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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS

ALINE CRISTINA DE SOUZA FOLLONI

DISCURSO POLÊMICO EM MÍDIAS DIGITAIS:


UMA ANÁLISE DIALÓGICA DE ARENAS DISCURSIVAS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CURITIBA
2020
ALINE CRISTINA DE SOUZA FOLLONI

DISCURSO POLÊMICO EM MÍDIAS DIGITAIS:


UMA ANÁLISE DIALÓGICA DE ARENAS DISCURSIVAS

Polemical discourse on the social media: a dialogical interaction analysis in discursive


arenas

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do


grau de Mestre em Estudos de Linguagens da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Nívea Rohling.

CURITIBA
2020
Esta licença permite que outros remixem, adaptem
e criem a partir do trabalho para fins não
comerciais, desde que atribuam o devido crédito e
4.0 Internacional que licenciem as novas criações sob termos
idênticos. Conteúdos elaborados por terceiros,
Atribuição – Uso não Comercial citados e referenciados nesta obra não são cobertos
pela licença.
Para o meu doce Vinicius.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a meu Deus toda vez que me lembro de vocês.


Filipenses 1:3

Durante muitos anos o mestrado foi um sonho frustrado. Antes mesmo de concluir
minha graduação, em 2013, comecei a me preparar para o exame de seleção da USP.
Almejava continuar meus estudos, aprofundando-me na Linguística e, mais especificamente,
na Semiótica.
Pensando nisso, comecei um curso de francês, onde me apaixonei pelo meu
professor, hoje meu marido. Terminei a graduação e fui morar com ele em Porto Velho,
Rondônia. Meses depois, voltei para Balsa Nova, Paraná, e resolvi retomar meu plano do
mestrado. Fui então morar em São Paulo. Enfim, USP! Fui a convite do professor Ivã Carlos
Lopes, após enviar a ele meu Trabalho de Conclusão de Curso, e tive a oportunidade de ter
aula com José Luiz Fiorin, Mariana Luz Pessoa de Barros e Antonio Vicente Seraphim
Pietroforte. Conheci pessoas maravilhosas e pude crescer tanto academicamente quanto
pessoalmente.
Misteriosamente, aquele ano houve um erro, segundo um dos professores, e foi
exigida proficiência em inglês, ao invés de francês; tudo parecia conspirar a meu favor.
Gabaritei a prova e o sonho parecia real. Porém, no exame teórico, não passei. Voltei para
casa e vi, mais uma vez, meu sonho ser adiado.
Participei em 2015 do exame seletivo do PPGEL, para a área de Literatura. Não
passei.
Em 2017, comecei a estudar para concurso. Porém, a ideia de um dia ser mestre
ainda permanecia. Foi quando me deparei com uma especialização na UFSC, à distância, e
reacendeu em mim a chama acadêmica. Comecei a especialização e, simultaneamente,
estudava para o processo seletivo do PPGEL, agora na área de Linguística. Foi, então, que
me vi grávida!
Desta vez, não vi saída: uma vida crescia dentro de mim e iria depender das minhas
escolhas. Queria que o Vinicius tivesse orgulho de sua mãe e que ele soubesse que ela não
desistia de seus sonhos. Estudei, fiz o projeto e fiz a prova com ele. Passei!
Todo o percurso do mestrado foi de muito apoio. Apoio da minha família, apoio por
parte dos colegas do mestrado, apoio por parte dos professores do Programa, apoio por parte
da minha orientadora.
Meu marido e minha mãe foram meus alicerces em toda essa trajetória. Eles
abraçaram comigo essa causa e não mediram esforços em oferecer todo o suporte necessário
para que eu tivesse tranquilidade e condições para conduzir meus estudos. A eles, um
“obrigada” com todo meu coração!
Meus colegas de mestrado, que conheci apenas no meu segundo semestre de pós-
graduação, ofereceram-me suporte nas minhas dúvidas, quando ainda eu estava estudando à
distância, e, posteriormente, me acolheram na turma, ajudando-me na fase de ambientação.
Obrigada, meus companheiros de luta!
Meus professores, além de serem profissionais notáveis, foram também muito
humanos em todas as etapas de aula. Aulas de muita qualidade, escolhas textuais ímpares e
uma dedicação singular. Muito obrigada, vocês nos motivam e nos iluminam mostrando
novos caminhos e olhares!
Minha orientadora, Nívea, foi minha primeira escolha no processo seletivo e, se eu
tivesse que optar novamente a escolheria mais uma vez. Uma profissional de saber notável,
muito correta e alguém para se inspirar. Minha admiração por ela, enquanto mulher e
enquanto professora/orientadora, só cresceu ao longo desses dois anos em que tive a
satisfação de conhecê-la e tê-la ao meu lado nessa jornada. Professora Nívea, muito obrigada
por cada comentário, cada áudio, cada sugestão de leitura, por investir seu tempo e depositar
sua confiança em mim!
Aos membros da banca, obrigada por aceitarem o convite de acompanhar meu
trabalho. Obrigada, professor Atílio, pelas observações, pelas sugestões de leitura e,
principalmente, por me apresentar Ginzburg sob um novo ângulo muito além do indiciário.
Obrigada, professor Evandro, pelos mais variados questionamentos, os quais enriqueceram
meu trabalho e me fizeram olhar para as lacunas, especialmente, no que concerne à retórica
e à argumentação.
À UTFPR, meu “muito obrigada”, por oferecer a mim a chance de ser mais uma vez
aluna. São nove anos podendo dizer que sou aluna da UTFPR. Sonhei em estudar no prédio
verde desde menina e pude explorar seus corredores e todo o seu esplendor como centro de
ensino, ao máximo. Obrigada!
Procurei trazer um tom mais pessoal a esse agradecimento, pois essa etapa da minha
vida resume-se em uma palavra: GRATIDÃO! O título de mestre não é apenas, para mim,
um título significativo na minha carreira, é também uma conquista pessoal após muitas
negativas, muitas mudanças e uma pandemia.
RESUMO

FOLLONI, Aline Cristina de Souza. Discurso polêmico em mídias digitais: uma análise
dialógica de arenas discursivas. 2020. 134 f. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Linguagens, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2020.

Este trabalho tem como objetivo geral compreender e descrever os modos de construção,
produção e circulação do discurso polêmico em propagandas produzidas em mídia digital.
Para tanto, foram estabelecidos os seguintes: a) identificar, descrever e analisar o discurso
polêmico em propagandas em mídia digital, mais especificamente nas principais redes
sociais, YouTube, Twitter, Facebook e Instagram; b) observar e descrever os espaços/mídias
em que circula tal discurso (redes sociais), bem como seu papel na construção do discurso
polêmico; c) reconhecer e analisar o papel dos enunciadores na ampliação, na reacentuação
ou na contraposição do discurso polêmico; e, por fim, d) identificar e analisar o papel das
hashtags na ampliação do discurso polêmico. Desse modo, fundamentando-se teórica e
metodologicamente na Concepção Dialógica de Linguagem, do Círculo de Bakhtin
(BAKHTIN, 1981 [1963]; BAKHTIN, 1987; BAKHTIN, 2002 [1975]; BAKHTIN, 2003
[1951/1953]; BAKHTIN, 2008 [1963]; BAKHTIN, 2010 [1920]; BAKHTIN, 2014 [1975];
BAKHTIN, 2015 [1930]; MEDVIÉDEV, 2012 [1928]; VOLÓCHINOV, 2013 [1930];
VOLÓCHINOV, 2018 [1929]), busca-se elucidar conceitos no tocante à linguagem, ao
discurso e ao enunciado e assume como perspectiva analítica a Análise Dialógica do
Discurso (ADD) com base em Brait (2006); Rohling (2009; 2014) Acosta Pereira (2012) e
Rodrigues (2005) e no Método Sociológico de Estudo da Linguagem (MEDVIÉDEV, 2012
[1929]; VOLÓCHINOV, 2018 [1929]). No que diz respeito ao discurso polêmico, parte-se
dos estudos desenvolvidos pela pesquisadora francesa Ruth Amossy (2017; 2018; 2019),
cujos trabalhos aprofundam-se acerca da natureza da polêmica da arte da argumentação e da
retórica. Sendo assim, esta pesquisa delineia-se a partir da materialização do discurso
polêmico em três propagandas na cultura digital, publicadas na plataforma do YouTube e
reverberadas em outras redes sociais, pelos próprios usuários da rede, por meio do endosso
de uma opinião acerca do debate gerado com a divulgação da peça publicitária. A
pertinência deste estudo reside no enfoque dado às práticas discursivas hipersemiotizadas e
produzidas nessa e para esta cultura digital. Além disso, mostra-se também relevante uma
vez que revisita o conceito de polêmica, resgatando-o, desde as raízes aristotélicas até as
tradicionais acepções de Perelman e Olbrechts-Tyteca, para atualizá-lo no espaço da
cibercultura. E, finalmente, esta pesquisa possibilita a ampliação das discussões propostas
por Amossy em terras brasileiras, no que toca à arte de polemizar em prol de uma
democracia mais plural.

Palavras-chave: Linguagem. Discurso Polêmico. Propagandas.


ABSTRACT

FOLLONI, Aline Cristina de Souza. Polemical discourse on the social media: a dialogical
interaction analysis in discursive arenas. 2020. 134 f. Dissertação – Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagens, Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Curitiba, 2020.

This paper carries out a Dialogic Conception of Language investigation in order to


understand and to describe how the polemical discourse is constructed, produced and
worked in advertisements produced in digital media. To this end, the following specific
objectives have been established: a) to identify, describe and analyze the polemical
discourse in digital media advertisements, more specifically on YouTube, Twitter, Facebook,
and Instagram; b) to observe and describe the spaces/media in which such discourse
circulates (social medias), as well as its role in the construction of the polemical discourse;
c) to recognize and analyze the role of enunciators in the expansion, in the re-emphasization
or in the contraposition of the polemical discourse; and, finally, d) to identify and analyze
the role of hashtags in the expansion of the polemical discourse. Thus, relying theoretically
and methodologically on the Dialogic Conception of Language of the Bakhtin Circle
(BAKHTIN, 1981 [1963]; BAKHTIN, 1987; BAKHTIN, 2002 [1975]; BAKHTIN, 2003
[1951/1953]; BAKHTIN, 2008 [1963]; BAKHTIN, 2010 [1920]; BAKHTIN, 2014 [1975];
BAKHTIN, 2015 [1930]; MEDVIÉDEV, 2012 [1928]; VOLÓCHINOV, 2013 [1930];
VOLÓCHINOV, 2018 [1929]), seeks to elucidate concepts regarding language, discourse
and enunciation and assumes as analytical perspective the Dialogical Analysis of Discourse
(ADD) based on Brait (2006); Rohling (2009; 2014) Acosta Pereira (2012) e Rodrigues
(2005) e no Método Sociológico de Estudo da Linguagem (MEDVIÉDEV, 2012 [1929];
VOLOCHINÓV, 2018 [1929]). With regard to the controversial discourse, we start from the
studies developed by the French researcher Ruth Amossy (2017; 2018; 2019), whose works
deepen on the nature of the polemic of the art of argumentation and rhetoric. Thus, this
research is delineated from the materialization of the controversial discourse in
advertisements in digital culture, published on the YouTube platform and forwarded to other
social medias, by the network users themselves, through the endorsement of an opinion
about the debate generated by the dissemination of the advertising piece. The relevance of
this study lies in the focus given to hypersemiotized discursive practices and produced in
and for this digital culture. In addition, it is also relevant since it revisits the concept of
polemics, rescuing it, from the Aristotelian roots to the traditional meanings of Perelman and
Olbrechts-Tyteca, to update it in the cyberculture space. And, finally, this research allows
the expansion of the discussions proposed by Amossy in Brazilian lands, regarding the art of
polemizing in favor of a more plural democracy.

Keywords: Language. Polemical Discourse. Advertisements.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - "Boys will be boys" x "That’s not how we treat each other, okay?" .....................17
Figura 2 - Repercussão no Twitter..........................................................................................18
Figura 3 - Meme produzido a partir da polêmica envolvendo a Gillette, publicada no Twitter
................................................................................................................................................19
Figura 4 - Screenshot do vídeo publicado no YouTube postado no Instagram ......................19
Figura 5 - Postagem no Facebook ..........................................................................................20
Figura 6 - Sistema de busca do Twitter ..................................................................................56
Figura 7 - Sistema de busca do Instagram .............................................................................56
Figura 8 - Sistema de busca do Facebook ..............................................................................57
Figura 9 - Exemplo de restrição de público em uma postagem no Facebook ........................57
Figura 10 - Ferramentas de publicação no Twitter .................................................................64
Figura 11 - Exemplo de tweet com mesclagem de texto e vídeo (TB01) ...............................65
Figura 12 - Opções dentro do campo "reações" do Twitter ....................................................65
Figura 13 - Interface do Twitter, versão mobile .....................................................................67
Figura 14 - Interface do Facebook, versão mobile .................................................................67
Figura 15 - Interface do Instagram, versão mobile ................................................................68
Figura 16 - TK01 ....................................................................................................................69
Figura 17 - IG01 .....................................................................................................................71
Figura 18 - Opções de compartilhamento do Instagram ........................................................71
Figura 19 - Ampliação do modo "curtir” (FK01) ...................................................................72
Figura 20 - Sequência de sentimentos recorrentes diante da postagem .................................72
Figura 21 - Opções de compartilhamento do Facebook .........................................................73
Figura 22 - Opções de compartilhamento do YouTube ..........................................................74
Figura 23 - YG01 ....................................................................................................................74
Figura 24 - Campo comentários do YouTube .........................................................................75
Figura 25 - Modo de exibição dos comentários .....................................................................75
Figura 26 - Screenshot do anúncio da Empiricus ...................................................................76
Figura 27 - IG01 .....................................................................................................................77
Figura 28 - TB02 ....................................................................................................................77
Figura 29 - TB03 ....................................................................................................................77
Figura 30 - TB04 ....................................................................................................................78
Figura 31 - TB05 ....................................................................................................................79
Figura 32 - TB06 ....................................................................................................................79
Figura 33 - IB01 .....................................................................................................................79
Figura 34 - IB02 .....................................................................................................................80
Figura 35 - IB03 .....................................................................................................................80
Figura 36 - Meme Bettina (TB07) ..........................................................................................85
Figura 37 - TB08 ....................................................................................................................86
Figura 38 - Tweet que deu origem à hashtag #metoo.............................................................89
Figura 39 - Tweet de 30 de agosto de 2020 ............................................................................89
Figura 40 - A doxa de se barbear em frente ao espelho do banheiro .....................................92
Figura 41 - Propaganda de 1989 .............................................................................................93
Figura 42 - Enunciado de 1989 citado no de 2019 (YG02)....................................................94
Figura 43 - Segundo trecho da propaganda de 1989 exibido na campanha de 2019 (YG03) 94
Figura 44 - Rompimento com a voz do enunciado de 1989 (YG04) .....................................96
Figura 45 - Trecho da campanha em que noticiários comentam as denúncias envolvendo o
movimento "me too." ..............................................................................................................97
Figura 46 - Clichê do Bullying (YG05) ..................................................................................98
Figura 47 - Clichê do fiu-fiu, inclusive em desenhos animados (YG06) ...............................99
Figura 48 - Clichê dos programas de TV fazendo humor com assédio (YG07) ....................99
Figura 49 - Clichê da objetificação da mulher (YG08) ..........................................................99
Figura 50 - Clichê do mundo de negócios ser chefiado por homens e a prática do
manterrupting (YG09)..........................................................................................................100
Figura 51 - Clichê do clichê - Boys will be boys (YG10) ....................................................100
Figura 52 - Terry Crews apoiando o movimento "me too." e declarando que a
responsabilidade sobre tais atitudes recaem sobre os próprios homens (YG11) ..................101
Figura 53 - Rapaz repreende o outro por mexer com as meninas (YG12) ...........................101
Figura 54 - Rapaz impede que o outro avance em direção à moça (YG13) .........................101
Figura 55 - Exibição de homens reais "fazendo a coisa certa" : apartando brigas (YG14) ..102
Figura 56 - Exibição de homens reais “dizendo a coisa certa”: valorizando as mulheres
desde cedo, enquanto pais (YG15) .......................................................................................102
Figura 57 - Rompendo o clichê de "boys will be boys" (YG16) ..........................................102
Figura 58 - Desfecho inspirador da cena que perpassa o vídeo (YG17) - vide YG04 e YG05
..............................................................................................................................................103
Figura 59 - The men of tomorrow .........................................................................................104
Figura 60 - "The Best a Man Can Get" reenunciado (YG18) ..............................................104
Figura 61 - Polêmica velada (YG19) ....................................................................................105
Figura 62 - "Gillette não terá mais meu dinheiro" (TG01)...................................................106
Figura 63 - "Meu nome é #Mustard e eu estou destruindo minha lâmina de barbear
#Gillette" (TG02)..................................................................................................................106
Figura 64 - O boicote, inclusive, chegou ao Brasil (TG03) .................................................107
Figura 65 - "Eu trouxe a vocês o amor"; "Está trazendo amor! Não deixem que fuja!
Quebrem as pernas deles!" (IG02) .......................................................................................107
Figura 66 - Tweet repostado no Instagram (IG03) ...............................................................108
Figura 67 - Egard Watches publicou o vídeo tanto no YouTube quanto no Instagram (IG04)
..............................................................................................................................................108
Figura 68 - Tweet elogiando a iniciativa da empresa, com um link de um jornal (TG4) .....109
Figura 69 - Vídeo de reação entre pais e filhos ao comercial (YG20) .................................109
Figura 70 - Krespinha ...........................................................................................................110
Figura 71 - Black Lives Matter no Brasil .............................................................................113
Figura 72 - O perfil Black Lives Matter americano propõe um boicote, em nível
internacional, à rede Carrefour, após o ocorrido no Rio Grande do Sul ..............................114
Figura 73 - Uma das reações-resposta ativa direcionada à Bombril (IK03) ........................115
Figura 74 - Repercussão por parte de maioria negra diante do produto Krespinha (TK02) 116
Figura 75 - TK03 ..................................................................................................................117
Figura 76 - IK01 ...................................................................................................................118
Figura 77 - YK01 ..................................................................................................................119
Figura 78 - IK02 ...................................................................................................................120
Figura 79 - Comentário em IK02 .........................................................................................120
Figura 80 - Réplica do comentário agressivo (IK02) ...........................................................121
Figura 81 - FK01 ..................................................................................................................121
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Corpus ...................................................................................................................58


Tabela 2 - Hashtags buscadas sobre a campanha da Gillette .................................................59
Tabela 3 - Hashtags buscadas sobre a propaganda da Empiricus ..........................................59
Tabela 4 - Hashtags buscadas sobre a propaganda da Bombril .............................................59
Tabela 5 - Legenda para organização dos dados (redes sociais) ............................................59
Tabela 6 - Legenda para organização dos dados (propagandas) ............................................59
Tabela 7 - Relação dos vídeos da Empiricus protagonizados por Bettina antes da propaganda
que gerou a polêmica ..............................................................................................................81
SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................... 13

2. REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 24

2.1 CONCEPÇÃO DIALÓGICA DE LINGUAGEM.....................................................24

2.2 A POLÊMICA EM BAKHTIN: CONCEITUANDO ARENA DISCURSIVA....... 30

2.3 DA RETÓRICA AO DISCURSO POLÊMICO........................................................ 38

3. PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ..................................................... 49

3.1 O FAZER PESQUISA NA ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO................... 49

3.2 SOBRE O PARADIGMA INDICIÁRIO................................................................... 53

3.3 GERAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA.................................... 55

4. VAMOS ÀS POLÊMICAS?........................................................................................... 61

4.1 A POLÊMICA E AS MÍDIAS: ACENTUAÇÃO, AMPLIAÇÃO E


VALORAÇÃO......................................................................................................................... 61

4.2 “OI, MEU NOME É BETTINA”: A POLÊMICA DE UM MILHÃO E


QUARENTA E DOIS MIL
MEMES.................................................................................................................................... 76

4.3 OS MELHORES HOMENS PODEM SER ALVOS DE POLÊMICA: A


ARQUITETÔNICA DO DISCURSO POLÊMICO................................................................ 87

4.4 ENCRESPOU PARA A BOMBRIL: KRESPINHA E A COMPREENSÃO


RESPONSIVA-ATIVA.......................................................................................................... 110

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O DIALOGISMO NA PRÁTICA ............................ 124

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 127


13

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Integrado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL) da


Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e, mais especificamente, inserido na
linha de pesquisa Multiletramentos, discurso e processos de produção de sentidos, este
estudo procura contemplar questões pertinentes à área de concentração do programa,
Linguagem e Tecnologia.
Esta pesquisa tem como objetivo compreender e descrever os modos de construção,
produção e circulação do discurso polêmico em propagandas produzidas em mídia digital.
Partindo do mirante teórico-metodológico da Análise Dialógica do Discurso (ADD),
assume-se que o objeto de análise é a própria linguagem e sua unidade básica, o enunciado,
o discurso polêmico. Discurso, na perspectiva do Círculo de Bakhtin, é a “língua em sua
integridade concreta e viva” (BAKHTIN, 1981, p. 157), isto é, permeada por relações
dialógicas.
O enunciado vivo, que surgiu de modo consciente num determinado momento
histórico em um meio social determinado, não pode deixar de tocar milhares de linhas
dialógicas vivas envoltas pela consciência sócio-ideológica no entorno de um dado objeto da
enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social. É a partir daí que o
enunciado emerge, desse diálogo como sua continuidade, como uma réplica e não como se
com ele se relacionasse à parte. (BAKHTIN, 2015 [1930], p. 49).
Em outras palavras, o caráter dialógico da linguagem diz respeito às relações de um
enunciado com outros que já foram proferidos ou que virão a ser ditos. É importante
destacar que o dialogismo bakhtiniano não implica em um consenso ou uma síntese, mas em
um constante jogo discursivo de palavras e contrapalavras que se dão nas arenas
enunciativas. E é aí que reside a polêmica.
Amossy (2017) adota uma perspectiva que contempla justamente essa relação
dissensual do discurso, pois, segundo ela:
Se, de fato, o conflito é inevitável em nossas democracias pluralistas e se o cerne
da democracia não é o consenso, mas a gestão do dissenso, então a polêmica como
confronto verbal de opiniões contraditórias que não leva a um acordo utópico deve
ser reconsiderada em profundidade. É, por conseguinte, uma retórica do dissenso
que é necessário desenvolver, na qual a polêmica deve ter lugar de destaque. (p.38,
grifos originais).

Compreendendo, desse modo, a importância de se refletir sobre o papel da polêmica


e da relação dissensual dentro de uma cultura, onde há o constante encontro/confronto de
opiniões divergentes sobre assuntos de interesse coletivo, considera-se pertinente trazer à
14

luz, sob uma perspectiva dialógica de linguagem, estudos que contemplem a materialização
dos discursos produzidos nas mídias digitais; uma vez que essas mídias têm representado um
dos principais meios de interação entre os integrantes da vida pública.
Nesse sentido, confere-se às mídias um papel de destaque na formação de opinião
pública. Os materiais impressos, tais como jornais e revistas, os equipamentos eletrônicos,
como a televisão e o rádio, e os conteúdos digitais, presentes, especialmente, na Internet,
propiciam a produção e a circulação de discursos, de modo a cambiar valorações sobre os
temas em circulação social. Essa função torna-se ainda mais acentuada no meio digital, visto
que se verifica uma simultaneidade de vozes dissonantes entre si, promovendo um embate
de ideias; sendo, dessa forma, um campo fértil para a criação da polêmica.
É importante destacar que, na esfera pública, o que se observa é um predomínio do
dissenso, principalmente, em se tratando da produção discursiva que circula na Internet. Isso
porque o usuário, diferentemente do telespectador/ouvinte de rádio/leitor de impressos, tem
maior possibilidade de interagir e, consequentemente, de expor/materializar sua opinião, por
meio dos comentários nos próprios sites de notícias, de uma postagem no Facebook, de um
tweet no Twitter ou do stories no Instagram.
O usuário digital, a partir dessa responsividade ativa, contribui para a circulação, a
promoção de debates e o acaloramento de discussões acerca dos temas que circulam na
mídia; enquanto as instituições são as responsáveis por controlar e manipular o agendamento
de temas a serem veiculados, direcionando o interesse do público, favorecendo a falsa ilusão
de autonomia por parte dos usuários1. De acordo com o professor e jornalista Maxwell
McCombs (2009), “Enquanto muitos temas competem pela atenção do público, somente
alguns são bem-sucedidos em conquistá-lo, e os veículos noticiosos exercem influência
significativa sobre nossas percepções sobre quais os assuntos mais importantes.” (p. 19).
Quem se beneficia desse agendamento são as propagandas de marcas, de produtos ou
de serviços que ganham notoriedade nas mídias por alguma razão, inclusive, sendo objeto de
polêmicas.
Propaganda, segundo a definição de Nickels e Wood (1999), é “qualquer
comunicação paga e não-pessoal iniciada por uma empresa com o objetivo de criar ou

1
A polêmica pode irromper também a partir do descontrole; isto é, os usuários, por meio de comentários e
postagens, podem encaminhar a discussão nas mídias digitais de modo a desestabilizar o debate, podendo
acarretar em bloqueios e/ou banição de comentários, denúncias e, inclusive, tentativa de exclusão do conteúdo,
por parte das empresas. Essas ações podem inflamar ainda mais a polêmica uma vez que representa uma
posição dentro da arena discursiva: dar voz ao silenciamento. Entende-se que o silêncio, dentro da Análise do
Discurso Francesa, é prenhe de sentidos (ORLANDI, 1997), assim, provocar o silenciamento dos usuários
(censurar) ou abster-se em se pronunciar a respeito de um assunto é também uma forma de resposta.
15

continuar relações de troca com os clientes, e muitas vezes com os outros grupos de
interesses.” (p. 323). A concepção de “não-pessoal” empregada aqui refere-se, justamente,
pela intermediação da mídia, isto é, existe um veículo responsável em produzir e fazer
circular a propaganda, não sendo, portanto, repassada de pessoa para pessoa (pessoal).
Entretanto, observa-se que essa característica de impessoalidade da mídia vem sendo
desmontada a partir da relação entre usuários de redes sociais. Apesar de ainda haver uma
mídia intermediando a propaganda, os próprios usuários podem retransmitir esses materiais
em suas páginas/perfis pessoais, aumentando o alcance da publicidade em questão.
As redes sociais são, segundo Recuero (2014), grupos sociais formados por pessoas
em interação. Portanto, Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Whatsapp, entre outros
ciberespaços, são ferramentas que proporcionam a interação de seus usuários. Assim, são as
pessoas e, mais especificamente, suas conversações que compõem esses ambientes digitais,
“traze[ndo] informações sobre sentimentos coletivos, tendências, interesses e intenções de
grandes grupos de pessoas.” (p.17).
Desse modo, nota-se um crescente interesse das marcas em promover propagandas
inseridas, quase que exclusivamente, nas redes sociais. Essa estratégia é profícua, conforme
aponta Philip Kotler (2009), uma vez que a publicidade faz-se “sozinha”, acarretando menor
custo para as empresas; maior liberdade de criação dos comerciais, tendo em vista a vasta
gama de recursos audiovisuais possíveis dentro das ferramentas digitais, além da
inexistência da limitação no tempo de exibição/transmissão, como ocorre com as mídias
tradicionais, tais como o rádio e a televisão; além de tornar-se atemporal, considerando a
facilidade em resgatá-la por meio dos mecanismos de busca disponíveis na Internet.
Santos (2018) adaptou um quadro comparativo proposto por Ferreira Jr. e Queiroz
(2015) entre as mídias tradicionais e as digitais; e o que se observa é o papel ativo do
consumidor na propagação e na manutenção da publicidade, uma vez que o veículo – mídias
sociais -, em que é divulgada a propaganda, possibilita a interação de usuários, seu
compartilhamento e ganha repercussão por meio de comentários, memes ou polêmicas
envolvendo seu conteúdo. No que diz respeito ao marketing tradicional, o qual se utiliza do
rádio, da televisão e de materiais impressos para sua divulgação, além de uma relação mais
agressiva com o consumidor, ao “empurrar” o conteúdo, interrompendo a programação, a
mensagem transmitida é unilateral, isto é, não traz o elemento da pessoalidade ao produto
ou à marca, permitindo o estabelecimento de uma relação entre seus clientes e seu anúncio.
A partir desse panorama, podemos aventar que há uma posição mais ativa por parte
dos usuários na propagação e manutenção da publicidade disponibilizada por meio do
16

marketing digital2. Essa relação pode ser percebida com base nos verbos elencados na
comparação: divulgar x publicar – “publicar” nesse contexto está relacionada com a ação
digital de postar algo em algum lugar na rede, em oposição à ideia de “divulgar”, que
pressupõe um ato unilateral, próximo à noção de “comunicar”; esperar x buscar – as
empresas esperam em uma mídia tradicional o interesse pelo público, enquanto na digital, o
público busca as empresas; interromper x compartilhar – aqui as ações remetem a uma
relação mais amistosa entre consumidor e empresa, enquanto na mídia tradicional a
publicidade é imposta, na digital, há uma conexão consensual; comunicar x interagir –
novamente, nesse aspecto, busca-se com o espaço virtual uma aproximação entre cliente e
empresa, diferentemente de um relacionamento impositivo.
Essa relação de proximidade estabelecida entre consumidor e empresa favorece a
formação de uma identidade, isto é, o usuário da rede identifica-se, ou não, com determinada
marca ou determinado produto3. E “[à] proporção que as características do consumidor
forem similares às da marca - e vice-versa -, podemos dizer que há uma grande possibilidade
desses parceiros estabelecerem um relacionamento (duradouro).” (MELLO; FONSECA,
2008). Tal relacionamento pode ser fomentado a partir de propagandas, em que há a
mobilização de emoções (pathos) a fim de atrair e aproximar o público-alvo. São por meio
de anúncios publicitários que a empresa coloca-se no mercado, expondo sua missão, seus
valores e seu posicionamento diante de temas da sociedade. Assim, ao abordar assuntos
relevantes, dentro de uma sociedade, por meio de propagandas, em que há a opinião
veiculada de uma empresa/marca sobre aquele tópico, propõe-se a discussão entre seu
público-alvo e outros, que podem ser favoráveis ao posicionamento e passar a estar, então,
dispostos a contribuir com aquela causa, divulgando ou adquirindo produtos. Por outro lado,
haverá outra parcela de público contrário, o qual poderá promover um debate e, às vezes até
mesmo, sugerir um boicote, tendo em vista sua indisposição com as ideias daquela empresa.
Esse movimento gera uma polêmica entre públicos o que direciona a empresa ou a marca
para uma arena discursiva. Sendo as redes um dos maiores espaços em que há a promoção
de debates, a peça publicitária passa a ganhar uma visibilidade dentro desse espaço virtual,
gerando um maior alcance de seu nome.

2
O marketing digital é um desdobramento do conceito de marketing em que há a utilização dos recursos
digitais visando o relacionamento entre empresa e cliente de modo mais rápido, personalizado e significativo,
de acordo com a explicação da Escola do Marketing Digital, em sua página de apresentação.
3
Essa formação, inclusive, tem sido denominada de tribalismo pós-moderno, uma vez que usuários agrupam-
se virtualmente de acordo com seus interesses comuns. O conceito foi proposto por Lívia de Pádua Nóbrega,
na obra Construção de identidades nas redes sociais. Definição em:
https://edisciplinas.usp.br/mod/glossary/showentry.php?eid=1902
17

Exemplos nas redes sociais não faltam. Basta digitar na barra de busca do YouTube
“propaganda polêmica” e ter acesso às mais variadas propagandas, de diferentes produtos,
marcas ou serviços, antigas ou atuais, protagonistas de debates por diversos motivos. Porém,
o que se verifica é que a arena em que se instaura a discussão dos pontos de vista
divergentes migra, com relativa frequência, de rede social, ganhando contornos próprios de
cada rede. Não é incomum deparar-se com um tweet acerca de uma publicidade originária
do YouTube, por exemplo.
Apenas à título de ilustração, tome-se a propaganda da Gillette4, lançada em 13 de
janeiro de 2019. “The best men can be”5 é uma atualização do antigo slogan da marca, “The
best a man can get”6, lançado em 1989. Esse relançamento busca ressignificar a concepção
de masculinidade, criticando atitudes “típicas” de homens que se repetem geração após
geração: o fiu-fiu nas ruas, a briga entre colegas, o bullying, a agressividade nas
brincadeiras, entre outros comportamentos. A ideia da peça publicitária é rebater essa
postura de normalizar para as crianças o assédio sexual e a violência, considerados próprios
do sexo masculino, podendo ser encarada como uma masculinidade tóxica, uma alusão ao
movimento MeToo7.
Figura 1 - "Boys will be boys" x "That’s not how we treat each other, okay?"8

Fonte: Propaganda Gillette (2019)

4
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=koPmuEyP3a0
5
“O melhor que os homens podem ser” (tradução da autora)
6
“O melhor que um homem pode conseguir” (tradução da autora)
7
O movimento MeToo criado pela ativista norte-americana Tarana Burke, em 2006, busca apoiar,
principalmente, mulheres jovens negras a denunciarem abusos e assédios sexuais. Em 2017, a frase tornou-se
hashtag (#metoo) e invadiu as redes sociais após a série de denúncias contra o produtor hollywoodiano Harvey
Weinstein. Alyssa Milano, atriz americana, foi a primeira a utilizar a #metoo em sua conta pessoal do Twitter e
lançou um convite a todos que já sofreram algum tipo de violência sexual a responderem seu tweet com a
mesma hashtag. A atitude dela ganhou proporção mundial, graças ao alcance das redes sociais, e deu a
oportunidade de homens e mulheres de demonstrar empatia e, de certa forma, caminharem para a superação de
um trauma. No último capítulo, há mais detalhes acerca desse movimento.
8
“Garotos sendo garotos” x “Essa não é forma que devemos nos tratar, ok?”, tradução da autora.
18

O anúncio foi divulgado na plataforma YouTube, no canal norte-americano, porém,


ganhou repercussão mundial. Isso porque o comercial tornou-se polêmico, instaurando uma
discussão nas próprias redes sociais acerca do posicionamento generalizante da marca
Gillette; a qual, segundo alegam alguns internautas, sugere que todos os homens têm um
comportamento agressivo e abusador.
A polêmica, todavia, não se restringiu ao YouTube, onde foi primariamente lançado.
Com uma avaliação negativa de 1,5 milhões contra 811 mil9 na plataforma inicial, o vídeo
tornou-se pauta também no Twitter e tem sido assunto mesmo meses10 depois de ter sido
divulgado.
Figura 2 - Repercussão no Twitter11

Fonte: Tweet do jornal "The Independent" (15 jan. 2019)

No dia 10 de maio de 2019, um meme criado a partir da propaganda da Gillette, em


uma atividade proposta na aula de Teoria Feminista, transformou-se em um tweet, após ter
sido publicado pelo departamento de Estudos Femininos e de Gênero da Universidade do
Missouri.

9
Likes e dislikes em 05 abr. 2020, às 11h13.
10
O que se observa é a manutenção do uso de hashtags que perpetuam a polêmica, conectando enunciados
constituindo uma cadeia enunciativa. Todos os screenshots, apresentados neste capítulo inicial, foram obtidos
por meio da pesquisa do uso da hashtag #thebestmencanbe, o slogan da campanha.
11
Piers Morgan: “Eu sempre usei a lâmina de barbear @Gillette, mas esse moralismo sem noção faz com que
eu queira me afastar desse atual ataque patético global sobre masculinidade. Deixem meninos serem meninos,
droga. Deixem homens serem homens, droga.” (Tradução da autora).
Paul Joseph Watson: “Insultar a maioria dos seus próprios consumidores afirmando que todos devem
ser abusadores e desagradáveis tem que ser considerada como a campanha de marketing mais original em
décadas” (Tradução da autora).
James Woods: “Tão legal ver a @Gillette juntando-se à campanha promovida pela mídia e por
Hollywood de que “homens são horríveis”. Eu sou um que nunca mais uso um produto deles novamente.”
(Tradução da autora).
Greg Gutfeld: “Os únicos aplaudindo a propaganda da Gillette são aqueles que trabalham com
publicidade, todos os outros veem pelo que é: Um sinal condescendente e bajulador de um moralismo
direcionado a homens trabalhadores e decentes que eles têm "enfiado a faca" por anos.” (Tradução da autora).
19

Figura 3 - Meme produzido a partir da polêmica envolvendo a Gillette, publicada no Twitter

Fonte: Tweet do Departamento de Estudos Femininos e de Gênero da Universidade do Missouri (10 mai. 2019)

A propaganda repercutiu também no Instagram, por meio de screenshots do próprio


vídeo e de tweets, e também de referências à marca em legendas de fotos, via hashtags.

Figura 4 - Screenshot do vídeo publicado no YouTube postado no Instagram12

Fonte: Instagram (@bitacoradesiglo, 2019)

12
“Convido vocês a darem dislike no YouTube no comercial da Gillette. Por quê? Pela sua contribuição a
guerra dos sexos e a demonização do homem.” (Tradução da autora)
20

No Facebook, os usuários também deram sua contribuição, por exemplo,


republicando notícias sobre a propaganda.
Figura 5 - Postagem no Facebook

Fonte: Facebook (PapoPreta, 2019)

Nota-se com isso, a ampliação, a reacentuação e a manutenção do discurso polêmico


interredes sociais disparado por uma propaganda lançada há meses.
Investigar o percurso traçado pelo discurso polêmico é o que justifica a mobilização,
nesta pesquisa, do paradigma indiciário. Paradigma indiciário, ou método indiciário,
caracteriza-se como sendo um conjunto de princípios e procedimentos de investigação
voltado para o detalhe, isto é, quando na observação do dado, busca-se o marginal, o
vestígio, a pista, que pode ser a chave para a interpretação de certo objeto e de seu papel em
determinado contexto social. (COELHO, 2014).
Partindo dessa metodologia e da noção de discurso polêmico, este estudo focaliza
enunciados caracterizados como “polêmicos” produzidos na cultura digital a partir da
Análise Dialógica do Discurso (ADD) e da concepção de polêmica trazida por Amossy
(2017). Segundo Rohling (2014), no que tange à ADD, houve um movimento na década de
1990, por parte de pesquisadores brasileiros, de recuperar conceitos bakhtinianos e de
mobilizá-los em estudos envolvendo a linguagem. Esse resgate possibilitou o que podemos
chamar de uma análise/teoria dialógica do discurso, a ADD. Sendo assim, “esse
embasamento constitutivo diz respeito a uma concepção de linguagem, de construção e
produção de sentidos necessariamente apoiadas nas relações discursivas empreendidas por
sujeitos historicamente situados.” (BRAIT, 2018, p. 10).
Logo, nesse contexto de produção de discursos polêmicos, esta pesquisa tem por
objetivo geral compreender e descrever os modos de construção, produção e circulação do
21

discurso polêmico em propagandas produzidas em mídia digital. Assim, o próprio discurso


polêmico, sobre variadas temáticas, é objeto do presente estudo. Para alcançar o objetivo
geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: a) identificar, descrever e
analisar o discurso polêmico em propagandas em mídia digital, mais especificamente nas
principais redes sociais, YouTube, Twitter, Facebook e Instagram; b) observar e descrever os
espaços/mídias em que circula tal discurso (redes sociais), bem como seu papel na
construção do discurso polêmico; c) reconhecer e analisar o papel dos enunciadores na
ampliação, na reacentuação ou na contraposição do discurso polêmico; e, por fim, d)
identificar e analisar o papel das hashtags na ampliação do discurso polêmico.
Para tanto, o estudo toma como base teórica e metodológica a Concepção Dialógica
de Linguagem, do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 1981 [1963]; BAKHTIN, 1987;
BAKHTIN, 2002 [1975]; BAKHTIN, 2003 [1951/1953]; BAKHTIN, 2008 [1963];
BAKHTIN, 2010 [1920]; BAKHTIN, 2014 [1975]; BAKHTIN, 2015 [1930];
MEDVIÉDEV, 2012 [1928]; VOLÓCHINOV, 2013 [1930]; VOLÓCHINOV, 2018 [1929]),
a fim de elucidar conceitos no tocante à linguagem, ao discurso e ao enunciado, e assume
como perspectiva analítica a Análise Dialógica do Discurso (ADD) com base nos trabalhos
de Brait (2006); Rohling (2009; 2014) Acosta Pereira (2012) e Rodrigues (2005) e no
Método Sociológico de Estudo da Linguagem (MEDVIÉDEV, 2012 [1929];
VOLÓCHINOV, 2018 [1929]).
Quanto ao discurso polêmico, recorrer-se-á às reflexões da pesquisadora francesa
Ruth Amossy (2017; 2018; 2019), cujos trabalhos aprofundam acerca da natureza da
polêmica e da retórica.
Essa investigação mostra-se pertinente uma vez que põe em relevo práticas
discursivas hiperssemiotizadas e produzidas nessa e para essa cultura digital. Tais práticas
têm sido amplamente utilizadas em portais de notícias e nas redes sociais, diversificando o
modo de divulgar informações e ampliando sentidos. Conforme apontado por Barton e Lee
(2015),
As pessoas mobilizam recursos semióticos para construir sentido e afirmar suas
relações com os significados expressos. Em particular, elas combinam imagens e
outros recursos visuais com a palavra escrita online. Novas relações de linguagem
e imagem estão se desenvolvendo. A imagem não está substituindo a linguagem,
mas estamos percebendo novas formas de esses modos trabalharem poderosamente
em conjunto. (p. 33)

Dessa forma, voltar-se para esse modo de produção é uma possibilidade de ampliar a
compreensão que se tem do que é a cultura digital e de que modo ela opera, contemplando
sua principal ferramenta: a linguagem.
22

Ademais, o estudo mostra-se relevante ao trazer à arena de discussão a polêmica


revisitada, tal qual postula Amossy (2017), isto é, passando pela retórica aristotélica, pelos
estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca, chega-se a uma teoria mais recente relativa ao que
denomina polêmica, não mais em um sentido negativo do termo, mas enquanto requisito
para o exercício de uma democracia plural.
Com relação a pesquisas já desenvolvidas sobre o discurso polêmico e propagandas,
podemos citar a dissertação intitulada “A polêmica como estratégia persuasiva no discurso
da publicidade e propaganda” (AZEVEDO, 2013), dentro da área da comunicação social. O
estudo preocupou-se em analisar em que medida o choque, o sensacionalismo e o espetáculo
contribuem para a promoção de peças publicitárias. Contudo, tanto o aporte teórico quanto a
metodologia empregados nesse trabalho diferem em relação à proposta da presente pesquisa.
Além disso, este trabalho promove uma aproximação entre a Concepção Dialógica
da Linguagem do Círculo de Bakhtin e os estudos da polêmica, algo que ainda tem sido feito
timidamente. Uma das pesquisas mais recentes, nesse sentido, é o artigo “Violência verbal
nos comentários de leitores publicados em sites de notícia”, de Dóris de Arruda C. da Cunha
(2013)13, o qual busca analisar o modus operandi da violência verbal em comentários online,
assumindo um ponto de vista dialógico da linguagem. Outros textos estabelecendo uma
relação epistemológica entre os estudos do Círculo de Bakhtin e as pesquisas recentes de
Amossy foram localizados, em uma busca virtual, entretanto, constatou-se que outros
conceitos de Amossy serviram de base – e não a polêmica – como a questão do ethos e do
estereótipo, para citar apenas dois exemplos.
Diante disso, esta investigação pretende responder à seguinte questão de pesquisa:
Como o discurso polêmico é constituído a partir de propagandas que circulam em mídias
digitais? A fim de solucionar a questão, foi realizado um recorte de dados a partir do
conceito discurso polêmico, e não por uma temática em si. Nesse sentido, o que se busca são
discursos polemizados em propagandas na cultura digital, compreendidos entre 2019 e 2020,
publicadas na plataforma do YouTube e, posteriormente, veiculadas no Instagram, Facebook
e Twitter pelos próprios usuários, os quais adotam um ponto de vista diante do debate
instaurado pelo anúncio publicitário. Apesar de tais polêmicas – recortadas nesta pesquisa –
terem um horizonte temático diversificado, o fio condutor da análise partirá não sobre o que
gerou a polêmica, e sim, como.
Esta dissertação está organizada três em capítulos. No primeiro, há uma apresentação

13
Calidoscópio Vol. 11, n. 3, p. 241-249, set/dez 2013 © 2013 by Unisinos - doi: 10.4013/cld.2013.113.02.
Disponível em: http://www.revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/viewFile/cld.2013.113.02/3761
23

da fundamentação teórica. Nesse momento, os seguintes assuntos são abordados: a)


linguagem, discurso e a concepção de enunciado concreto, na perspectiva bakhtiniana; b) o
conceito de arena discursiva, ainda do ponto de vista de Bakhtin; e, c) o percurso da retórica
até o discurso polêmico, na perspectiva de Ruth Amossy. No segundo capítulo, por sua vez,
é apresentado o caminho metodológico que foi percorrido. Assim, na seção de Metodologia,
portanto, contempla-se o objeto da pesquisa, seguido de uma descrição do contexto em que
foram gerados os dados. Finalmente, no terceiro e último capítulo, há a análise, em que se
buscou compreender inicialmente os elementos que tornam uma propaganda alvo de
polêmicas e seu percurso dentro da Internet, principalmente, dentro das redes sociais. Por
fim, as considerações finais resultantes da pesquisa.
24

2. REFERENCIAL TEÓRICO

“A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada


de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda
compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o
ouvinte torna-se o locutor.” (BAKHTIN, 2003, p. 291, grifos originais). Com essa
afirmação, abrimos este capítulo, que tem como objetivo, em um primeiro momento, discutir
aspectos da linguagem a partir de um viés dialógico, seguida da mobilização de conceitos
pertinentes à compreensão da polêmica.
Promover uma aproximação entre os pressupostos bakhtinianos e os estudos mais
recentes envolvendo a polêmica é um dos interesses desta pesquisa. Desse modo, justifica-se
iniciar a discussão teórica com essa concepção da atitude responsiva ativa por parte dos
interlocutores, uma vez que são assentados nela os embates produzidos no discurso
polêmico.
Sendo assim, ancorada em uma perspectiva dialógica da linguagem, esta pesquisa
articula: a) conceitos-chave do filósofo russo Mikhail Bakhtin e seu Círculo, tais como a
concepção de linguagem, discurso e enunciado concreto, e seus desdobramentos a partir da
Análise Dialógica do Discurso (ADD) e b) as discussões promovidas por Ruth Amossy, no
que diz respeito ao discurso polêmico.
Partindo disso, este capítulo de referencial teórico organiza-se em subseções a fim de
contemplar os conceitos mobilizados nesta pesquisa. Assim, inicialmente, tratamos da
acepção bakhtiniana acerca: a) da linguagem, do discurso e do enunciado concreto; e, b) da
arena discursiva. Em seguida, discorre-se sobre o percurso dos estudos argumentativos até o
que se entende hoje por discurso polêmico, culminando nos estudos desenvolvidos por
Amossy.

2.1 CONCEPÇÃO DIALÓGICA DE LINGUAGEM

As reflexões desenvolvidas acerca da linguagem a partir da concepção dialógica


distanciam-se de uma visão reducionista da língua enquanto sistema estável, abstrato e
desprovido de ideologia.

Não tomamos a língua como um sistema de categorias gramaticais abstratas;


tomamos a língua ideologicamente preenchida, a língua enquanto cosmovisão e
até como uma opinião concreta que assegura um maximum de compreensão mútua
em todos os campos da vida ideológica. (BAKHTIN, 2015 [1975], p. 40, grifos do
25

autor)

Sob esse prisma, portanto, assume-se língua como um objeto vivo e dinâmico,
estratificado e impregnado de ideologia, valores e sentidos. Nela, registram-se camadas
tanto de dialetos, no sentido linguístico do termo, quanto na variedade de linguagens
(socioideológicas, de grupos sociais, profissionais, de gerações, de gêneros, etc.)
(BAKHTIN, 2015 [1975], p. 41); enredando-se em sua materialidade heterodiscursiva14.
Heterodiscurso, na visão bakhtiniana, segundo palavras de Bezerra, no prefácio de
Teoria do Romance I (2015),
é o produto da estratificação interna de uma língua nacional única em dialetos
sociais, falares de grupos, jargões profissionais, e compreende toda variedade de
vozes e discursos que povoam a vida social, divergindo aqui, contrapondo-se ali,
combinando-se adiante, relativizando-se uns aos outros e cada um procurando seu
próprio espaço de realização. O resultado de tudo isso é um mundo povoado por
um heterodiscurso oriundo das linguagens de gerações e das faixas etárias, das
tendências e dos partidos, das autoridades, dos círculos e das modas passageiras,
dos dias sociopolíticos e até das horas, em suma, de todas as manifestações da
experiência humana individual e social e da vida das ideias. Trata-se de um
universo discursivo povoado por uma diversidade de linguagens e vozes sociais,
que são pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua compreensão
verbalizada, horizontes semânticos e axiológicos. (p. 12-13)

A heterodiscursividade, portanto, associa-se a uma ideia de mundo enquanto


acontecimento, de realidade construída socialmente, em um dado tempo-espaço, e de
conceber o ser como sendo constituído pelo discurso (BEZERRA, 2015)15. O
heterodiscurso é situado, sob essa perspectiva, na relação dialógica entre falantes e ouvintes,
os quais agem sobre a língua referenciando um objeto no mundo a partir de seus horizontes
valorativos e ideológicos; assim como se estabelece uma relação dialógica entre os
enunciados acerca desse mesmo objeto, mobilizando os “já-ditos” sobre ele e antecipando
uma responsividade, ou seja, os serão-ditos.
É relevante destacar que, sobre o heterodiscurso atuam forças centrípetas e
centrífugas. As forças centrípetas realizam um movimento de centralização da língua e da
cultura.
A língua única e comum é um sistema de normas linguísticas. Contudo, essas
normas não são um imperativo abstrato, mas forças criadoras da vida da língua,
que superam o heterodiscurso da linguagem, unificam e centralizam o pensamento

14
Paulo Bezerra, tradutor das obras de Bakhtin direto do russo, destaca no Prefácio de Teoria do Romance I, a
dificuldade em manter-se fiel ao conteúdo da obra e a escolha lexical da língua de partida, uma vez que, nem
sempre a língua contempla o termo adequado a atender a demanda de tradução. Um desses casos, segundo o
autor, é a palavra russa “raznorétchie”, que significa “diversidade de discursos” ou “heterodiscurso”. No
Brasil, adotou-se “heteroglossia” ou “plurilinguismo”, em algumas traduções, porém, o tradutor entende que
tais termos não correspondem à ideia bakhtiniana de “diversidade de discursos”. Portanto, Bezerra optou, em
Teoria do Romance I (2015), utilizar a expressão “heterodiscurso” a fim de aproximar-se da noção russa do
termo. Sendo assim, assume-se também nesta pesquisa o emprego do termo “heterodiscurso”.
15
Bezerra (2015), ainda no prefácio de Teoria do Romance I.
26

verboideológico, criam no interior da língua nacional heterodiscursiva um núcleo


linguístico firme e estável da língua literária oficialmente reconhecida ou protegem
essa língua já formada contra a pressão do crescente heterodiscurso. (BAKHTIN,
2015 [1975], p. 40).

Logo, a força centrípeta regula e impõe limites à língua, “assegura[ndo] certo


maximum de compreensão mútua” (BAKHTIN, 2015 [1975], p. 40), além de protegê-la do
heterodiscurso.
Simultaneamente, a força centrífuga age em um movimento de descentralização e
separação (BAKHTIN, 2015 [1930], p. 41, grifos do autor).
A estratificação e o heterodiscurso se ampliam e se aprofundam enquanto a língua
está viva e em desenvolvimento; ao lado das formas centrípetas segue o trabalho
incessante das forças centrífugas da língua, ao lado da centralização
verboideológica e da unificação desenvolvem-se incessantemente os processos de
descentralização e separação. (BAKHTIN, 2015 [1930], p. 41, grifos do autor).

Sendo assim, em cada enunciado concreto ambas as forças, centrípetas e centrífugas,


atuam sobre a língua, consistindo em um heterodiscurso dialogizado. “O autêntico meio da
enunciação, no qual ela se forma e vive, é justamente o heterodiscurso dialogizado,
anônimo e social como a língua, mas concreto, rico em conteúdo e acentuado como
enunciação individual.” (BAKHTIN, 2015 [1930], p. 42, grifo meu).
O enunciado concreto constitui-se, desse modo, enquanto arena, uma vez que
representa “um microcosmo da luta entre as forças de centralização (centrípetas) e as de
descentralização da linguagem (centrífugas), em todos os estágios da existência histórica e
social.” (CAMPOS, 2009, p. 118).
Tal existência histórica e social da linguagem se materializa semioticamente, de
modo que Bakhtin (1981) reconhece a importância das relações lógicas e concreto-
semânticas, isto é, linguísticas, porém, enfatiza que “[a]s relações dialógicas (...) são
irredutíveis a estas e têm especificidade própria.” (p. 159). Isso porque para cumprirem seu
papel na qualidade de linguagem, “as relações lógicas e concreto-semânticas devem (...)
materializar-se, ou seja, devem passar a outro campo da existência, devem tornar-se
discurso, ou seja, enunciado e ganhar autor, criador de dado enunciado cuja posição ela
expressa.” (p. 159, grifo do autor).
Diante do exposto, toma-se linguagem, conforme já mencionado, como sendo “um
produto da vida social” (VOLÓCHINOV, 1981 [1930], p. 288) não estático, visto que “ela
está em perpétuo vir a ser e, em seu desenvolvimento, ela segue a evolução da vida social”
(VOLÓCHINOV, 1981 [1930], p. 288), sendo a interação verbal sua realidade fundamental
(TODOROV, 1981, p. 71).
27

No que diz respeito à concepção de discurso, portanto, tem-se que “é a língua em


sua totalidade concreta e viva, e não a língua como o objeto específico da linguística, obtido
por meio de uma abstração totalmente legítima e necessária de vários aspectos da vida
concreta da palavra” (BAKHTIN, 2003 [1961], p. 181). Dessa maneira, o que se
compreende como discurso é o entrecruzamento de vozes e seu estabelecimento dentro das
relações dialógicas, englobando as forças centrípetas e centrífugas que atuam na produção
do discurso.
Enunciado16, por sua vez, é a materialidade concreta do discurso proferida por
falantes historicamente situados em um tempo e um espaço. Segundo Bakhtin (1997
[1979]), “o discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito
falante e não pode existir fora dessa forma”. (p. 293). Logo, assume-se que, no trabalho de
investigação do material sígnico concreto, parte-se do enunciado concreto (escrito e oral)
relacionados a diferentes campos da atividade humana e da comunicação [gêneros do
discurso] de onde os pesquisadores haurem os fatos linguísticos de que necessitam.
(BAKHTIN, 1997 [1979] p. 264).
Diferentemente das concepções apresentadas na linguística sobre enunciado17, o
Círculo assume tal conceito como fruto das relações dialógicas. Rodrigues (2005) sintetiza
essa perspectiva afirmando que o enunciado, para Bakhtin, é “a unidade da comunicação
discursiva.” (p. 157); em outras palavras, o enunciado é constituído a partir da interrelação
com outros já-proferidos, sendo a dimensão extraverbal elemento constitutivo enunciados.
Assim, os interlocutores, a partir da materialização dos enunciados por meio dos gêneros
discursivos, enunciam de modo único e inédito novos enunciados ancorados em enunciados
já-ditos (questão da historicidade) e prevendo outros enunciados-resposta (reação resposta-
ativa) a partir de sua fala. Desse modo, compreende-se a importância do material semiótico
(o texto/o signo) para a concretização do enunciado; porém, entende-se que este não se
restringe ao material sígnico em si, uma vez que é necessário considerar a situação social
para que o enunciado seja constituído e a ele seja atribuído sentido.
O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado
momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos
existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de
enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social. Ele

16
O conceito de enunciado é fundante nesta pesquisa, uma vez que a propaganda é tomada como tal.
17
Rodrigues (2005) faz uma compilação das principais definições de enunciado para a linguística textual e para
a semântica argumentativa: a primeira concebe enunciado como sendo a parte constituinte de um texto,
podendo ser, inclusive, considerado como sinônimo de frase (KOCH; TRAVAGLIA, 1989). A segunda, por
sua vez, toma enunciado como sendo a manifestação concreta de uma frase em um dado contexto (DUCROT,
1987). Ambas definições assumem, ainda segundo Rodrigues (2005), uma subordinação do enunciado em
relação ao texto.
28

também surge desse diálogo como seu prolongamento, como sua réplica, e não
sabe de que lado ele se aproxima desse objeto. (BAKHTIN, 2002 [1975], p. 86).

Sob esse prisma, o enunciado pode ser considerado fruto de um intenso diálogo na
historicidade. Do ponto de vista da historiografia, Carlo Ginzburg, referência neste trabalho
no tocante à metodologia, pontuou em um de seus trabalhos a relação dialógica presente em
processos inquisitoriais. Segundo o historiador, é possível verificar, nesses processos, a
presença de vozes conflitantes – a do inquisidor e a do réu. Os interrogatórios servem de
arquivo linguístico ao registrar as perguntas e as respostas envolvendo questões de feitiçaria
e rituais em uma dada época. Entretanto, Ginzburg (1991) pondera que muitos desses
materiais representam uma relação monológica, uma vez que ao interrogar, os inquisidores
apenas buscavam uma comprovação de suas acusações, “no sentido de que as respostas dos
réus eram muito frequentemente apenas um eco das perguntas dos inquisidores.” (p.14).
Cabe nesse ponto, trazer à luz as reflexões de Souza (2015), o qual se opõe a essa
visão de Ginzburg em que há relações monológicas na linguagem, no sentido bakhtiniano
do termo. Souza (2015) defende que a historiografia é construída por meio das lentes do
historiador, isto é, as escolhas e os recortes são feitos sob a ótica do pesquisador e o que se
tem é um “quebra-cabeça narrativo” (p. 8):
Pensar teoricamente o dialogismo, contudo, leva-nos também a considerarmos
que, dentro de tal cadeia enunciativa, pensar um contexto é nada mais que pensar
um agenciamento de textos históricos que completam um quebra-cabeça narrativo.
As peças utilizadas podem variar em diversos graus. Mais ainda, o passado em si
está nublado pelo número abundante de textos que precedem uns aos outros, num
túnel sem luz de saída. O passado, portanto, e a história “em si”, são opacos. Há
apenas a historiografia, imbuída da ambiguidade inevitável de sua linguagem,
informando-nos sobre o sucedido. (SOUZA, 2015, p. 8).

Esse olhar permite-nos entender a História como resultado de relações dialógicas, o


que amplia a noção de dialogismo apontada por Ginzburg (1991) dentro da historiografia.
Portanto, mesmo em um processo inquisitorial em que se verifica apenas a “fala” do
inquisidor perpassam outros enunciados, construídos historicamente e com atribuições de
sentido em um dado tempo-espaço.
Da mesma forma pensa-se a polêmica. O discurso polêmico está integrado em uma
rede de enunciados e dialoga com outros, compondo uma trama narrativa e tendo seu sentido
atribuído dentro da historicidade. Somado a isso, enquanto pesquisadora, realizo um
“trabalho de fixação e enquadramento” (AMORIM, 2018, p. 100) desses enunciados
polêmicos conferindo à História uma nova peça a esse quebra-cabeça narrativo.
[p]esquisador e sujeito pesquisado são ambos produtores de texto, o que confere às
Ciências Humanas um caráter dialógico. Uma primeira consequência disto é que
o texto do pesquisador não deve emudecer o texto do pesquisado, deve restituir as
29

condições de enunciação e de circulação que lhe conferem as múltiplas


possibilidades de sentido. Mas o texto do pesquisado não pode fazer desaparecer o
texto do pesquisador, como se este se eximisse de qualquer afirmação que se
distinga do que diz o pesquisado. O fundamental é que a pesquisa não realize
nenhum tipo de fusão dos dois pontos de vista, mas que mantenha o caráter
dialógico, revelando sempre as diferenças e a tensão entre elas. (p. 98, grifos da
autora).

Aqui, é interessante resgatar o conceito de exotopia, postulado por Bakhtin.


Exotopia tem suas raízes na estética literária, e foi primeiramente estabelecida a partir da
relação entre autor e herói. Em Estética da Criação Verbal, Bakhtin discorre acerca da
construção do herói, tendo como referência o excedente de visão advindo do autor; isto é, o
autor, enquanto criador, possui o acesso ao todo, ao todo da obra e ao todo do próprio herói.
Isso confere ao autor uma posição exterior à consciência e ao acontecimento da existência
desse herói: “O autor não só vê e sabe tudo quanto vê e sabe o herói em particular e todos os
heróis em conjunto, mas também vê e sabe mais do que eles, vendo e sabendo até o que é
por princípio inacessível aos heróis.” (BAKHTIN, 1997 [1979], p. 32).
Esse lugar em que se encontra o autor possibilita visitar outras realidades e
experimentar, com o olhar do outro, uma existência que não lhe pertence.
Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores,
tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar,
completar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele;
devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente de
minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu sentimento. (BAKHTIN, 1997
[1979], p. 45).

Tal reflexão não se restringe apenas à criação estética. É possível trazê-la à vida
diária na relação entre o mundo à nossa volta e a todos ao nosso redor. Apenas por meio do
olhar e da memória do outro podemos ter acesso ao nosso “todo”, ou seja,
[...] o homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, da sua visão e da
sua memória; memória que o junta e o unifica e que é a única capaz de lhe
proporcionar um acabamento externo. Nossa individualidade não teria existência
se o outro não a criasse. A memória estética é produtiva: ela gera o homem
exterior pela primeira vez num novo plano da existência. (BAKHTIN, 1997
[1979], p. 55, grifo do autor).

Aproximando essa perspectiva da polêmica, pensa-se que, em um ambiente virtual, o


acesso ao outro se dá por meio de uma plataforma digital e o exterior desse outro é dado por
meio do material sígnico publicado por ele, englobando o linguístico, o pictográfico (emoji,
gif) e o perfil do usuário, dado tanto pelas escolhas de foto quanto do recorte de postagens
de seu interesse. Esse acabamento do outro pode impulsionar a polêmica, uma vez que seu
perfil, bem como seu comentário ou publicação, é atravessado por uma apreciação
valorativa desse “autor”.
[...] a palavra viva, a palavra completa, não conhece um objeto como algo
30

totalmente dado; o simples fato de que eu comecei a falar sobre ele já significa que
eu assumi uma certa atitude sobre ele – não uma atitude indiferente, mas uma
atitude efetiva e interessada. E é por isso que a palavra não designa meramente um
objeto como uma entidade pronta, mas também expressa, por sua entonação (...),
minha atitude valorativa em direção ao objeto, sobre o que é desejável ou
indesejável nele, e, desse modo, coloca-o em direção do que ainda está para ser
determinado nele, torna-se um momento constituinte do evento vivo em processo.
(BAKHTIN, 2010 [1986], p. 50, grifo meu).

Logo, meu posicionamento diante da resposta do outro, o que consiste o dialogismo,


está diretamente associado à minha apreciação valorativa em relação a esse outro, ao
acabamento dado por mim, em um movimento exotópico. A minha réplica constrói-se a
partir dessa valoração atribuída por mim, não somente direcionada à resposta, mas também
ao que esse outro se mostra a mim, por meio de sua apresentação em uma rede social. Pode-
se dizer que essa noção extrapola a concepção bakhtiniana de outro, porque, diferentemente
de uma conversa em que duas pessoas estão face a face, o ambiente virtual, por si só, já
representa um acabamento desse outro; em outras palavras, o que se tem é apenas um
recorte das escolhas feitas por esse outro como manifestação de si mesmo. Assim, a
polêmica é constituída com base em pequenas janelas de realidade; em que o acesso ao todo
do outro é apenas parcial.

2.2 A POLÊMICA EM BAKHTIN: CONCEITUANDO ARENA DISCURSIVA

Ao tomar a polêmica a partir da Análise Dialógica do Discurso (ADD) é preciso


considerar que o objeto de pesquisa constitui a própria linguagem e sua unidade básica o
enunciado, o discurso polêmico. O discurso vivo, nessa perspectiva, é constituído pela futura
palavra-resposta: provoca a resposta, antecipa-a e constrói-se voltado para ela. Formando-se
num clima do já dito, o discurso é ao mesmo tempo determinado pelo ainda não dito, mas
que pode ser forçado e antecipado pelo discurso responsivo. (BAKHTIN, 2015 [1930]). E,
como dito antes, discurso, na perspectiva do Círculo de Bakhtin, é a “língua em sua
integridade concreta e viva” (BAKHTIN, 1981, p. 157), isto é, constituída por relações
dialógicas.
Essas relações, de acordo com o pensador russo, dependem das relações lógicas e
concreto-semânticas inerentes à língua, porém, elas devem “materializar-se, ou seja, devem
passar a outro campo da existência, devem tornar-se discurso, ou seja, enunciado e ganhar
autor, criador de dado enunciado cuja posição ela expressa.” (BAKTHIN, 1981 p. 159, grifo
do autor).
31

No tocante ao funcionamento de teses antagônicas e, em que medida, elas tornam-se


discurso, em Problemas da Poética de Dostoiévski, Bakhtin exemplifica:
“A vida é boa”. “A vida não é boa.” Estamos diante de dois juízos revestidos de
determinada forma lógica e um conteúdo concreto-semântico (juízos filosóficos
acerca do valor da vida) determinado. Entre esses juízos há certa relação lógica:
um é a negação do outro. Mas entre eles não há nem pode haver quaisquer relações
dialógicas, eles não discutem absolutamente entre si (embora possam propiciar
matéria concreta e fundamento lógico para a discussão). Esses dois juízos devem
materializar-se para que possa surgir relação dialógica entre eles ou tratamento
dialógico deles. Assim, esses dois juízos, como uma tese e uma antítese, podem
unir-se num enunciado de um sujeito, que expresse a posição dialética una deste
em relação a um dado problema. Neste caso não surgem relações dialógicas. Mas
se esses dois juízos forem divididos entre dois diferentes enunciados de dois
sujeitos diferentes, então surgirão entre eles relações dialógicas. (BAKHTIN,
1981, p. 159).

Quando o autor se refere à “posição dialética una deste em relação a um dado


problema”, nota-se a particularidade da opinião de um sujeito e seu papel em personificar
essa relação dialógica. Logo, em uma polêmica, cada um dos participantes ocupa uma
função imprescindível ao assumir partidos, e a presença dos dois (ou mais, dependendo o
caso) é pré-condição para que haja um debate e, consequentemente, para que seja
caracterizado como um discurso polêmico.
Além disso, a posição assumida pelo sujeito discursivo está inserida na historicidade,
uma vez que a produção do enunciado é um evento único e irrepetível, conforme
supramencionado. Dessa maneira, entendendo o ato de enunciar como um ato dinâmico18,
sob o olhar da polêmica, aos sujeitos da enunciação é atribuído tanto responsabilidade
quanto responsividade dentro de uma determinada situação de interação discursiva.
Pode-se ainda expandir a concepção de discurso polêmico assumindo-o como parte
do próprio dialogismo inerente à linguagem. Vale destacar que, não raras vezes, o
dialogismo tem sido entendido de modo simplista reduzindo-o ao caráter de consenso, de
entendimento, de diálogo amigável. A nosso ver, o dialogismo, como elemento inerente ao
discurso, não se reduz a consenso, antes se caracteriza como um tensionamento na
linguagem, arena de confrontos e embates de toda ordem, como aponta Volochínov:
Essa síntese dialética viva entre o psíquico e o ideológico, entre o interior e o
exterior, se realiza sempre reiteradamente na palavra, em cada enunciado, por mais
insignificante que seja. Em cada ato discursivo, a vivência subjetiva é eliminada
no fato objetivo da palavra-enunciado dita; já a palavra dita, por sua vez, é
subjetivada no ato de compreensão responsiva. Como já sabemos, toda palavra é
um pequeno palco19 em que as ênfases sociais multidirecionadas se confrontam e

18
O dinamismo da enunciação diz respeito à possibilidade de retomada e reenunciação dos enunciados, em um
constante movimento responsivo.
19
Na tradução de Sheila Grillo, feita diretamente do russo, optou-se em utilizar a palavra “palco”; entretanto,
verifica-se em outras traduções, a escolha do termo “arena”: “Em suma, em toda enunciação, por mais
insignificante que seja, renova-se sem cessar essa síntese dialética viva entre o psíquico e o ideológico, entre a
32

entram em embate. Uma palavra nos lábios de um único indivíduo é um produto


da interação viva das forças sociais. (VOLOCHÍNOV, 2018 [1929/1930], p. 140,
grifos meus).

Desse modo, sabendo que o discurso polêmico é permeado por relações dialógicas e
que tais relações exprimem justamente esse tensionamento, é possível reconhecer essa
característica intrínseca na natureza da polêmica: o discurso polêmico como a materialização
desse tensionamento, alcançando o limite dessa linguagem, de modo a construir o horizonte
apreciativo de quem está inserido nessa arena.
É possível aventar que, na contemporaneidade, um desses espaços sociodiscursivos
profícuos para a produção e circulação de discurso polêmico é a Internet. A Internet,
inserida na Cultura Digital, é marcada por ser o lugar do debate ou, ainda, a praça pública
contemporânea para as arenas discursivas e tensionamentos na linguagem. Cultura digital,
por sua vez, é compreendida, neste estudo, como “um processo, um conjunto de práticas.
[...] Assim, a cultura depende da interpretação significativa do que está acontecendo ao redor
dos participantes e do ‘fazer sentido’ do mundo de maneira similar.” (HALL, 2006).
Dessa maneira, unindo esse conceito e a concepção que se tem de “digital”,
depreende-se a definição do que vem a ser a “cultura digital”.
Considera-se cultura digital, portanto, o conjunto de práticas associadas a um novo
modo de pensar e agir sobre o mundo, mediado por tecnologias da informação e
comunicação, não restrita a um espaço físico ou a um ponto específico no mapa, mas
desenvolvida a partir de uma construção coletiva e global. Essa acepção está em sintonia
com o que Francisco Rüdiger, em seu livro As Teorias da Cibercultura: Perspectivas,
questões e autores (2013), propõe: “[a cibercultura] poderia bem ser definida como a
formação histórica, ao mesmo tempo prática e simbólica, de cunho cotidiano, que se
expande com base no desenvolvimento das novas tecnologias eletrônicas de comunicação.”
(p. 11).
Rüdiger, nessa mesma obra, realiza um levantamento das principais discussões
envolvendo tanto o termo quanto as correntes de estudos direcionadas ao tema. É relevante
mencionar que Rüdiger destaca a forte presença da publicidade e do mercado nesse espaço
cibernético a partir da década de 90.
[A] cibercultura deve ser vista, sem espanto, como uma formação em que, em vez

vida interior e a vida exterior. Em todo ato de fala, a atividade mental subjetiva se dissolve no fato objetivo da
enunciação realizada, enquanto que a palavra enunciada se subjetiva no ato de descodificação que deve, cedo
ou tarde, provocar uma codificação em forma de réplica. Sabemos que cada palavra se apresenta como uma
arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra
revela-se, no momento de sua expressão, como o produto da interação viva das forças sociais.”
(VOLOCHÍNOV, 2006 [1929/1930], p. 66, grifo meu).
33

do império da técnica ou da espontaneidade humana, o que predomina, como


elemento articulador de suas experiências, é a forma mercadoria. A comunicação
on-line, a flânerie digital e a sociabilidade virtual não somente se inscrevem em
um sistema mercantil, mas são por ele mediadas desde a raiz, visto que seus
sujeitos, antes mesmo de fazerem qualquer contato ou, como se diz, interagirem,
via de regra são já os sujeitos que criaram a prática de uma indústria cultural
oriunda do início do século XX. (RÜDIGER, 2013, p. 72).

Nesse sentido, toma-se a propaganda, e as demais ferramentas mercadológicas, como


um dos principais motores para o fortalecimento e o alcance das mídias digitais20.
Esse contato direto, possível por meio das redes sociais, a propagandas, facilita a
exposição de posicionamentos dos usuários, conforme já mencionado. Arrisco dizer que, em
tempos como este, em que a ociosidade diante das telas se faz mais frequente, é ainda mais
comum internautas sentirem-se dispostos a levarem temas a uma arena discursiva.
A cultura digital, ou cibercultura, sob esse prisma, mostra-se um terreno promissor
para a produção e circulação de polêmicas, visto seu largo alcance e seu confronto com
outras culturas e modos de pensar. Além disso, questões dentro da ciberética afetam o modo
que os usuários utilizam o ciberespaço para expor opiniões, registrar comentários e,
inclusive, fazer uso de “bots”21, pulverizando e acentuando polêmicas. Assim, o uso
indiscriminado do ciberespaço pode viabilizar ainda mais a visibilidade de assuntos
polêmicos, uma vez que os próprios comentários, tweets, posts,... podem acalorar discussões
e inflamar polêmicas.
Nesse ponto, é possível resgatar as reflexões de Bakhtin (1987) acerca da acepção de
praça pública, uma vez que, hoje, a Internet assumiu também esse papel. Essa discussão,
nos estudos bakhtinianos, tem raízes em Rabelais, em virtude do interesse deste em dar voz
ao povo, sendo classificado por Bakhtin (1987) como “o mais democrático dos modernos

20
Prova viva dessa relação pode ser percebida agora (2020) em tempos de pandemia em que o uso de redes
sociais subiu, principalmente, aqui no Brasil, e, consequentemente, a compra por itens não-essenciais – 62% de
aumento, em comparação ao mesmo período do ano passado, contra 21% da média global. Isso, sem
mencionar, o crescente número de usuários que adotaram a compra on-line de serviços essenciais. Logo no
início do isolamento social, no Brasil, foram registrados aumentos de 80% e 111%, em mercado e saúde, por
exemplo. Considerando tantos itens essenciais quanto não-essenciais, estima-se que esse crescimento já atingiu
40%, segundo um estudo mais recente, do começo de julho, se comparado a 2019 .
Pode-se inferir, com isso, uma ligação entre o uso de redes sociais, onde é possível ter contato
frequente e direto com anúncios publicitários e o aumento do número de compras entre os usuários;
especialmente, se considerarmos o grande apelo para que as pessoas fiquem mais em casa, restringindo, dessa
forma, as opções de lazer dos indivíduos – quando, muitas vezes, se recorre ao uso de tecnologias digitais –, e,
associado a isso, o estresse provocado pelo isolamento social, o que pode desencadear compulsões, entre elas,
a de compra.
21
Bots são programas de computador criados para desempenhar tarefas pré-determinadas e repetitivas na
Internet. O uso de bots foi amplamente discutido nas eleições presidenciais aqui do Brasil, com Aécio Neves
(PSDB) e Dilma Rousseff (PT), em 2014. O emprego desse recurso facilita a disseminação de notícias falsas
(fake news) e acentua a polarização entre grupos partidários, no caso da política. O mesmo caso ocorreu nas
eleições, também para presidente, nos Estados Unidos, sendo Donald Trump o nome mais citado quando se
trata de bots.
34

mestres da literatura.” (p. 02, grifos originais).


Essa democracia, segundo a perspectiva bakhtiniana, refere-se à ousadia de Rabelais
em transgredir “[os] cânones e [as] regras da arte literária vigentes desde o século XVI até
os nossos dias” (BAKHTIN, 1987, p. 02), ao explorar, por meio de suas obras, a cultura
popular, trazendo ao palco da grande literatura as festividades populares, seus dialetos e seu
riso.
Esse último elemento, o riso, contrapõe-se ao tom sério, característica fundante da
cultura medieval oficial. “O tom sério afirmou-se como a única forma que permitia
expressar a verdade, o bem, e de maneira geral tudo que era importante, considerável. O
medo, a veneração, a docilidade, etc., constituíam por sua vez os tons e matizes dessa
seriedade.” (BAKHTIN, 1987, p. 63). É importante destacar que o riso, nesse sentido, não se
trata de uma reação individual a um fato cômico; de acordo com Bakhtin (1987), o riso
carnavalesco22, é um “riso festivo” (p. 10, grifo original);
[...] é em primeiro lugar patrimônio do povo (esse caráter popular, como dissemos,
é inerente à própria natureza do carnaval); todos riem, o riso é ‘geral’; em segundo
lugar, é universal, atinge a todas as coisas e pessoas (inclusive as que participam
no carnaval), o mundo inteiro parece cômico e é percebido e considerado no seu
aspecto jocoso, no seu alegre relativismo; por último, esse riso é ambivalente:
alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e sarcástico, nega e
afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente. (p. 10, grifos originais).

Cabe aqui mencionar uma das características que vem ganhando espaço,
principalmente, dentro das redes sociais: o humor. Memes, TikToks, dublagens, reels,
stories, e outros recursos disponíveis nas redes sociais favorecem a grande adesão por parte
dos usuários, quando se trata de entretenimento. Esse modo de observar a realidade e
produzir humor a partir das mais variadas situações do cotidiano podem, de certa forma, ser
consideradas como, no sentido bakhtiniano do termo, uma carnavalização.
Bakhtin discorre acerca da carnavalização, mais especificamente, da literatura, na
obra Problemas da Poética de Dostoiévski (1981). Na perspectiva bakhtiniana, essa relação
na literatura parte do princípio de que carnaval é uma forma sincrética de espetáculo, a qual
consiste em uma linguagem diversificada, em que são combinados elementos simbólicos
concreto-sensoriais.
Para além do contexto do corpus literário como no caso de Rabelais, podemos pensar
nos discursos contemporâneos em que o conceito de carnaval aponta para o
ofuscamento/borramento das fronteiras hierárquicas, uma vez que a distância entre os

22
“Carnavalesco” não se restringe apenas à festa, trata-se de uma espécie de estado de espírito, em que se vive
“um segundo mundo, uma segunda vida” (BAKHTIN, 1987, p. 05), contraposta àquela tida como “oficial”,
marcada pela sobriedade e racionalidade.
35

homens se extingue. O livre contato familiar entre os homens é a primeira categoria


elencada por Bakhtin (1981), a fim de compreender a cosmovisão carnavalesca.
Os homens, separados na vida por intransponíveis barreiras hierárquicas, entram
em livre contato familiar na praça pública carnavalesca. Através dessa categoria do
contato familiar, determina-se também o caráter especial da organização das ações
de massas, determinando-se igualmente a livre gesticulação carnavalesca e o
franco discurso carnavalesco. (BAKHTIN, 1981, p. 106).

É nesse ponto em que se observa o aspecto democrático do carnaval, visto que os


homens passam a compartilhar dos mesmos rituais, ações e gestos típicos da festividade.
Analogamente, pode-se pensar sobre a Internet. Ali, genericamente, as relações são
estabelecidas de modo que os usuários das redes possuem o mesmo acesso aos comentários,
aos vídeos, às publicações, e, dessa forma, são camuflados por meio de seus perfis pessoais,
atenuando diferenças de classe social e de idade, por exemplo.
Outra categoria, dentro dessa noção carnavalesca, pontuada por Bakhtin (1981), está
intimamente relacionada com a primeira: trata-se da excentricidade. Novamente, percebe-se
a democratização propiciada pelo carnaval.
O comportamento, o gesto e a palavra do homem libertam-se do poder de qualquer
posição hierárquica (de classe, título, idade, fortuna) que os determinava
totalmente na vida extracarnavalesca, razão pela qual se tornam excêntricos e
inoportunos do ponto de vista da lógica do cotidiano não-carnavalesco.
(BAKHTIN, 1981, p. 106).

A terceira categoria, proposta por Bakhtin (1981), consiste na união e combinação de


elementos aparentemente díspares. Sobre isso, ele afirma: “O carnaval aproxima, reúne,
celebra os esponsais e combina o sagrado com o profano, o elevado com o baixo, o grande
com o insignificante, o sábio com o tolo, etc.” (BAKHTIN, 1981, p. 106). Nada mais
ilustrativo dessa visão que uma página de uma rede social: é possível se deparar com uma
notícia, com um meme, com uma propaganda, com uma foto, com um vídeo engraçado,
enfim, toda sorte de recursos dentro de uma rede social em apenas um rolar de tela.
As mésalliances carnavalescas associam-se à última categoria organizada por
Bakhtin: a profanação. “Esta é formada pelos sacrilégios carnavalescos, por todo um
sistema de descidas e aterrissagens carnavalescas, pelas indecências carnavalescas,
relacionadas com a força produtora da terra e do corpo, e pelas paródias carnavalescas dos
textos sagrados e sentenças bíblicas, etc.” (BAKHTIN, 1981, p. 106).
Sobre isso, pode-se atualizar essa passagem para os dias atuais. E aqui, um
parênteses, essa revisitação do passado e, consequentemente, essa reinterpretação é o que
Bakhtin denominou como sendo o grande tempo.
Contentar-se em compreender e explicar uma obra a partir das condições de sua
época, a partir das condições que lhe proporcionou o período contíguo é condenar-
36

se a jamais penetrar as suas profundezas de sentido. Encerrar uma obra na sua


época também não permite compreender a vida futura que lhe é prometida nos
séculos vindouros, e esta vida fica parecendo um paradoxo. As obras rompem as
fronteiras de seu tempo, vivem nos séculos, ou seja, na grande temporalidade, e,
assim, não é raro que essa vida (o que sempre sucede com uma grande obra) seja
mais intensa e mais plena do que nos tempos de sua contemporaneidade.
(BAKHTIN, 2003 [1979], p. 364, grifos originais).

Logo, revisitar a obra bakhtiniana e ressignificá-la para os dias atuais, é atuar no


grande tempo. Assim, no que diz respeito à quarta categoria carnavalesca – a profanação –
entende-se que, naquela época23, a Igreja desempenhava um papel determinante na vida dos
indivíduos e possuía um espaço de relevância dentro daquela sociedade, por isso, o profano
mostra-se tão marcado, digno de uma categoria. Pensando na Internet, o profano pode ser
compreendido hoje como as diferentes formas de romper tabus – satirizar o tradicional,
questionar padrões, levantar discussões sobre dogmas empedrados no nosso tempo.
Com esse panorama, do que se toma por carnaval, na perspectiva bakhtiniana,
podemos pensar a Internet como sendo a nova praça pública, onde é possível localizar
traços de carnavalização, o que aponta um caráter mais democrático24. Aragão (2018)
comenta justamente a respeito dessa realocação do conceito de praça pública para o
ciberespaço. Ao descrever tuitaços, no Twitter, como meio de manifestação, Aragão (2018)
equipara esse ato ao ocorrido em praça pública; enquanto, na praça física, isso se daria
usando cartazes, cantigas e pinturas corporais, por exemplo, na praça digital, tal ato é
organizado por meio de postagens de múltiplas semioses, as quais são agrupadas por meio
do uso de hashtags (#).
Ademais, a rede tem sido o lugar do debate público, da discussão dos temas
cotidianos e de relevância social, enfim, das polêmicas. No entanto, também não se pode
assumir uma visão ingênua e desconsiderar que as polêmicas e os debates públicos são
também pensados a partir de um agendamento, o qual está enredado às relações de poder.
O conceito de agendamento pode ser recuperado a partir dos estudos de McCombs
(2009), conforme mencionado nas Considerações Iniciais deste trabalho. Apenas a título de
ampliação dessa perspectiva, compreende-se que a mídia atua como mediadora dos temas a

23
Apesar de a relação entre Igreja e sociedade ser ainda bastante presente em nosso tempo, verifica-se que uma
contracorrente tem lutado por visibilidade e tem ganhado espaço e direitos. De qualquer maneira, reconhece-se
que a Igreja ainda detém a palavra autoritária de modo a controlar e determinar leis e condutas.
24
Falar de democracia de um espaço cibernético implica em escolher caminhos: pode-se pensar na exclusão
digital, que afeta boa parte da população mais desfavorecida, seja por falta de infraestrutura (aparelhos
celulares, computadores ou mesmo uma conexão à Internet), ou pelo analfabetismo digital (idosos que não
conseguem ir sozinhos ao banco ou não têm facilidade para lidar com um celular, por exemplo), o que já
compromete o que se entende por democracia. Neste estudo, porém, direcionou-se o questionamento do
aspecto democrático da Internet no que diz respeito ao controle do que é produzido por uma grande mídia,
desembocando no que se entende por Teoria da Agenda.
37

serem colocados em destaque ao público, isto é, certos temas ganham notoriedade, sendo,
desse modo, capaz de intervir na realidade social (NERY; TEMER, 200925 apud
MENDONÇA; TEMER, 2015).
Essa alteração da realidade social não se refere ao quê as pessoas devem pensar e,
sim, sobre quais temas elas devem pensar. Assume-se, portanto, que
a mídia é um instrumento que constrói imagens do real para os sujeitos, pois estes
não têm acesso a todos os acontecimentos do mundo. Os meios estabelecem um
papel em que levam recortes para as pessoas, algo que altera suas percepções, em
uma perspectiva mais abrangente, de forma que ao longo do tempo equacionam
efeitos consistentes. (NERY; TEMER, 2015).

Os primeiros passos da Teoria da Agenda26 decorreram de Walter Lippmann, o qual


defendia que a opinião pública é gerada por meio das notícias. A hipótese ganhou forma a
partir dos estudos envolvendo as eleições presidenciais de 1970, nos Estados Unidos, em
que se observaram as manobras da mass media (comunicação de massa) em promover
temas-destaques que direcionavam as campanhas eleitorais da época (PADILHA, 2019).
Indo além da política, observa-se essa mesma postura nos veículos de comunicação
em diferentes frentes. As redes sociais, hoje, ocupam o grande palco em que o público atua,
regido pelos agendamentos promovidos pela mídia. Assim, as trends organizadas pelo
Twitter, por exemplo, acabam orientando os principais assuntos do dia em um dado país.
Ao longo do tempo, os tópicos enfatizados nas notícias tornam-se os assuntos
considerados os mais importantes pelo público. A agenda da mídia torna-se, em
boa medida, a agenda do público. Em outras palavras, os veículos jornalísticos
estabelecem a agenda pública. Estabelecer esta ligação com o público, colocando
um assunto ou tópico na agenda do público de forma que ele se torna o foco da
atenção e do pensamento do público – e, possivelmente, ação – é o estágio inicial
da formação da opinião pública (McCOMBS, 2009, p.18).

Amossy (2017), apesar de não mencionar o agendamento, reconhece a forte presença


do público nas mídias e sua participação na discussão pública, e o recorte, feito pelo
jornalista, ao tratar a notícia: é notável a presença das mídias na “explosão do diálogo e [n]a
interação direta na discussão pública.” (AMOSSY, 2017, p. 201). Observa-se, segundo ela,
que as mídias representam “o suporte e o motor” (AMOSSY, 2017, p. 201), compondo um
trânsito de opiniões contraditórias, constituindo, assim, um grande fluxo de discursos.
Do ponto de vista jornalístico, tal qual é analisado por Amossy, o papel do jornalista
não tem se restringido a reportar o evento; ele tem construído a polêmica, ou seja,
[e]le lança a polêmica, dando-lhe publicidade, e lhe confere o estatuto de
acontecimento; constrói, com a ajuda das diferentes formas de discurso reportado,

25
Não foi possível localizar esta obra para consulta, uma vez que as edições se encontram esgotadas.
26
Há discussões envolvendo a terminologia “teoria/hipótese” no diz respeito ao agendamento, uma vez que,
para alguns autores, não se trata de uma teoria visto que é ainda um estudo inacabado, em construção. Para fins
de aprofundamento ver Hohlfeldt (1997), Wolf (2005), Nery & Temer (2009) e Formiga (2006).
38

um diálogo virtual entre detentores de posições em conflito; põe em evidência os


blocos de argumentos que estruturam o debate; e contribui para orientá-lo por
meio de suas intervenções diretas ou indiretas. (AMOSSY, 2017, p. 202).

É possível expandir esse olhar do jornalismo para a publicidade. Nota-se um


interesse, por parte das marcas, em “dar o que falar”. O dizer “falem mal, mas falem de
mim” está ainda mais atual. Com o grande alcance obtido por meio das redes sociais,
percebe-se a adesão por parte dos usuários de eles mesmos promoverem a propaganda a
acontecimento. São os espectadores que passam a atuar na rede, selecionando, ordenando e
produzindo uma interação virtual, assim como Amossy pontuou acerca dos jornalistas
(AMOSSY, 2017).
Essa participação dos internautas remete, mais uma vez, ao carnaval. Bakhtin (1987)
apresenta o carnaval como sendo o lugar em que os limites entre ator e espectador são
borrados, considerando que “(...) o carnaval ignora toda distinção entre atores e
espectadores. (...) Os espectadores não assistem ao carnaval, eles o vivem, uma vez que o
carnaval pela sua própria natureza existe para todo o povo.” (BAKHTIN, 1987, p. 06, grifos
originais).
Sendo assim, ao lançar um anúncio publicitário, aquela empresa ou marca, coloca-se
na praça pública de modo a abrir-se para as produções que se seguem acerca dela,
caracterizando as reações-respostas ativas em forma de memes, vídeos, posts, tweets,
stories, reels, etc. –, da ridicularização, do debate, enfim, o enunciado passa a integrar uma
grande arena discursiva composta por espectadores, marca/empresa, às vezes, sistema
judiciário, e todos aqueles que são convocados para o debate.
Na seção a seguir, procuramos desenvolver um panorama da concepção de polêmica
advinda dos estudos aristotélicos até os dias atuais.

2.3 DA RETÓRICA AO DISCURSO POLÊMICO

Os primeiros passos, do que hoje tomamos por polêmica, remontam à Grécia Antiga.
O próprio termo tem origem na palavra grega polemikós27, e tem como significado “relativo
à guerra”28. Contudo, apesar dessa denotação bélica, os primeiros estudos da polêmica
assentam-se na retórica, “a arte de falar bem”.

27
Πολεμικός (grego antigo).
28
Por ser um vocábulo antigo, foi localizada a definição apenas em uma seção especial, dedicada a
curiosidades, na página do verbete polemic, no dicionário Merriam-Webster. Em uma breve descrição da
etimologia da palavra inglesa polemic, verifica-se que a origem do termo é proveniente de um empréstimo do
francês (polemique), feito no século XVII, com o sentido de “ataque hostil às ideias de outra pessoa”. Em um
39

Aristóteles define retórica como sendo “a outra face da dialética” (ARISTÓTELES,


2015 [1515], p. 57). Tendo isso em vista, faz-se necessário compreender o que é, portanto,
dialética.
A dialética, segundo Konder (2017 [1981]), na Grécia Antiga, era “a arte do
diálogo”, a qual, ao longo do tempo, passou a ser considerada como uma arte capaz de
identificar, por meio do diálogo, os argumentos que fundamentam uma tese. Essa visão
permite a concepção da dialética como um método de conversação baseado em perguntas e
respostas, principalmente, de natureza filosófica. Dentro dessa prática, o que se busca é o
estabelecimento de um jogo dialético, em que há um indagador e um respondedor, a fim de,
por meio de indagações, conduzir as respostas do respondedor ao limite de seus argumentos
sobre certo tema (SANTOS, 2013).
Um dos gregos que explorou esse recurso foi Sócrates. O filósofo ateniense
interessava-se em alcançar a Verdade por intermédio de perguntas feitas ao respondedor;
portanto, a relação estabelecida dentro do jogo dialético tinha como denominador comum
buscar a Verdade, apesar do dissenso entre os interlocutores. A partir desse diálogo, iniciado
mediante a uma afirmação irônica, ocorria, o que Sócrates denominava o “parto das ideias”,
isto é, a maiêutica.
Do mesmo modo Platão, seu discípulo, concebeu a dialética: um sistema em que
seria possível purificar a ciência retirando a subjetividade, como a percepção e a opinião,
almejando uma apreensão intelectual desprendida de todo o aparato não-racional (SANTOS,
2013). Esse método, sob o prisma platônico, compreende a dialética como sendo o próprio
ato de filosofar, no qual é possível gerar conhecimento.
Aristóteles, enquanto seguidor de Platão, por sua vez, compreendia a dialética como
sendo “um método que nos capacite a raciocinar, a partir de opiniões de aceitação geral,
acerca de qualquer problema que se apresente diante de nós e nos habilite, na sustentação de
um argumento, a nos esquivar da enunciação de qualquer coisa que o contrarie.”
(ARISTÓTELES, 2010 [1481], p. 347). Seu modo dialético recebe como alcunha "Lógica
do Provável”, uma vez que, de acordo com o Estagirita, em Tópicos29, “[p]rovável é o que
parece aceitável a todos, ou à maioria, ou aos sábios e, entre estes, ou a todos, ou à maioria,
ou aos mais ilustres” (p. 348).

resgaste ainda mais remoto, o site menciona o termo polemikós, do grego, que traz como definição “relativo à
guerra”, “hostil” (tradução da autora). Disponível em: https://www.merriam-webster.com/dictionary/polemic.
Acesso em: 23 nov. 2019.
29
Órganon, Livro I.
40

Assim, partindo da premissa de que há tipos de silogismo30, Aristóteles discorre


acerca do silogismo dialético para, na sequência, contrapor a polêmica. Segundo o filósofo,
[o] silogismo é um discurso argumentativo no qual, uma vez formuladas certas
coisas, alguma coisa distinta destas coisas resulta necessariamente através delas
pura e simplesmente. O silogismo é a demonstração quando procede de premissas
verdadeiras e primárias ou tais que tenhamos extraído o nosso conhecimento
original delas através de premissas primárias e verdadeiras. O silogismo dialético é
aquele no qual se raciocina a partir de opiniões de aceitação geral. São verdadeiras
e primárias as coisas que geram convicção através de si mesmas e não através de
qualquer outra coisa, pois, no que toca aos primeiros princípios da ciência, faz-se
desnecessário propor qualquer questão adicional quanto ao por que, devendo cada
princípio por si mesmo gerar convicção (ARISTÓTELES, 2010 [1481], p. 348,
grifo original).

Entretanto, Aristóteles reconhece que, se um silogismo não recebe a aceitação geral,


é porque ele é tido como um silogismo polêmico, uma vez que não produz um raciocínio
dedutivo, conforme aparenta.
Logo, compreendendo o que se assume por dialética, é possível depreender retórica
aos olhos de Aristóteles. De acordo com o Estagirita, tanto a dialética quanto a retórica “se
ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e não correspondem a
nenhuma ciência em particular.” (ARISTÓTELES, 2015 [1515], p. 57). Sendo assim, a
gama de assuntos passíveis de serem contemplados em discussões e debates 31 não está
restrita a uma faculdade ou área do conhecimento. Dessa forma, pode-se concluir que “todas
as pessoas de alguma maneira participam [da dialética] e [da retórica], pois todas elas tentam
em certa medida questionar e sustentar um argumento32, defender-se ou acusar33.”
(ARISTÓTELES, 2015 [1515], p. 57).
O que Aristóteles irá ressaltar, nesse ponto, é a habilidade desenvolvida por certas
pessoas em fazer uso de um método mais eficiente para alcançar a persuasão de seu
auditório. Enquanto método, a retórica, para esse filósofo, tem “a capacidade de descobrir o
que é adequado a cada caso com o fim de persuadir.” (ARISTÓTELES, 2015 [1515], p. 62).
Tendo isso em vista, é preciso lançar mão do que Aristóteles denomina “provas de
persuasão”. Tais provas podem ser inartísticas ou artísticas34. As do primeiro tipo estão
dadas – são testemunhos, confissões, documentos escritos, entre outros de mesma natureza

30
Silogismo dialético, silogismo polêmico e silogismo científico.
31
Autores como Russel (2001) diferenciam discussão de debate. Segundo ele, o debate vincula-se à noção da
erística, enquanto a discussão aproxima-se da dialética. Perelman e Olbrechts-Tyteca também levantam essa
questão, tal como destaca Amossy (2017); porém, a autora pontua justamente a dificuldade em estabelecer a
diferença entre discussão e debate na prática, o que enfraquece a nomenclatura. Para ela, e neste trabalho, o que
se busca é uma desmistificação do debate enquanto algo negativo e despreocupado com a racionalidade na
escolha dos argumentos.
32
Na dialética.
33
Na retórica.
34
Dependendo da tradução, pode-se ler “provas técnicas” e “provas não-técnicas”.
41

(ARISTÓTELES, 2015 [1515]). As artísticas, por sua vez, dependem da criação ou


invenção discursiva do orador.
As provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de três espécies: umas
residem no caráter moral do orador; outras, no modo como se dispõe o ouvinte; e
outras, no próprio discurso, pelo que este demonstra ou parece demonstrar
(ARISTÓTELES, 2015 [1515], p. 63).

Essas provas artísticas, portanto, são regidas pelo ethos, pathos e logos. Ethos está
relacionado com o caráter do orador, isto é, o orador, por meio da construção de uma
imagem de si mesmo, feita quando o discurso é proferido, consegue persuadir seu auditório
dando-lhe a impressão de ser alguém digno de fé. Quanto ao pathos, entende-se como sendo
a capacidade de persuadir o auditório provocando-lhe emoções, sejam de tristeza, alegria,
amor ou ódio. Essas duas provas são essencialmente afetivas, visto que ambas atuam na
subjetividade da capacidade de persuadir.
O logos, por outro lado, age sob o aspecto intelectivo da persuasão. O que está em
jogo, nesse caso, é o valor de verdade, ou o que parece ser verdadeiro, dentro do discurso.
Isso é obtido via raciocínio lógico, o qual é viabilizado pelo silogismo, pelo entimema ou
pela analogia. Segundo a retórica de Aristóteles, todas as três categorias compõem o
encadeamento de proposições lógicas. A primeira trata-se da conclusão a partir de premissas
como, o exemplo clássico,
Todos os homens são mortais.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
A segunda, o entimema, diz respeito a um silogismo de efeito retórico, ou, em outras
palavras, uma das premissas é implícita. Exemplificando:
Joaquim é advogado, logo, Joaquim tem formação universitária.
Por fim, a última, a analogia, é quando há uma relação de semelhança entre os fatos,
o que torna a conclusão lógica:
Se aquele remédio fez bem para ele, fará bem para mim, também.
Ouso afirmar que a analogia é amplamente utilizada pela propaganda, considerando
a construção de uma história, com personagens, cenário, enredo, próprios para aproximar-se
da realidade do auditório, a fim de persuadi-lo/convencê-lo da necessidade de determinado
produto, prometendo-lhe aquele mesmo status, aquelas mesmas condições conquistadas
pelos envolvidos na peça publicitária. Neste ponto, faz-se necessário estabelecer a distinção
entre convencer e persuadir, apresentada por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]):
convencer é mais que persuadir, visto que – tomando emprestados os termos da Semiótica –
convencer é /fazer-crer/, enquanto persuadir é /fazer-fazer/. Em outras palavras, convencer é
42

ser capaz de apresentar argumentos capazes de convencer um auditório universal. Enquanto


persuadir restringe-se a um auditório particular, com vistas a provocar uma reação imediata
ou futura. Ao tratar da propaganda, este estudo procurará utilizar a noção de persuadir e não
de convencer; tendo como base a finalidade última da peça publicitária: fazer o consumidor
comprar/adquirir um serviço.
Percebe-se, nesse ponto, a linha tênue entre as três provas de persuasão – ethos,
pathos e logos –, pois a elaboração de uma publicidade contempla os três elementos visando
um mesmo fim: a persuasão.
Os estudos aristotélicos serviram de embasamento para outros teóricos posteriores. O
filósofo, físico e matemático francês Descartes (1596-1650) e o também filósofo alemão
Arthur Schopenhauer (1788-1860) são exemplos de estudiosos que se debruçaram na obra
de Aristóteles para desenvolverem suas reflexões.
Este último publicou a obra Dialética Erística (1831), a qual discorria sobre formas
de obter êxito em uma discussão mesmo sem ter razão.
A DIALÉTICA ERÍSTICA é a arte de discutir, e mais especificamente de discutir
de modo a ter razão, isto é, per fas et nefas [por meios lícitos ou ilícitos]. É
possível ter razão objetiva em relação ao assunto em si e, ainda assim, aos olhos
dos observadores, e às vezes aos próprios, não ter razão. (SCHOPENHAUER,
2014, p. 16).35

De certo modo, enquanto estudo, a credibilidade da dialética e da retórica sofreu


perdas significativas devido a interpretações errôneas da obra36, o que favoreceu seu
distanciamento por parte de filósofos e outros teóricos.
Entretanto, além da própria retórica ter dado enfoque com demasiada atenção à
oratória e à erística, o que comprometeu seu desdobramento enquanto disciplina, pode-se
apontar responsáveis pelo declínio da retórica e um deles é Descartes e seu pensamento
cartesiano, como coloca Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]). Isso porque “[o]
campo da argumentação é o do verossímil, do plausível, do provável, na medida em que este
último escapa às certezas do cálculo.” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005
[1958], p. 1). Desse modo, tendo em vista a força e a robustez dos trabalhos empiristas,
organizados por “partidários das ciências experimentais e indutivas”, tal qual nomeia
Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]), a retórica, que foge dos modelos lógico-

35
Este livro é um compilado das ideias de Schopenhauer e está disponível em:
https://kosmotheories.files.wordpress.com/2016/02/38-estrategias-para-vencer-qual-arthur-schopenhauer.pdf.
Acesso em 24 nov. 2019.
36
Amossy (2017) comenta sobre a obra realçando seu caráter defensivo e cita o próprio Schopenhauer (1864),
o qual esclarece seu intento com o livro: “é necessário conhecer os estratagemas da desonestidade para
enfrentá-los, e até mesmo, por vezes, fazer uso de alguns para bater no inimigo com suas próprias armas.” (p.
12 apud AMOSSY, 2017, p. 38-39).
43

matemáticos, perdeu campo dentro da filosofia; discordar sobre um assunto, por exemplo,
indica erro, essa visão impossibilita o estabelecimento de uma discussão ou um debate para
gerir determinada questão (ou não)37.
Em resposta a esse entendimento e visando um resgate das reflexões aristotélicas,
Perelman & Olbrechts-Tyteca voltaram-se à retórica, porém, buscando uma atualização: “É
evidente, entretanto, que nosso trabalho de argumentação ultrapassará, em certos aspectos –
e amplamente –, os limites da retórica antiga, ao mesmo tempo em que deixará de lado
outros aspectos que haviam chamado a atenção dos mestres de retórica.” (PERELMAN &
OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958], p. 6). Sob essa perspectiva, tem-se que o objetivo
maior dessa publicação é romper com a concepção de razão e raciocínio advinda de
Descartes, articulando a velha tradição marcada pelas premissas gregas acerca da retórica e
da dialética e essa nova retórica.
Contudo, conforme pontuado, para Perelman & Olbrechts-Tyteca, bem como para os
pioneiros da retórica, o debate bem-sucedido era aquele em que as partes visavam o acordo.
Amossy (2017) sintetiza bem ao expor esse aspecto dos filósofos belgas:
Devemos notar que o acordo recebe um lugar privilegiado em Perelman, na
medida em que se torna a pedra de toque da racionalidade. Na verdade, é o acordo
dos espíritos sobre o que parece aceitável que funda na razão um posicionamento
ou uma opinião. Nessa perspectiva, a busca pelo consenso compreende questões ao
mesmo tempo filosóficas e sociais. Isso significa que o dissenso deve ser superado
a todo custo, sob pena de falhar aos critérios da razão e de fazer a comunidade
afundar na discórdia na divisão e, até mesmo, na luta armada. (AMOSSY, 2017, p.
22, grifo original).

Essa acepção vai de encontro com o posicionamento de Amossy (2017) de assumir a


polêmica como marca da democracia.
Amossy (2017) ambienta a polêmica como sendo uma modalidade argumentativa,
uma vez que ela atravessa diversos gêneros discursivos, tais como o panfleto, o artigo de
opinião, e, mais atualmente, o post, o tweet, a live e o comentário online, para citar apenas
alguns outros exemplos. Do mesmo modo, a polêmica invade diferentes campos, como o
jornalístico, o político, o religioso, o publicitário, entre outros.
Retomando esse percurso, porém, pelos olhos de Amossy (2017), tem-se que, ao
recorrer à etimologia da palavra, a pesquisadora francesa aponta que o termo remonta à
concepção grega de conflito bélico, polemikos (p. 44). A partir dessa noção de polêmica

37
Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]), conforme mencionado na Introdução, adotam uma postura de
alcançar uma solução em um debate. Amossy (2017), e este estudo, compreende a importância de existir o
dissenso, sem que isso indique insucesso de uma discussão.
44

enquanto guerra38, subentende-se que o objetivo de um confronto verbal seria,


consequentemente, “a morte simbólica do adversário” (FELMAN, 1979, p. 187 apud
AMOSSY, 2017, p. 44), o que permite uma visão negativa do que vem a ser a polêmica em
si.
Ademais, na literatura acadêmica, os assuntos pertinentes à polêmica versam, como
já mencionado, principalmente, sobre seu caráter passional; depreciando-a no que toca à sua
natureza argumentativa e racional.
Um dos primeiros autores elencados por Amossy (2017), que discorre acerca das
peculiaridades da polêmica, é justamente Aristóteles. Segundo ela, o filósofo grego entendia
a retórica argumentativa como “a arte de negociar as diferenças para se chegar a um
acordo.” (p. 19). Nessa perspectiva, a polêmica é entendida como um importante motor da
democracia, uma vez que, a partir das diferentes opiniões, busca-se um entendimento para
atingir um bem comum.
Diferentemente é o funcionamento da dialética erística. Essa técnica argumentativa
centra-se no êxito em persuadir seu auditório, sem uma real preocupação em termos de
verdade39 ou com o interesse da maioria. Conforme define a própria Amossy (2017),
[A erística é] a arte do jogo verbal que não respeita nem as restrições formais às
quais se curva o autêntico discurso retórico – ele autoriza os desregulamentos –
nem os ditames da razão que impõem às partes reconhecer os argumentos válidos
– ele aceita os golpes de força e o uso de argumentos falaciosos. (p.20)

A retórica aristotélica opõe-se a essa forma de conduzir uma interação verbal


visando apenas à vitória de determinado ponto de vista em detrimento de outros. Sob esse
mesmo prisma, nasceu a expressiva obra de Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, “O
tratado da argumentação: a nova retórica” (1958).
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1958) elevam o acordo a um patamar de suma
importância, tendo em vista a ideia de que o dissenso, para os autores, estaria associado à
discórdia, à desunião e ao conflito armado. Dessa maneira, a conceituação do ato de
argumentar centra-se em seu resultado – o consenso: “o estudo das técnicas discursivas que
permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam à sua
aprovação” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958], p. 05 apud AMOSSY,
2017, p. 21, grifo meu).

38
A ideia de polêmica associada à guerra foi cristalizada metaforicamente pela expressão francesa guerre de
plume.
39
Na perspectiva discursiva, entendemos que aquilo que é tomado como verdade é uma construção social e
histórica sobre os objetos no mundo, de modo que não há verdades a priori, e sim, versões públicas do mundo
construídas a partir dos horizontes apreciativos dos grupos sociais.
45

Os filósofos da nova retórica contribuíram para o alargamento dos estudos no campo


da argumentação. Um dos teóricos que se debruçou nessa tarefa foi o professor canadense
Douglas Walton, grande representante da área de Lógica Informal40. Mais uma vez, aqui, a
impossibilidade de se chegar a um acordo é tida como um problema, em se tratando de uma
polêmica.
A perspectiva é compartilhada por outros autores, tais como os estudiosos
holandeses Van Eemeren e Garssen, que, pertencentes à pragmadialética, foram
influenciados pelos Princípios de Cooperação de Grice41 para analisar discussões.
Entretanto, conforme apontado por Amossy (2017), apesar de essa Escola priorizar o
aspecto argumentativo da polêmica em relação ao que se espera do desfecho de um debate,
ainda a inconclusividade sobre a resolução de determinado tema é considerada uma falha.
Por fim, um último pesquisador citado por Amossy (2017), o qual, assim como os
demais, entende a troca verbal como bem-sucedida apenas quando há convergência de
ideias, acrescenta às pesquisas na área da argumentação a noção de espaço ou esfera pública.
Jürgen Habermas, filósofo alemão, retoma os ideais retóricos de democracia e realça a
necessidade de haver um “espaço público gerido pelo discurso argumentado, pela
cooperação consentida no diálogo arrazoado em prol de uma solução negociada para
problemas comuns” (HABERMAS, 1993/1962 apud AMOSSY, 2017, p. 27).
Tido como precursor das reflexões acerca da dissensão, Schopenhauer (1999 apud
AMOSSY, 2017) preocupou-se em desenvolver uma “dialética erística”, a qual, conforme
definido por Amossy (2017) “visa ensinar como devemos nos defender (em particular
contra-ataques desleais) e como devemos atacar o que o outro afirma sem sermos
refutados.” (p. 38).
Marcelo Dascal (1998 apud AMOSSY, 2017) seguiu o mesmo percurso do filósofo
alemão e adotou o dissenso como ponto de partida para compreender a dinâmica da
polêmica. Para ele, “o confronto e a luta de teses antagônicas têm um valor heurístico: eles
geram a compreensão e até mesmo o saber.” (AMOSSY, 2017, p.39).

40
Lógica Informal, segundo as palavras de Govier (1987) e Walton (1989), “[...] designa o ramo da lógica cuja
função é desenvolver parâmetros, critérios e procedimentos não-formais para a análise, interpretação,
avaliação, crítica e construção da argumentação no discurso cotidiano.” (JOHNSON, R; BLAIR, J. A., 2017, p.
197).
41
O Princípio de Cooperação do filósofo britânico Paul Grice postula quatro máximas como sendo necessárias
para que haja uma comunicação efetiva. São elas: a) máxima de qualidade; b) máxima de quantidade; c)
máxima de relevância; e, d) máxima de modo. (SAEED, 1997, p. 193 apud CANÇADO, 2008, p. 132). Assim,
no que diz respeito às polêmicas, uma ruptura de uma dessas máximas compromete a validade dos argumentos
e, consequentemente, o sucesso, ou não, do debate.
46

Assim como o linguista brasileiro, Christian Kock (2009) caracteriza a controvérsia


como “parte integrante da vida pública” (AMOSSY, 2017, p. 40) e ainda acrescenta que, “na
argumentação prática, centrada na ação e não na verdade, não só um consenso não é
necessariamente obtido pelo recurso a meios racionais, mas também o dissenso não é ‘uma
anomalia a corrigir’.” (KOCK, p.106 apud AMOSSY, 2017, p. 41, grifo da autora).
Essa argumentação prática voltada para a ação, e não pela busca da verdade, pauta-
se em valores e emoções, destituindo o racional do debate (KOCK, 2009 apud AMOSSY
2017). Tanto valores quanto emoções são elementos subjetivos dentro de uma polêmica, o
que, consequentemente, podem indicar uma discussão acalorada, em que cada um dos
integrantes do diálogo visa defender seu próprio ponto de vista, sem que isso implique em
qualquer comprometimento com a razão propriamente dita.
Ruth Amossy (2017), por sua vez, define polêmica como sendo “um debate em
torno de uma questão de atualidade, de interesse público, que comporta os anseios das
sociedades mais ou menos importantes numa dada cultura.” (p. 49). Dessa maneira, espera-
se que haja, portanto, um antagonismo de opiniões para que uma troca verbal, marcada pela
argumentação, possa ser interpretada como uma polêmica.
Amossy (2017) adota uma perspectiva que contempla justamente essa relação
dissensual do discurso, pois, segundo ela:
Se, de fato, o conflito é inevitável em nossas democracias pluralistas e se o cerne
da democracia não é o consenso, mas a gestão do dissenso, então a polêmica como
confronto verbal de opiniões contraditórias que não leva a um acordo utópico deve
ser reconsiderada em profundidade. É, por conseguinte, uma retórica do dissenso
que é necessário desenvolver, na qual a polêmica deve ter lugar de destaque.
(p.38, grifos originais).

Compreendendo, portanto, a importância de se refletir sobre o papel da polêmica e


da relação dissensual dentro de uma cultura, onde há o constante encontro/confronto de
opiniões divergentes sobre assuntos de interesse coletivo, considera-se pertinente trazer à
luz, sob uma perspectiva dialógica de linguagem, estudos que contemplem a materialização
dos discursos veiculados nas mídias digitais; uma vez que essas mídias têm representado um
dos principais modos de interação entre os integrantes da vida pública.
Nesse sentido, conforme já mencionado, verifica-se nas mídias um espaço profícuo
para a formação de opinião pública. Desse modo, a polêmica integra o cotidiano em
múltiplas frentes; ainda mais hoje considerando a estreita relação entre o ser humano e as
mídias digitais, que o coloca em contato com assuntos variados, dispondo da facilidade em
registrar sua própria opinião com um simples “clique”. Tal convivência favorece a
exposição do indivíduo a conflitos. O conflito é o que irá diferenciar um debate da polêmica.
47

Amossy (2017) apresenta uma definição da polêmica pautada nessa relação


conflitual: “[p]ode-se [...] definir a polêmica como um choque de opiniões antagônicas.” (p.
53, grifos originais). Ainda nesse viés, Amossy (2017) convoca o professor canadense
Dominique Garand (1998 apud AMOSSY, 2017) para reforçar essa perspectiva de a
polêmica ser organizada em torno do conflito: “O denominador comum dos enunciados
polêmicos, em todos os gêneros, não é a violência verbal, mas sim o conflitual. Nem toda
situação conflitual ocasiona uma intervenção polêmica [...] mas, com certeza, toda fala
polêmica é oriunda do conflitual.” (p. 216 apud AMOSSY, 2017, p. 53).
Nesse ponto, a autora destaca o caráter exterior da polêmica, em relação ao discurso
em si, ao retomar a expressão “oriunda do conflitual”. Para ela, portanto, “[a] polêmica seria
[...] a manifestação discursiva sob forma de embate, de afrontamento brutal, de opiniões
contraditórias que circulam no espaço público. Enquanto interação verbal, ela surge como
um modo particular de gestão do conflito.” (AMOSSY, 2017 p. 53, grifos originais).
Conflito, segundo Amossy (2017), implica em dicotomização. A dicotomização
dificulta e por vezes inviabiliza a resolução de conflitos, e sua relação é dada de acordo com
o contexto sociocultural em que está inserida. Depreende-se, assim, a necessidade de
considerar o exterior, suas condições histórico-temporais, para avaliar em que medida as
opiniões tidas como inconciliáveis podem ser construídas ou desconstruídas em um dado
contexto. De qualquer maneira, enquanto marcadas pela diferença, as opiniões contraditórias
definem a polêmica: “a polêmica que trata de questões de interesse público é uma gestão
verbal do conflitual, caracterizada por uma tendência à dicotomização, que torna
problemática a busca por um acordo.” (AMOSSY, 2017, p. 55, grifos originais).
Essa relação é ainda mais conturbada levando em conta as estratégias de subversão
utilizadas pelos indivíduos ou pelos grupos a fim de derrubar argumentos e desqualificar
seu(s) adversário(s). “Não nos impressionamos, portanto, em ver que a exacerbação de
oposições (a dicotomização) se concretiza, in loco, numa divisão em grupos antagônicos, em
que cada um afirma sua identidade social opondo-se e fazendo do outro o símbolo do erro e
do mal.” (AMOSSY, 2017, p. 58, grifos originais).
É comum, conforme sugere Amossy (2017), a desqualificação da pessoa ou do grupo
representado por ela, ao atacar os argumentos ou a tese do adversário. Essa estratégia lança
ao outro o descrédito, enfraquecendo ou até mesmo invalidando os argumentos apresentados
por ele. Quando levado ao extremo, pode-se verificar, inclusive, uma tentativa de
diabolização do adversário, incitando o medo e mesmo o ódio.
Nessa linha, observa-se também a presença da violência verbal. Contudo, a violência
48

verbal somente pode ser tomada enquanto polêmica quando há confronto entre opiniões
divergentes. “Porque a polêmica, não se deve confundir, não é uma fala selvagem. Ela toma
corpo num espaço democrático que a autoriza e a regula ao mesmo tempo.” (AMOSSY,
2017, p. 65).
Logo, com base nesse panorama, consideramos relevante discutir o modo de
funcionamento do discurso polêmico nas mídias digitais justamente por reunir essa noção de
conflito, dicotomização, estratégias de subversão – aplicadas à análise dos comentários, dos
tweets – e, também, da violência verbal. Dentro da plataforma do YouTube, por exemplo, é
possível, em um vídeo promocional, avaliar essas condições que definem a polêmica, dentro
do contexto sociocultural em que estamos inseridos.
No capítulo seguinte, apresentamos o percurso metodológico adotado na pesquisa,
mobilizado na análise dos modos como o discurso polêmico se materializa nas mídias
digitais.
49

3. PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Como dito antes, esta pesquisa constitui-se teórico e metodologicamente a partir da


Análise Dialógica do Discurso. Além disso, propõe a mobilização do método indiciário,
desenvolvido pelo italiano Carlo Ginzburg (2016 [1989]). Este capítulo, portanto, descreve
aspectos metodológicos inerentes a cada uma dessas abordagens e traz, ao final, a
apresentação dos dados deste estudo, juntamente com os parâmetros iniciais de análise.

3.1 O FAZER PESQUISA NA ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO

A Análise Dialógica do Discurso (ADD), enquanto teoria-metodológica42, preocupa-


se em resgatar, ao longo da literatura desenvolvida pelo Círculo de Bakhtin, conceitos que
embasam uma perspectiva de estudo pautada no dialogismo e, de acordo com Brait (2018),
compreende em
conceber estudos da linguagem como formulações em que o conhecimento é
concebido, produzido e recebido em contextos históricos e culturais específicos e,
ao mesmo tempo, reconhecer que essas atividades intelectuais e/ou acadêmicas são
atravessadas por idiossincrasias institucionais e, necessariamente, por uma ética
que tem na linguagem e em suas implicações nas atividades humanas, seu objetivo
primeiro. (p. 10).

Desse modo, em uma definição preliminar da ADD, considera-se que, distante de


ser uma metodologia fechada em si mesma e rigorosamente pré-estabelecida, analisar
discursos sob essa ótica é adotar uma postura dialógica diante de um corpus discursivo
(BRAIT, 2006, p. 29), o qual está imerso em um determinado contexto sócio-histórico e em
uma relação dinâmica entre já-ditos e serão-ditos, isto é, em uma relação dialógica entre
enunciados, estabelecendo um heterodiscurso social (BAKHTIN, 2015 [1930]).
Rohling (2014) sumariza a proposta de Brait (2006) em estabelecer uma
análise/teoria dialógica do discurso e pontua, em um primeiro momento, a preocupação do
analista em voltar-se para o estudo das enunciações concretas em suas particularidades
discursivas, para que, a partir daí, os dados sejam categorizados de acordo com suas
relativas regularidades. Rohling (2014) destaca a característica da análise enquanto evento
sociodiscursivo, isto é, cada enunciado é materializado em um dado tempo e espaço por
determinados interlocutores (p. 47), o que restringe a aplicação das mesmas categorias de
análise a diferentes dados, uma vez que cada enunciado é único.

42
É importante destacar que a Análise Dialógica do Discurso (ADD), segundo Brait, nasce no Brasil a partir de
estudos bakhtinianos brasileiros. Atribui-se a Carlos Alberto Faraco (UFPR), a expressão que dá nome a essa
abordagem teórico-metodológica.
50

Assim, partindo da concepção teórico-metodológica assumida pela ADD,


sustentada por uma abordagem qualitativa-interpretativista, com fins descritivos,
delimitamos o corpus desta pesquisa, que é constituído por propagandas publicadas na
plataforma YouTube, no período de 2015 a 2019. O critério de escolha dos materiais
publicitários partiu da busca “propaganda polêmica”43 e, com base nisso, foram selecionadas
aquelas que provocaram maior repercussão entre os brasileiros dentro das mídias digitais.
Dentro da perspectiva da ADD, e, mais especificamente, em uma pesquisa de
natureza qualitativa e interpretativista, a relação que o pesquisador estabelece com seu
objeto não é de neutralidade, conforme ressalta Rohling (2014, p. 47); tendo em vista que
tanto o recorte do corpus quanto a descrição dos resultados obtidos estão sujeitos à
apreciação valorativa de um pesquisador também integrado a um tempo e a um espaço
específicos.
Desse modo, tanto pesquisador quanto os enunciados encontram-se em um
cenário discursivo de constante tensão em que enunciados confrontam-se em uma espécie de
arena, onde há disputa e luta de ordem valorativa, conforme descrevem Magalhães e Queijo
(2015); estabelecendo, assim, uma relação dialógica entre o sujeito-pesquisador e seu objeto.
A compreensão do todo do enunciado e da relação dialógica que se estabelece é
necessariamente dialógica (é também o caso do pesquisador nas ciências
humanas); aquele que pratica ato de compreensão (também no caso do
pesquisador) passa a ser participante do diálogo, ainda que seja num nível
especifico (que depende da orientação da compreensão ou da pesquisa). Analogia
com a inclusão do experimentador num sistema experimental (enquanto parte
desse sistema) ou do observador incluído no mundo observado em microfísica
(teoria dos quanta). O observador não se situa em parte alguma fora do mundo
observado, e sua observação é parte integrante do objeto observado. (BAKHTIN,
1997 [1979], p. 355).

Ao promoverem uma reflexão bakhtiniana da figura do pesquisador nas ciências


humanas, Jobim e Souza e Deccache Porto e Albuquerque (2012) abrem o tema destacando,
justamente, essa inserção do analista no mundo da vida.
Cada um de nós ocupa um lugar espaço-temporal determinado, e deste lugar único
revelamos o nosso modo de ver o outro e o mundo físico que nos envolve. Nesta
perspectiva de análise, a ênfase está no lugar ocupado pelo olhar e pela palavra na
constituição do sentido que conferimos à nossa experiência de estar no mundo,
sentido este atravessado por valores que fazem parte da cultura de uma dada
época. (p. 4).
A concepção de mundo da vida e mundo da cultura44, ambos de Bakhtin (1993), é
o que situa o pesquisador enquanto autor. Entendendo que o pesquisador se encontra situado

43
Na seção 3.3, em Geração e Descrição dos Dados da Pesquisa, consta uma descrição dos dados gerados a
partir das propagandas polêmicas, de modo mais detalhado.
44
[…] dois mundos se confrontam, dois mundos que não têm absolutamente comunicação um com o outro e
que são mutuamente impenetráveis: o mundo da cultura e o mundo da vida, o único mundo no qual nós
51

no mundo da vida e contempla um horizonte valorativo de acordo com a cultura em que está
inserido e que, dessa forma, se distancia de uma condição de neutralidade, compreende-se
que o ato de pesquisar é também um evento único e irrepetível que será registrado no mundo
da cultura por meio de sua escrita. Desse modo, o pesquisador atua como um intermediador
desses dois mundos, uma vez que ambos são impenetráveis.
Assim, ainda de acordo com Jobim e Souza e Deccache Porto e Albuquerque
(2012) “o lugar ocupado pelo pesquisador é marcado pela experiência singular, única e
irrepetível do encontro do pesquisador e seu outro, na busca de produzir textos que revelem
compreensões, ainda que provisórias, para dar sentido aos acontecimentos na vida.” (p. 6).
Além de pesquisador, o analista ocupa também uma posição de sujeito histórico.
Segundo Brait (2018 [2006]), o fazer ciência dentro de uma perspectiva dialógica justifica-
se tendo em vista que a análise das especificidades discursivas constitutivas de situações
permite compreender a relação entre a linguagem e determinadas atividades que se
interpenetram e se interdefinem, e do compromisso ético do pesquisador com o objeto, que,
dessa perspectiva, é um sujeito histórico. (BRAIT, 2018 [2006]).
Desse modo, em uma pesquisa pautada nas concepções bakhtinianas, tanto
linguagem quanto sujeitos – pesquisador e seu outro – tornam-se objetos de análise, uma vez
que há a produção de saberes acerca de produções discursivas situadas em um contexto
sócio-histórico produzidas e recebidas por sujeitos históricos, também histórica, cultural e
socialmente determinados.
Sendo assim, o que se busca por meio desse trabalho artesanal de bricolagem, ao
reunir peças publicitárias de diferentes temáticas, tal qual metaforiza Denzin e Lincoln
(2006), é reunir pedaços da realidade em um dado tempo e cultura e interpretá-los à luz de
uma teoria sociodiscursiva, buscando compreender as relações que marcam esse encontro
entre pesquisador-objeto-outro.
Logo, em uma pesquisa baseada na perspectiva da ADD, contempla-se o estudo
de discursividades produzidas em múltiplas esferas (ROHLING, 2014, p. 45). Partindo dessa
noção e do exposto, este estudo busca, dentro da esfera publicitária, regularidades no que diz
respeito ao discurso polêmico disparado pelo gênero discursivo propaganda em mídias
digitais, visando a descrição de um fenômeno. Assim, objetivamos observar os modos de

criamos, conhecemos, contemplamos, vivemos nossa vida e morremos ou – o mundo no qual os atos da nossa
atividade são objetivados e o mundo do qual esses atos realmente provêm e são realizados uma e única vez.
(BAKHTIN, 1993, p. 20).
52

operação, a manutenção, a reacentuação do discurso polêmico produzido em propagandas


produzidas para e veiculadas na mídia digital, mediante a descrição dos dados delimitados.
É pertinente ressaltar que o discurso polêmico, nesta pesquisa, é assumido como
enunciado, uma vez que se organiza a partir de um gênero discursivo: a propaganda 45. Os
gêneros, tal qual mencionado, possuem certa regularidade e são determinados com base na
sua estrutura composicional, seu estilo e seu conteúdo temático; porém, todo o processo de
constituição desse gênero é perpassado pelo social. A escolha do gênero em dada situação de
comunicação é social: “Cada gota nele [no enunciado] é social, assim como toda a dinâmica
da sua formação.” (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p. 217). A consolidação dele enquanto
enunciado faz-se a partir da relação com outros enunciados, isto é, fundamentado na palavra
alheia e orientado para tal: “o discurso verbal impresso participa de uma espécie de
discussão ideológica em grande escala: responde, refuta ou confirma algo, antecipa as
respostas e críticas possíveis, busca apoio e assim por diante.” (VOLÓCHINOV, 2018
[1929], p. 219). Portanto, “[a] comunicação discursiva nunca poderá ser compreendida nem
explicada fora dessa ligação com a situação concreta” (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p.
220), sendo então, dessa forma, necessário estabelecer uma ordem metodológica de estudo
da língua, a fim de contemplar a natureza social da linguagem:
1) formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições
concretas;
2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita
com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais
determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica;
3) revisão das formas da língua em sua concepção linguística.
(VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p. 220).

Rojo (2012 [2005]) sintetiza esse modelo de análise sublinhando que


aqueles que adotam a perspectiva dos gêneros do discurso partirão sempre de uma
análise em detalhe dos aspectos sócio-históricos da situação enunciativa,
privilegiando, sobretudo, a vontade enunciativa do locutor – isto é, sua finalidade,
mas também e principalmente sua apreciação valorativa sobre seu(s)
interlocutores e tema(s) discursivos -, e, a partir desta análise, buscarão as marcas
linguísticas (formas do texto/enunciado e da língua – composição e estilo) que
refletem, no enunciado/texto, esses aspectos da situação. (p. 199, grifos originais).

Dessa forma, ao aproximar os gêneros na busca por regularidades, será possível


observar a similaridade no que diz respeito à relação social dentro de uma dada esfera social
e não no que tange às formas fixas da língua (ROJO, 2012 [2005]). Assim, dentro do
contexto das propagandas, os aspectos relacionados à situação comunicativa, tais como: a
esfera, o tempo e o lugar históricos (cronotopo), os participantes, o tema, a vontade

45
Compreendemos a complexidade que envolve definir o gênero propaganda. A discussão acerca desse
assunto será desenvolvida posteriormente como parte integrante da análise.
53

enunciativa/apreciação valorativa e a modalidade de linguagem ou mídia, serão observados


a fim de compreender a organização desse gênero e seu funcionamento dentro das mídias.
Além disso, considerando que o discurso polêmico pode ser também recheado de
expressividade, representado pelo pathos, considera-se pertinente observar a presença da
entonação expressiva como recurso estilístico dentro dos comentários, posts e tweets
atrelados à propaganda, visto que, apesar de não ser obrigatória, a entonação expressiva “é a
expressão mais clara do conceito da avaliação social.” (MEDVIÉDEV, 2016 [1928], p. 185).
Isso porque “a palavra entra no enunciado não a partir do dicionário, mas a partir da vida,
passando de um enunciado a outros. A palavra passa de uma totalidade para outra sem
esquecer seu caminho. Ela entra no enunciado como uma palavra da comunicação, saturada
de tarefas concretas dessa comunicação: históricas e imediatas.” (MEDVIÉDEV, 2016
[1928], p. 185).
Além da ADD quanto os aspectos relativos ao método sociológico no estudo do
enunciado, mobilizamos, neste estudo, o paradigma indiciário na análise do percurso do
discurso polêmico nas mídias digitais, tal como é descrito a seguir.

3.2 SOBRE O PARADIGMA INDICIÁRIO

O historiador italiano Carlo Ginzburg recupera a figura do caçador, do detetive e


do médico para analisar recortes da história, entrelaçando-a com a morfologia. Em sua obra
Mitos, Emblemas, Sinais: Morfologia e História (2016 [1989]), o autor discorre sobre o
paradigma aplicando-o em temas variados, tais como a história da cultura popular, a história
da arte, a psicanálise, entre outros. Em um dos ensaios, Sinais: Raízes de um paradigma
indiciário, Ginzburg aponta o precursor do método indiciário como sendo o historiador de
arte Giovanni Morelli, o qual instituiu um novo olhar sobre as pinturas a fim de diferenciá-
las de suas cópias.
Vejamos rapidamente em que consistia esse método. Os museus, dizia Morelli,
estão cheios de quadros atribuídos de maneira incorreta. Mas devolver cada quadro
ao seu verdadeiro autor é difícil: muitíssimas vezes encontramo-nos frente a obras
não-assinadas, talvez repintadas ou num mau estado de conservação. Nessas
condições, é indispensável poder distinguir os originais das cópias. Para tanto, [...]
é necessário examinar os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados
pelas características da escola a que o pintor pertencia: os lóbulos das orelhas, as
unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés. (GINZBURG, 2016 [1989], p.
144).

O mesmo raciocínio é aplicado às conclusões de Sherlock Holmes ao desvendar


crimes. O historiador italiano ilustra a utilização do método com o conto A caixa de papelão
54

(1892), de Arthur Conan Doyle, em que Holmes, reconhece as orelhas recebidas pelo
correio e às relaciona com as de outra senhorita.
Na sua qualidade de médico o senhor não ignorará, Watson, que não existe parte
do corpo humano que ofereça maiores variações do que uma orelha. Cada orelha
possui características propriamente suas e difere de todas as outras. [...] Imagine
então a minha surpresa quando, pousando os olhos sobre a senhorita Cushing,
notei que sua orelha correspondia exatamente à orelha feminina que havia
examinado pouco antes. [...] Nas duas existia o mesmo encurtamento da aba, a
mesma ampla curvatura do lóbulo superior, a mesma circunvolução da cartilagem
interna. [...] Era evidente que a vítima devia ser uma parente consanguínea,
provavelmente muito próxima, da senhorita... (DOYLE, 1976, p. 937-8 apud
GINZBURG, 2016 [1989], p. 146).

Na sequência, Carlo Ginzburg expõe a curiosidade de Freud pelo paradigma


indiciário e sua familiaridade com os trabalhos de Morelli:
Creio que o seu método está estreitamente aparentado à técnica da psicanálise
médica. Esta também tem por hábito penetrar em coisas concretas e ocultas através
de elementos pouco notados ou desapercebidos, dos detritos ou ‘refugos’ da nossa
observação. (FREUD, 1976, p. 36-7 apud GINZBURG, 2016 [1989], p. 147).

Tanto Morelli quanto Doyle e Freud eram médicos e, segundo o historiador, isso
foi determinante para estabelecer um interesse comum entre os três, baseado na semiótica
médica. Assim, as pistas guiavam cada um deles para “captar uma realidade mais profunda”
(GINZBURG, 2016 [1989], p. 150): Freud atrelava-se aos sintomas; Holmes, aos indícios; e,
Morelli, aos signos pictóricos.
Entretanto, ainda de acordo com Ginzburg, a investigação a partir de indícios
remonta à era em que o homem era um caçador e disso dependia sua sobrevivência:
Durante inúmeras perseguições, ele aprendeu a reconstruir as formas e
movimentos das presas invisíveis pelas pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas
de esterco, tufos de pelos, plumas emaranhadas, odores estagnados. Aprendeu a
farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba.
Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante, no
interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas. (GINZBURG,
2016 [1989], p. 151).

Assim, segundo o historiador, esse paradigma perpassa diferentes contextos


sociais e, partindo da perspectiva das ciências humanas, essa forma de investigação obriga a
articulação de outras disciplinas, de acordo com a necessidade imposta. Desse modo, “[...]
chegou o momento de desarticulá-lo [paradigma indiciário em sentido lato]. Uma coisa é
analisar pegadas, astros, fezes (animais ou humanas), catarros, córneas, pulsações, campos
de neve ou cinzas de cigarro; outra é analisar escritas, pinturas ou discursos.” (GINZBURG,
2016 [1989], p. 171).
Isso porque analisar escrita, pintura e discurso demanda a mobilização de um
conceito: o de cultura, visto que são frutos de criações humanas e estão emaranhadas dentro
55

de contextos sociais localizados em determinado tempo e espaço, sendo, assim, interpretadas


à luz desse momento.
Ginzburg (2016 [1989]), enquanto historiador, busca nas passagens dos textos
marcas desse determinado tempo e rastros do que foi aquele espaço. Enquanto linguista, a
investigação ocupa-se dos vestígios deixados pelos usuários da língua, dos signos marginais,
da escolha dos gêneros, do suporte ou da rede social escolhidos para comentar ou divulgar
certo material, dos enunciados em resposta a outros, da dinâmica entre usuários e entre
enunciados, e assim por diante. O paradigma indiciário permite que a pesquisa enverede por
um caminho microscópico, onde há um aprofundamento de análise pautado no exame do
detalhe.
E, em se tratando da polêmica, o método permite identificar o início do
“incêndio” e seus desdobramentos e percursos, além de possibilitar a compreensão do(s)
modo(s) de constituição do discurso polêmico: os gêneros envolvidos, os agentes, a
mobilização de outros debates vinculados ao mesmo tema, entre outros aspectos.
Além disso, o paradigma indiciário permite, por meio dos rastros, indícios, pistas,
reconstruir um contexto histórico sob o olhar de um pesquisador, o qual é observador e
narrador de um tempo-espaço específicos. Desse modo, anônimos da internet contribuem
para a ampliação, a reacentuação e a manutenção desse discurso, compondo, de comentário
em comentário, de post em post, de tweet em tweet, etc., uma rede em que se constrói a
polêmica. Sendo assim, tendo em vista o objetivo maior de rastrear a polêmica dentro das
redes sociais, disparada por intermédio de propagandas, a aplicação desse método mostra-se
pertinente, visto que contempla justamente esses rastros deixados pelos usuários, que se
tornam interlocutores ativos dentro dessa relação dialógica, promovendo o debate e a
instauração de uma arena discursiva em meio digital.

3.3 GERAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA

Adotando a postura do detetive, procuramos levantar os dados – enunciados de


vídeos, tweets e publicações – a partir da ferramenta de busca das redes sociais do YouTube,
do Twitter, do Instagram e do Facebook. A princípio, a pesquisa baseou-se em “propaganda
polêmica” e com base nos resultados apresentados pela plataforma YouTube, foram
selecionadas as mais recentes e com maior repercussão46. Em outras palavras, o início da

46
A repercussão, nesse caso, foi mensurada a partir da produção de conteúdo sobre a propaganda em si. Tendo
em vista que o anúncio da Bettina foi divulgado apenas como publicidade em vídeo no YouTube e não possui
56

busca se deu pelas propagandas que foram uma espécie de gatilho para emergência de
enunciados outros em que vemos reverberar a polêmica.
Na sequência, foram buscados novos dados nas outras redes sociais, considerando
esse primeiro levantamento. No Twitter, a busca é mais efetiva por meio da “Busca
Avançada” em que é possível estabelecer termos-chave, hashtags, pessoas envolvidas (@),
idioma e, inclusive, determinar um período em que se tem interesse em pesquisar.
Figura 6 - Sistema de busca do Twitter

Fonte: Twitter

No Instagram, por sua vez, não há a possibilidade de realizar uma busca avançada,
portanto, os resultados são obtidos apenas por meio do uso das hashtags ou do perfil do
usuário, da página da marca/empresa ou ainda de algum lugar específico.

Figura 7 - Sistema de busca do Instagram

Fonte: Instagram

Já na rede social Facebook, é possível realizar uma busca mais apurada, usando os
chamados “Filtros” (Tudo, Publicações, Pessoas, Fotos Vídeos, etc.).

um vídeo oficial, postado pela empresa Empiricus, e a propaganda da Bombril, Krespinha, foi retirada de
circulação, não é possível verificar a quantidade de acessos e visualizações de tais conteúdos. Entretanto,
considerando a grande variedade de material produzido pelos usuários e pela mídia em relação a esses
comerciais, foi que se baseou a seleção dessas propagandas.
57

Figura 8 - Sistema de busca do Facebook

Fonte: Facebook

Contudo, vale destacar que os resultados obtidos, em quaisquer das redes sociais,
estão limitados ao modo público, isto é, os usuários que restringem suas publicações para
que apenas seus próprios seguidores vejam, ou quaisquer outras formas de controle
possibilitadas em cada uma das redes, não têm suas postagens e publicações exibidas nesses
resultados.
Figura 9 - Exemplo de restrição de público em uma postagem no Facebook

Fonte: Facebook

A partir desses sistemas de busca, foram, então, selecionadas as propagandas


polêmicas mais recentes, que ocorreram entre 2019 e 2020. Como o recorte restringiu-se a
um dado período, a temática ou a marca/produto em si não foram os alvos do rastreio,
58

porém, é possível observar certa regularidade em seus debates, uma vez que, arriscamos
dizer, são temas pertinentes e relevantes na conjuntura em que vivemos.
Com base nisso, selecionamos as seguintes propagandas, apresentadas em ordem
cronológica:
Tabela 1 - Corpus
Data de
Empresa Propaganda Link de acesso
publicação
We Believe:
13 de
The Best
janeiro de Gillette https://www.youtube.com/watch?v=koPmuEyP3a0
Men Can
2019
Be47
12 de “Oi, meu
março de Empiricus nome é https://www.youtube.com/watch?v=knIHvor2gHs
48
2019 Bettina,…”
Krespinha,
17 de
ideal para https://www.youtube.com/watch?v=6zj0t5vwKJ8&t
junho de Bombril
limpeza =44s
2020
pesada49
Fonte: Da autora

Por ser um universo bastante amplo, não é possível analisar todos os comentários ou
publicações frutos da repercussão desses anúncios publicitários no tocante à polêmica.
Como mencionado, nossos dados são organizados tendo como referência as publicações e as
postagens feitas em resposta às propagandas, obtidas por meio do sistema de busca de cada
uma das redes sociais, principalmente, rastreando possíveis hashtags atreladas a esses
comerciais. Além disso, considerando a imensa variedade de material produzido envolvendo
tais anúncios, fizemos uma seleção randômica em que se contemplavam as diversas
possibilidades de participar da arena discursiva, principalmente, no que concerne aos
múltiplos gêneros discursivos presentes nas redes sociais, tais como: repostagem de notícia,
selfies, gifs, memes, screenshots, tweets, entre outros gêneros que enredam a trama da cadeia
enunciativa da polêmica.

47
“Nós acreditamos: O melhor que os homens podem ser”, tradução da autora.
48
A propaganda da Empiricus foi lançada apenas como publicidade em vídeo no YouTube, ou seja, aqueles
anúncios que aparecem ou no início ou durante a exibição de um vídeo. Portanto, não há um link original
postado pela empresa na plataforma, apenas o que foi produzido pelos próprios usuários do site.
49
A Bombril retirou o produto de circulação bem como qualquer comercial atrelado a ele – apenas manteve um
comunicado no Instagram, informando o cancelamento da campanha e da marca Krespinha, e pedindo
desculpas –, portanto, o que foi possível rastrear foram os vídeos-resposta e a repercussão, por parte dos
usuários das redes sociais, em publicações, tweets, posts e comentários sobre a ação da empresa.
59

Sendo assim, para cada uma das propagandas considerou-se como hashtag:
Tabela 2 - Hashtags buscadas sobre a campanha da Gillette
#gillette #gilette #thebestmencanbe #gilettead
Gillette
#gillettead #gilletteboycott #gilletteboicote
Fonte: Da autora

Tabela 3 - Hashtags buscadas sobre a propaganda da Empiricus


#bettina #betina #empiricus #oimeunomeebetina
Empiricus #oimeunomeebettina #somostodosbettina
#forcabettina
Fonte: Da autora

Tabela 4 - Hashtags buscadas sobre a propaganda da Bombril


#bombril #bombrilracista #boicotebombril
Bombril
#krespinha
Fonte: Da autora

A partir desse levantamento, os dados foram organizados considerando a seguinte


legenda:
Tabela 5 - Legenda para organização dos dados (redes sociais)
T – Twitter F – Facebook
I – Instagram Y – YouTube
Fonte: Da autora

Tabela 6 - Legenda para organização dos dados (propagandas)


G – Gillette B – Bettina K - Krespinha
Fonte: Da autora

Seguida de uma numeração sequencial, no interior das seções de análise desta


dissertação. O que se tem, portanto, é uma referência do tipo: TB04 (Dado retirado do
Twitter, referente à propaganda da Empiricus (Bettina), número 04).
A análise dos dados deu-se por meio da busca por regularidades que emergiram dos
próprios dados no processo analítico como propõe a ADD. Embora seja na leitura efetiva
dos dados que se evidenciem as regularidades mais salientes, ou alguma particularidade
significativa, na construção do discurso polêmico, há alguns parâmetros que orientaram a
presente análise e que estão na teoria de base.
Um desses parâmetros é a relação dialógica estabelecida entre os dados, uma vez
que foi o encadeamento enunciativo o responsável pela seleção dos dados, considerando a
busca por propagandas com maior repercussão, conforme já mencionado. Outro ponto ainda
60

relacionado ao dialogismo diz respeito à ampliação, reacentuação e manutenção da


polêmica nas redes sociais, visto que por meio da produção de conteúdo por parte dos
usuários e da mídia forma-se um espaço de discussão e debate acerca de um dado tema.
Relacionado a esse último parâmetro, pode-se citar a compreensão resposiva-ativa
e seu papel em ampliar, reacentuar e manter os discursos circulando nas mídias digitais; uma
vez que, por meio dela, são resgatados enunciados já-ditos e são proferidos novos
enunciados orientados para uma futura resposta.
No que tange à argumentação, são recuperados os pressupostos de Amossy e sua
atualização da nova retórica, principalmente, no que concerne ao ethos e ao pathos. Além
disso, ainda sob as bases de Amossy, serve como norte a ideia da importância de coexistir o
dissenso e o consenso com vistas a uma sociedade mais plural.
61

4. VAMOS ÀS POLÊMICAS?

Dificilmente, ao acessarmos uma rede social, não nos deparamos com a “polêmica
do dia”. O Twitter, inclusive, dispõe da ferramenta “Assunto do Momento” ou “Trending”
para facilitar o acesso a todas elas. De celebridade à política, de futebol à notícia, tudo pode
transformar-se em “assunto mais comentado” e vencer fronteiras geográficas, alcançando
usuários de diversas partes do mundo.
É possível dizer que a polêmica é um dos motores das redes sociais, uma vez que
promovem o engajamento dos interlocutores em gestos como postar, comentar, discutir,
produzir conteúdos relacionados a elas. Por essa razão, tendo em vista a grande exposição a
que somos submetidos, sobre os mais variados temas, todos os dias ao entrar no Twitter, no
Instagram, no Facebook ou no YouTube, pode-se afirmar que estamos constantemente
participando de uma grande arena discursiva; para a qual somos convocados a
reagir/interagir, curtindo, comentando, ou produzindo novos conteúdos (memes, lives,
stories, posts, etc.).
As quatro seções seguintes organizam-se em torno das propagandas: Bettina, Gillette
e Krespinha, respectivamente. A primeira seção discute, mais especificamente, a questão
conceitual de acentuação, ampliação e valoração; as próximas três, em cada uma delas,
buscou-se ilustrar, por meio das propagandas, como o discurso polêmico é desvelado nas
mídias digitais a partir da relação da polêmica e as mídias, da sua arquitetônica e, por fim,
da compreensão responsiva-ativa.

4.1 A POLÊMICA E AS MÍDIAS: ACENTUAÇÃO, AMPLIAÇÃO E VALORAÇÃO

A pesquisa que tem como princípio basilar o dialogismo assume o enunciado como
sendo um “momento da comunicação discursiva ininterrupta” (VOLÓCHINOV, 2018
[1929], p. 217), ou seja, o discurso verbal50 participa de uma grande arena, respondendo,
refutando, confirmando, antecipando respostas e possíveis críticas, buscando apoio, etc.
(VOLÓCHINOV, 2018 [1929]); aliado a isso está a situação extraverbal, isto é, “atos sociais
de caráter não discursivo (atos do trabalho, atos simbólicos de um rito ou de uma cerimônia
e assim por diante)” (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p. 220). Assim sendo, verifica-se o elo
estabelecido entre a comunicação discursiva e a situação concreta, o que vem a ser a
totalidade do enunciado.

50
Segundo Sheila Grillo, “discurso verbal” aparece também como sinônimo de enunciado.
62

A língua vive e se forma no plano histórico justamente aqui, na comunicação


discursiva concreta, e não no sistema abstrato das formas da língua nem no
psiquismo individual dos falantes. (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p. 220).

Partindo disso, em uma dada situação comunicativa, compreende-se que é


estabelecida uma relação entre exterior e interior durante o processo da produção discursiva;
e ambos estão em constante atualização. Essa atualização refere-se à situação do enunciado
e seu auditório, isto é, o propósito da comunicação e para quem ela é dirigida.
A situação e o auditório forçam o discurso interior a atualizar-se em uma
expressão exterior determinada e diretamente inserida no contexto cotidiano não
enunciado, que é completado pela ação, ato ou resposta verbal dos outros
participantes do enunciado. (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p. 221).

Tendo isso em vista, nota-se que os enunciados de “pequenos gêneros cotidianos”


ganharam novos contornos na realidade mediada via mídias digitais. Volóchinov (2018
[1929]) ilustra os pequenos gêneros cotidianos a partir da conversa de salão de beleza, as
conversas que ocorrem entre familiares, ou quando estamos esperando em uma fila, ou ainda
quando cumprimos nosso horário de almoço com os colegas de trabalho. Na cultura digital,
pequenos gêneros cotidianos também foram incorporados à nossa rotina: o comentário, o
post, a live, a mensagem e o áudio no WhatsApp, o status, enfim, uma nova gama de gêneros
abriu-se no nosso cotidiano, o que ampliou nossos modos de interação discursiva,
provocando uma alteração na forma de compor os enunciados51.
A cada enunciação, independentemente do gênero, o sujeito assume uma posição,
adotamos uma postura valorativa em relação à palavra.
[...] a palavra viva, a palavra completa, não conhece um objeto como algo
totalmente dado; o simples fato de que eu comecei a falar sobre ele já significa que
eu assumi uma certa atitude sobre ele – não uma atitude indiferente, mas uma
atitude efetiva e interessada. E é por isso que a palavra não designa meramente um
objeto como uma entidade pronta, mas também expressa, por sua entonação, (...)
minha atitude valorativa em direção ao objeto, sobre o que é desejável ou
indesejável nele e, desse modo, coloca-o em direção do que ainda está para ser
determinado nele, torna-se um momento constituinte do evento vivo em processo.
Tudo que é realmente experimentado como algo dado e como algo-ainda-a-ser-
determinado, é entonado, tem um tom emocional-volitivo e entra em relação
efetiva comigo dentro da unidade do evento em processo que nos abrange.
(BAKHTIN, 1993, p. 50-51).

No processo comunicativo, imprime-se uma posição valorativa na palavra, portanto,


não há discurso neutro. Estamos em constante atividade de posicionamento e,
consequentemente, participando ativamente de uma arena discursiva.

51
Exemplo disso é a possibilidade de resgatar enunciados integrantes a certa cadeia enunciativa,
materializando o interdiscurso. Em outras palavras, ao evocar o já-dito, pode-se não só citá-lo, como também
localizá-lo na rede e reenunciá-lo.
63

Diante disso, é possível aventar que o acento valorativo empregado na palavra nas
interações produzidas na cultura digital podem carregar certas marcas axiológicas. Ainda
sob o viés literário, o Círculo apresenta alguns modos como se imprimem marcas de acentos
valorativos no emprego da palavra, sendo eles sintetizados por Cunha (2009):
 o tom (o humor, a ironia, a paródia, o desespero);
 o julgamento de valor;
 o ponto de vista; e,
 o recorte dentro da temática em questão.
Assim, dependendo da rede social, os modos de enunciação variam de acordo com o
espaço e possibilidades da própria rede. De modo que o enunciado se materializa não
somente devido à escolha semântico-objetal dos enunciadores-usuários, mas também pelos
recursos fornecidos em cada uma delas, que seriam as condições de possibilidade desse
dizer, o que amplia as possibilidades dentro da arena. No entanto, esse aspecto não se mostra
novo, uma vez que já foi discutido por Volochínov no tocante às condições de produção e
circulação dos enunciados ou, ainda, a dimensão extraverbal do enunciado Volóchinov
(2018 [1929]).
O que se pode dizer que, nas mídias digitais, essas condições de produção e de
circulação se ampliam, se complexificam, tendo como espaço de produção e circulação dos
enunciados a arquitetura desenvolvida por designers de softwares, mas que também podem
ser redimensionadas em termos de funcionalidade pelos usuários nas interações discursivas.
Um exemplo disso é o Instagram: a proposta inicial da plataforma era a publicação de fotos,
hoje possui uma gama de outros tipos de postagem entre threads, notícias, vídeos etc.
Apesar de muito desses recursos serem frutos de grandes fusões como ocorreu entre
o Instagram e o Facebook, com as quais são incorporadas funcionalidades semelhantes em
ambas as redes, tais como o stories, os próprios internautas promovem mudanças. Com
apenas um clique no celular, é possível transformar um tweet, um trecho de vídeo do
YouTube ou um título de notícia de algum jornal on-line em uma fotografia, por meio do
screenshot; uma vez foto, os conteúdos podem ser facilmente disseminados em outras redes,
compondo outros enunciados, considerando seu novo enquadramento e, consequentemente,
sua reenunciação. Esse trabalho discursivo demanda do enunciador-internauta certa
agentividade e engajamento nas interações nesse espaço virtual a fim de construir novos
enunciados no interior dessa teia enunciativa de já-ditos e pré-figurados.
Mais especificamente sobre esse aspecto de captura de instante de enunciado, de
screenshot de realidade, pode-se resgatar o conceito de enquadramento delineado por
64

Bakhtin (2014 [1988]) e trazido por Rohling (2009) “O enquadramento do discurso do


outro, nos termos bakhtinianos, caracteriza-se por conferir a esse discurso citado um novo
acento de valor, criar um ‘ângulo’ dialógico-axiológico que o autor pretende inserir nesse
discurso.” (p. 102).
Sob esse prisma, confere-se ao enquadramento discursivo um papel de destaque na
ampliação de polêmicas, visto que a captura do ecrã estabelece uma relação dialógica, em
que se institui um diálogo entre enunciados e enunciadores. Ao posicionar dois enunciados
(ou mais) lado a lado, ou vinculando-os por meio de hiperlinks/hashtags, pode-se identificar
o posicionamento dos interlocutores, em dada arena discursiva; isso porque o
enquadramento sugere o tom apreciativo atribuído ao enunciado em questão. Vale lembrar
que tal posicionamento pode materializar-se por intermédio de hashtags (#BoicoteGillette,
#BombrilRacista, etc.).
Dentre as possibilidades de postagem, em cada rede, no Twitter52, por exemplo, as
publicações podem ser do tipo: imagem/vídeo, gifs, enquete, emojis, textos ou hiperlinks,
que encaminham o leitor-usuário a outro website; ou ainda é possível combinar esses
elementos.
Figura 10 - Ferramentas de publicação no Twitter

Fonte: Twitter

Essas possibilidades dentro da rede social Twitter propiciam uma diversidade na


comunicação discursiva e diferentes modos de acento e atribuição de valor quando na
produção enunciativa.

52
O nome da rede social remete ao pio do passarinho, o gorjeio; e, figurativamente, à ação de “jogar conversa
fora”. A rede surgiu em 2006 e hoje conta com 230 milhões de usuários cadastrados. Com uma proposta
minimalista, inicialmente, o Twitter contava com uma restrição de caracteres, apenas 140, atualmente, se aceita
até 280. Fontes: https://www.inglesnapontadalingua.com.br/2009/03/o-que-significa-twitter.html. Acesso em:
30 jul. 2020. https://canaltech.com.br/redes-sociais/Metade-dos-usuarios-ativos-do-Twitter-esta-em-apenas-
cinco-paises-diz-pesquisa/. Acesso em: 30 jul. 2020.
65

Figura 11 - Exemplo de tweet com mesclagem de texto e vídeo (TB01)

Fonte: Twitter (@luizguiprado, 2019)

É interessante observar as formas de reação fornecidas pela plataforma: comentar,


representado por um balão de fala, retweetar, indicado por duas flechas formando um
quadrado, curtir, simbolizado por um coração e, um último símbolo, que abre três opções de
interação:
Figura 12 - Opções dentro do campo "reações" do Twitter

Fonte: Twitter

Nesse ponto, faz-se relevante comentar a própria visibilidade, oferecida pela rede
social, que se dá à participação pública: o que se tem à mão são os recursos de brado, ou
seja, a participação do sujeito mais acessível e imediata é aquela em que há a “assinatura”
dele – o comentário, o retweet, a curtida, tudo isso fica registrado na rede sob seu nome de
usuário. Portanto, pode-se pensar em um chamamento para a participação desse sujeito à
arena discursiva.
Participar de uma rede social, ser ativo, representa assumir atos. Bakhtin (2010
[1920-1924]) coloca que o homem vivente se estabelece ativamente dentro de si mesmo no
mundo, sua vida conscientizável é a cada momento um agir: eu ajo através do ato, da
66

palavra, do pensamento, do sentimento, e não há álibi para não fazê-lo. Assim, um


comentário ou uma curtida53 em uma publicação representa o meu agir sobre o mundo, e
viver significa tomar uma posição axiológica em cada momento, posicionar-se em
relação a valores. Vivemos e agimos, portanto, num mundo saturado de valores, no
interior do qual cada um dos nossos atos é um gesto axiologicamente responsável
num processo incessante e contínuo. (BAKHTIN, 2012, p. 191)54.

Essas diferentes maneiras de interagir possibilitam modos distintos de participar da


arena discursiva acerca de determinado tópico, de acordo com o interesse e grau de
envolvimento dos participantes. Além disso, pode-se considerar a própria construção da rede
social como pensada para encorajar os usuários a interagirem, ao oferecer ferramentas que
induzem o fácil comentário, modos mais rápidos de curtir (dar dois cliques em cima da
postagem, no Instagram, por exemplo), reações “prontas” no Facebook e nos stories do
Instagram ou ainda o botão “Não gostei” do YouTube. Inclusive, a própria interface das
plataformas convida o usuário a publicar/a responder – com uma arquitetura minimalista,
principalmente, na versão mobile, há poucos botões e os acessos para publicação são os de
maior destaque, como a pena, em um círculo azul, na lateral inferior direita:

53
Apenas a título de exemplificação, recentemente, uma notícia correu entre os meios de comunicação
comentando a ação do presidente Jair Bolsonaro ao curtir um tweet em que a cantora Anitta é criticada por
realizar um show na Itália, em tempos de pandemia. Percebe-se, com isso, que o simples ato de “clicar no
coração” representa um posicionamento e isso pode gerar repercussão. Fonte:
https://noticias.r7.com/prisma/r7-planalto/bolsonaro-curte-publicacao-que-critica-anitta-em-show-na-italia-
10082020. Acesso em: 22 ago. 2020.
67

Figura 13 - Interface do Twitter, versão mobile

Fonte: Twitter

Ou, ainda, a interface do Facebook mobile, em que a parte inicial do aplicativo é toda
voltada para dar voz ao usuário: “No que você está pensando?”, “Live”, “Photo”, “Sala”,
“Criar um story”. Em outras palavras, é uma provocação ao dizer, ao posicionamento, à
manifestação no espaço da praça pública.

Figura 14 - Interface do Facebook, versão mobile

Fonte: Facebook
68

O Instagram cerca o usuário de vários modos a fim de conquistar sua participação. O


story, por exemplo, pode ser criado tanto a partir da câmera superior esquerda, quanto da
fotografia de perfil, em que há um + e uma indicação de “Seu story”. O + na parte central da
barra inferior possibilita o acesso instantâneo à publicação de uma postagem. Do ponto de
vista da semiótica, pode-se compreender o símbolo da adição como sendo um acréscimo à
grande rede discursiva, isto é, somar o enunciado do sujeito às outras vozes que compõem a
rede social, enredá-lo de modo a incluí-lo em um grupo pertencente àquela rede.
Figura 15 - Interface do Instagram, versão mobile

Fonte: Instagram

Bem como existe essa facilidade de publicação, há também a rapidez com que é
possível interagir com as postagens dos outros usuários; as redes, novamente, preocupam-se
em propiciar um espaço em que seja atrativo e prático expor o posicionamento de quem
participa da rede. Tomando como exemplo um tweet como o TB01, percebem-se diferentes
formas de compor e atuar na rede discursiva, do ponto de vista da interação e,
consequentemente, da polêmica: TB01 recebeu 132 comentários, 3.3k retweets, isto é, 3.300
pessoas publicaram em seus próprios perfis esse mesmo tweet, e 10.7k curtiram a
publicação, ou seja, 10.700 usuários concordam com aquela mensagem. Isso sem mencionar
o formato anônimo de interação que seria “enviar por mensagem direta”, o qual não é
possível obter dados.
Percebe-se, a partir da contabilização da repercussão, como é fértil esse espaço para a
provocação. Sob as lentes do dialogismo, o enunciado está em associação com outros
enunciados, os já-ditos, além de antecipar a resposta do outro. Podem-se considerar nesse
entremeio os recursos interacionais das redes sociais. A publicação faz alusão a um
69

enunciado e, disposta em uma mídia arquitetada para aguardar a resposta do outro,


materializa a relação dialógica.
A resposta do outro, em cada rede, pode ser dada de uma forma, porém, o que se nota
em todas elas é a preocupação em criar esse espaço, em promover o debate e a interação.
Assim como a obra literária e o diálogo cotidiano, tal qual explana Bakhtin (2011 [1979]),
espera-se do usuário da rede social, diante de uma postagem, uma compreensão
responsiva-ativa; sendo assim, são elencadas ferramentas interacionais que busquem
exercer uma influência didática sobre o leitor [usuário], convencê-lo, suscitar sua
apreciação crítica, influir sobre êmulos e continuadores, etc. A obra [publicação]
predetermina as posições responsivas do outro nas complexas condições da
comunicação verbal de uma dada esfera cultural. A obra [publicação] é um elo na
cadeia da comunicação verbal; do mesmo modo que a réplica do diálogo, ela se
relaciona com as outras obras-enunciados [publicações]: com aquelas a que ela
responde e com aquelas que lhe respondem (...). (BAKHTIN, 2011 [1929], p.
298).

Acerca desse sistema de receber “números” pelo seu ponto de vista pode contribuir
para a ampliação da polêmica, uma vez que é, de certa maneira, possível verificar seu grau
de aprovação ou desaprovação. Um tweet não bem aceito pode ganhar ainda mais
repercussão justamente por contrariar a maioria.
Figura 16 - TK01

Fonte: Instagram (@Bombril, 2020)

Nesse caso, a postagem da Bombril teve uma grande repercussão, recebeu mais de
1.100 comentários, e os próprios comentários desdobram-se em novas polêmicas. O
comentário em destaque provocou uma avalanche de novos comentários, 217 novos
comentários, muitos deles agredindo o autor, sua possível posição política, estereotipando
sua origem (Santa Catarina, sul do Brasil), sugerindo sua sexualidade, entre outros.
Com isso, verifica-se, de modo mais proeminente, que a ampliação da polêmica
ultrapassa as fronteiras do tópico em questão: o foco passa a não ser mais a propaganda em
70

si e, sim, o “adversário”. Amossy (2017) organiza sete parâmetros que fundamentam a


lógica da violência verbal, o que está diretamente ligado a uma forma de ampliação.
Resumidamente, tem-se: 1) a coerção do adversário: seja no ato (obstruindo o turno de fala)
ou na argumentação (apresentando verdades incontestáveis); 2) a ridicularização do outro
(fazendo uso da ironia ou da paródia); 3) o ataque à própria pessoa (apontando falhas de
caráter, interesses obscuros, incapacidade devido à dada circunstância ou acusando-o
também); 4) a demonização do outro (em casos de polarização extrema, há a associação do
outro com uma entidade maligna); 5) as marcas linguísticas de agressividade (expressão de
sentimentos violentos marcados linguisticamente); 6) a desqualificação do outro
(principalmente, por meio de insultos); e, 7) o encorajamento, por parte do polemista, para o
uso de forças contra opiniões contrárias (armas, agressões, extrapolando o aspecto verbal).
No referido comentário em TK01, é possível verificar tais marcas enquadrando tal
ampliação como uma forma de violência. Pode-se afirmar que esse seria o último estágio da
polêmica, uma vez que a arena discursiva torna-se um campo de batalha na medida em que
não há mais racionalidade na argumentação, o que fere os princípios básicos do debate.
Enquanto isso, no Instagram, os modos de interação são outros. Desde que foi
ocultado o número de curtidas na plataforma55, em julho de 2019, a proposta do Instagram é
fazer com os usuários foquem mais no conteúdo que na popularidade do post. Comprova-se
aqui, com essa medida, a relevância que a aprovação de usuários tem diante de uma
publicação, minando o que poderia determinar desde a preferência por alguma marca até a
posição política, por exemplo.

55
Ao usar o aparelho celular, pois na versão web, ainda é possível obter os números de curtidas de cada
publicação.
71

Figura 17 - IG01

Fonte: Instagram (@nielsbourgonjedotcom, 2019)

Utilizando IG01 como modelo, pode-se verificar como interagir nessa plataforma. A
publicação permite curtida e comentários nos mesmos moldes do Twitter, representados por
um coração e um balão de fala, respectivamente. A seta simboliza diferentes formas de
compartilhamento; clicando ali esta é a janela que se abre:

Figura 18 - Opções de compartilhamento do Instagram

Fonte: Instagram

Sendo assim, a publicação pode migrar de rede social utilizando esse recurso: dessa
forma, um post no Instagram pode tornar-se imediatamente uma publicação no Facebook,
no Twitter ou em qualquer outra rede visto que o link pode ser copiado e colado em outros
espaços virtuais, como o WhatsApp, o YouTube ou o Telegram, por exemplo. O debate pode
ser direcionado a apenas uma pessoa, caso seja escolhida a opção de Direct (chat dentro do
72

próprio Instagram), Messenger (chat dentro do Facebook) ou e-mail. Entretanto, se uma


dessas opções for feita, a discussão sai da praça pública e adentra o espaço privado56.
Em destaque no dado IG01, consta um dos comentários. Aqui é possível verificar a
forma de interação entre os usuários sobre dada postagem: alguém comenta e esse
comentário é passível de curtida e/ou réplica; é nesse campo em que se notam os
desdobramentos de uma polêmica.
No caso do Facebook, as opções de interação são semelhantes ao Instagram.
Contudo, no Facebook, há um leque de demonstração de sentimentos, indicando uma
ampliação do modo “curtir”.
Figura 19 - Ampliação do modo "curtir” (FK01)

Fonte: Facebook

Em outras redes sociais, o “curtir”, como já mencionado, refere-se à aprovação. O


Facebook expandiu essa reação, possibilitando que o usuário seja mais específico em seus
sentimentos em relação à postagem: curtir, amei, força, haha, uau, triste, grr,
respectivamente. Na publicação, irá aparecer na sequência quais foram os sentimentos mais
recorrentes diante daquele tópico.

Figura 20 - Sequência de sentimentos recorrentes diante da postagem

Fonte: Facebook

56
Ao tratar de romances (auto)biográficos, Bakhtin (2014) apresenta a questão do homem voltado ao seu
universo particular. Um dos aspectos observados é o interesse crescente, na Antiguidade, por formas retóricas
íntimas, dentre elas a epístola. A epístola, atualizando-a para o nosso contexto, é a antepassada das mensagens
de WhatsApp, dos Directs e do Messenger. “Numa atmosfera intimamente amistosa (semiconvencional,
naturalmente) começa a se revelar uma nova tomada de consciência do homem, privada de alcova.”
(BAKHTIN, 2014, p. 261). Esse espaço mostra-se relevante uma vez que é ali que a “plasticidade
monumental” e a extroversão são deixadas de lado, dando lugar a uma conversa mais natural, em que é
possível exprimir opiniões e pontos de vista de modo mais espontâneo e, de certo modo, livre de julgamentos.
73

Essas reações podem indicar tanto o grau de aceitabilidade quanto em relação a


determinado assunto, ao reagir diante da postagem clicando em um dos “sentimentos”, ou
seja, um tema que vem sendo debatido na praça pública57 pode provocar reações diversas
dos usuários. Esses sentimentos do Facebook podem estar relacionados ao que se pensa
sobre o tópico em si, ou, caso a postagem traga um direcionamento a respeito do assunto,
isso pode desencadear um ataque pessoal, como também já mencionado.
Com esse recurso, de certo modo, o Facebook agrega novos elementos à arena
discursiva. Por meio de uma linguagem não-verbal é possível imprimir minha opinião sobre
o que vem sendo discutido. Todavia, como comentado, esse é apenas um desdobramento das
formas de interação, ainda pode-se comentar e compartilhar tal conteúdo.

Figura 21 - Opções de compartilhamento do Facebook

Fonte: Facebook

A primeira opção “Compartilhar agora (Amigos)” e a “Compartilhar na linha do


tempo de um amigo” tratam-se de compartilhamentos imediatos, como o próprio nome
sugere, uma vez que a publicação irá para a página pessoal do usuário ou para a página do
amigo escolhido, produzindo uma replicação de conteúdo. Nessa segunda situação, pode-se
entender, dependendo do será publicado, como um chamamento para o debate ou uma
publicação-resposta ao que vinha sendo discutido entre esses interlocutores.
“Escrever publicação” possibilita o usuário a expressar seu posicionamento diante do
que será publicado: nesse campo, ele poderá colar outro link que faça menção ao tópico,
poderá simplesmente acrescentar um emoji, citar alguém, escrever um texto sobre o assunto,
enfim, a gama de possibilidades desse campo é bastante ampla – e é aqui que a polêmica
ganha ainda mais espaço.
Por fim, “Enviar no Messenger” ou “Direct”, assim como no Instagram, encaminha a
polêmica para o campo do privado; e retira, de certo modo, a polêmica do espaço público.

57
Amplio aqui a noção de praça pública como sendo a televisão, os jornais impressos, a rádio, as redes sociais,
enfim, os meios de comunicação que apresentam os temas em debate.
74

Em termos de compartilhamento, uma das redes que mais facilita essa opção aos
usuários é o YouTube. São exatamente dez redes sociais, e envio direto por e-mail,
vinculadas diretamente à plataforma de vídeos para compartilhamento direto e instantâneo;
além de fornecer pronto o link para quaisquer outras páginas do interesse do usuário.

Figura 22 - Opções de compartilhamento do YouTube

Fonte: YouTube

Além desse modo de interação, é possível curtir e marcar como “não gostei”. Esse
sistema mais objetivo de verificação da aprovação/desaprovação de algum conteúdo facilita
analisar o nível de discussão acerca de algum tema, o que pode servir de base para geração
de conteúdo.
Figura 23 - YG01

Fonte: Gillette (14 jan. 2019, YouTube)

Em YG01, verifica-se uma aprovação de aproximadamente 816.000 usuários diante


da propaganda; em contrapartida, cerca de 1 milhão e 600 mil a desaprovam. Nota-se, com
isso, a repercussão gerada sobre um dado conteúdo. Arrisco dizer que, em casos como esse,
75

é muito mais provável que quem desaprove comente que quem concorda, considerando a
necessidade do lado contrário ter que justificar seu posicionamento.
Além desse recurso de curtidas, o YouTube fornece um espaço para comentários,
logo abaixo da exibição do vídeo. Seguindo a mesma linha do Instagram, o YouTube
permite que o usuário adicione um comentário e o comentário poderá ser também curtido
e/ou receber uma réplica.
Figura 24 - Campo comentários do YouTube

Fonte: Gillette (14 jan. 2019, YouTube)

Um sistema diferenciado de classificação disponível no YouTube é o de ordenação de


comentários. Em um estudo de polêmica, pode-se perceber se determinado tópico ainda está
ativo nas redes, recebendo críticas, sendo comentado e gerando repercussão58.

Figura 25 - Modo de exibição dos comentários

Fonte: YouTube

Esse levantamento de como as redes sociais constroem arquiteturas que mobilizam


recursos multissemióticos de produção e circulação dos enunciados mostra-se relevante

58
Nessa propaganda da Gillette, YG01, por exemplo, às 11h05 de 02 de agosto de 2020, os últimos 27
comentários estavam em um intervalo de 01 de agosto de 2020 e 10h de 02 de agosto de 2020, indicando como
ainda o anúncio encontra-se em arena.
76

visto que é por meio dele que a polêmica ganha visibilidade. Em outras palavras, são
diferentes formas de participar do debate em uma mídia digital e de convocação dos
usuários para produzir e responder com novos enunciados, os quais passam a compor a
cadeia enunciativa sobre o tema debatido.

4.2 “OI, MEU NOME É BETTINA”: A POLÊMICA DE UM MILHÃO E QUARENTA


E DOIS MIL MEMES

Para exemplificação da ampliação, da valoração e da ampliação de uma polêmica no


espaço virtual, tomamos a propaganda da empresa Empiricus59. #bettina é uma das hashtags
destaque vinculada à propaganda produzida pela instituição financeira e está associada a
memes, vídeos, publicações, notícias, outras propagandas e uma música – Funk da Bettina60
–, por exemplo. Bettina Dick Rudolph figurou o anúncio publicitário e tornou-se viral a
partir da fala: “Oi. Meu nome é Bettina, eu tenho 22 anos e um milhão e 42 mil reais de
patrimônio acumulado”61.
Figura 26 - Screenshot do anúncio da Empiricus

Fonte: Empiricus (12 mar. 2019, YouTube)

O vídeo não foi publicado e, sim, exposto em intervalos comerciais do YouTube. Tal
exibição deu-se início em 12 de março de 2019 e alastrou-se pelas redes sociais ao longo do
ano, como já mencionado, de diferentes maneiras. Essa diversidade de gêneros originados
com base em uma propaganda de 1 minuto e 10 segundos deu-se somente por soar como
propaganda enganosa?

59
A Empiricus é uma empresa brasileira, com sede em São Paulo, fundada em 2009, e especializada em
publicar ideias de investimento financeiro. Fonte: Empiricus.
60
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zR4avHCwy7k. Acesso em 30 mai. 2020.
61
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=knIHvor2gHs. Acesso em 30 mai. 2020.
77

Figura 27 - IG01

Fonte: Instagram (@triodohumor, 2019)

Ou será que isso se deve ao fato de Bettina não representar, dentro da nossa sociedade
patriarcal, o modelo de especialista em finanças, isto é, ser jovem e mulher, desqualificando-
a, gerando piadas e comentários machistas?
Figura 28 - TB02

Fonte: Twitter (@luciellenrocha, 2019)

Ou ainda a fala de Bettina apropria-se de elementos favoráveis à viralização, tais


como a identificação por parte dos internautas em ironizar suas próprias experiências?
Figura 29 - TB03

Fonte: Twitter (@luapaivag, 2019)


78

A garota propaganda da Empiricus foi convidada para entrevistas em programas de


televisão e de rádio, tais como o The Noite com Danilo Gentili62, em que Bettina é
entrevistada, em 18 de março de 2019, e comenta, principalmente, a respeito da sua reação
ao se tornar meme nas redes sociais; e como o Pânico63, da Jovem Pan, em 21 de março de
2019, em que a Bettina viu-se em uma discussão acalorada sobre seus investimentos e suas
declarações no referido comercial.
No YouTube, é possível rastrear vídeos com as mais variadas intenções: observar a
linguagem corporal de Bettina para tentar identificar se ela estava mentindo ou não 64;
conversar diretamente com a Bettina para investigar melhor essa trajetória financeira dela65;
usar o vídeo publicitário como case de sucesso66; discutir as estratégias de marketing da
empresa e questionar se o “fenômeno Bettina” não é fruto de uma visão machista dentro da
área de investimentos financeiros67; concluir que o feito de Bettina deve-se à posição
privilegiada de branca e rica68; além dos vídeos produzidos pela própria Empiricus
posicionando-se diante dos ataques, primeiramente, elencando os principais comentários
ofensivos dirigidos à sua garota propaganda69 e, posteriormente, com o pedido de desculpas
dela70.
No Twitter, os tweets trazem diferentes abordagens: os que ironizam a situação
(Figura 10), os que informam (Figura 11), os que parodiam a propaganda (Figura 12), entre
outras postagens:
Figura 30 - TB04

Fonte: Twitter (@joa1thor, 2019)

62
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EzZ1Torups4. Acesso em 30 mai. 2020.
63
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=u8SiCap1wCw. Acesso em 30 mai. 2020.
64
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eUdTQWfD1mk. Acesso em 30 mai. 2020.
65
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_5De951bZ3I. Acesso em 30 mai. 2020.
66
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yVgvdtWebXk. Acesso em 30 mai. 2020.
67
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VQ6Cl82_OkM&t=321s. Acesso em 30 mai. 2020.
68
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jrS2UKEKMLg. Acesso em 30 mai. 2020.
69
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_continue=8&v=D-Qg9AHCoXs&feature=emb_logo.
Acesso em 30 mai. 2020.
70
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0wN6_3VjOfk. Acesso em 30 mai. 2020.
79

Figura 31 - TB05

Fonte: Twitter (@cartacapital, 2019)

Figura 32 - TB06

Fonte: Twitter (@jornalhojeemdia, 2019)

No Instagram, segue-se a mesma linha, publicações que parodiam a fala da Bettina


(IB01), empresas que se apropriam da fama da propaganda da Empiricus e divulgam sua
marca (IB02) e piadas sobre o anúncio (IB03):
Figura 33 - IB01

Fonte: Instagram (@fabecfranca, 2019)


80

Figura 34 - IB02

Fonte: Instagram (@topburgoficial, 2019)

Figura 35 - IB03

Fonte: Instagram (@monkeystocks, 2019)

Da mesma forma ocorre no Facebook, são encontradas notícias a respeito de a


Empiricus estar sendo notificada pelo Procon de São Paulo71 para comprovação das
afirmações feitas na propaganda, paródias envolvendo a peça publicitária72 e outras
empresas utilizando-se da grande repercussão, expondo suas marcas73.
Esse levantamento reúne pistas, indícios, segundo palavras de Ginzburg (2016
[1989]), dos desdobramentos da polêmica em meio digital. A partir de uma propaganda
curta, os usuários estabeleceram uma extensa cadeia enunciativa acerca do tema.

71
Disponível em: https://www.facebook.com/revistaISTOE/posts/2524452850899593. Acesso em 30 mai.
2020.
72
Disponível em: https://www.facebook.com/potencialgestante/posts/2227033027335829. Acesso em 30 mai.
2020.
73
Disponível em: https://www.facebook.com/peixesdoalasca/posts/2556200274421912. Acesso em 30 mai.
2020.
81

Seguindo os passos do percurso indiciário e rastreando a origem dessa polêmica,


envolvendo a propaganda protagonizada pela Bettina, da publicadora financeira Empiricus,
tem-se que um dos principais motivos para o alastramento e o desenvolvimento da polêmica
dentro (e fora) das mídias digitais pode ser considerado a partir da alegação de que se trata
de uma propaganda enganosa.
Iniciando o levantamento pelos próprios canais da empresa, mais especificamente, no
YouTube, verificou-se que essa não foi a primeira vez que Bettina protagonizou um vídeo da
Empiricus. Até a data da referida propaganda, Bettina estrelou doze vídeos.

Tabela 7 - Relação dos vídeos da Empiricus protagonizados por Bettina antes da propaganda que gerou a
polêmica

Quantidade de
Data Título do vídeo Visualizações74
comentários
Como começar a
01 ago. 2018 218.618 73 comentários
investir do zero?
18 set. 2018 Carro: ter ou não ter? 29.776 91 comentários
21 set. 2018 Quer ficar rico? 2.498.540 1027 comentários
O investimento certo
08 out. 2018 170.175 46 comentários
para você
Aluguel ou
24 out. 2018 105.032 73 comentários
financiamento?
O hábito que vai
09 nov. 2018 salvar sua vida 49.205 72 comentários
financeira
Medo de investir na
26 nov. 2018 1.618.550 509 comentários
Bolsa?
Como investir na
21 dez. 2018 143.508 126 comentários
bolsa?
Entenda o trabalho da
10 jan. 2019 Empirus, com Bettina 204.457 227 comentários
Rudolph

74
Visualizações até a data de 23 ago. 2020, às 9h33.
82

Confuso para
04 fev. 2019 102.393 76 comentários
investir?
As melhores ações da
12 fev. 2019 67.282 54 comentários
Bolsa
Como escolher uma
26 fev. 2019 154.258 176 comentários
corretora de valores?
Fonte: A autora

Observa-se, nas linhas em destaque, números, em termos de visualização, muito


acima da média dos outros vídeos75, bem como de comentários76. Apesar de não termos
acesso aos dados do crescimento de visualizações para estimar o período de popularidade de
cada um dos vídeos, podemos ter um esboço desse panorama a partir dos comentários, uma
vez que há a data de publicação.
Dos dois vídeos mais populares (21 de setembro e 26 de novembro de 2018), notou-
se uma intensa referência ao comercial lançado em março de 2019; isso indica que, muitos
usuários, buscaram, no canal da publicadora financeira, vídeos antigos em que Bettina
comenta assuntos relacionados a investimentos. Os comentários, nesses dois vídeos,
alternam entre os que elogiam as dicas, pedem orientações sobre investimentos, e os que
criticam a postura dela, e, até mesmo, ou até partem para a violência verbal.
Com esse movimento, pode-se observar que a polêmica, inclusive, “retroage”, isto é,
amplia-se de modo a alcançar conteúdos anteriores ao que provocou a polêmica. Esse
retrocesso, principalmente, nas mídias digitais, pode ser um exemplo da materialização do
interdiscurso.
Um enunciado concreto é um elo na cadeia da comunicação verbal de uma dada
esfera. As fronteiras desse enunciado determinam-se pela alternância dos sujeitos
falantes. Os enunciados não são indiferentes uns aos outros nem são auto-
suficientes; conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente. São
precisamente esses reflexos recíprocos que lhes determinam o caráter. O
enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais
está vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal. O
enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados
anteriores dentro de uma dada esfera (a palavra “resposta” é empregada aqui no
sentido lato): refuta-os, confirma-os, completa-os, baseia-se neles, supõe-nos
conhecidos e, de um modo ou de outro, conta com eles. Não se pode esquecer que
o enunciado ocupa uma posição definida numa dada esfera da comunicação verbal
relativa a um dado problema, a uma dada questão, etc. Não podemos determinar
nossa posição sem correlacioná-la com outras posições. E por esta razão que o

75
Somando as visualizações dos vídeos menos populares até 23 ago. 2020, e estabelecendo uma média, ficaria
em torno de 124.470 visualizações.
76
Em termos de comentários, a média ficaria em 101.
83

enunciado é repleto de reações-respostas a outros enunciados numa dada esfera da


comunicação verbal. (BAKHTIN, 1997, p. 316, grifos da autora).

Um enunciado pode ser revisitado desde que ele esteja materializado, isto é, por meio
do material escrito, de um vídeo, de uma mensagem de voz, enfim, porém, o que se observa
com a facilidade de recuperar esses arquivos, dentro da mídia digital, é um deslocamento do
espaço-tempo.
O usuário que recorreu aos vídeos anteriores de Bettina, após ter visualizado o dito
comercial, deparou-se com um enunciado proferido anteriormente ao já-dito. Portanto, a
resposta deu-se não em relação ao enunciado mais antigo e, sim, ao mais recente. Logo, há
uma ruptura no encadeamento da cadeia enunciativa, que perde sua linearidade, e pode ser
compreendida como uma rede enunciativa.
Considerando que Bettina já havia protagonizado outros vídeos da empresa, o que
determinou para que apenas o anúncio viralizasse e tornasse alvo de tanto embate?
A publicadora financeira Empiricus tem uma característica de diminuir o
afastamento entre os interlocutores, isto é, seus conteúdos são produzidos com uma
linguagem mais acessível, se comparado com outros materiais disponíveis sobre finanças, e
possui traços de informalidade – os apresentadores vestem-se de maneira casual, usam gírias
e expressões populares em suas explicações, além de se portarem de modo descontraído
diante da câmera, sempre gesticulando bastante, enfim, percebe-se uma preocupação em
estabelecer um diálogo com o usuário, com a intenção, de buscar romper com a formalidade
característica desta área de atuação: economia e finanças.
Essa proximidade manteve-se na propaganda em questão: Bettina veste-se de modo
casual, com os ombros à mostra e cabelo solto, e utiliza uma linguagem mais coloquial,
usando expressões como “o tempo aqui embaixo não joga a meu favor”. Além disso, pode-
se considerar que a estrutura do vídeo constrói-se na base do diálogo: “Oi, meu nome é
Bettina, eu tenho 22 anos e um milhão e quarenta e dois mil reais de patrimônio
acumulado.”. Verifica-se no trecho em destaque uma apresentação tipicamente informal –
dizer “oi”, o nome e a idade.
Amossy (2019) orquestra no capítulo “O ethos na interação das disciplinas” as vozes
de autores que suscitaram estudos acerca da natureza do locutor, nos campos da retórica,
pragmática e sociologia. Representante dessa última corrente, Bourdieu aponta, segundo
Amossy (2019), que “o poder das palavras deriva da adequação entre a função social do
locutor e seu discurso: o discurso não pode ter autoridade se não for pronunciado pela
pessoa legitimada a pronunciá-lo em uma situação legítima, portanto, diante dos receptores
84

legítimos.” (p. 120). Enquanto Ducrot, porta-voz da pragmática, também de acordo com
Amossy (2019), compreende que a autoridade é constituída a partir da interação verbal e é
interna ao discurso, isto é, o locutor é “dotado de certos caracteres” e, com base nos
participantes, no cenário e no gênero discursivo, encaminha sua fala.
Alinhada às reflexões da nova retórica, Amossy (2019) desenvolve sua premissa de
que, a fim de alcançar êxito na comunicação, precisa haver um estabelecimento de uma doxa
comum, ou seja, locutor e auditório devem partilhar de valores e crenças. Ademais, Amossy
(2019) acrescenta que, para Perelman, tanto orador quanto público constroem imagens um
do outro: “[é] a representação que o enunciador faz do auditório, as ideias e as reações que
ele apresenta, e não sua pessoa concreta, que modelam a empresa da persuasão.” Essa
representação está diretamente ligada ao sucesso, ou ao fracasso, da operação, conforme
coloca Amossy (2019), visto que a autoridade do locutor está à mercê do julgamento
assumido pelos seus alocutários. Sendo assim, tem-se o seguinte cenário entre orador e
auditório:
(...) a eficácia do discurso é tributária da autoridade que goza o locutor, isto é, da
ideia que seus alocutários fazem de sua pessoa. O orador apoia seus argumentos
sobre a doxa que toma emprestada de seu público do mesmo modo que modela seu
ethos com as representações coletivas que assumem, aos olhos dos interlocutores,
um valor positivo e são suscetíveis de produzir neles a impressão apropriada às
circunstâncias.(...) O orador constrói sua própria imagem em função da imagem
que ele faz de seu auditório, isto é, das representações do orador confiável e
competente que ele crê ser as do público. (AMOSSY, 2019, p. 124).

Essa construção de imagem, segundo palavras de Amossy (2019), está associada a


um estereótipo. “A estereotipagem, lembremos, é a operação que consiste em pensar o real
por meio de uma representação cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado.”
(AMOSSY, 2019, p. 125). Assim, tanto locutor quanto público são pré-determinados em
decorrência do estereótipo de ambos, que antecedem a enunciação, inclusive, fala-se ainda
em um “ethos pré-discursivo”, “[n]o momento em que toma a palavra, o orador faz uma
ideia de seu auditório e da maneira pela qual será percebido; avalia o impacto sobre seu
discurso atual e trabalha para confirmar sua imagem, para reelaborá-la ou transformá-la e
produzir uma impressão conforme às exigências de seu projeto argumentativo.” (AMOSSY,
2019, p. 125).
Por intermédio dos estereótipos é que se determina essa ideia pré-concebida de
público e do público em relação a quem fala. Assim,
(...) o estereótipo permite designar os modos de raciocínio próprios a um grupo e
os conteúdos globais do setor da doxa na qual ele se situa. O locutor só pode
representar seus locutores se os relacionar a uma categoria social, étnica, política
85

ou outra. A concepção, correta ou errada, que faz do auditório, guia seu esforço
para adaptar-se a ele. (AMOSSY, 2019, p. 126).

Procurando compreender em que medida isso funcionou com a propaganda da


Empiricus, tem-se que: a produção do anúncio publicitário procurou adequar-se ao público
do YouTube, cuja faixa etária concentra-se entre indivíduos de 18 a 49 anos77, portanto,
trata-se de um perfil jovem. Desse modo, é possível atestar o porquê da escolha de trajes e
linguagem mais informal, por parte da empresa, além da decisão em colocar à frente do
comercial a Bettina, de 22 anos.
Contudo, e talvez aí resida o estopim da polêmica, essa tentativa de estereotipar seu
público-alvo e provocar uma aproximação entre Empiricus e usuários do YouTube gerou
uma reação de colocar à prova a legitimidade do discurso “bettiniano”. Isso porque, se
Bettina e público-alvo comportam-se da mesma forma, falam da mesma forma, são jovens, e
ocupam a mesma mídia digital, o que os diferenciam é o “um milhão e quarenta e dois mil
em patrimônio acumulado”. O que soa improvável. Assim, ocorre uma quebra de
expectativa em relação ao ethos, inclusive, sendo essa, justamente, uma das principais
formas de paródia78 presentes na rede.
Figura 36 - Meme Bettina (TB07)

Fonte: Twitter (@alennahandria, 2019)

Amossy (2019) pontua que tanto ethos institucional quanto ethos discursivo
caminham para uma construção de imagem autoritária. Bettina detém o ethos institucional,
uma vez que recebeu o papel de porta-voz da publicadora financeira. Entretanto, não

77
Fonte: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/advertising-channels/v%C3%ADdeo/entenda-o-poder-
do-youtube/. Acesso em 26 ago. 2020.
78
Bakhtin (2013) classifica a paródia como o revestimento da linguagem do autor em uma roupagem
semântica diferente da empregada pelo outro.
86

contempla o discursivo, visto que o proferimento do discurso, por parte de Bettina, não
confere “certa realidade à distribuição dos papéis e às imagens do orador que eles
autorizam.” (AMOSSY, 2019, p. 138). Assim, se o público a vê como igual, ela não teria
condições, do mesmo modo que seu auditório, em deter “um milhão e quarenta e dois mil
em patrimônio acumulado” de forma que fosse “simples assim”.
Colocando em cheque a veracidade do discurso de Bettina, além das inúmeras
interrupções durante a exibição dos vídeos, formou-se aí o objeto da polêmica.
Ainda, segundo Amossy (2017), a construção da polêmica é dada a partir do
“conjunto de confrontos verbais sobre uma questão social.” (p. 101). Nesse sentido,
compreende-se que cada publicação, cada comentário, cada geração de conteúdo sobre o
tema passa a integrar um todo, o qual compõe a historicidade de uma dada realidade social.
Medviédev (2016) trata da avaliação social que, justamente, promove essa atualidade
histórica, quando na enunciação de cada novo enunciado.
[A] própria presença peculiar do enunciado é histórica e socialmente significativa.
Da categoria de uma realidade natural, ela passa para a categoria de uma realidade
histórica. O enunciado já não é um corpo nem um processo físico, mas um
acontecimento da história, mesmo que seja infinitamente pequeno.
(...) o próprio sentido da palavra-enunciado passa a fazer parte da história por meio
do ato individual de sua realização e torna-se um fenômeno histórico. Pois o fato
de que foi esse sentido que se tornou um objeto de discussão aqui e agora, que é
dele que estão falando e que falam justamente assim e não de outra forma, que
precisamente esse sentido entrou no horizonte concreto dos que falam, tudo isso é
inteiramente determinado pelo conjunto das condições histórico-sociais e pela
situação concreta desse enunciado individual. (p. 183-184).

Portanto, ao mencionar o nome “Bettina”, enquanto signo dentro de um certo


horizonte apreciativo, muitos usuários irão resgatar os inúmeros enunciados produzidos a
partir da propaganda, visto que essa referência ficou marcada historicamente dentro dessas
condições histórico-sociais. Podemos citar, como ilustração, usuários publicando sobre a
personagem Betina, da telenovela global “Amor de Mãe” (2019/2020), enquanto outros
pensando se tratar da Bettina da propaganda da Empiricus.
Figura 37 - TB08

Fonte: Twitter (@jlnnacci, 2020)

Isso ocorre tendo em vista a existência de um arcabouço histórico-social de uma


cadeia enunciativa situada no meio digital envolvendo “Bettina” que é recente e facilmente
87

resgatada por meio de hashtags, as quais podem ser consideradas também como um
enunciado historicamente marcado79.
Hashtags (#) é um recurso bastante presente nas redes sociais de modo geral.
Inclusive, como explicado, a reunião dos dados desta pesquisa deveu-se a esse meio de
organização, similar a um etiquetamento, de assuntos. Ademais, pode-se concluir que a
ampliação de polêmicas está diretamente relacionada às hashtags, as quais servem de
hiperlink, uma vez que ocorre certa materialização da cadeia enunciativa, possibilitando
visualizar esse encadeamento o que facilita mapear o trajeto percorrido por um tema dentro
das mídias.
Azzari et. al. (2020) classifica a intenção do uso de hashtags como sendo “[um]
procedimento discursivo comum à ágora digital, o que denuncia o desejo de
transbordamento da postagem e o estabelecimento do diálogo com uma multiplicidade de
interlocutores (aqueles que vierem a utilizar mecanismos de busca para localizar conteúdos
que digam respeito a qualquer uma destas hashtags)”.
Esse panorama do funcionamento das mídias, como ocorre a ampliação desses
discursos, permite delinear um retrato desta microcultura estabelecida dentro da
cibercultura. Constata-se que, muito além de uma ferramenta de comunicação, as mídias
passam a integrar um modo de ser no mundo, visto que ali ocorre a produção de discursos e
novos contornos culturais são estabelecidos.
Assim, os enunciados produzidos, replicados, ampliados e, consequentemente,
acentuados e valorados por cada um dos usuários, contribuem para a manutenção e o
fortalecimento das mídias como praça pública.
Como o discurso polêmico se estrutura nesse espaço, considerando sua arquitetônica
em termos de argumentação e interlocutores, é o tema da nossa próxima seção.

4.3 OS MELHORES HOMENS PODEM SER ALVOS DE POLÊMICA: A


ARQUITETÔNICA DO DISCURSO POLÊMICO

O movimento “me too.80”, criado em 2006 pela ativista norte-americana Tarana


Burke, nasceu a partir de uma história pessoal da própria Burke81. Em um acampamento,

79
Há hashtags, por exemplo, que se aplicam a outros enunciados, isto é, que não necessariamente estão
vinculados a certo tema. Pode-se citar o caso do #sqn (só que não); essa hashtag não está associada a um
assunto específico, mas a uma condição presente no extralinguístico comum à imagem/ao vídeo ao qual ela
passa estar relacionada.
80
“eu também.”, em português.
88

Tarana atuava como conselheira de jovens meninas negras em situação vulnerável. Segundo
ela, certo dia, após uma sessão de aconselhamento coletivo, uma das meninas a procurou
reservadamente.
A garota, Heaven, começou seu relato sobre o que seu “stepdaddy” 82 vinha fazendo
com ela. Burke desabafa que não conseguiu ouvir mais que cinco minutos de confidência,
tamanha revolta e repulsa sentida por ela ao ouvir a história da menina. Tarana não se sentiu
preparada para ajudar ou aconselhar Heaven e a encaminhou para outra conselheira. A
ativista conta que a expressão da garota ao ter seu desabafo interrompido e não ter sido
acolhida por ela a assombra até os dias de hoje.
Burke admite não ter tido a coragem de Heaven e ter demonstrado empatia dizendo
“me too.”. E foi daí que partiu o movimento.
Somente em 2017 “me too.” tornou-se hashtag (#metoo), quando viralizou nas redes
sociais, após as denúncias contra o produtor e co-fundador da Miramax Pictures e da The
Weinstein Company83, Harvey Weinstein. A atriz nova-iorquina Alyssa Milano criou a
hashtag e a publicou em um tweet, em seu perfil pessoal do Twitter, convidando a todos que
já sofreram algum tipo de violência sexual a responderem sua postagem, usando #metoo.
Segundo Milano, ainda em seu tweet, “se todas as mulheres que sofreram assédio ou foram
agredidas sexualmente escrevessem “me too” como status, nós talvez consigamos dar às
pessoas uma ideia da magnitude do problema. ”84.

81
Disponível em: https://metoomvmt.org/get-to-know-us/history-inception/. Acesso em 30 ago. 2020.
82
“padrasto”, em português.
83
Para se ter ideia da dimensão da influência de Harvey Weinstein em Hollywood, somam-se oitenta estatuetas
do Oscar de filmes sob seu comando ou sob sua influência. Fonte:
http://www.adorocinema.com/slideshows/filmes/slideshow-137798/. Acesso em 30 ago. 2020.
84
Tradução da autora, da figura 37.
89

Figura 38 - Tweet que deu origem à hashtag #metoo

Fonte: Twitter (@alyssa_milano, 2017)

A postagem de Milano alcançou visibilidade e engajamento internacional e,


inclusive ainda em 2020, a hashtag metoo é utilizada referindo-se a assuntos relacionados a
assédio e violência sexual.
Figura 39 - Tweet de 30 de agosto de 202085

Fonte: Twitter (@boris_fli, 2020)

A reenunciação da hashtag, assumida nesse novo enquadramento, de 2020, indica a


incorporação de #metoo à memória discursiva. Nesse sentido, Ellen DeGeneres,
apresentadora e comediante americana, brincou dizendo que, caso alguém queira utilizar
essa mesma hashtag em outros contextos, comentar um filme, por exemplo, deve agora
pensar em dizer de outro modo, “I also”, “Me as well”86, porque, justamente, Me too
assumiu um significado coletivo, isto é, tornou-se um signo.

85
“Onde está o movimento #metoo? Misoginia 101: Pessoas doando e ajudando Jacob Blake, enquanto
ignoram completamente a mulher que ele estuprou.” – tradução da autora. Resumidamente, sobre o caso Blake,
Jacob Blake foi condenado por estupro e, de acordo com uma das versões do caso, ao cumprirem o mandado
de prisão, Blake resistiu à prisão e acabou sendo baleado. Por ser negro e ter sofrido violência policial, o caso
reacendeu o recente debate sobre os excessos na ação policial envolvendo pessoas negras, como aconteceu
com George Floyd, em 25 de maio de 2020; episódio esse que também fez subir uma hashtag, também
associada a outro movimento, #blacklivesmatter.
86
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mmYgdOTPE3w. Acesso em: 31 ago. 2020.
90

Os signos também são objetos únicos e materiais e (...) qualquer objeto da


natureza, da tecnologia ou de consumo pode se tornar um signo. Neste caso,
porém, ele irá adquirir uma significação que ultrapassa os limites da sua existência
particular. O signo não é somente uma parte da realidade, mas também reflete e
refrata uma outra realidade, sendo por isso mesmo capaz de distorcê-la, ser-lhe
fiel, percebê-la de um ponto de vista específico e assim por diante.
(VOLÓCHINOV, 2018 [1928], p. 93).

Ainda, segundo Volóchinov (2018 [1928]), o estabelecimento de um signo dá-se na


ordem da coletividade, ou melhor, “um signo só pode surgir em um território
interindividual, que não remeta à ‘natureza’ no sentido literal dessa palavra” (grifos
originais, p. 96). E mais,
[o] signo tampouco surge entre dois Homo sapiens. É necessário que esses dois
indivíduos sejam socialmente organizados, ou seja, componham uma coletividade
– apenas nesse caso um meio sígnico pode formar-se entre eles. A consciência
individual não é só incapaz de explicar algo nesse caso, mas, ao contrário, ela
mesma precisa de uma explicação que parta do meio social e ideológico.
(VOLÓCHINOV, 2018 [1928], p. 96-97).

A expressão “Me too.” ganhou tanta visibilidade nos meios de comunicação, que foi
eleita como “palavra do ano” pelo Dicionário Macquarie87, de 2018; enquanto, “toxic”88 foi
eleita pelo Dicionário Oxford89, também em 2018, a qual também está associada ao
movimento encabeçado por Burke.
Tal repercussão refletiu em uma série de mudanças e medidas tomadas em relação à
cultura do assédio, entre elas, um fundo, Time’s Up, criado para amparar financeiramente
mulheres vítimas que enfrentam processos jurídicos ao terem denunciado abusos, por
exemplo. Outra medida, voltada para os homens, é o programa A Call to Men, o qual
consiste em promover treinamentos dentro de empresas, entre outros serviços, endereçados
ao público masculino, que buscam uma masculinidade positiva90.
Nessa linha, a empresa Gillette lançou uma campanha estreitamente vinculada ao
movimento “me too.”. Em 13 de janeiro de 2019, três meses após o boom das denúncias
contra produtores e atores hollywoodianos e, consequentemente, da viralização da referida
hashtag (#metoo), a Gillette publicou em seu canal do YouTube “The Best Men Can Be91”.

87
Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2019/jan/15/me-too-named-2018-word-of-the-year-by-
australias-macquarie-dictionary#:~:text=1%20year%20old-
,'Me%20Too'%20beats%20'big%20dick%20energy'%20as%20Macquarie,2018%20word%20of%20the%20ye
ar&text=The%20phrase%20'Me%20Too'%20has,2018%20word%20of%20the%20year.. Acesso em 31 ago.
2020.
88
“Tóxico”, em português.
89
Disponível em: https://www.cnbc.com/2018/11/15/toxic-is-oxford-dictionary-2018-word-of-the-
year.html#:~:text=Oxford%20Dictionaries%20named%20%E2%80%9Ctoxic%E2%80%9D%20its,and%20%
E2%80%9Cpost%2Dtruth.%E2%80%9D. Acesso em 31 ago. 2020.
90
“Healthy manhood” é o termo empregado pela A Call to Men. Optei pela tradução “masculinidade positiva”
em oposição à expressão “masculinidade tóxica”.
91
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=koPmuEyP3a0. Acesso em 05 set. 2020.
91

O vídeo, de 1 minuto e 49 segundos, amplia a discussão tratando não apenas de


assédio e abuso sexual, mas também da agressividade, do bullying e do manterrupting92.
Assumindo o material da campanha como um gênero discursivo, tem-se que,
enquanto enunciado, o vídeo remete
[à]s condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu
conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem (...) mas, acima de tudo, por sua
construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o
estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do
enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado
campo de comunicação. (BAKHTIN, 1997, p. 261-262).

A título de nomenclatura, entende-se que a Gillette lançou um vídeo marketing, ou


social video marketing. Diferentemente da propaganda convencional, o vídeo marketing tem
como objetivo aumentar o engajamento do público, aumentando a consciência que se tem da
marca, por meio de um enredo, personagens/atores, música e outros elementos que
contribuem para a construção de um storytelling. Aqui, o que se busca é provocar um
envolvimento emocional do público a ponto de estimular o compartilhamento do material
nas redes sociais93.
Compreende-se, nesse ponto, a importância do pathos, inclusive, sob o viés da
polêmica. Amossy (2018) define pathos como sendo “o efeito emocional produzido no
alocutário.” (p. 206). Como campanha, observa-se que o interesse da Gillette, em produzir o
vídeo, não é, explicitamente, fortalecer as vendas de certo item ou apresentar um novo
produto; e sim, posicionar-se diante uma temática, registrando os valores da marca.
Tal posicionamento, considerando tratar-se de um anúncio publicitário, não pode ser
julgado como inocente, uma vez que a opção de produzir um vídeo marketing, por parte da
empresa, é promover o diálogo marca-público diretamente nas redes sociais e, com isso,
ganhar visibilidade. Além disso, a campanha acolhe a causa do Me too., movimento voltado
ao público feminino. Nesse sentido, pode-se apontar como objetivo, por parte da Gillette,
atrair as mulheres, que já vêm utilizando cerca de um quinto dos aparelhos de barbear da

92
Ainda sem tradução em português, essa expressão refere-se à atitude masculina em interromper a fala da
mulher, muito comum em ambientes de trabalho. Não é incomum deparar-se com esse termo associado a
outros três: mansplaining, quando um homem assume uma posição professoral e explica algo para a mulher,
julgando-a inocente ou ignorante em algum assunto, podendo, ser inclusive, do próprio universo feminino
(amamentação, parto, menstruação, etc.); gaslighting, quando um homem sugere que a mulher enlouqueceu,
está exagerando ou que “está surtando”, ao ser confrontado ou é questionado sobre algo; e, por fim,
bropriating, quando uma ideia da mulher é roubada por um homem e este leva os créditos por ela. Fonte:
https://annelisegripp.com.br/gaslighting-mansplaining-manterrupting-bropriating/. Acesso em 03 set. 2020.
93
Não foi possível encontrar um estudo específico que tratasse de vídeo marketing; portanto, a síntese feita
refere-se a uma reunião de leituras de diversos sites que abordam a temática do marketing digital.
92

linha masculina. Ademais, as mulheres ainda são as principais responsáveis pelas compras
do lar, o que pode determinar a escolha dos produtos Gillette por parte delas94.
Tendo isso em vista, se o objetivo da campanha é aumentar o engajamento não
somente para fidelizar a marca, mas também para persuadir uma mudança de
comportamento, é válido avaliar de que modo o vídeo marketing em questão foi arquitetado
a fim de atingir o público e alcançar tais metas.
Assim como o ethos, o pathos também está atrelado a uma doxa comum. A doxa,
nesse caso, estaria relacionada com o despertar de uma emoção esperada, isto é,
(...) a emoção se inscreve claramente em um saber de crença que desencadeia certo
tipo de reação, diante de uma representação social e moralmente proeminente.
Normas, valores e crenças implícitas sustentam as razões que suscitam o
sentimento. A adesão do auditório às premissas determina a aceitabilidade das
razões do sentimento. (AMOSSY, 2018, p. 208).

Observa-se, nesse sentido, que a campanha é composta por clichês. Os clichês, de


acordo com Amossy (2018), “provocam efeitos de familiaridade ou de desgaste que
permitem construir com o alocutário uma inter-relação que ora o gratifica apresentando algo
conhecido, ora o irrita ao lhe impor banalidades.” (p. 239).
Os quatro homens que aparecem nos seis primeiros segundos do vídeo estão em
frente ao espelho do banheiro. São homens de idades diferentes, mas que se reconhecem na
posição de se olharem no espelho para poderem se barbear.
Figura 40 - A doxa de se barbear em frente ao espelho do banheiro

Fonte: Gillette (YouTube, 2019)

94
Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2019/01/31/gillette-irrita-clientes-antigos-
para-conquistar-nova-clientela.htm. Acesso em 04 set. 2020.
93

Diferentemente de uma propaganda em que há ênfase no produto, na campanha, o


foco está voltado para o homem. Verifica-se um interesse em tratar do interior e não do
exterior, como o que se vê no espelho. É possível atestar isso, uma vez que, ao fundo, o que
se ouve são notícias relacionadas ao que se teve ao Me too.
A abertura da campanha dirige-se, portanto, a um convite de “olhar para o interior”
em uma cena tipicamente banal como a de se portar em frente ao espelho para poder fazer a
barba. Na propaganda de 198995, por exemplo, a ênfase é dada exclusivamente ao produto e
às conquistas provenientes desse autocuidado.
Figura 41 - Propaganda de 1989

Fonte: YouTube (bebop2905, 2009)

A segunda parte do vídeo marketing, de 2019, traz, justamente, a mensagem


articulada pela de 1989: “The Best a Man Can Get”96, em uma estreita relação dialógica,
podendo ser classificada como um discurso citado; o que o caracteriza como um já-dito na
cadeia enunciativa da marca, remetendo à sua tradição e promovendo sua atualização.
Nesse momento do vídeo, ocorre não só a retomada verbal do slogan, mas também
dois trechos do anúncio de trinta anos atrás: o final da propaganda, tal como ilustrado na
YG02, e outro excerto que aponta uma das possíveis conquistas obtidas pelos usuários de
Gillette, como na YG03.

95
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ThDBf14qPsc. Acesso em 04 set. 2020.
96
“O melhor que um homem pode conseguir”, tradução da autora.
94

Figura 42 - Enunciado de 1989 citado no de 2019 (YG02)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Figura 43 - Segundo trecho da propaganda de 1989 exibido na campanha de 2019 (YG03)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Rodrigues (2001), em sua tese, propõe um ponto de vista de bivocalidade, que


poderia ser pensado nesse fragmento do vídeo marketing. “O discurso bivocal foi
considerado como o discurso que do ponto de vista gramatical (sintático) pertence a um
único falante, mas onde se tem, na verdade, a ‘fusão’ de dois enunciados (potenciais), de
duas perspectivas axiológicas (assimiláveis ou não).” (p. 198).
Contudo, ainda sobre a inserção, é relevante considerar que essa “outra voz” é, na
realidade, do mesmo enunciador, mas em um outro tempo. Essa visão do mesmo, que hoje é
um outro, permite trazer à tona o conceito de cronotopo. Amorim (2018) sintetiza como se
estabelece essa relação temporal, na perspectiva do herói, levando em conta a noção de
cronotopo desenvolvida por Bakhtin.
A concepção de tempo traz consigo uma concepção de homem e, assim, a cada
nova temporalidade, corresponde um novo homem. Parte, portanto, do tempo para
identificar o ponto em que este se articula com o espaço e forma com ele uma
unidade. O tempo (...) é a dimensão do movimento, da transformação (...).
(AMORIM, 2018, p. 103).

Na campanha, destaca-se a voz do narrador, representando a materialidade da voz


neste tempo-espaço em contraposição à voz de 1989; dessa maneira, a bivocalidade
expressada no vídeo contrasta duas visões de homem uma vez já-ditas pela Gillette.
Inclusive, não apenas o slogan é lido por este novo narrador, como tanto a imagem quanto o
95

áudio da propaganda de 1989 são reenunciados. A imagem de “vídeo antigo” e a música-


tema do anúncio emolduram o discurso em uma espécie de aspas dentro do vídeo marketing
de 2019.
As aspas, ainda de acordo com Rodrigues (2001), ao analisar o artigo jornalístico,
delimitam certo distanciamento entre duas vozes.
O distanciamento do autor face às palavras aspeadas no discurso pode apresentar
diferentes matizes de sentido, ou seja, indicar diferentes orientações dialógicas,
desde uma pequena tomada de distanciamento até uma rejeição total. Mas, apesar
dessas diferentes relações com o outro, as aspas mantêm esse outro discurso a uma
certa distância, marcando o seu papel também na construção do movimento de
desqualificação, de distanciamento no artigo. (RODRIGUES, 2001, p. 201).

Analogamente, no vídeo marketing em pauta, entende-se esse trecho como sendo


aspeado, principalmente, levando em consideração a fala que antecede a inserção: Is this the
best a man can get?97 (Imagem da propaganda antiga e cena de um grupo perseguindo outro
garoto, rompendo com a propaganda de 1989) Is it?98
Nessa parte, é como se o narrador olhasse a cena e apontasse: é isso? Tal pergunta só
é feita quando se toma distância do acontecimento, quando há desaprovação.
A partir disso, compreende-se que a Gillette, em 1989, falava a um público, com
outros valores e com outras preocupações sociais. A Gillette de 2019 retoma explicitamente
o enunciado-ancião e rompe com ele, literalmente.
Essa atualização está atrelada ao público-alvo, isso porque a concepção de
masculinidade de 1989 não corresponde ao ideal do homem de 2019. Essa orientação
determina a construção da enunciação, uma vez que da parte dela há dependência “do peso
sócio-hierárquico do auditório, isto é, do pertencimento de classe dos interlocutores, da sua
condição econômica, profissional, posição no serviço (...).” (VOLOCHÍNOV, 2013, p. 189).

97
“Isso é o melhor que um homem pode conquistar?”, tradução da autora.
98
“É isso?”, tradução da autora.
96

Figura 44 - Rompimento com a voz do enunciado de 1989 (YG04)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Amostra desse rompimento, inclusive, é a mudança do slogan:


“The Best a Man Can Get” (1989)
“The Best Men Can Be” (2019)
A ênfase do individual (a man99) é deslocada para o coletivo (men100). A Gillette
poderia ter optado em manter o individual – The Best a Man Can Be. Porém, pode-se
compreender essa escolha a partir da necessidade de uma mudança coletiva de
comportamento, e de uma responsabilidade social sobre o problema. Além disso, percebe-se
a manutenção da estrutura frasal com o uso do verbo modal “can”, mas com uma alteração
significativa do verbo principal – “get” por “be”. “Get” está associado a conquistas, posses,
ganhos, etc., enquanto “be” diz respeito ao “ser”; o que até, de certo modo, explica as cenas
iniciais do vídeo de 2019 em que os atores estão se olhando no espelho, diferentemente do
de 1989 em que a primeira cena é a de um homem recebendo os parabéns de seus amigos
por seu casório.
O rompimento está associado também ao interlocutor, ao ouvinte. Sabe-se que, sob
uma perspectiva dialógica de linguagem, a construção do enunciado tem como norte um
destinatário: “[a] quem se destina o enunciado, como o falante (ou o que escreve) percebe e
representa para si os seus destinatários, qual é a força e a influência deles no enunciado –
disto dependem tanto a composição quanto, particularmente, o estilo do enunciado.”
(BAKHTIN, 1997, p. 301, grifos da autora). Sendo assim, constata-se uma atualização do
enunciado da marca Gillette em 2019 ao destinatário do século XXI, em resposta aos
movimentos voltados ao público masculino.

99
“um homem”, tradução da autora.
100
“homens”, tradução da autora.
97

Assumindo o enunciado como “um elo na cadeia da comunicação discursiva”


(BAKHTIN, 1997, p. 299), verifica-se uma reação-resposta ao tema Me too., por parte da
empresa, inclusive intercalando esse enunciados referentes ao Me too. no interior da
propaganda.
(...) [O] ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso,
ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda
ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-
lo, etc.; essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo
de audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a partir da
primeira palavra do falante. Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é
de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante
diverso); toda compreensão é prenhe de resposta e, nessa ou naquela forma a gera
obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 1997, p. 271).

Figura 45 - Trecho da campanha em que noticiários comentam as denúncias envolvendo o movimento "me
too."

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

E como enunciado, a campanha da Gillette passará a estar sujeita a respostas e essas


respostas a outras respostas, em um ininterrupto fluxo de falas e respostas.
Considerando que a campanha visa um engajamento do público, pode-se dizer que
ela opera em bases argumentativas, uma vez que busca atingir o público de modo a despertar
uma mudança de comportamento, isto é, persuadi-lo. Sendo assim, é possível empregar as
modalidades propostas por Amossy (2018), no que toca à incitação à polêmica, pelo viés do
pathos.
De acordo com Amossy (2018),
[o] sentimento suscitado no auditório não deve ser confundido com aquele que é
sentido ou expresso pelo sujeito falante. Também não devemos confundi-lo com
aquilo que é designado por um enunciado e que atribui um sentimento a um sujeito
humano. (...)
A questão que se coloca é a de saber como uma argumentação pode não expressar,
mas suscitar e construir emoções discursivamente. (p. 207).

Logo, procura-se avaliar discursivamente como a emoção é suscitada, e não,


abertamente expressa.
98

Dessa forma, pode-se verificar o casamento entre logos e pathos com lentes
argumentativas. Partindo disso e assumindo a polêmica como sendo do campo da
argumentação, Amossy (2018) aponta modalidades do discurso polêmico. A primeira diz
respeito à emoção propriamente dita; a segunda justifica tal emoção; e, por fim, a terceira
recorre a argumentos racionais, fazendo uma crítica velada, camuflando a polêmica.
(...) [E]stamos diante de uma modulação que expõe as possibilidades maiores do
vínculo discursivo entre logos [razão] e pathos [emoção]: emoção cuja estrutura
argumentativa é dissimulada; emoção explicitamente argumentada; emoção oculta
por trás de um raciocínio. (p. 221).

Analisando o vídeo marketing da Gillette (2019), pode-se afirmar que a emoção


suscitada é a do senso de responsabilidade. A estrutura da campanha é organizada de modo
a ocultar essa emoção por trás de um raciocínio, o qual é desenvolvido com base em clichês,
como já mencionado. Amossy (2018) surpreende ao recorrer às figuras de linguagem para
delinear os traços da argumentação, além do clichê, a autora também aponta a antítese, a
metáfora e o paralelismo como dispositivos argumentativos profícuos.
Os clichês são amplamente utilizados como elemento de persuasão, especialmente
em propagandas, pois ilustram ao consumidor situações comuns e familiares mais bem
aproveitadas com determinado produto. Entretanto, no caso da campanha, apesar de as cenas
serem ordinárias, a intenção é propor uma ruptura desses padrões de comportamento.
Além do primeiro clichê, o dos homens em frente a um espelho de banheiro para se
barbear, há uma série de outros clichês compondo o material fílmico.

Figura 46 - Clichê do Bullying (YG05)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)


99

Figura 47 - Clichê do fiu-fiu, inclusive em desenhos animados (YG06)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Figura 48 - Clichê dos programas de TV fazendo humor com assédio (YG07)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Figura 49 - Clichê da objetificação da mulher (YG08)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)


100

Figura 50 - Clichê do mundo de negócios ser chefiado por homens e a prática do manterrupting (YG09)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Figura 51 - Clichê do clichê - Boys will be boys (YG10)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Essa sequência de clichês aponta para práticas correntes na nossa sociedade.


Dificilmente, alguém não vivenciou ou, minimamente, presenciou algum desses atos. A
composição da campanha favorece a identificação entre o público, tanto feminino quanto
masculino, contribuindo para justificar a emoção – conforme indicado, o senso de
responsabilidade.
Interrompendo esse fluxo de clichês, seguem as denúncias ligadas ao movimento
“me too.” e, novas cenas-clichês são exibidas, porém, agora, com a intervenção de alguém –
de um outro homem –, sugerindo como mudar esse comportamento tido como clichê,
partindo dos próprios homens. E, atuando como peça-chave desse raciocínio, há o ator Terry
Crews, que se uniu ao “me too.”, ao também declarar ter sofrido assédio, ampliando o leque
do movimento “me too.” não só acolhendo mulheres, mas também todos os indivíduos,
enquanto seres humanos, em um apelo ao respeito.
101

Figura 52 - Terry Crews apoiando o movimento "me too." e declarando que a responsabilidade sobre tais
atitudes recaem sobre os próprios homens (YG11)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Figura 53 - Rapaz repreende o outro por mexer com as meninas (YG12)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Figura 54 - Rapaz impede que o outro avance em direção à moça (YG13)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)


102

Figura 55 - Exibição de homens reais "fazendo a coisa certa"101 : apartando brigas (YG14)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Figura 56 - Exibição de homens reais “dizendo a coisa certa”: valorizando as mulheres desde cedo, enquanto
pais (YG15)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Figura 57 - Rompendo o clichê de "boys will be boys" (YG16)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

101
O narrador do vídeo diz “to say the right thing, to act the right way”, ou seja, “dizer a coisa certa, agir do
jeito certo.”, tradução da autora.
103

Figura 58 - Desfecho inspirador da cena que perpassa o vídeo (YG17) - vide YG04 e YG05

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

O menino amparado na cena YG17 representa o percurso das atitudes negativas ao


longo das gerações, visto que sua primeira aparição, YG04, antecede a imagem do vídeo de
1989, considerando que ele sai por detrás da tela. Sua passagem pela cena da YG05
simboliza a violência que adentra as casas e abala o emocional das famílias, decorrente do
bullying; desencadeando reações e comportamentos negativos dentro do seu íntimo.
Finalmente, quando um homem, que caminha com seu filho pela rua, intervém e socorre o
garoto das agressões, faz refletir o que se espera – agir do modo certo diante das crianças,
uma vez que o comportamento delas espelha-se no dos adultos.
Inclusive, a fala do narrador dirige-se nesse sentido: “Because the boys watching
today will be the men of tomorrow.”102, e, para fechar a campanha, uma sequência de
imagens de meninos é exibida. É possível dizer que é nesse momento em que o pathos faz-
se mais presente, pois remete a uma ideia de futuro e de esperança, evocando o referido
sentimento de senso de responsabilidade.

102
Porque os meninos observando o hoje serão os homens de amanhã”, tradução da autora.
104

Figura 59 - The men of tomorrow103

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Finalmente, para fechar a campanha, o slogan antigo retorna, contudo, reenunciado.


O novo enquadramento de “The Best a Man Can Get” diz respeito a essa conquista: deixar
um legado de bom exemplo aos meninos.
Figura 60 - "The Best a Man Can Get" reenunciado (YG18)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

A mensagem final da campanha pode-se considerar como a dita “polêmica velada”:


“Apenas desafiando nós mesmos a fazermos mais é que nós chegaremos mais perto do
nosso melhor. ”104. Isso porque convoca o público a adotar uma mudança comportamental. É
relevante comentar que a intimação não está diretamente endereçada aos homens, é
empregado “nós”, embora tenha sido desenhado todo um perfil masculino no decorrer do
vídeo. Aqui cabe contestação: há os que concordam a respeito da necessidade de mudar e
assumir uma postura diferente e os que se sentiram ofendidos com esse retrato de
masculinidade, aludindo que todos os homens são maus e devem mudar.

103
“Os homens do amanhã”, tradução da autora.
104
Tradução da autora da Figura 60.
105

Figura 61 - Polêmica velada (YG19)

Fonte: YouTube (Gillette, 2019)

Bakhtin (2008) traz a concepção de polêmica velada, classificando-a como um tipo


ativo de discurso, sendo uma faceta da bivocalidade. “(...) [A] polêmica velada está
orientada para um objeto habitual, nomeando-o, representando-o, enunciando-o, e só
indiretamente ataca o discurso do outro, entrando em conflito com ele como que no próprio
objeto.” (p. 224). Analisando sob esse prisma essa última mensagem da campanha, entende-
se que a masculinidade, tal qual é representada na produção fílmica, seria esse “objeto
habitual”, o que normalmente se toma como uma atitude masculina; porém, esse
comportamento é criticado ao final – indiretamente. Não há explicitamente uma injunção:
Não faça mais isso! Mude! O que se tem é uma indireta.
A ideia do outro não entra ‘pessoalmente’ no discurso, apenas se reflete neste,
determinando-lhe o tom e a significação. O discurso sente tensamente ao seu lado
o discurso do outro falando do mesmo objeto e a sensação da presença deste
discurso lhe determina a estrutura. (BAKHTIN, 2008, p. 225).

Assim, compreende-se como uma resposta da Gillette ao crescente número de casos


de assédio e abuso sexual da época endereçada ao seu próprio público: os homens. A partir
disso, muitos homens passaram a promover o boicote da empresa, por meio de seus perfis
pessoais.
106

Figura 62 - "Gillette não terá mais meu dinheiro" (TG01)

Fonte: Twitter (@squatty_davis, 2019)

Figura 63 - "Meu nome é #Mustard e eu estou destruindo minha lâmina de barbear #Gillette" (TG02)

Fonte: Twitter (@playazball, 2019)


107

Figura 64 - O boicote, inclusive, chegou ao Brasil (TG03)

Fonte: Twitter (@gbucar, 2019)

Há quem tenha ironizado a reação dos homens que se ofenderam a partir da


campanha.

Figura 65 - "Eu trouxe a vocês o amor"; "Está trazendo amor! Não deixem que fuja! Quebrem as pernas deles!"
(IG02)

Fonte: Twitter (@julianotalora, 2019)


108

Figura 66 - Tweet repostado no Instagram105 (IG03)

Fonte: Instagram (@rebelfeminism, 2019)

A Egard Watches produziu um vídeo declaradamente em resposta ao vídeo da


Gillette. A empresa de relógios enfatizou o que há de bom no homem, apresentando uma
série de dados relacionados aos homens em situações de guerra, de acidentes de trabalho, de
vítimas de assassinato, de suicídio, atrelando todos essas informações ao papel de protetor e
de provedor.

Figura 67 - Egard Watches publicou o vídeo tanto no YouTube quanto no Instagram (IG04)

Fonte: Instagram (@egardwatchco, 2019)

É ainda válido destacar algumas reações positivas diante da campanha:

105
"Pessoal, por favor, se acalmem. A Gillette não está pedindo que vocês se depilem, usem maquiagem,
coloquem perfume ou usem salto alto; ou não comer muito em público ou não ficar acima do peso... Tá bom?",
tradução da autora.
109

Figura 68 - Tweet elogiando a iniciativa da empresa, com um link de um jornal (TG4)

Fonte: Twitter (@fabioms08, 2019)

Figura 69 - Vídeo de reação entre pais e filhos ao comercial 106 (YG20)

Fonte: YouTube (react, 2019)

O vídeo de reação entre pais e filhos é uma iniciativa de promover o debate não só
entre os membros da família, envolvendo os valores de cada núcleo familiar, mas também
de abrir a discussão para a comunidade do YouTube. Gostaria de ressaltar uma das reações
de um dos pais: um deles comentou que ficou contente pelo vídeo ter acabado logo, pois ele
já estava bastante emocionado. Essa resposta ao vídeo demonstra a presença do pathos, ou

106
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sESYdmOWi_I. Acesso em 05 set. 2020.
110

seja, emociona e convida o público a fazer diferente. Por outro lado, houve reações
contrárias que consideraram uma falha da campanha ao generalizar o comportamento
masculino como sendo dessa forma e, o que deveria ter sido enfatizado é a relação de
respeito, independentemente, se homem ou mulher.
Assim como foi verificada a ampliação da polêmica e seus desdobramentos no que
tange à valoração e acentuação, o mesmo movimento é possível constatar na campanha da
Gillette. O norteamento para localizar os conteúdos, novamente, foi por meio de hashtags;
pode-se apontar aqui também como um importante elemento dialógico uma vez que há a
integração de enunciados através de um hiperlink.
A arquitetônica de uma polêmica consiste em observar a composição e os sentidos
construídos a partir dela. Utilizando a campanha promovida pela Gillette como exemplo,
procuramos refletir a respeito dos enunciados que ela responde e verificar como, enquanto
marca de renome e de grande visibilidade social, a empresa dedicou-se a essa resposta.
Além disso, partimos do pressuposto de que um vídeo marketing pauta-se no engajamento
do público, o que, a propósito, foi atingido com sucesso, e que esse engajamento
fundamentou-se, principalmente, na construção do pathos, por intermédio dos clichês.

4.4 ENCRESPOU PARA A BOMBRIL: KRESPINHA E A COMPREENSÃO


RESPONSIVA-ATIVA

Figura 70 - Krespinha

Fonte: G1 (2020)
111

Sem vídeo promocional, sem anúncio pago no YouTube, sem propaganda na


televisão: apenas essa imagem provocou uma avalanche de conteúdo produzido nas mídias
digitais, a partir da referência estabelecida entre “cabelo de Bombril” e “cabelo crespo”.
Acusada de racismo e também alvo de boicote, a Bombril viu-se enredada em uma polêmica
devido ao nome de seu produto, Krespinha.
Na realidade, a origem dessa discussão transcende o nome de um produto. Buscando
as raízes da questão, encontram-se explicações no processo de formação do Brasil. Ortegal
(2018) aponta a raça como fator determinante de organização social no início da constituição
do nosso país.
Ora por argumentos espirituais, ora por argumentos biológicos e médicos, e até
mesmo pelo senso comum senhorial, negros e indígenas eram classificados e
reclassificados ao olhar do europeu de forma racializada, isto é, de forma a
estabelecer distinções entre esses três grandes grupos, não apenas com um sentido
de hierarquização, mas de definição do que era ou não considerado humano.
(ORTEGAL, 2018).

Essa definição favorecia, ainda de acordo com Ortegal (2018), uma espécie de
justificativa moral para explorar, escravizar e/ou exterminar determinado grupo.
A partir do estabelecimento do capitalismo, segundo Ortegal (2018), novas divisões
do trabalho contribuíram para o deslocamento do racismo e da escravidão. Contudo,
diferentemente do que se imagina, não houve propriamente dita uma assimilação do negro
neste espaço, agora, assalariado. O que se verificou na época, conforme explica Ortegal
(2018), foi um aumento da captação da mão de obra europeia, “com vistas a substituir os
trabalhadores negros, movidos pela ideologia racista do sucessivo branqueamento da
população brasileira.” (ORTEGAL, 2018). Dessa forma, nota-se que o determinante “raça”
perpassou não somente o período de escravidão, como também definiu as bases do sistema
capitalista brasileiro.
Diferentemente de outros países, o Brasil não passou por um regime de segregação
como o apartheid, na África do Sul (1948-1994), e as leis de Jim Crow, nos Estados Unidos
(1877-1965), o que favoreceu a impressão de uma relação pacífica e harmoniosa entre
brancos e não brancos, como coloca Ortegal (2018). Contudo, verifica-se, na verdade, um
racismo à brasileira, o qual consiste:
a) em preconceito racial de marca, isto é, vinculados à cor da pele e aos fenótipos,
como a questão atrelada à Krespinha;
b) em racismo cordial, ou seja, ser verificado em situações comuns, levando a uma
segregação, tal qual ocorre em estabelecimentos comerciais em que o negro é
impedido de entrar ou sofre revista sem motivo aparente;
112

c) em racismo sem racistas, o qual é “caracterizado a partir da pesquisa realizada pelo


Instituto DataFolha (...), em que 89% dos entrevistados consideravam existir racismo
no país, enquanto apenas 10% admitiam ser racistas.” (ORTEGAL, 2018).
Djamila Ribeiro, em entrevista à BBC News Brasil (2020), cita, justamente, essa
pesquisa e acrescenta que, erroneamente, se entende o racismo como apenas no âmbito
individual, quando alguém discrimina ou destrata um negro. Contudo, segundo Ribeiro, é
preciso conceber racismo enquanto “sistema de opressão”; e esse reconhecimento surge a
partir da noção da historicidade do negro em nosso país.
Em seu livro, “Pequeno Manual Antirracista”, Djamila Ribeiro percorre trechos da
história dos negros em território brasileiro, e pontua leis que contribuíram para o
alargamento da desigualdade estrutural entre negros e brancos no Brasil. Na Constituição de
1824, por exemplo, determinava-se que “a educação era um direito de todos os cidadãos”
(RIBEIRO, 2019, p. 03), porém, apesar de a lei contemplar negros libertos, isso implicava
em ter posses e rendimentos. A Lei das Terras de 1850, ainda de acordo com Ribeiro (2019),
restringia ao Estado a venda de terras, extinguindo a possibilidade de posse por ocupação, o
que também limitava o acesso aos negros.
Sendo assim, alinhada às observações feitas por Ortegal (2018), verifica-se que a
organização social brasileira consolidou-se a partir dessa desigualdade e dessa privação de
direitos, e que ainda reflete e refrata em nossa realidade de século XXI.
Quando estudamos a história do Brasil, vemos como esses e outros dispositivos
legais, estabelecidos durante e após a escravidão, contribuem para a manutenção
da mentalidade “casa-grande e senzala” no país em que, nas senzalas e nos quartos
de empregada, a cor foi e é negra. (RIBEIRO, 2019, p. 04).

Paralelamente a esse panorama, acontecimentos recentes têm dado ainda mais


visibilidade a essa temática, principalmente, no espaço das mídias digitais.
Um caso envolvendo um policial e um negro, no estado norte-americano de
Minnesota, em 25 de maio de 2020, reacendeu a discussão e trouxe aos trends a hashtag
“#blacklivesmatter”. Segundo a BBC News Mundo, George Floyd, de 46 anos, foi abordado
após a polícia ter sido acionada por suspeita de uma nota de vinte dólares ser usada para
compra de um maço de cigarros em um supermercado da região. Floyd veio a óbito em
decorrência de asfixia, uma vez que o policial Derek Chauvin, de 44 anos, o manteve
imobilizado, pressionando o joelho em seu pescoço, por mais de oito minutos, no chão,
algemado. A ação toda foi filmada.
113

“Black Lives Matter”107, ou apenas BLM, trata-se de uma organização internacional


fundada em 2013, em resposta ao assassinato do jovem Trayvon Martin, de 17 anos, em
2012. Martin foi perseguido pelo vigilante George Zimmerman por, supostamente, ter
cometido um arrombamento nas redondezas. O vigilante foi, posteriormente, absolvido do
caso por ter alegado legítima defesa, mesmo tendo sido constatado que Martin não estava
armado. A BLM, então, nasceu a partir da iniciativa de três mulheres, Alicia Garza, Patrisse
Cullors e Opal Tometi, e tem como objetivo dar visibilidades às questões raciais, visando
extinguir a supremacia branca e empoderar a população negra para exigir seus direitos em
relação ao Estado e à polícia.
O movimento ganhou notoriedade mundial anos depois com outros dois casos
envolvendo violência policial, também nos Estados Unidos – Michael Brown, de 18 anos, e
Eric Garner, de 43 (ARRUDA, 2020). Tal repercussão alcançou o Brasil, por exemplo, o
que fez aumentar a visibilidade de abusos por parte da polícia em relação aos negros
brasileiros108.
Figura 71 - Black Lives Matter109 no Brasil

Fonte: Instagram (@michellegendary, 2020)

107
Disponível em: https://blacklivesmatter.com/what-matters-2020/. Acesso em: 24 nov. 2020.
108
Arruda (2020), inclusive, cita o levantamento realizado pelo Senado, em 2016, sobre o Assassinato de
Jovens no Brasil, em que se constatou que um jovem negro é morto a cada 23 minutos em nosso país.
109
“Vidas negras importam”, em português.
114

A Figura 71 é o caso mais recente envolvendo violência por parte de dois seguranças
do Carrefour, em Porto Alegre, que culminou na morte de João Alberto Freitas, de 40 anos,
justamente na véspera do Dia da Consciência Negra, 10 de novembro de 2020. Freitas
parece ter se envolvido em uma discussão com uma funcionária da rede, mobilizando a
equipe de segurança do supermercado, a qual teria encaminhado Freitas até a saída da loja
onde o espancaram e também o asfixiaram, resultando na morte de João Alberto.
A série de manifestações no Brasil que se seguiu após esse episódio fez a hashtag
reaparecer nos trend topics no país. Isso comprova a força de hashtags em reunir
acontecimentos que se entrelaçam nas tramas da rede digital, compondo, assim, um coro em
prol de uma causa. Inclusive, tal mobilização concretiza-se na vida, uma vez que são
sugeridas ações que corroboram com o movimento.
Figura 72 - O perfil Black Lives Matter americano propõe um boicote, em nível internacional, à rede Carrefour,
após o ocorrido no Rio Grande do Sul

Fonte: Twitter (@blklivesmatter, 2020)


115

Apesar de esse episódio ser posterior ao anúncio publicitário da Krespinha, é


possível traçar um horizonte em que tais discursos se materializam. Na época da divulgação
do produto da Bombril, por exemplo, o assassinato de George Floyd havia ocorrido apenas
algumas semanas antes, portanto, BLM vinha ocupando a arena discursiva das mídias
digitais de modo bastante expressivo.
O anúncio publicitário em questão estava sujeito, como todo enunciado, a um
horizonte, o qual compreende “três aspectos subentendidos da parte extraverbal do
enunciado (...) – o espaço e o tempo do acontecimento do enunciado (o “onde” e o
“quando”), o objeto ou tema do enunciado (“sobre o quê” se fala) e a relação dos falantes
com o ocorrido (“avaliação”)” (VOLÓCHINOV, 2019, p. 285, grifos originais). Dessa
maneira, verifica-se como foi inoportuno publicar a propaganda da Krespinha dentro desse
contexto, visto que o sentido atribuído ao anúncio reforça uma imagem de descaso diante da
temática.
É o que se observa em IK03, a reação-resposta “emprestou” um enunciado já
produzido pela própria empresa Bombril e o reenunciou, enquadrando-o na situação
comunicativa do Black Lives Matter, desfiando uma crítica em relação não apenas à
Krespinha, mas também aos outros enunciados produzidos pela empresa que reforçam uma
postura racista da marca.
Figura 73 - Uma das reações-resposta ativa direcionada à Bombril (IK03)

Fonte: Instagram (@btrezentos, 2020)


116

Olhando para um outro aspecto do enunciado, a alternância dos sujeitos do discurso,


verifica-se uma demarcação das fronteiras do enunciado:
Compreendemos que essa alternância dos falantes se relaciona às fronteiras do
enunciado, em outras palavras, o enunciado do outro serve de limite para o meu
próprio enunciado. Na interação verbal, os sujeitos se intercalam na enunciação,
produzindo enunciados que requerem reações-respostas ativas. A alternância dos
sujeitos do discurso (limite do enunciado) constitui-se em um dos critérios que
emprestam ao enunciado o status de unidade real da comunicação discursiva e que
o caracterizam como um elo na cadeia de muitos outros enunciados, produzindo
uma teia de significações. (SILVA, 2009, p. 34, grifos originais).

Essa “teia de significações” remonta de uma certa forma à noção da hashtag, visto
que há esse agrupamento de significações envolvendo acontecimentos distantes no tempo e
no espaço, porém, interligados pela mesma temática e posição axiológica dos interlocutores.
No que tange a posição axiológica desses interlocutores de espectro progressista,
nota-se que se trata de um público militante – diferentemente do constatado nos comentários
e nas publicações da Bettina ou da Gillette, por exemplo. Assim, as reações-respostas ativas
desses comentários carregam o peso de valores partilhados por uma comunidade além do
digital, direcionando a polêmica a um outro nível de envolvimento dos participantes,
promovendo debates, dentro e fora da arena digital, manifestações, abaixo-assinados, e,
inclusive, alternativas endereçadas ao Estado, em se tratando de medidas legais, dependendo
do grau de ofensa direcionada a um determinado público.
Tal anúncio, a título de exemplificação, no tocante à reação-resposta ativa, não gerou
piadas, como ocorreu com a Bettina e a Gillette, e sim, charges, “textões”, vídeos-
comentários, notícias, ou seja, publicações de natureza mais formal e/ou com aspecto crítico.
A crítica, portanto, repercutiu mais fortemente entre os negros, os quais se sentiram
ofendidos por terem o reforço da própria marca à expressão pejorativa “cabelo de Bombril”.
Figura 74 - Repercussão por parte de maioria negra diante do produto Krespinha (TK02)

Fonte: Twitter (@beatrizfrancaj, 2020)


117

Nesse sentido, esta seção serve como uma amostra das diferentes reações-resposta,
dentro das redes sociais, diante desse enunciado polêmico. Levando em consideração que
[o]s enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmos;
uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. Todo enunciado
é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela
identidade da esfera de comunicação discursiva. Todo enunciado deve ser visto
antes de tudo como resposta aos enunciados precedentes de um determinado
campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo): ela os
rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subtende-os como conhecidos, de
certo modo os leva em conta. (...) Por isso, todo enunciado é repleto de variadas
atitudes responsivas a outros enunciados de um dado campo da comunicação
discursiva. Essas reações têm diferentes formas: os enunciados dos outros podem
ser introduzidos diretamente no contexto do enunciado; podem ser introduzidas
somente palavras isoladas ou orações (...). (BAKHTIN, 2016, p. 57).

Sendo assim, considerando o problema da polêmica envolvendo o enunciado


Krespinha, tem-se que este se assenta em uma temática, diferentemente, da propaganda da
Empiricus – descrédito envolvendo o ethos – e da campanha da Gillette – “ataque” ao
público-alvo, por meio do estereótipo comportamental masculino.
Figura 75 - TK03

Fonte: Twitter (@helo_pupo, 2020)

O enunciado ilustrado em TK01 resgata um anúncio do mesmo produto, lançado na


década de 1950. Esse tweet constitui-se a partir da comparação: as duas imagens são
colocadas lado a lado em uma posição de igualdade. O texto autoral do tweet sugere,
justamente, a questão da data, situando o enunciado dentro de um cronotopo específico,
apontando como discrepante, para a atual conjuntura, ainda a marca deter tal postura em
relação à questão da negritude.
118

Em uma das afirmativas de Acosta Pereira e Oliveira (2020) acerca do cronotopo,


verifica-se que
[o] texto-enunciado, no recorte que faz do mundo a ser discursivizado, sempre
carrega nesse recorte um olhar sob as lentes do tempo-espaço ideologicamente e
axiologicamente marcadas. Nunca é um recorte neutro. E por nunca ser um recorte
neutro, também sempre delimita ou relativamente estabiliza um mundo discursivo:
um discurso ao redor do qual orbitam sentidos, únicos e irreiteráveis, que ressoam
as balizas do cronotopo. (p. 104).

No tweet-enunciado em questão, o recorte consiste na impressão valorativa de


recuperar um enunciado antigo e colocá-lo ao lado do atual, sugerindo semelhanças que já
deveriam ter sido superadas considerando o tempo em que nos situamos.
Figura 76 - IK01

Fonte: Instagram (@quasequasimodo, 2020)

Em IK01, o enunciado é verbo-visual uma vez que se trata de uma charge. A


Bombril é equiparada a um carrasco, com chicote em punho, remetendo a uma época de
escravidão. E, novamente, é questionado o fato de estarmos no ano de 2020, mas um
discurso ultrapassado ainda ser empregado pela empresa.
Nesse caso, pode-se ainda refletir acerca do slogan do produto: “Ideal para a limpeza
pesada”. Considerando o histórico do negro enquanto escravo, pode-se associar essa
mensagem ao negro-servo, aquele responsável por desempenhar o trabalho pesado. Sendo
assim, o carrasco é aquele que controla e pune quem não realiza a atividade requerida de
modo satisfatório.
Nota-se aqui ainda a grande diversidade de hashtags usadas pelo usuário e o
interesse dele em estabelecer um diálogo com outros enunciados dentro da mesma temática,
por meio dos hiperlinks.
119

Figura 77 - YK01

Fonte: YouTube (opedrojorgereal, 2020)

No YouTube, várias pessoas comentaram o caso, posicionando-se de diferentes


modos diante do produto intitulado Krespinha. Aqui, o youtuber Pedro Jorge começa o
vídeo imprimindo sua posição valorativa em relação à polêmica estabelecida nas redes
sociais: “é ridícula essa discussão”. É característico, em vídeos dessa natureza, o
posicionamento, tendo em vista o propósito dessa produção discursiva – comentar,
posicionar-se diante de uma temática. Assim, a constituição da linguagem empregada no
gênero discursivo atrelado ao caráter ideológico de quem ocupa esse lugar de fala, neste
caso, nitidamente explícito por “Opinião de um negro!” encaminha o valor axiológico do
enunciado.
É salutar destacar que a relação entre ideologia e linguagem, tal qual abordado no
capítulo 2 deste trabalho, traduz-se em valoração. Sendo assim,
[a] ideologia é a expressão das relações histórico-materiais dos homens, mas
“expressão” não significa somente interpretação ou representação, mas também
significa organização, regularização dessas relações. (...) no signo ideológico está
sempre presente uma “acentuação valorativa”, que faz com que o mesmo não seja
simplesmente expressão de uma “ideia”, mas a expressão de uma tomada de
posição determinada, de uma práxis concreta. (PONZIO, 2008, p. 112-115, grifos
do autor, apud ACOSTA PEREIRA e RODRIGUES, 2014).

Na postagem IK02, tem-se mais uma charge sobre a temática Krespinha que, traz,
desta vez, alguém com as vestes da organização Ku Klux Klan, remetendo à prática dos
integrantes de perseguirem e torturarem negros norte-americanos. Entretanto, o que chama a
atenção é um dos comentários:
120

Figura 78 - IK02

Fonte: Instagram (@mulheresdelutta, 2020)

Figura 79 - Comentário em IK02

Fonte: Instagram (@mulheresdelutta, 2020)

Observa-se que o usuário não se posicionou em relação à postagem em si, e sim, às


seguidoras do perfil @mulheresdelutta. Esse ataque gratuito tem se mostrado comum nas
mídias digitais, bem como a exposição de opiniões de modo exacerbado.
Cabral e Lima (2017), em seu artigo “Argumentação e Polêmica nas Redes Sociais”,
observam que “(...) as redes sociais vão se constituindo como palco de interações que, por
vezes, se fazem mais conflituosas do que harmônicas.” (p. 87). A partir da tese de que as
mídias propiciam um ambiente em que é possível proteger-se por trás das máquinas e, até
mesmo, por meio do anonimato, seja pelo número de usuários ou mesmo de uma identidade
fictícia, as autoras verificam, inclusive, um posicionamento mais marcado, podendo chegar
às vias da violência verbal.
Amossy (2017) trata da violência verbal em espaços digitais e atribui aos fóruns de
discussão, os quais possuem função similar ao espaço destinado aos comentários nas redes
sociais de modo geral, um papel importante:
(...) podemos também considerar que eles [fóruns de discussão] oferecem uma
arena necessária aos confrontos polêmicos em que o choque de opiniões
antagônicas se manifesta em todo o seu vigor e em que os defensores de posições
contraditórias podem se lançar livremente contra o adversário, comparando e
confrontando suas opiniões. (AMOSSY, 2017, p. 183).

Apesar de esse comentário ser, até mesmo, singelo perto de outros, nota-se o embrião
da violência verbal, principalmente, no que concerne à resposta provocada por ele:
121

Figura 80 - Réplica do comentário agressivo (IK02)

Fonte: Instagram (@mulheresdelutta, 2020)

Novamente, não se buscou argumentar a favor, ou contra, o posicionamento da


temática da Krespinha, considerando a crítica de que o texto foi escrito sem a pontuação
necessária, e sim, o que se percebe é a tentativa de ridicularizar o outro e, com isso, invalidar
seu discurso.
A ocorrência da violência verbal faz-se muito mais presente nos comentários, de
forma geral; as postagens, tais como temos analisado neste estudo, obedecem, minimamente,
regras de publicação, as quais podem ser facilmente identificadas e banidas, caso sejam
denunciadas.
Figura 81 - FK01

Fonte: Facebook (@beatrizgomesdasilva, 2020)

O famoso “textão” traz marcas de desabafo e experiência pessoal; normalmente, são


publicados no Instagram ou Facebook, visto que são redes sociais que permitem um número
122

maior de caracteres. São, muitas vezes, acompanhados de uma fotografia que dialogam com
a mensagem.
FK01 não foge à regra e, junto ao textão, há uma fotografia que ilustra o teor da
postagem. Pode-se remeter a escrita de textos dessa natureza como sendo, conforme
sintetiza Bakhtin (2014) no tocante às autobiografias, como uma forma de “tomada de
consciência pública do homem” (p. 258).
Bakhtin (2014) organiza a historiografia dos encômios iniciando com os gregos, mais
especificamente, com a de Isócrates.
A conscientização do homem apoia-se, aqui, somente sobre os aspectos de sua
personalidade e de sua vida que são voltados para o exterior, concernentes tanto
aos outros como a si próprio, sendo que apenas neles a consciência procura seu
apoio e sua unidade, ela não conhece absolutamente outros aspectos intimamente
pessoais, “por si só”, individuais e irrepetíveis. (BAKHTIN, 2014, p. 255).

Na sequência, Bakhtin (2014) aponta para o surgimento das autobiografias romanas.


Nesse modelo autobiográfico, tem que a consciência ancora-se na família e em suas
tradições: “A autobiografia, aqui, é um documento da consciência familiar e ancestral.
Porém, nesse ambiente, a conscientização não se torna privada, íntima ou pessoal. Ela
mantém um caráter profundamente público.” (BAKHTIN, 2014, p. 256).
Acompanhando o percurso, têm-se as autobiografias de caráter romano-helênicas.
Esses escritos, creio eu, aproximam-se do que hoje tomamos como “seguidores” ou
“amigos”. Bakhtin (2014) explica que esse tipo de autobiografia é definido a partir de um
conjunto de obras pessoais, as quais recebem categorias e comentários autobiográficos.
[A] consciência de si próprio, aqui, não se revela “para uma pessoa qualquer” em
geral, mas para um grupo definido e leitores de suas obras. É para eles que se
elabora a autobiografia. A concentração autobiográfica sobre si mesmo e sobre sua
vida pessoal adquire, aqui, um certo mínimo de publicidade notória, de um tipo
totalmente novo. (BAKHTIN, 2014, p. 258).

Olhando sob esse viés, é possível considerar as postagens como sendo pequenos
recortes autobiográficos, uma vez que o acento e o enquadramento de enunciados são
construídos a partir de um enredamento dialógico promovido pela rede social. O textão
passa a ser, desse modo, uma página do meu diário aberta aos meus amigos ou seguidores,
refletindo meu posicionamento e, consequentemente, conferindo meu acento valorativo em
dada questão.
Com base nesse conciso recorte, diante da imensa variedade de respostas atreladas ao
enunciado produzido pela Bombril, pode-se ter uma noção do modo de participação dos
123

usuários na praça pública digital. As diferentes “roupagens”110 servem como um modo de


mover-se nas redes sociais – respondendo aos comentários, postando vídeos, fotos pessoais,
elaborando charges, etc.: essas são diferentes formas de comparecer ao carnaval dessa praça.
Todas elas favorecem ao exercício da democracia – fazer-se ouvido/lido, apesar dessa
consciência que se tem da manipulação do agendamento, em que os temas são direcionados
e que os recortes trazem já uma valoração.
De qualquer forma, entendo como benéfica essa reunião de vozes carnavalescas na
arena digital, visto que promovem reflexões e atitudes em prol de uma sociedade mais
plural.

110
Fazendo uma alusão ao carnaval e às suas fantasias.
124

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O DIALOGISMO NA PRÁTICA

Diante desse percurso investigativo, devemos refletir se a questão de pesquisa,


formulada no Capítulo 1 desta dissertação, foi efetivamente respondida: Como o discurso
polêmico é constituído a partir de propagandas que circulam em mídias digitais?
Mediamos um intenso diálogo entre teóricos de diferentes campos da comunicação a
fim de delinear o modo constituinte do discurso polêmico nas mídias digitais. Recorremos
ao historiador Carlo Ginzburg para nortear nosso processo investigativo, por meio do
paradigma indiciário, coletamos pistas, datas, hashtags, número de visualizações e número
de curtidas, ou de “não gostei” como formas de rastrear a polêmica dentro do espaço digital.
Convidamos Rüdiger para estabelecer os princípios da cibercultura e, assim,
compreender de que modo a propaganda opera no contexto virtual, constatando que, na
verdade, a publicidade atua como um dos principais motores para o crescimento e largo
alcance das mídias entre usuários.
Incluímos Amossy para atualizar com o que há de mais fresco na nova retórica e,
para tanto, recorremos aos seus estudos envolvendo ethos e pathos, dispositivos da
argumentação, entre eles, algumas figuras de linguagem, e, claro, seu ponto de vista no que
tange ao discurso polêmico.
Como fio condutor mestre, angariamos uma série de textos do Círculo de Bakhtin
com o intuito de preparar um cenário dialógico e, assim, estabelecer uma fundação sólida
dentro da Análise Dialógica do Discurso, em que várias vozes são convocadas para
argumentar a favor de uma tese.
Confesso que orquestrar todas essas vozes foi uma tarefa árdua, porém, percebe ser
essa a proposição de hoje das ciências da linguagem, uma vez que só a Linguística não dá
conta em responder o que se apresenta ao longo do levantamento dos dados. Esse é,
justamente, o lugar da Linguística Aplicada e do campo discursivo, uma vez que é na
fronteira entre ciências que se buscam respostas.
Olhando sob esse prisma, colocamos em prática o dialogismo ao apelar para teóricos
de diferentes áreas em busca da compreensão dos fenômenos que se apresentavam diante de
nós.
É preciso salientar que a seleção dos dados precisou passar por filtros, e que,
portanto, verifica-se que há ainda muito estudo pela frente no que diz respeito à polêmica.
Não foram contemplados lives, stories, comentários e tantas outras produções de enunciados
relacionados aos temas ligados às propagadas aqui referidas. Dentro dos comentários, por
125

exemplo, o discurso de ódio poderia ser amplamente analisado, bem como produções que
vão além da Internet, como a televisão e o rádio, que poderiam ser mais bem exploradas
como receptoras da polêmica. Apesar disso, cumpre o objetivo de apresentar os modos de
ampliação, acentuação e valoração do discurso polêmico, sua arquitetônica em termos
argumentativos e suas formas de participação ativa no debate.
Bettina situou seu nome no tempo-espaço e deu espaço a um universo de gêneros
discursivos para tratarem da polêmica com diferentes enfoques, tonalidades e acentos.
Indiscutivelmente, uma das maiores responsáveis por uma gama infindável de memes.
Tamanho alcance deveu-se à quebra de expectativa do ethos, isto é, Bettina não corresponde
à figura de ethos delineada pelo auditório de alguém capaz de fazer um milhão e quarenta e
dois mil reais de patrimônio acumulado de modo “simples assim”.
A empresa Gillette atingiu o coração do seu público e, por meio de uma
argumentação fundamentada no pathos, via clichês, acabou tornando-se alvo de boicote e de
revolta por parte de seu próprio público-alvo, os homens.
“Krespinha”, apenas o nome de um produto que desestabilizou as mídias digitais no
ano de 2020. Em tempo de #blacklivesmatter, relançar uma esponja de nome Krespinha, em
uma clara alusão ao cabelo crespo, o qual, muitas vezes, recebe como alcunha “cabelo de
Bombril”, foi um movimento tido por muitos como inapropriado. As formas de reação-
resposta ilustram modelos de dialogar com o enunciado-mestre por intermédio das mídias
digitais.
Assim como abrimos espaço para o diálogo entre teóricos, procuramos pôr em
evidência o enunciado como parte de uma rede enunciativa complexa, em que referências
anteriores diversas (os já-ditos), podem ser recuperadas por meio das mídias digitais. Dessa
forma, as propagandas, apesar de separadas em seções, articulam-se e organizam-se da
mesma maneira, apenas seccionadas para evidenciar aspectos diferentes do discurso
polêmico.
A mobilização de tantas vozes e a ilustração, na prática, do funcionamento de uma
rede enunciativa, por meio de propagandas, foi o caminho escolhido para alcançar a resposta
de como esse discurso é consolidado nessa praça pública.
Portanto, pode-se constatar que o discurso polêmico nas mídias digitais não repousa
apenas sobre uma temática, como no caso da Krespinha, mas também é pautado nas
diferentes relações estabelecidas entre enunciador (empresa responsável pela propaganda) e
auditório (usuários da rede). Além disso, a polêmica é fomentada a partir da interface
oferecida pelas redes sociais, ao serem construídas de modo a incitar a participação dos
126

usuários, de forma cada vez mais instantânea, em que emoções são generalizadas e
simplificadas entre curtir/não curtir; caracterizando, esse simples ato, em uma tomada de
posição dentro da arena discursiva digital.
Finalmente, pode-se reconhecer como o grande responsável em fazer alastrar o
discurso polêmico, realizando o intercâmbio entre redes sociais, elaborando argumentos a
partir de enunciados já-ditos, atuando como mediador entre comentários, interligando as
mais variadas materialidades discursivas (fotos, vídeos, memes, notícias, etc.) por meio de
hashtags, as quais passam a compor uma gigantesca rede discursiva: o dialogismo.
Somos seres constituídos pela e através da linguagem (BAKHTIN, 2018 [1929]), a
linguagem é estabelecida com base no embate (VOLOCHÍNOV, 2018 [1929/1930]), logo,
somos sujeitos em constante tensionamento – confrontando, assimilando, respondendo. A
mídia digital potencializa essa característica e nos coloca em arena diariamente:
polemizando.
127

REFERÊNCIAS

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da linguagem. In: FRANCO, Neil et al. (Org.). Estudos dialógicos da linguagem: reflexões
teórico-metodológicas. Campinas: Pontes Editores, 2020. p. 89-108.

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https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52922015. Acesso em 24 nov. 2020.

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conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2018. p. 95-114.

AMOSSY, Ruth. Apologia da Polêmica. São Paulo: Contexto, 2017.

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________________. Retórica. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015 [1515].

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mobiliza atos. Universa UOL, 2020. Disponível em:
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AZZARI, Eliane Fernandes; AMARANTE, Maria de Fátima Silva; ANDRADE, Eliane


Righi de. “É verdade este bilete”: relações dialógicas e(m) discurso no
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