora em outubro todos os eletrodomésticos
terão seus valores reajustados devido alta do dólar. Aguardo seu contato para
fecharmos negociação! Abraços”. Kalil Bittar comprou, na Miami Store, uma
TV, equipamentos de áudio e Blu-ray, um triturador de resíduos, uma batedeira,
um multiprocessador, uma torradeira e um liquidificador, ao custo de R$
62.727,00. A PDI Processamento Digital de Imagens, empresa de Kalil Bittar,
gastou R$ 50.000,00 para equipar o apartamento com um micro-ondas, um
refrigerador, uma lavadora, uma secadora, um refrigerador de cerveja, um forno
elétrico e um cooktop. Na MLOG Armazém Geral Ltda. comprou o forno
elétrico do apartamento, pelo qual pagou R$ 6.618,00. Além disso, Fernando
Bittar presenteou Lulinha com uma adega climatizada e uma Smart TV Led de
32 polegadas, presentes nos quais gastou R$ 3.504,00, enquanto Jonas bancou
uma coifa de aço, adquirida pela bagatela de R$ 6.520,00. Tantas benesses
serviam apenas para lavagem de dinheiro em favor de Lulinha. Tratava-se da
divisão dos ganhos ilícitos obtidos por meio de contratos de fachada com a
influência do ex-presidente Lula. Por isso, “mi casa es tu casa, Lulinha”, diria
Suassuna.


* “Mi casa es tu casa”. Expressão muito empregada por
populações de língua espanhola que vivem nos Estados
Unidos, especialmente os mexicanos. Tornou-se popular ao
chegar ao cinema em produções norte-americanas.

Outsider

O ex-presidente Lula, com a sem-cerimônia


habitual, disse ao ministro da Educação e Cultura do
Paraguai: “Você tem que fazer negócios com eles.”
Referia-se ao autor deste livro e a Jonas Suassuna. No
entanto, havia interesses maiores que não
contemplavam a presença de um outsider.
É a contragosto que participo como personagem deste capítulo. Meu
compromisso ao escrever este livro foi relatar o que vi e ouvi durante o
desenrolar das negociatas comandadas por Lulinha, os irmãos Bittar e a
marionete deles, Jonas Suassuna. Este agora é um episódio que vivi, tornando-
me testemunha involuntária da lógica política do ex-presidente Lula, no seio da
qual vicejaram o mensalão e os gatunos da Petrobras. Entre estes, um traço
aparentemente comum, a sangria dos cofres públicos.
Corria o ano de 2011 quando, por iniciativa pessoal, e com o conhecimento
da Gol, desembarquei em Assunção, Paraguai. Foi uma viagem anômala para os
padrões de negócios vigentes na empresa. Ali reinava sem coroa Jonas Suassuna,
que na prática era súdito de Lulinha e sócios. Como arremedo de rei, ele desfiava
pelos corredores da Gol sua prédica de empresário bem-sucedido, honesto, que
não precisava de Lulinha e dos Bittar para nada. Um bando de vagabundos,
dizia, que viviam a sua custa, especialistas em gastar dinheiro. Como súdito, não
economizava mesuras aos sócios e senhores. Kalil Bittar era o Kaká, um mago
em tecnologia, exaltava Suassuna. Fernando Bittar recebia todos os créditos
pelos negócios da Editora Gol conquistados no interior de São Paulo. Para
Lulinha, as honras da casa. Motorista particular à disposição, cardápios
requintados e o servil dono da Gol a postos para que nada lhe faltasse. Todos
igualados pelas ofensas mais chulas proferidas pelo vassalo de repente rebelado,
mal atravessavam a porta de saída da empresa.
Eu levava para Assunção um projeto comercial consistente, fora dos padrões
da Gol em que se inventavam negócios para lavar o dinheiro amealhado pela
influência do filho do ex-presidente. Tratava-se de uma solução de tecnologia
para a área de educação – o Letivo, como era chamado na Gol – realmente
desenvolvido e utilizando-se da integração com smartphones e comunicação por
SMS. A oportunidade surgira da conversa com um amigo, que intermediou meu
encontro com um consultor do governo paraguaio, a quem foi apresentado o
projeto. No Rio de Janeiro, o Letivo – ver o capítulo Conexão Educação – mal
saiu do papel, restrito à sua função de fachada para os negócios da quadrilha
Gol. No Paraguai, entretanto, o objetivo era outro e a acolhida foi animadora. O
ministro da Educação e Cultura, Luis Alberto Riart, depois de receber do
consultor detalhes da ideia, concordou com um encontro para o dia seguinte.
Encontrei o ministro, um personagem bastante singular, cercado por
estudantes, vestido com simplicidade, camisa social e gravata azuis, esta mais
escura, e casaco, nenhum segurança à vista. As funcionalidades do Letivo o
entusiasmaram. Uma ferramenta simples e de baixo custo, baseada na
comunicação por SMS. Por meio dela as escolas se comunicariam com os pais
dos alunos e o governo paraguaio controlaria as matrículas em cada unidade
educacional. No Paraguai, o governo pagava pelo ingresso de alunos em escolas
particulares, de tal sorte que parte da rede pública de ensino estava estruturada
em instituições privadas. Com o Letivo, seria verificado se o número de
matrículas informado pelas escolas privadas estava correto. Para isso, bastaria
que o governo enviasse comunicações via SMS para os pais ou responsáveis dos
alunos que constavam como matriculados. Terminada a reunião, o ministro pediu
que uma nova agenda fosse marcada para apresentação do projeto aos
educadores. Ficou clara sua intenção de contratar o Letivo.
De volta ao Brasil, depois de informar Suassuna e Kalil do sucesso da
viagem, marquei nova reunião com o ministro Riart – 24 de março de 2011 –
então com a participação de Suassuna. Para minha surpresa, ele, poucos dias
antes da viagem, pediu que o encontro fosse adiado. O presidente Lula estaria no
Paraguai naquele período, convidado para ser orador principal do Fórum
Internacional sobre Educação, Trabalho e Desenvolvimento, e Suassuna temia
que sua presença fosse relacionada à do ex-presidente. Insisti na manutenção da
viagem, mas a ordem foi para cancelá-la. No domingo, 20 de março de 2011,
Kalil Bittar telefonou-me da casa de Lula em São Bernardo do Campo. O ex-
presidente discordava dos temores de Suassuna e disse que a agenda com o
ministro Riart devia seguir seu curso normal.
Viajamos para o Paraguai no dia 23 de março de 2011. Na chegada, fomos
recebidos pelo então presidente da Itaipu, Jorge Samek, que nos convidou para
acompanhá-lo até a área no aeroporto reservada a autoridades, para aguardar o
ex-presidente Lula. Este, ao nos ver, foi a nosso encontro. A seu lado estava o
ministro Riart. Em rápida conversa, e sem qualquer cerimônia, Lula disse ao
ministro: “Você tem que fazer negócio com eles.”
Do aeroporto fomos até o Fórum Internacional sobre Educação, Trabalho e
Desenvolvimento. Lula falou para uma plateia formada em sua maioria por
mulheres. Terminada a palestra, fui me despedir de Suassuna, mas Samek disse
para irmos todos para o Palacio de Los López, sede do governo do Paraguai,
onde Lula encontraria o então presidente Fernando Lugo para um jantar.
Éramos cerca de 200 convidados distribuídos em torno de uma mesa de
inimagináveis dimensões. Em um extremo, ficaram lado a lado o presidente
Lugo e o ex-presidente Lula. Sentei na outra ponta, ao lado de Suassuna. Até
aquele momento, estava combinado que no dia seguinte, 24 de março de 2011,
Suassuna e eu participaríamos da reunião com o ministro da educação Luiz
Alberto Riart para discutir a proposta do Letivo. Pouco antes do fim jantar, Lula
perguntou a Suassuna se ele permaneceria no Paraguai ou se gostaria de voltar
naquela noite mesmo para o Brasil de carona num jatinho. Jonas aceitou o
convite e me disse que fizesse sozinho a reunião com o ministro.
Fui ao encontro de Riart, desta vez abençoado pelo ex-presidente. Bastava,
então, discutir os termos do acordo. Deixei o Paraguai com o compromisso de
enviar uma proposta comercial em poucos dias.
Já me tornara, então, um outsider, sem que disso desconfiasse, uma presença
inoportuna num cenário que tinha outros fins. De volta ao Brasil, e mal tendo
começado a trabalhar na proposta comercial, Suassuna e Kalil Bittar mandaram
que o negócio fosse cancelado. A ordem foi acompanhada de uma estranha
advertência: que eu não procurasse entender a decisão.
Dois meses depois, revelou-se o motivo que Suassuna omitiu. Havia um
negócio maior entre os governos brasileiro e paraguaio, e o Letivo era café
pequeno em um grande banquete. A então presidente Dilma Roussef chegou a
Assunção no dia 15 de maio de 2011 para as comemorações do Bicentenário da
Independência do Paraguai. Eram pompa e circunstância bastantes para anunciar
o novo valor que o Brasil pagaria pelo excedente da energia gerada pela Usina
Hidrelétrica de Itaipu. O Paraguai usava apenas 5% da energia a que tinha
direito. O excedente era comprado pelo Brasil. O valor a ser pago ao governo
paraguaio passaria de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões.
Tratava-se de promessa antiga, feita pelo ex-presidente Lula em 2005, de
reajustar o valor pago pelo Brasil ao Paraguai pela cessão de energia da
hidrelétrica binacional. Antes de deixar a presidência, Lula reafirmou ao
presidente paraguaio Fernando Lugo que o Congresso brasileiro que tomaria
posse em 1º de fevereiro de 2011 aprovaria o acordo triplicando o valor pago
pelo Brasil ao Paraguai. Os entendimentos que reajustariam o pagamento tinham
sido acordados em setembro de 2010. No entanto, a matéria estava parada no
Congresso Nacional, pois a oposição se opunha ao acordo.
Estava explicado o motivo da ordem para cancelar o projeto em andamento
para implantação do Letivo no Paraguai. Temia-se que um negócio da Gol com o
ministro Riart pudesse causar um ruído diante da benesse financeira recebida
pelo país vizinho. A conexão da família Silva com a Gol tinha que ser
preservada, protegida dos holofotes da mídia, para não prejudicar seus negócios
milionários no Brasil.



A ilha do Lula

Na mansão construída pelo dono da Gol na Ilha dos


Macacos foi instalado um bangalô presidencial para o ex-
presidente, que nunca chegou a usá-lo. Mas pensavam de
forma diferente as pessoas que de suas lanchas proferiam
xingamentos ladrão! em direção à ilha.
Jonas Suassuna estava sempre em busca de novidades para acrescentar a sua
retórica da ostentação, como ocorreu com a posse de uma ilha, que só existia em
sua imaginação e na boa vontade crédula dos ouvintes de suas fanfarronices.
Tratava-se, de fato, de um terreno na Ilha dos Macacos, em Angra dos Reis, no
litoral sul do Estado do Rio de Janeiro. A ilha de sua fantasia, na qual havia
apenas uma casa de pescadores, foi comprada em 2010. Ali seria construída uma
mansão para abrigar altos executivos e empresários, convidados para passarem
um final de semana com a família em “sua ilha”.
O custo da reforma foi estimado entre R$ 3 e 4 milhões, pagos em parte em
dinheiro, conforme se noticiou na época. Lulinha inspecionou a obra de
helicóptero, com Fernando Bittar. A casa tem a sala principal voltada para o mar,
varanda em madeira de lei contornando toda a construção, ladeada por
palmeiras. A fauna conta com micos, tucanos e uma variedade de pássaros. Para
evitar a aproximação de cobras, conta-se que foram instalados sensores que
vibram para afugentá-las.
Foram plantadas árvores frutíferas e feitas instalações para a criação de
galinhas de raça, o mais novo brinquedinho de Suassuna. Reuniões e almoços na
Gol eram interrompidos para que ele exibisse em seu celular as fotos de suas
nobilíssimas galinhas. As frutas produzidas em sua “ilha” mereciam tratamento
especial. Caídas do pé deviam ser embaladas em saco plástico e guardadas para
quando o patrão chegasse. Impedia-se, assim, que os serviçais as arrancassem
dos pés e comessem os nobres frutos.
A casa principal, projeto de renomados decoradores da alta sociedade do eixo
Rio-São Paulo, tem oito suítes, pé direito alto, telhado escorado por largas toras
de madeira de lei e imensos painéis de vidro temperado. A cozinha está equipada
para a preparação de refinados banquetes. Além da casa principal, o terreno
abriga três bangalôs duplex, um deles referido como “presidencial” que, nos
planos de Suassuna, se destinaria a Lula. Para decepção dele, o ex-presidente
pouco apareceu por lá e nunca pernoitou. A suíte presidencial chegou a ser
preparada algumas vezes para recebê-lo, mas ele, depois de algumas horas
bebendo com o sócio de seu filho, ia embora no iate de amigos em que chegara.
Tampouco os sócios aproveitaram a “ilha” como o anfitrião gostaria.
Lulinha, Kalil e Fernando Bittar foram algumas vezes com as famílias, mas não
escondiam seu desagrado diante da precária velocidade da internet na Ilha dos
Macacos. Ademais, era insuportável passar um fim de semana inteiro ouvindo as
fanfarronices do dono da casa. Suassuna não economizava rapapés. Vinhos
importados, uísque Johnnie Walker Blue Label (o favorito de Lula), cachaças
artesanais e iguarias de fazer inveja às melhores mesas.
A casa possui um deque com área para pouso e decolagem de helicópteros e
um píer. Uma praia particular com faixa reduzida de areia fica à esquerda desse
deque. O heliponto era utilizado com frequência pelos convidados de mais
prestígio e poder de Suassuna, que bancava o aluguel do helicóptero, seu
costumeiro meio de transporte do Rio de Janeiro para Angra dos Reis.
Durante meses seguidos, a “ilha” mobilizou as atenções na Gol para
desagrado de Lulinha e dos irmãos Bittar. Suassuna, diziam, passara a
negligenciar os negócios, trabalhando menos e viajando sempre para Angra dos
Reis. Além disso, rematavam, a construção da mansão consumia um dinheiro
“indecente”.
A obtenção da licença ambiental para as obras arruinou noites de sono e o
humor do dono da Gol. Em maio de 2011, Suassuna encontrou-se com o então
governador Sérgio Cabral para pedir ajuda para isso. Com tal credencial, enviou
um e-mail para Marilene Ramos – presidente do INEA – Instituto Estadual do
Meio Ambiente – em que dizia: “Prezada Presidenta. Meu nome é Jonas
Suassuna, sou a pessoa da qual lhe falou ontem o governador Cabral, gostaria de
ter um encontro com a senhora assim possível (sic)”. Informados seus telefones
de contato, despediu-se: “Do mais muito obrigado e uma boa viajem (sic).
Atenciosamente. Jonas Suassuna”. O pistolão não surtiu efeito. A mansão só
ficaria pronta depois que o projeto foi ajustado às normas ambientais.
A atenção da mídia foi despertada, e fotógrafos e cinegrafistas foram
despachados para documentar a “ilha do Lula.” O ex-presidente fora ali poucas
vezes, mas foi suficiente. O noticiário insuflou ânimos. Em fevereiro de 2016, o
fotógrafo Marcos Arcoverde do Estadão foi flagrado por câmeras invadindo o
terreno da casa. Chegara em uma pequena embarcação e percorreu a área
externa, atingindo a varanda da mansão. Suassuna assistiu a tudo pelo seu
iPhone da sede da Gol. Aos gritos ordenou que fossem contratados seguranças
armados para vigiarem sua “ilha”. Ex-policiais militares foram mobilizados, mas
só ficaram dois meses. A Gol, diante da necessidade de cortar despesas, quis
reduzir suas remunerações.
Lanchas se aproximavam da praia, misturando a curiosidade de seus
passageiros com xingamentos de toda ordem. Ladrão! É o que mais se ouvia.
Suassuna mostrava-se inconformado diante da publicidade indesejada.
Quando os problemas de caixa levaram Suassuna a cortar despesas e pedir
economia aos sócios, Lulinha cunhou a maldosa frase: “Não tenho dinheiro, mas
sou dono de uma ilha.” Aos poucos a mansão da Ilha dos Macacos, mesmo sem
perder seu fausto, tornou-se terra de ninguém. Os convidados, para quem eram
preparados lautos banquetes, cancelavam a presença à ultima hora. Suassuna,
alcançado pelo noticiário da Lava Jato, não era boa companhia.


Vista aérea da “iIlha de Suassuna” durante a reforma.


Fernando Bittar sobrevoa a Ilha dos Macacos em helicóptero.


Lulinha sobrevoando a baía de Angra dos Reis: sorriso e joinha no
helicóptero.


Em 5 de maio de 2011, a APA Tamoios indefere o “nada a opor” à reforma da casa de Suassuna
na Ilha dos Macacos que então recorre ao ex-governador Sérgio Cabral.

De: Jonas Suassuna jonassuassuna1@mac.com
Assunto: Fwd: Fwd: Fwd:
Data: 27 de maio de 2011 14:58
Para: Marcio Brandão marcio@golgrupo.com.br

Enviado via iPad

Início da mensagem encaminhada

De: Jonas Suassuna <jonassuassuna1@mac.com>
Data: 27 de maio de 2011 14h55min58s BRT
Para: "marileneramos@ambiente.rj.gov.br" <marileneramos@ambiente.rj.gov.br>
Assunto: Enc.: Fwd:

Prezada Presidenta

Meu nome é Jonas Suassuna , sou a pessoa da qual lhe falou ontem
o Governador Cabral , gostaria de ter um encontro com a Senhora
assim Possivel .
Meus telefones. Cel 021 8702 29 05

Esc 021 2432 26 20

Do mais muito obrigado e uma boa viajem
Atenciosamente
Jonas Suassuna


Enviado via iPad



Suassuna solicita reunião com a presidente do INEA mencionando o ex-governador Sérgio
Cabral em e-mail de 27 de maio de 2011.

De quem é este sítio?

Os sócios da Gol se mobilizaram para oferecer a Lula


um lazer digno de ex-presidente. Tinha-se, então, uma
sensação da mais completa impunidade, mas a quadrilha
da Gol não esperava que o “chefe” fosse descansar numa
cela presidencial da Polícia Federal, em Curitiba.
A história da propriedade do sítio de Atibaia pode ser contada a partir de uma
série de reuniões promovidas na sala de Kalil Bittar na sede da Gol, no Rio de
Janeiro. Pouco antes do fim do segundo mandato do ex-presidente Lula,
discutia-se ali como promover o lazer dele, o que lhe oferecer depois que
deixasse a presidência. Era desejo de Lula ter um sítio onde descansar.
O desejo foi satisfeito com a compra de dois sítios, o Santa Bárbara, em
nome de Fernando Bittar, e o Santa Denise, de Jonas Suassuna. As obras de
modernização e ampliação foram pagas pelas empreiteiras Odebrecht e OAS,
conforme denúncia do Ministério Público. Lula responde por isso a uma ação
por corrupção passiva qualificada e lavagem de dinheiro, tendo sido denunciado
em maio de 2017. Tornou-se réu em agosto do mesmo ano.
Quando o sítio de Atibaia passou a frequentar o noticiário apenas a OAS
aparecia como benfeitora. Um dia, ao passar pela sala do Kalil Bittar na Gol,
este chama o autor deste livro, assume um ar de mistério, e fazendo pouco caso
das investigações em curso na Polícia Federal, diz: “Estes caras estão por fora,
não sabem de nada” – e arremata – “quem fez a maior parte da obra foi a
Odebrecht”. Tinha-se até então, mesmo com a Lava Jato nos calcanhares da
família Silva, uma sensação de impunidade. Suassuna e os irmãos Bittar, e
mesmo Lulinha, sempre se referiam às propriedades como o “sítio do
presidente”. Suassuna, contrariando seus hábitos de falastrão, manteve a compra
em sigilo. Na Gol, apenas seu fiel escudeiro para negócios nebulosos, Alexandro
Sargentelli, sabia do Santa Denise.
Na época da compra do sítio, Suassuna passou a se ausentar da Gol, sem
revelar sua agenda. À secretária, dizia apenas que estaria em São Paulo. Causava
estranheza que nessas ocasiões seu celular não recebesse ligações por estar fora
de área ou, quando atendido, com péssima qualidade de comunicação.
O sítio estava praticamente fora do alcance de sinal de celular. Kalil Bittar
entrou em cena e acionou a Oi, parceira dos contratos de fachada da Gol, para
que fosse oferecido como presente ao ex-presidente uma antena bem próxima ao
local. A operadora providenciou o melhor que tinha: uma antena de 20 metros de
altura, com potência para alcance de um raio de 30 km e com o custo estimado
de R$ 1 milhão.
Ser dono de um sítio era no mínimo uma esquisitice para o perfil urbano de
Suassuna. Ele pouco aparecia por lá, mas não tinha como escapar aos convites
para as festas juninas de Lula, promovidas por D. Marisa. Em todo caso, era um
momento de júbilo para ele contar para todos que a mulher do ex-presidente
exigia sua presença. Com ar de contrariado, o grande fingidor lamentava-se por
não poder ir para “sua ilha” naquele fim de semana.
Nessas ocasiões, o esnobe e pretensioso personagem aproveitava para
encenar seu circo de ostentação. Determinava a sua secretária que buscasse o
melhor hotel em Atibaia, o preço da hospedagem não importava. Fora convidado
para ficar no “sítio do presidente”, dizia, mas preferia ter privacidade com sua
esposa, que viajava a contragosto para “aquele buraco, um fim de mundo”.
Depois de um fim de semana de mosquitos e um café da manhã detestável no
hotel, Suassuna voltava a Gol cheio de histórias para contar. Em sua versão, Lula
mostrara-se eufórico ao encontrá-lo. A proximidade do ex-presidente era um
troféu a ser exibido. A privacidade do sítio de Atibaia servia principalmente para
reuniões com Lula, sempre em companha de Lulinha e dos irmãos Bittar,
possivelmente para discutir a agenda de negociatas em curso.
Durante o tratamento de Lula contra o câncer, Suassuna despachou seu chef
de cozinha e uma cozinheira para Atibaia. Ambos viajavam de avião para São
Paulo com passagens pagas pela Gol e de Congonhas iam para o sítio de carro
com motorista particular. O chef reclamou que o comércio de Atibaia era
limitado para suprir as necessidades da dieta lulista e as compras passaram a ser
feitas no Rio de Janeiro e despachadas de avião para São Paulo. O custo era
elevado, mas permitia a Suassuna interpretar um novo personagem, o bom
samaritano.
Quando as investigações da Lava Jato apontaram para Lula como
beneficiário das boas ações da OAS e Odebrecht no Sítio de Atibaia, Suassuna
tornou-se arredio e inquieto. No dia 30 de outubro de 2015, um telefonema
levou-o ao pânico. Um repórter da revista Veja, depois de fazer perguntas sobre
o verdadeiro dono do sítio de Atibaia, disse que uma matéria sobre o assunto
seria publicada naquele final de semana. O dia de Suassuna estava arruinado.
Vagou como um zumbi pela empresa até a chegada de seu advogado. No Santa
Denise não houve obras, e o dono da Gol safou-se, pelo menos enquanto este
livro é escrito.

O fim de um casamento arranjado

Traição, ciúmes, brigas por dinheiro, intrigas, egos e


vaidades. A Babel financeira irrita os sócios de Suassuna.
A união não resiste à crise dos sete anos e à pressão da
Lava Jato.
Uma união abençoada por Lula. Suassuna, Lulinha e Kalil e Fernando Bittar foi
um caso de amor à primeira vista, amor aos milhões de reais que a sociedade
deles poderia gerar por meio de negócios que, com muita boa vontade, podem se
classificar apenas como escusos. Um casamento muito bem arranjado, a que
caberia a frase ritualística: até que a morte os separe. Foram felizes por um bom
tempo até que a morte chegou travestida de Operação Lava Jato.
A paixão revelada nos primeiros contratos e negociatas que alimentaram as
contas dos sócios com dinheiro sujo esfriou com o passar dos anos. O casamento
começou a ruir diante dos motivos de sempre: traição, ciúmes, brigas por
dinheiro, intrigas, egos e vaidades.
Suassuna controlava o caixa da Gol e semanalmente fazia a “aprovação do
financeiro”, quando autorizava pagamentos e assinava cada um dos cheques.
Dizia que dessa forma sabia exatamente o que se passava com suas finanças.
Cada uma dessas ocasiões se transformava num massacre psicológico. Os
infelizes portadores da papelada financeira eram sacrificados à prepotência e a
arrogância do chefe. Alessandro Sargentelli, diretor financeiro, ia para essas
reuniões como se fosse para o patíbulo. A sessão de tortura durava em média
duas horas. Não raro, o resignado Sargentelli saía dela em lágrimas, com a
pressão arterial elevada a níveis preocupantes.
Suassuna batia na mesa, puxava os próprios cabelos e arremessava o celular
contra a parede diante de um boleto que o desagradasse. Sabia-se desde cedo que
seria assim, pois já haviam ligado para a casa do patrão e algum dos empregados
domésticos avisara que aquele seria um dia de tempestades. Em ocasiões assim,
os diretores da Gol preferiam não serem vistos, permaneciam em suas salas,
protegidos da ira do chefe, cujos gritos ouviam-se em toda a empresa.
Os pagamentos a autorizar chegavam-lhe misturados, uma autêntica Babel
financeira: despesas da ilha, salário dos marinheiros que cuidavam de suas
lanchas em Angra dos Reis, notas fiscais da compra de vinhos e etc. À medida
que os cheques eram assinados, Suassuna subia o tom, para explodir diante dos
gastos dos sócios Lulinha e irmãos Bittar. Estava tudo previsto, tratava-se da
lavagem do dinheiro, mas ele não se conformava. A Gol Mídia e Goal Discos,
sem atividades ou funcionários, pagavam passagens aéreas, hotéis, despesas com
motoristas, itens das reformas do apartamento do Lulinha e compras diversas.
Outras empresas do Grupo Gol eram também usadas para botar ordem na
dinheirama das negociatas. A imobiliária Gol pagava as despesas pessoais do
patrão. Uma empresa que foi sem nunca ter sido e tinha um único cliente, o
próprio Suassuna.
A autorização do dinheiro destinado a Lulinha, Kalil e Fernando Bittar –
despesas pessoais, notas fiscais de empresas e prestações de imóveis financiados
– ficava para o final. Abria-se o pano para o último ato da peça encenada por ele.
Um colérico Suassuna imprecava contra tudo e contra todos e beirava à
apoplexia diante das operações de antecipação de altos valores feitas por Kalil
Bittar. O Banco Santander aceitava duplicatas da Gol a favor da PDI, de Kalil,
uma rotina que nem precisava de autorização prévia. No dia seguinte, continuava
tudo como dantes, no quartel D’Abrantes. Os sócios em harmonia caminhavam
sorridentes pelos corredores da Gol.
A aparente harmonia era encenada em ambos os lados. A insatisfação de
Lulinha e amigos crescia à medida que viam Suassuna usar o dinheiro da
empresa para despesas pessoais. Feitas as contas, sobrava menos para eles por
causa disto. A Gol era cabide de empregos para familiares e amigos do patrão e
até uma ex-babá estava na folha de pagamentos da empresa.
Em 2013, o término de dois contratos de fachada com a Oi: Portal de Voz de
Cid Moreira, R$ 27,2 milhões, e Clubes de SMS Mais Bela e Mais Leve, R$
25,2 milhões, levou Suassuna a pressionar Lulinha e os irmãos Bittar por outras
negociatas, que acabaram sendo feitas com a Prefeitura do Rio de Janeiro por
meio da própria Oi e da Contax, porém não nos valores esperados.
Lulinha, Fernando e Kalil passaram a concentrar suas ações em negócios
para suas empresas: G4 e Gamecorp. Como presidente do PlayTV, Lulinha
recebia um salário de cerca de R$ 100 mil por mês. Suassuna já era, então, um
marido enganado. O dono da Gol, no entanto, não lhes dava trégua. Pressionado,
Kalil foi buscar recursos na Oi. A nota fiscal 00000127, de R$ 4 milhões, a favor
da Gol Mobile, foi paga à vista pela operadora sem contrapartida de qualquer
contrato ou serviço prestado. A emissão dessa nota foi autorizada pela Oi após
um encontro com Kalil. A simplicidade do descritivo da nota exibe a facilidade
com que se podiam faturar R$ 4 milhões: “prestação de serviços referentes a
desenvolvimento de sistema para plataforma mobile”.
O comportamento ditatorial de Suassuna e a má vontade de sua mulher com
seus sócios eram prenúncio de que a relação de negócios ilícitos não tinha mais
futuro. As desavenças tornaram-se explícitas e públicas com uma nota da revista
Isto É. O casamento, que durara de 2008 a 2015, não sobreviveria à crise dos
sete anos.
Dizia a publicação: “O empresário Jonas Suassuna brigou feio com Fábio
Luís Lula da Silva, o Lulinha. Ele ficou irritadíssimo ao ver seu nome no
noticiário policial da Operação Lava Jato e teme que acabe sendo arrastado para
dentro da investigação. Dono de um poderoso grupo de mídia e TI, o executivo
virou sócio de Lulinha na Gamecorp, hospeda o filho do ex-presidente num
luxuoso apartamento em Moema e até emprestou seu nome na escritura do sítio
de Atibaia usado por Lula e que teria sido reformado pela OAS, uma das
empreiteiras investigadas pelo juiz Sérgio Moro. Suassuna diz a amigos que ‘não
suporta mais carregar Fábio nas costas’”. Suassuna não fazia questão de
disfarçar suas diferenças com os sócios, que criticava sem reservas diante de
convidados aos almoços da Gol.
Em 2015, Jonas avisou que a empresa estava em “crise”. Medidas
emergenciais foram tomadas para a redução de despesas: o desligamento do
elevador que praticamente só ele utilizava e as carpas que habitavam dois
tanques deveriam ser agrupadas em apenas um para que uma das bombas de ar
fosse desligada, reduzindo a conta de luz. O almoço dos diretores minguou,
frutos do mar e salmão cederam lugar ao frango. As sobremesas também foram
racionadas. Pior sorte tiveram os profissionais da empresa que antes podiam
comer à vontade no restaurante conveniado com a Gol e que passaram a ter suas
refeições limitadas a míseros 300 gramas. Se passasse disso, o comilão teria que
pagar a diferença. Encenava-se o teatro da crise, pois o financeiro nadava em
ouro. O Grupo Gol movimentou nesse ano fantásticos R$ 106 milhões, um
recorde histórico.
A Lava Jato selou o fim de um casamento de sete anos. Kalil Bittar, que já
fora despejado da Gol, volta para Campinas com a família. Suassuna afastou-se
definitivamente dos sócios. Sargentelli ficou encarregado, pelo chefe, de acertar
detalhes financeiros da separação consensual de Lulinha, Fernando e Kalil. Eles
nunca mais pisariam na sede do Grupo Gol.


Nota Fiscal emitida pela Gol Mobile no valor de R$ 4.000.000,00 e paga pela Oi sem
contrapartida de prestação de serviço e posteriormente tratada como “antecipação”.


Transferências milionárias da Gol Mídia para as empresas PDI de Kalil e COSKIN de Fernando
Bittar, registrados no Laudo Pericial do Departamento de Polícia Federal Superintendência
Regional no Paraná
Operação Lava Jato No 2159/2016-SETEC/SR/PF/PR – PG 09
30 de setembro de 2016.


Transferências milionárias da Editora Gol e Gol Mobile para a empresa G4 de Lulinha,
registrados no Laudo Pericial do Departamento de Polícia Federal Superintendência



Site da Isto É de 10 de julho de 2015.

Pra fim de conversa

Ponto final, a despeito das pedras no caminho. Vivi


um ano de sobressaltos, ameaças, noites mal dormidas,
enfrentando forças ocultas que se manifestaram para
impedir a publicação deste livro. Não levei o prometido
tiro na testa e sobrevivi às mandingas de um pai de santo
que Suassuna contratou por R$ 40 mil para me apagar
espiritualmente.
Corria o mês de agosto de 2017 quando, ao sair de um depoimento na Receita
Federal - Força Tarefa da Lava Jato, fui tomado por uma estranha sensação.
Caminhava alheio ao que ocorria a minha volta e pouco prestava atenção ao
auditor que me acompanhava. Sentia-me inquieto e, ao me despedir dele, ouvi
que agradecia por minha disposição de revelar as negociatas de Lulinha e seus
sócios, mas era como se eu não estivesse ali.
Aos poucos a inquietude que me afligia começou a mostrar sua cara. Outros
depoimentos, sempre de forma voluntária, vieram, mas não supriam minha
disposição inicial de revelar o que vi e ouvi em sete anos de trabalho para o
Grupo Gol. Um livro! O registro escrito das atividades dos ladrões de casaca era
o que faltava.
Eu não fiz delação premiada, nem obtive qualquer benefício pelos meus
depoimentos. Em outubro de 2017, a imprensa publicou as primeiras
informações sobre minha colaboração à Receita Federal. Suassuna reagiu ao
noticiário a seu jeito, com truculência e arrogância. Em entrevista ao jornal
Folha de S. Paulo, disse que tudo não passava de “uma tentativa frustrada de
chantagem”. Ameaçou me processar.
Dois anos após minha saída da Gol, encontrei casualmente em uma padaria o
padre que escrevera os textos bíblicos narrados por Cid Moreira e lançados pela
Gol. Enfrentava dificuldades, pois Suassuna não honrara os últimos pagamentos
a que ele fazia jus. Contou-me que o dono da Gol desembolsara R$ 40 mil para
que um pai de santo me mandasse para os quintos dos infernos. Não conseguiu,
continuo na minha paz no Rio de Janeiro. Mas o teatro encenado pelo
mandingueiro merece registro. O estranho personagem percorreu a Gol, em
horário de expediente, defumando cada canto da empresa para exorcizar
vestígios da minha presença ali. Uma atenção especial foi dedicada à sala em
que eu trabalhava. O feiticeiro convocou suas forças ocultas, cuja composição se
desconhece, pois não podiam ser vistas, e promoveu um descarrego de todo o
ambiente. Feito isto, pegou um exemplar da Folha de S. Paulo que publicara as
negociatas conjuntas da Gol com Lulinha e os irmãos Bittar. O pai de santo,
sacudindo o jornal de forma frenética, jurava que o nome de Suassuna iria
desaparecer do noticiário, mesmo se impresso as pessoas não conseguiriam lê-lo.
Forças terrenas também foram acionadas para tentar acabar com o projeto
deste livro. O diretor da Nuvem de Livros, Roberto Bahiense, o mesmo que
comandou, na véspera da operação Aletheia, a ocultação de provas
incriminatórias contra a Gol, disparou telefonemas para executivos de editoras,
desaconselhando qualquer acolhida ao Sócio do Filho. Nisso foi bem-sucedido,
pois muitas eram parceiras da Gol na Nuvem de Livros, recebendo pelo direito
de suas obras na biblioteca digital. Chegou a fazer ameaças veladas, ao anunciar
que uma banca de advogados estava pronta para processos por calúnia e
difamação e ações indenizatórias milionárias não poupariam ninguém. O
confiante Bahiense chegou a garantir ao chefe que o livro não seria publicado.
De fato, os editores a quem ofereci a publicação do livro mostraram
entusiasmo inicial para depois desistirem com explicações inconsistentes. O
exemplo mais eloquente é de uma editora do interior de São Paulo. Enviei-lhe
alguns capítulos e chegamos a assinar um termo de confidencialidade, com o
compromisso de que o Sócio do Filho seria lançado na categoria best-seller.
Tudo corria bem até que, no impróprio horário das 23h30 de um sábado, recebo
a seguinte mensagem por WhatsApp:
“Apesar de acharmos bastante interessante o projeto e analisarmos
exaustivamente o material, em vista dos riscos jurídicos e da atual conjuntura do
mercado, decidimos não dar continuidade no projeto.”
As pedras no caminho do Sócio do Filho se multiplicavam. Durante
telefonemas a possíveis interessados no projeto a ligação “caía”. Até mesmo
uma gráfica, depois que decidi assumir os custos de impressão, se recusou a
imprimir o livro. É devedora de impostos, explicou-me o dono, e temia
perseguições de fiscais caso aparecesse associada à publicação do Sócio do
Filho.
O designer convidado para criar a capa do livro desculpou-se, pois estava
muito ocupado cuidando de seu cachorro que estava doente. Espero que tenha se
recuperado. Fui socorrido pelo brilhante artista plástico Manasses Andrade, cuja
reprodução de sua obra “Cabeça de Larápio” ilustra a capa de Sócio do Filho.
Registro menção especial à Polícia Federal – delegado Dante Pegoraro e
agente Tiago Preto – pela maneira como foi conduzida a tomada de meus
depoimentos. Cortesia e profissionalismo se somaram, inspirando-me a
confiança necessária para não ceder a hesitações e levar a termo a colaboração
voluntária a que me propus.
Boto o ponto final neste livro, encerrando como comecei: “Prefira dizer a
verdade e ficar mal com os homens a mentir e vir a ficar mal com Deus.”
Valeu a pena

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