Ética e Deontologia em Gestão Comercial e Marketing, 2º Ano, II Semestre. 2020/2021.
Ética e Deontologia Profissional. Os propósitos da teoria moral (Sobre as relações
entre a Ética e a Moral). A moralidade diz-nos o que devemos fazer em uma série específica de circunstâncias, enquanto a teoria moral (às vezes chamada de “ética”) consiste no estudo da moralidade. Os propósitos da teoria moral são vários. Talvez a tarefa mais geral, que os próprios teóricos morais estabeleceram, seja a de entender em que consiste a moralidade. Tratar-se-á de um conjunto de disposições enraizadas nos nossos genes da mesma maneira que os hábitos sociais dos chimpanzés? Tratar-se-á de um conjunto de convenções que criamos através da história, a fim de estruturar a nossa vida social? Como as regras da moralidade diferem das regras religiosas, tais como a injunção judaica de se comer apenas alimentos kosher? Para que serve a moralidade? O que ela procura atingir? Será que serve a uma preocupação do indivíduo com a salvação pessoal, com a felicidade, ou em se manter fora da prisão; ou terá uma finalidade comunitária, tal como a criação da paz e do progresso social? O que distingue e unifica a moralidade? (...) Os teóricos morais trazem uma variedade de respostas para estas questões. Um segundo propósito da teoria moral é o de estabelecer o que somos obrigados a fazer, o que somos proibidos de fazer, o que estamos autorizados a fazer e o que seria bom que fizéssemos mesmo quando não seja obrigatório. Neste sentido, a teoria moral é prescritiva. Ela prescreve-nos quais são os nossos deveres ou o que seria virtuoso fazer. Um exemplo paradigmático dessas prescrições são os Dez Mandamentos da tradição judaico-cristã, os quais incluem prescrições tais como “Não matarás” e “Não cobiçarás os bens do teu próximo” (...) Uma terceira questão que muitos teóricos morais colocam é por que as nossas normas morais são válidas. Aqui o seu objetivo não será o de convencer-nos de novas normas, da necessidade de se rever normas antigas ou de aplicá-las de forma consistente, mas sim de entender por que essas prescrições são normativas. Por que deveres são obrigatórios ao invés de serem meramente sugestivos? Pode ser prudente evitar tais ações, mas por que é errado mentir, enganar ou cometer assassinato? Aqui a tarefa da teoria moral não será tanto a de prescrever quanto a de justificar as nossas normas. Os Dez Mandamentos podem novamente nos oferecer um exemplo. Para os crentes religiosos essas normas são obrigatórias porque Deus lhas ordenou (...) Para os pensadores seculares é muitas vezes argumentado que as normas morais são obrigatórias por estarem baseadas na razão. A mais simples dessas visões sugere que as regras morais são obrigatórias por conduzirem a maior felicidade para o maior número de seres afetados, enquanto a mais sofisticada sugere que o próprio poder da razão torna as nossas normas obrigatórias, dado que somos seres livres e racionais. Quaisquer que sejam as visões metafísicas que os filósofos subscrevam como um pano de fundo para o seu pensamento moral (se acreditam em Deus ou na liberdade humana, por exemplo), o que eles estão tentando fazer quando oferecem tais explicações é justificar as normas morais, mostrando em que elas estão baseadas e quais motivos se podem aduzir para sustentá-los. A quarta tarefa da teoria moral é a de descrever-nos as nossas vidas morais. Essa tarefa tem sido por vezes chamada de “psicologia moral”. Trata-se da tarefa de deixar claro como as pessoas vivenciam estar sob uma obrigação, como de fato tomam decisões morais, pensam sobre questões morais ou em si mesmas como agentes morais. Embora soe como se este fosse um estudo empírico, os teóricos morais raramente fazem uso de dados de ciências sociais como a psicologia, a antropologia e a sociologia. Ao contrário, recorrem a teorias filosóficas sobre em que consiste ser um ente humano: teorias como aquelas que sugerem possuirmos uma alma racional, ou uma vontade livre, ou uma mente equipada com sentimentos naturais e inclinações. Uma razão pela qual esses estudos são importantes é que seria inútil prescrever normas demasiado rigorosas para seres humanos falíveis e finitos seguirem. Por exemplo, pode-se argumentar que não podemos ter a obrigação moral de ajudar cada uma das pessoas necessitadas no mundo, porque fazê-lo está além da nossa capacidade. E essa incapacidade não se pode basear apenas no fato de não termos os recursos para ajudar a todos, mas também no alcance limitado das nossas habilidades psicológicas de nos preocuparmos com os outros. Deste e de outros modos, alegações acerca da nossa psicologia moral são relevantes para conhecermos quais normas é realista prescrever aos seres humanos. Além disso, a justificação das nossas normas morais deve ser sensível ao que somos como seres humanos. Por exemplo, se somos mais influenciados pelas nossas emoções do que o somos pela nossa razão, talvez, então, seja melhor não estabelecer a razão pura como a base das nossas normas. Como vertentes divergentes dentro da teoria moral, a ética do dever e a ética da virtude partilham estas quatro tarefas: • compreender a moralidade; • prescrever normas; • justificar essas normas; • descrever como elas cabem em nossas vidas. in HOOFT, Stan van (2013). Ética da Virtude, trad. de Fábio Creder. RJ: Petrópolis, pp. 11-13