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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
CURITIBA
2020
ALINE CRISTINA DE SOUZA FOLLONI
CURITIBA
2020
Esta licença permite que outros remixem, adaptem
e criem a partir do trabalho para fins não
comerciais, desde que atribuam o devido crédito e
4.0 Internacional que licenciem as novas criações sob termos
idênticos. Conteúdos elaborados por terceiros,
Atribuição – Uso não Comercial citados e referenciados nesta obra não são cobertos
pela licença.
Para o meu doce Vinicius.
AGRADECIMENTOS
Durante muitos anos o mestrado foi um sonho frustrado. Antes mesmo de concluir
minha graduação, em 2013, comecei a me preparar para o exame de seleção da USP.
Almejava continuar meus estudos, aprofundando-me na Linguística e, mais especificamente,
na Semiótica.
Pensando nisso, comecei um curso de francês, onde me apaixonei pelo meu
professor, hoje meu marido. Terminei a graduação e fui morar com ele em Porto Velho,
Rondônia. Meses depois, voltei para Balsa Nova, Paraná, e resolvi retomar meu plano do
mestrado. Fui então morar em São Paulo. Enfim, USP! Fui a convite do professor Ivã Carlos
Lopes, após enviar a ele meu Trabalho de Conclusão de Curso, e tive a oportunidade de ter
aula com José Luiz Fiorin, Mariana Luz Pessoa de Barros e Antonio Vicente Seraphim
Pietroforte. Conheci pessoas maravilhosas e pude crescer tanto academicamente quanto
pessoalmente.
Misteriosamente, aquele ano houve um erro, segundo um dos professores, e foi
exigida proficiência em inglês, ao invés de francês; tudo parecia conspirar a meu favor.
Gabaritei a prova e o sonho parecia real. Porém, no exame teórico, não passei. Voltei para
casa e vi, mais uma vez, meu sonho ser adiado.
Participei em 2015 do exame seletivo do PPGEL, para a área de Literatura. Não
passei.
Em 2017, comecei a estudar para concurso. Porém, a ideia de um dia ser mestre
ainda permanecia. Foi quando me deparei com uma especialização na UFSC, à distância, e
reacendeu em mim a chama acadêmica. Comecei a especialização e, simultaneamente,
estudava para o processo seletivo do PPGEL, agora na área de Linguística. Foi, então, que
me vi grávida!
Desta vez, não vi saída: uma vida crescia dentro de mim e iria depender das minhas
escolhas. Queria que o Vinicius tivesse orgulho de sua mãe e que ele soubesse que ela não
desistia de seus sonhos. Estudei, fiz o projeto e fiz a prova com ele. Passei!
Todo o percurso do mestrado foi de muito apoio. Apoio da minha família, apoio por
parte dos colegas do mestrado, apoio por parte dos professores do Programa, apoio por parte
da minha orientadora.
Meu marido e minha mãe foram meus alicerces em toda essa trajetória. Eles
abraçaram comigo essa causa e não mediram esforços em oferecer todo o suporte necessário
para que eu tivesse tranquilidade e condições para conduzir meus estudos. A eles, um
“obrigada” com todo meu coração!
Meus colegas de mestrado, que conheci apenas no meu segundo semestre de pós-
graduação, ofereceram-me suporte nas minhas dúvidas, quando ainda eu estava estudando à
distância, e, posteriormente, me acolheram na turma, ajudando-me na fase de ambientação.
Obrigada, meus companheiros de luta!
Meus professores, além de serem profissionais notáveis, foram também muito
humanos em todas as etapas de aula. Aulas de muita qualidade, escolhas textuais ímpares e
uma dedicação singular. Muito obrigada, vocês nos motivam e nos iluminam mostrando
novos caminhos e olhares!
Minha orientadora, Nívea, foi minha primeira escolha no processo seletivo e, se eu
tivesse que optar novamente a escolheria mais uma vez. Uma profissional de saber notável,
muito correta e alguém para se inspirar. Minha admiração por ela, enquanto mulher e
enquanto professora/orientadora, só cresceu ao longo desses dois anos em que tive a
satisfação de conhecê-la e tê-la ao meu lado nessa jornada. Professora Nívea, muito obrigada
por cada comentário, cada áudio, cada sugestão de leitura, por investir seu tempo e depositar
sua confiança em mim!
Aos membros da banca, obrigada por aceitarem o convite de acompanhar meu
trabalho. Obrigada, professor Atílio, pelas observações, pelas sugestões de leitura e,
principalmente, por me apresentar Ginzburg sob um novo ângulo muito além do indiciário.
Obrigada, professor Evandro, pelos mais variados questionamentos, os quais enriqueceram
meu trabalho e me fizeram olhar para as lacunas, especialmente, no que concerne à retórica
e à argumentação.
À UTFPR, meu “muito obrigada”, por oferecer a mim a chance de ser mais uma vez
aluna. São nove anos podendo dizer que sou aluna da UTFPR. Sonhei em estudar no prédio
verde desde menina e pude explorar seus corredores e todo o seu esplendor como centro de
ensino, ao máximo. Obrigada!
Procurei trazer um tom mais pessoal a esse agradecimento, pois essa etapa da minha
vida resume-se em uma palavra: GRATIDÃO! O título de mestre não é apenas, para mim,
um título significativo na minha carreira, é também uma conquista pessoal após muitas
negativas, muitas mudanças e uma pandemia.
RESUMO
FOLLONI, Aline Cristina de Souza. Discurso polêmico em mídias digitais: uma análise
dialógica de arenas discursivas. 2020. 134 f. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Linguagens, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2020.
Este trabalho tem como objetivo geral compreender e descrever os modos de construção,
produção e circulação do discurso polêmico em propagandas produzidas em mídia digital.
Para tanto, foram estabelecidos os seguintes: a) identificar, descrever e analisar o discurso
polêmico em propagandas em mídia digital, mais especificamente nas principais redes
sociais, YouTube, Twitter, Facebook e Instagram; b) observar e descrever os espaços/mídias
em que circula tal discurso (redes sociais), bem como seu papel na construção do discurso
polêmico; c) reconhecer e analisar o papel dos enunciadores na ampliação, na reacentuação
ou na contraposição do discurso polêmico; e, por fim, d) identificar e analisar o papel das
hashtags na ampliação do discurso polêmico. Desse modo, fundamentando-se teórica e
metodologicamente na Concepção Dialógica de Linguagem, do Círculo de Bakhtin
(BAKHTIN, 1981 [1963]; BAKHTIN, 1987; BAKHTIN, 2002 [1975]; BAKHTIN, 2003
[1951/1953]; BAKHTIN, 2008 [1963]; BAKHTIN, 2010 [1920]; BAKHTIN, 2014 [1975];
BAKHTIN, 2015 [1930]; MEDVIÉDEV, 2012 [1928]; VOLÓCHINOV, 2013 [1930];
VOLÓCHINOV, 2018 [1929]), busca-se elucidar conceitos no tocante à linguagem, ao
discurso e ao enunciado e assume como perspectiva analítica a Análise Dialógica do
Discurso (ADD) com base em Brait (2006); Rohling (2009; 2014) Acosta Pereira (2012) e
Rodrigues (2005) e no Método Sociológico de Estudo da Linguagem (MEDVIÉDEV, 2012
[1929]; VOLÓCHINOV, 2018 [1929]). No que diz respeito ao discurso polêmico, parte-se
dos estudos desenvolvidos pela pesquisadora francesa Ruth Amossy (2017; 2018; 2019),
cujos trabalhos aprofundam-se acerca da natureza da polêmica da arte da argumentação e da
retórica. Sendo assim, esta pesquisa delineia-se a partir da materialização do discurso
polêmico em três propagandas na cultura digital, publicadas na plataforma do YouTube e
reverberadas em outras redes sociais, pelos próprios usuários da rede, por meio do endosso
de uma opinião acerca do debate gerado com a divulgação da peça publicitária. A
pertinência deste estudo reside no enfoque dado às práticas discursivas hipersemiotizadas e
produzidas nessa e para esta cultura digital. Além disso, mostra-se também relevante uma
vez que revisita o conceito de polêmica, resgatando-o, desde as raízes aristotélicas até as
tradicionais acepções de Perelman e Olbrechts-Tyteca, para atualizá-lo no espaço da
cibercultura. E, finalmente, esta pesquisa possibilita a ampliação das discussões propostas
por Amossy em terras brasileiras, no que toca à arte de polemizar em prol de uma
democracia mais plural.
FOLLONI, Aline Cristina de Souza. Polemical discourse on the social media: a dialogical
interaction analysis in discursive arenas. 2020. 134 f. Dissertação – Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagens, Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Curitiba, 2020.
Figura 1 - "Boys will be boys" x "That’s not how we treat each other, okay?" .....................17
Figura 2 - Repercussão no Twitter..........................................................................................18
Figura 3 - Meme produzido a partir da polêmica envolvendo a Gillette, publicada no Twitter
................................................................................................................................................19
Figura 4 - Screenshot do vídeo publicado no YouTube postado no Instagram ......................19
Figura 5 - Postagem no Facebook ..........................................................................................20
Figura 6 - Sistema de busca do Twitter ..................................................................................56
Figura 7 - Sistema de busca do Instagram .............................................................................56
Figura 8 - Sistema de busca do Facebook ..............................................................................57
Figura 9 - Exemplo de restrição de público em uma postagem no Facebook ........................57
Figura 10 - Ferramentas de publicação no Twitter .................................................................64
Figura 11 - Exemplo de tweet com mesclagem de texto e vídeo (TB01) ...............................65
Figura 12 - Opções dentro do campo "reações" do Twitter ....................................................65
Figura 13 - Interface do Twitter, versão mobile .....................................................................67
Figura 14 - Interface do Facebook, versão mobile .................................................................67
Figura 15 - Interface do Instagram, versão mobile ................................................................68
Figura 16 - TK01 ....................................................................................................................69
Figura 17 - IG01 .....................................................................................................................71
Figura 18 - Opções de compartilhamento do Instagram ........................................................71
Figura 19 - Ampliação do modo "curtir” (FK01) ...................................................................72
Figura 20 - Sequência de sentimentos recorrentes diante da postagem .................................72
Figura 21 - Opções de compartilhamento do Facebook .........................................................73
Figura 22 - Opções de compartilhamento do YouTube ..........................................................74
Figura 23 - YG01 ....................................................................................................................74
Figura 24 - Campo comentários do YouTube .........................................................................75
Figura 25 - Modo de exibição dos comentários .....................................................................75
Figura 26 - Screenshot do anúncio da Empiricus ...................................................................76
Figura 27 - IG01 .....................................................................................................................77
Figura 28 - TB02 ....................................................................................................................77
Figura 29 - TB03 ....................................................................................................................77
Figura 30 - TB04 ....................................................................................................................78
Figura 31 - TB05 ....................................................................................................................79
Figura 32 - TB06 ....................................................................................................................79
Figura 33 - IB01 .....................................................................................................................79
Figura 34 - IB02 .....................................................................................................................80
Figura 35 - IB03 .....................................................................................................................80
Figura 36 - Meme Bettina (TB07) ..........................................................................................85
Figura 37 - TB08 ....................................................................................................................86
Figura 38 - Tweet que deu origem à hashtag #metoo.............................................................89
Figura 39 - Tweet de 30 de agosto de 2020 ............................................................................89
Figura 40 - A doxa de se barbear em frente ao espelho do banheiro .....................................92
Figura 41 - Propaganda de 1989 .............................................................................................93
Figura 42 - Enunciado de 1989 citado no de 2019 (YG02)....................................................94
Figura 43 - Segundo trecho da propaganda de 1989 exibido na campanha de 2019 (YG03) 94
Figura 44 - Rompimento com a voz do enunciado de 1989 (YG04) .....................................96
Figura 45 - Trecho da campanha em que noticiários comentam as denúncias envolvendo o
movimento "me too." ..............................................................................................................97
Figura 46 - Clichê do Bullying (YG05) ..................................................................................98
Figura 47 - Clichê do fiu-fiu, inclusive em desenhos animados (YG06) ...............................99
Figura 48 - Clichê dos programas de TV fazendo humor com assédio (YG07) ....................99
Figura 49 - Clichê da objetificação da mulher (YG08) ..........................................................99
Figura 50 - Clichê do mundo de negócios ser chefiado por homens e a prática do
manterrupting (YG09)..........................................................................................................100
Figura 51 - Clichê do clichê - Boys will be boys (YG10) ....................................................100
Figura 52 - Terry Crews apoiando o movimento "me too." e declarando que a
responsabilidade sobre tais atitudes recaem sobre os próprios homens (YG11) ..................101
Figura 53 - Rapaz repreende o outro por mexer com as meninas (YG12) ...........................101
Figura 54 - Rapaz impede que o outro avance em direção à moça (YG13) .........................101
Figura 55 - Exibição de homens reais "fazendo a coisa certa" : apartando brigas (YG14) ..102
Figura 56 - Exibição de homens reais “dizendo a coisa certa”: valorizando as mulheres
desde cedo, enquanto pais (YG15) .......................................................................................102
Figura 57 - Rompendo o clichê de "boys will be boys" (YG16) ..........................................102
Figura 58 - Desfecho inspirador da cena que perpassa o vídeo (YG17) - vide YG04 e YG05
..............................................................................................................................................103
Figura 59 - The men of tomorrow .........................................................................................104
Figura 60 - "The Best a Man Can Get" reenunciado (YG18) ..............................................104
Figura 61 - Polêmica velada (YG19) ....................................................................................105
Figura 62 - "Gillette não terá mais meu dinheiro" (TG01)...................................................106
Figura 63 - "Meu nome é #Mustard e eu estou destruindo minha lâmina de barbear
#Gillette" (TG02)..................................................................................................................106
Figura 64 - O boicote, inclusive, chegou ao Brasil (TG03) .................................................107
Figura 65 - "Eu trouxe a vocês o amor"; "Está trazendo amor! Não deixem que fuja!
Quebrem as pernas deles!" (IG02) .......................................................................................107
Figura 66 - Tweet repostado no Instagram (IG03) ...............................................................108
Figura 67 - Egard Watches publicou o vídeo tanto no YouTube quanto no Instagram (IG04)
..............................................................................................................................................108
Figura 68 - Tweet elogiando a iniciativa da empresa, com um link de um jornal (TG4) .....109
Figura 69 - Vídeo de reação entre pais e filhos ao comercial (YG20) .................................109
Figura 70 - Krespinha ...........................................................................................................110
Figura 71 - Black Lives Matter no Brasil .............................................................................113
Figura 72 - O perfil Black Lives Matter americano propõe um boicote, em nível
internacional, à rede Carrefour, após o ocorrido no Rio Grande do Sul ..............................114
Figura 73 - Uma das reações-resposta ativa direcionada à Bombril (IK03) ........................115
Figura 74 - Repercussão por parte de maioria negra diante do produto Krespinha (TK02) 116
Figura 75 - TK03 ..................................................................................................................117
Figura 76 - IK01 ...................................................................................................................118
Figura 77 - YK01 ..................................................................................................................119
Figura 78 - IK02 ...................................................................................................................120
Figura 79 - Comentário em IK02 .........................................................................................120
Figura 80 - Réplica do comentário agressivo (IK02) ...........................................................121
Figura 81 - FK01 ..................................................................................................................121
LISTA DE TABELAS
4. VAMOS ÀS POLÊMICAS?........................................................................................... 61
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
luz, sob uma perspectiva dialógica de linguagem, estudos que contemplem a materialização
dos discursos produzidos nas mídias digitais; uma vez que essas mídias têm representado um
dos principais meios de interação entre os integrantes da vida pública.
Nesse sentido, confere-se às mídias um papel de destaque na formação de opinião
pública. Os materiais impressos, tais como jornais e revistas, os equipamentos eletrônicos,
como a televisão e o rádio, e os conteúdos digitais, presentes, especialmente, na Internet,
propiciam a produção e a circulação de discursos, de modo a cambiar valorações sobre os
temas em circulação social. Essa função torna-se ainda mais acentuada no meio digital, visto
que se verifica uma simultaneidade de vozes dissonantes entre si, promovendo um embate
de ideias; sendo, dessa forma, um campo fértil para a criação da polêmica.
É importante destacar que, na esfera pública, o que se observa é um predomínio do
dissenso, principalmente, em se tratando da produção discursiva que circula na Internet. Isso
porque o usuário, diferentemente do telespectador/ouvinte de rádio/leitor de impressos, tem
maior possibilidade de interagir e, consequentemente, de expor/materializar sua opinião, por
meio dos comentários nos próprios sites de notícias, de uma postagem no Facebook, de um
tweet no Twitter ou do stories no Instagram.
O usuário digital, a partir dessa responsividade ativa, contribui para a circulação, a
promoção de debates e o acaloramento de discussões acerca dos temas que circulam na
mídia; enquanto as instituições são as responsáveis por controlar e manipular o agendamento
de temas a serem veiculados, direcionando o interesse do público, favorecendo a falsa ilusão
de autonomia por parte dos usuários1. De acordo com o professor e jornalista Maxwell
McCombs (2009), “Enquanto muitos temas competem pela atenção do público, somente
alguns são bem-sucedidos em conquistá-lo, e os veículos noticiosos exercem influência
significativa sobre nossas percepções sobre quais os assuntos mais importantes.” (p. 19).
Quem se beneficia desse agendamento são as propagandas de marcas, de produtos ou
de serviços que ganham notoriedade nas mídias por alguma razão, inclusive, sendo objeto de
polêmicas.
Propaganda, segundo a definição de Nickels e Wood (1999), é “qualquer
comunicação paga e não-pessoal iniciada por uma empresa com o objetivo de criar ou
1
A polêmica pode irromper também a partir do descontrole; isto é, os usuários, por meio de comentários e
postagens, podem encaminhar a discussão nas mídias digitais de modo a desestabilizar o debate, podendo
acarretar em bloqueios e/ou banição de comentários, denúncias e, inclusive, tentativa de exclusão do conteúdo,
por parte das empresas. Essas ações podem inflamar ainda mais a polêmica uma vez que representa uma
posição dentro da arena discursiva: dar voz ao silenciamento. Entende-se que o silêncio, dentro da Análise do
Discurso Francesa, é prenhe de sentidos (ORLANDI, 1997), assim, provocar o silenciamento dos usuários
(censurar) ou abster-se em se pronunciar a respeito de um assunto é também uma forma de resposta.
15
continuar relações de troca com os clientes, e muitas vezes com os outros grupos de
interesses.” (p. 323). A concepção de “não-pessoal” empregada aqui refere-se, justamente,
pela intermediação da mídia, isto é, existe um veículo responsável em produzir e fazer
circular a propaganda, não sendo, portanto, repassada de pessoa para pessoa (pessoal).
Entretanto, observa-se que essa característica de impessoalidade da mídia vem sendo
desmontada a partir da relação entre usuários de redes sociais. Apesar de ainda haver uma
mídia intermediando a propaganda, os próprios usuários podem retransmitir esses materiais
em suas páginas/perfis pessoais, aumentando o alcance da publicidade em questão.
As redes sociais são, segundo Recuero (2014), grupos sociais formados por pessoas
em interação. Portanto, Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Whatsapp, entre outros
ciberespaços, são ferramentas que proporcionam a interação de seus usuários. Assim, são as
pessoas e, mais especificamente, suas conversações que compõem esses ambientes digitais,
“traze[ndo] informações sobre sentimentos coletivos, tendências, interesses e intenções de
grandes grupos de pessoas.” (p.17).
Desse modo, nota-se um crescente interesse das marcas em promover propagandas
inseridas, quase que exclusivamente, nas redes sociais. Essa estratégia é profícua, conforme
aponta Philip Kotler (2009), uma vez que a publicidade faz-se “sozinha”, acarretando menor
custo para as empresas; maior liberdade de criação dos comerciais, tendo em vista a vasta
gama de recursos audiovisuais possíveis dentro das ferramentas digitais, além da
inexistência da limitação no tempo de exibição/transmissão, como ocorre com as mídias
tradicionais, tais como o rádio e a televisão; além de tornar-se atemporal, considerando a
facilidade em resgatá-la por meio dos mecanismos de busca disponíveis na Internet.
Santos (2018) adaptou um quadro comparativo proposto por Ferreira Jr. e Queiroz
(2015) entre as mídias tradicionais e as digitais; e o que se observa é o papel ativo do
consumidor na propagação e na manutenção da publicidade, uma vez que o veículo – mídias
sociais -, em que é divulgada a propaganda, possibilita a interação de usuários, seu
compartilhamento e ganha repercussão por meio de comentários, memes ou polêmicas
envolvendo seu conteúdo. No que diz respeito ao marketing tradicional, o qual se utiliza do
rádio, da televisão e de materiais impressos para sua divulgação, além de uma relação mais
agressiva com o consumidor, ao “empurrar” o conteúdo, interrompendo a programação, a
mensagem transmitida é unilateral, isto é, não traz o elemento da pessoalidade ao produto
ou à marca, permitindo o estabelecimento de uma relação entre seus clientes e seu anúncio.
A partir desse panorama, podemos aventar que há uma posição mais ativa por parte
dos usuários na propagação e manutenção da publicidade disponibilizada por meio do
16
marketing digital2. Essa relação pode ser percebida com base nos verbos elencados na
comparação: divulgar x publicar – “publicar” nesse contexto está relacionada com a ação
digital de postar algo em algum lugar na rede, em oposição à ideia de “divulgar”, que
pressupõe um ato unilateral, próximo à noção de “comunicar”; esperar x buscar – as
empresas esperam em uma mídia tradicional o interesse pelo público, enquanto na digital, o
público busca as empresas; interromper x compartilhar – aqui as ações remetem a uma
relação mais amistosa entre consumidor e empresa, enquanto na mídia tradicional a
publicidade é imposta, na digital, há uma conexão consensual; comunicar x interagir –
novamente, nesse aspecto, busca-se com o espaço virtual uma aproximação entre cliente e
empresa, diferentemente de um relacionamento impositivo.
Essa relação de proximidade estabelecida entre consumidor e empresa favorece a
formação de uma identidade, isto é, o usuário da rede identifica-se, ou não, com determinada
marca ou determinado produto3. E “[à] proporção que as características do consumidor
forem similares às da marca - e vice-versa -, podemos dizer que há uma grande possibilidade
desses parceiros estabelecerem um relacionamento (duradouro).” (MELLO; FONSECA,
2008). Tal relacionamento pode ser fomentado a partir de propagandas, em que há a
mobilização de emoções (pathos) a fim de atrair e aproximar o público-alvo. São por meio
de anúncios publicitários que a empresa coloca-se no mercado, expondo sua missão, seus
valores e seu posicionamento diante de temas da sociedade. Assim, ao abordar assuntos
relevantes, dentro de uma sociedade, por meio de propagandas, em que há a opinião
veiculada de uma empresa/marca sobre aquele tópico, propõe-se a discussão entre seu
público-alvo e outros, que podem ser favoráveis ao posicionamento e passar a estar, então,
dispostos a contribuir com aquela causa, divulgando ou adquirindo produtos. Por outro lado,
haverá outra parcela de público contrário, o qual poderá promover um debate e, às vezes até
mesmo, sugerir um boicote, tendo em vista sua indisposição com as ideias daquela empresa.
Esse movimento gera uma polêmica entre públicos o que direciona a empresa ou a marca
para uma arena discursiva. Sendo as redes um dos maiores espaços em que há a promoção
de debates, a peça publicitária passa a ganhar uma visibilidade dentro desse espaço virtual,
gerando um maior alcance de seu nome.
2
O marketing digital é um desdobramento do conceito de marketing em que há a utilização dos recursos
digitais visando o relacionamento entre empresa e cliente de modo mais rápido, personalizado e significativo,
de acordo com a explicação da Escola do Marketing Digital, em sua página de apresentação.
3
Essa formação, inclusive, tem sido denominada de tribalismo pós-moderno, uma vez que usuários agrupam-
se virtualmente de acordo com seus interesses comuns. O conceito foi proposto por Lívia de Pádua Nóbrega,
na obra Construção de identidades nas redes sociais. Definição em:
https://edisciplinas.usp.br/mod/glossary/showentry.php?eid=1902
17
Exemplos nas redes sociais não faltam. Basta digitar na barra de busca do YouTube
“propaganda polêmica” e ter acesso às mais variadas propagandas, de diferentes produtos,
marcas ou serviços, antigas ou atuais, protagonistas de debates por diversos motivos. Porém,
o que se verifica é que a arena em que se instaura a discussão dos pontos de vista
divergentes migra, com relativa frequência, de rede social, ganhando contornos próprios de
cada rede. Não é incomum deparar-se com um tweet acerca de uma publicidade originária
do YouTube, por exemplo.
Apenas à título de ilustração, tome-se a propaganda da Gillette4, lançada em 13 de
janeiro de 2019. “The best men can be”5 é uma atualização do antigo slogan da marca, “The
best a man can get”6, lançado em 1989. Esse relançamento busca ressignificar a concepção
de masculinidade, criticando atitudes “típicas” de homens que se repetem geração após
geração: o fiu-fiu nas ruas, a briga entre colegas, o bullying, a agressividade nas
brincadeiras, entre outros comportamentos. A ideia da peça publicitária é rebater essa
postura de normalizar para as crianças o assédio sexual e a violência, considerados próprios
do sexo masculino, podendo ser encarada como uma masculinidade tóxica, uma alusão ao
movimento MeToo7.
Figura 1 - "Boys will be boys" x "That’s not how we treat each other, okay?"8
4
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=koPmuEyP3a0
5
“O melhor que os homens podem ser” (tradução da autora)
6
“O melhor que um homem pode conseguir” (tradução da autora)
7
O movimento MeToo criado pela ativista norte-americana Tarana Burke, em 2006, busca apoiar,
principalmente, mulheres jovens negras a denunciarem abusos e assédios sexuais. Em 2017, a frase tornou-se
hashtag (#metoo) e invadiu as redes sociais após a série de denúncias contra o produtor hollywoodiano Harvey
Weinstein. Alyssa Milano, atriz americana, foi a primeira a utilizar a #metoo em sua conta pessoal do Twitter e
lançou um convite a todos que já sofreram algum tipo de violência sexual a responderem seu tweet com a
mesma hashtag. A atitude dela ganhou proporção mundial, graças ao alcance das redes sociais, e deu a
oportunidade de homens e mulheres de demonstrar empatia e, de certa forma, caminharem para a superação de
um trauma. No último capítulo, há mais detalhes acerca desse movimento.
8
“Garotos sendo garotos” x “Essa não é forma que devemos nos tratar, ok?”, tradução da autora.
18
9
Likes e dislikes em 05 abr. 2020, às 11h13.
10
O que se observa é a manutenção do uso de hashtags que perpetuam a polêmica, conectando enunciados
constituindo uma cadeia enunciativa. Todos os screenshots, apresentados neste capítulo inicial, foram obtidos
por meio da pesquisa do uso da hashtag #thebestmencanbe, o slogan da campanha.
11
Piers Morgan: “Eu sempre usei a lâmina de barbear @Gillette, mas esse moralismo sem noção faz com que
eu queira me afastar desse atual ataque patético global sobre masculinidade. Deixem meninos serem meninos,
droga. Deixem homens serem homens, droga.” (Tradução da autora).
Paul Joseph Watson: “Insultar a maioria dos seus próprios consumidores afirmando que todos devem
ser abusadores e desagradáveis tem que ser considerada como a campanha de marketing mais original em
décadas” (Tradução da autora).
James Woods: “Tão legal ver a @Gillette juntando-se à campanha promovida pela mídia e por
Hollywood de que “homens são horríveis”. Eu sou um que nunca mais uso um produto deles novamente.”
(Tradução da autora).
Greg Gutfeld: “Os únicos aplaudindo a propaganda da Gillette são aqueles que trabalham com
publicidade, todos os outros veem pelo que é: Um sinal condescendente e bajulador de um moralismo
direcionado a homens trabalhadores e decentes que eles têm "enfiado a faca" por anos.” (Tradução da autora).
19
Fonte: Tweet do Departamento de Estudos Femininos e de Gênero da Universidade do Missouri (10 mai. 2019)
12
“Convido vocês a darem dislike no YouTube no comercial da Gillette. Por quê? Pela sua contribuição a
guerra dos sexos e a demonização do homem.” (Tradução da autora)
20
Dessa forma, voltar-se para esse modo de produção é uma possibilidade de ampliar a
compreensão que se tem do que é a cultura digital e de que modo ela opera, contemplando
sua principal ferramenta: a linguagem.
22
13
Calidoscópio Vol. 11, n. 3, p. 241-249, set/dez 2013 © 2013 by Unisinos - doi: 10.4013/cld.2013.113.02.
Disponível em: http://www.revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/viewFile/cld.2013.113.02/3761
23
2. REFERENCIAL TEÓRICO
autor)
Sob esse prisma, portanto, assume-se língua como um objeto vivo e dinâmico,
estratificado e impregnado de ideologia, valores e sentidos. Nela, registram-se camadas
tanto de dialetos, no sentido linguístico do termo, quanto na variedade de linguagens
(socioideológicas, de grupos sociais, profissionais, de gerações, de gêneros, etc.)
(BAKHTIN, 2015 [1975], p. 41); enredando-se em sua materialidade heterodiscursiva14.
Heterodiscurso, na visão bakhtiniana, segundo palavras de Bezerra, no prefácio de
Teoria do Romance I (2015),
é o produto da estratificação interna de uma língua nacional única em dialetos
sociais, falares de grupos, jargões profissionais, e compreende toda variedade de
vozes e discursos que povoam a vida social, divergindo aqui, contrapondo-se ali,
combinando-se adiante, relativizando-se uns aos outros e cada um procurando seu
próprio espaço de realização. O resultado de tudo isso é um mundo povoado por
um heterodiscurso oriundo das linguagens de gerações e das faixas etárias, das
tendências e dos partidos, das autoridades, dos círculos e das modas passageiras,
dos dias sociopolíticos e até das horas, em suma, de todas as manifestações da
experiência humana individual e social e da vida das ideias. Trata-se de um
universo discursivo povoado por uma diversidade de linguagens e vozes sociais,
que são pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua compreensão
verbalizada, horizontes semânticos e axiológicos. (p. 12-13)
14
Paulo Bezerra, tradutor das obras de Bakhtin direto do russo, destaca no Prefácio de Teoria do Romance I, a
dificuldade em manter-se fiel ao conteúdo da obra e a escolha lexical da língua de partida, uma vez que, nem
sempre a língua contempla o termo adequado a atender a demanda de tradução. Um desses casos, segundo o
autor, é a palavra russa “raznorétchie”, que significa “diversidade de discursos” ou “heterodiscurso”. No
Brasil, adotou-se “heteroglossia” ou “plurilinguismo”, em algumas traduções, porém, o tradutor entende que
tais termos não correspondem à ideia bakhtiniana de “diversidade de discursos”. Portanto, Bezerra optou, em
Teoria do Romance I (2015), utilizar a expressão “heterodiscurso” a fim de aproximar-se da noção russa do
termo. Sendo assim, assume-se também nesta pesquisa o emprego do termo “heterodiscurso”.
15
Bezerra (2015), ainda no prefácio de Teoria do Romance I.
26
16
O conceito de enunciado é fundante nesta pesquisa, uma vez que a propaganda é tomada como tal.
17
Rodrigues (2005) faz uma compilação das principais definições de enunciado para a linguística textual e para
a semântica argumentativa: a primeira concebe enunciado como sendo a parte constituinte de um texto,
podendo ser, inclusive, considerado como sinônimo de frase (KOCH; TRAVAGLIA, 1989). A segunda, por
sua vez, toma enunciado como sendo a manifestação concreta de uma frase em um dado contexto (DUCROT,
1987). Ambas definições assumem, ainda segundo Rodrigues (2005), uma subordinação do enunciado em
relação ao texto.
28
também surge desse diálogo como seu prolongamento, como sua réplica, e não
sabe de que lado ele se aproxima desse objeto. (BAKHTIN, 2002 [1975], p. 86).
Sob esse prisma, o enunciado pode ser considerado fruto de um intenso diálogo na
historicidade. Do ponto de vista da historiografia, Carlo Ginzburg, referência neste trabalho
no tocante à metodologia, pontuou em um de seus trabalhos a relação dialógica presente em
processos inquisitoriais. Segundo o historiador, é possível verificar, nesses processos, a
presença de vozes conflitantes – a do inquisidor e a do réu. Os interrogatórios servem de
arquivo linguístico ao registrar as perguntas e as respostas envolvendo questões de feitiçaria
e rituais em uma dada época. Entretanto, Ginzburg (1991) pondera que muitos desses
materiais representam uma relação monológica, uma vez que ao interrogar, os inquisidores
apenas buscavam uma comprovação de suas acusações, “no sentido de que as respostas dos
réus eram muito frequentemente apenas um eco das perguntas dos inquisidores.” (p.14).
Cabe nesse ponto, trazer à luz as reflexões de Souza (2015), o qual se opõe a essa
visão de Ginzburg em que há relações monológicas na linguagem, no sentido bakhtiniano
do termo. Souza (2015) defende que a historiografia é construída por meio das lentes do
historiador, isto é, as escolhas e os recortes são feitos sob a ótica do pesquisador e o que se
tem é um “quebra-cabeça narrativo” (p. 8):
Pensar teoricamente o dialogismo, contudo, leva-nos também a considerarmos
que, dentro de tal cadeia enunciativa, pensar um contexto é nada mais que pensar
um agenciamento de textos históricos que completam um quebra-cabeça narrativo.
As peças utilizadas podem variar em diversos graus. Mais ainda, o passado em si
está nublado pelo número abundante de textos que precedem uns aos outros, num
túnel sem luz de saída. O passado, portanto, e a história “em si”, são opacos. Há
apenas a historiografia, imbuída da ambiguidade inevitável de sua linguagem,
informando-nos sobre o sucedido. (SOUZA, 2015, p. 8).
Tal reflexão não se restringe apenas à criação estética. É possível trazê-la à vida
diária na relação entre o mundo à nossa volta e a todos ao nosso redor. Apenas por meio do
olhar e da memória do outro podemos ter acesso ao nosso “todo”, ou seja,
[...] o homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, da sua visão e da
sua memória; memória que o junta e o unifica e que é a única capaz de lhe
proporcionar um acabamento externo. Nossa individualidade não teria existência
se o outro não a criasse. A memória estética é produtiva: ela gera o homem
exterior pela primeira vez num novo plano da existência. (BAKHTIN, 1997
[1979], p. 55, grifo do autor).
totalmente dado; o simples fato de que eu comecei a falar sobre ele já significa que
eu assumi uma certa atitude sobre ele – não uma atitude indiferente, mas uma
atitude efetiva e interessada. E é por isso que a palavra não designa meramente um
objeto como uma entidade pronta, mas também expressa, por sua entonação (...),
minha atitude valorativa em direção ao objeto, sobre o que é desejável ou
indesejável nele, e, desse modo, coloca-o em direção do que ainda está para ser
determinado nele, torna-se um momento constituinte do evento vivo em processo.
(BAKHTIN, 2010 [1986], p. 50, grifo meu).
18
O dinamismo da enunciação diz respeito à possibilidade de retomada e reenunciação dos enunciados, em um
constante movimento responsivo.
19
Na tradução de Sheila Grillo, feita diretamente do russo, optou-se em utilizar a palavra “palco”; entretanto,
verifica-se em outras traduções, a escolha do termo “arena”: “Em suma, em toda enunciação, por mais
insignificante que seja, renova-se sem cessar essa síntese dialética viva entre o psíquico e o ideológico, entre a
32
Desse modo, sabendo que o discurso polêmico é permeado por relações dialógicas e
que tais relações exprimem justamente esse tensionamento, é possível reconhecer essa
característica intrínseca na natureza da polêmica: o discurso polêmico como a materialização
desse tensionamento, alcançando o limite dessa linguagem, de modo a construir o horizonte
apreciativo de quem está inserido nessa arena.
É possível aventar que, na contemporaneidade, um desses espaços sociodiscursivos
profícuos para a produção e circulação de discurso polêmico é a Internet. A Internet,
inserida na Cultura Digital, é marcada por ser o lugar do debate ou, ainda, a praça pública
contemporânea para as arenas discursivas e tensionamentos na linguagem. Cultura digital,
por sua vez, é compreendida, neste estudo, como “um processo, um conjunto de práticas.
[...] Assim, a cultura depende da interpretação significativa do que está acontecendo ao redor
dos participantes e do ‘fazer sentido’ do mundo de maneira similar.” (HALL, 2006).
Dessa maneira, unindo esse conceito e a concepção que se tem de “digital”,
depreende-se a definição do que vem a ser a “cultura digital”.
Considera-se cultura digital, portanto, o conjunto de práticas associadas a um novo
modo de pensar e agir sobre o mundo, mediado por tecnologias da informação e
comunicação, não restrita a um espaço físico ou a um ponto específico no mapa, mas
desenvolvida a partir de uma construção coletiva e global. Essa acepção está em sintonia
com o que Francisco Rüdiger, em seu livro As Teorias da Cibercultura: Perspectivas,
questões e autores (2013), propõe: “[a cibercultura] poderia bem ser definida como a
formação histórica, ao mesmo tempo prática e simbólica, de cunho cotidiano, que se
expande com base no desenvolvimento das novas tecnologias eletrônicas de comunicação.”
(p. 11).
Rüdiger, nessa mesma obra, realiza um levantamento das principais discussões
envolvendo tanto o termo quanto as correntes de estudos direcionadas ao tema. É relevante
mencionar que Rüdiger destaca a forte presença da publicidade e do mercado nesse espaço
cibernético a partir da década de 90.
[A] cibercultura deve ser vista, sem espanto, como uma formação em que, em vez
vida interior e a vida exterior. Em todo ato de fala, a atividade mental subjetiva se dissolve no fato objetivo da
enunciação realizada, enquanto que a palavra enunciada se subjetiva no ato de descodificação que deve, cedo
ou tarde, provocar uma codificação em forma de réplica. Sabemos que cada palavra se apresenta como uma
arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra
revela-se, no momento de sua expressão, como o produto da interação viva das forças sociais.”
(VOLOCHÍNOV, 2006 [1929/1930], p. 66, grifo meu).
33
20
Prova viva dessa relação pode ser percebida agora (2020) em tempos de pandemia em que o uso de redes
sociais subiu, principalmente, aqui no Brasil, e, consequentemente, a compra por itens não-essenciais – 62% de
aumento, em comparação ao mesmo período do ano passado, contra 21% da média global. Isso, sem
mencionar, o crescente número de usuários que adotaram a compra on-line de serviços essenciais. Logo no
início do isolamento social, no Brasil, foram registrados aumentos de 80% e 111%, em mercado e saúde, por
exemplo. Considerando tantos itens essenciais quanto não-essenciais, estima-se que esse crescimento já atingiu
40%, segundo um estudo mais recente, do começo de julho, se comparado a 2019 .
Pode-se inferir, com isso, uma ligação entre o uso de redes sociais, onde é possível ter contato
frequente e direto com anúncios publicitários e o aumento do número de compras entre os usuários;
especialmente, se considerarmos o grande apelo para que as pessoas fiquem mais em casa, restringindo, dessa
forma, as opções de lazer dos indivíduos – quando, muitas vezes, se recorre ao uso de tecnologias digitais –, e,
associado a isso, o estresse provocado pelo isolamento social, o que pode desencadear compulsões, entre elas,
a de compra.
21
Bots são programas de computador criados para desempenhar tarefas pré-determinadas e repetitivas na
Internet. O uso de bots foi amplamente discutido nas eleições presidenciais aqui do Brasil, com Aécio Neves
(PSDB) e Dilma Rousseff (PT), em 2014. O emprego desse recurso facilita a disseminação de notícias falsas
(fake news) e acentua a polarização entre grupos partidários, no caso da política. O mesmo caso ocorreu nas
eleições, também para presidente, nos Estados Unidos, sendo Donald Trump o nome mais citado quando se
trata de bots.
34
Cabe aqui mencionar uma das características que vem ganhando espaço,
principalmente, dentro das redes sociais: o humor. Memes, TikToks, dublagens, reels,
stories, e outros recursos disponíveis nas redes sociais favorecem a grande adesão por parte
dos usuários, quando se trata de entretenimento. Esse modo de observar a realidade e
produzir humor a partir das mais variadas situações do cotidiano podem, de certa forma, ser
consideradas como, no sentido bakhtiniano do termo, uma carnavalização.
Bakhtin discorre acerca da carnavalização, mais especificamente, da literatura, na
obra Problemas da Poética de Dostoiévski (1981). Na perspectiva bakhtiniana, essa relação
na literatura parte do princípio de que carnaval é uma forma sincrética de espetáculo, a qual
consiste em uma linguagem diversificada, em que são combinados elementos simbólicos
concreto-sensoriais.
Para além do contexto do corpus literário como no caso de Rabelais, podemos pensar
nos discursos contemporâneos em que o conceito de carnaval aponta para o
ofuscamento/borramento das fronteiras hierárquicas, uma vez que a distância entre os
22
“Carnavalesco” não se restringe apenas à festa, trata-se de uma espécie de estado de espírito, em que se vive
“um segundo mundo, uma segunda vida” (BAKHTIN, 1987, p. 05), contraposta àquela tida como “oficial”,
marcada pela sobriedade e racionalidade.
35
23
Apesar de a relação entre Igreja e sociedade ser ainda bastante presente em nosso tempo, verifica-se que uma
contracorrente tem lutado por visibilidade e tem ganhado espaço e direitos. De qualquer maneira, reconhece-se
que a Igreja ainda detém a palavra autoritária de modo a controlar e determinar leis e condutas.
24
Falar de democracia de um espaço cibernético implica em escolher caminhos: pode-se pensar na exclusão
digital, que afeta boa parte da população mais desfavorecida, seja por falta de infraestrutura (aparelhos
celulares, computadores ou mesmo uma conexão à Internet), ou pelo analfabetismo digital (idosos que não
conseguem ir sozinhos ao banco ou não têm facilidade para lidar com um celular, por exemplo), o que já
compromete o que se entende por democracia. Neste estudo, porém, direcionou-se o questionamento do
aspecto democrático da Internet no que diz respeito ao controle do que é produzido por uma grande mídia,
desembocando no que se entende por Teoria da Agenda.
37
serem colocados em destaque ao público, isto é, certos temas ganham notoriedade, sendo,
desse modo, capaz de intervir na realidade social (NERY; TEMER, 200925 apud
MENDONÇA; TEMER, 2015).
Essa alteração da realidade social não se refere ao quê as pessoas devem pensar e,
sim, sobre quais temas elas devem pensar. Assume-se, portanto, que
a mídia é um instrumento que constrói imagens do real para os sujeitos, pois estes
não têm acesso a todos os acontecimentos do mundo. Os meios estabelecem um
papel em que levam recortes para as pessoas, algo que altera suas percepções, em
uma perspectiva mais abrangente, de forma que ao longo do tempo equacionam
efeitos consistentes. (NERY; TEMER, 2015).
25
Não foi possível localizar esta obra para consulta, uma vez que as edições se encontram esgotadas.
26
Há discussões envolvendo a terminologia “teoria/hipótese” no diz respeito ao agendamento, uma vez que,
para alguns autores, não se trata de uma teoria visto que é ainda um estudo inacabado, em construção. Para fins
de aprofundamento ver Hohlfeldt (1997), Wolf (2005), Nery & Temer (2009) e Formiga (2006).
38
Os primeiros passos, do que hoje tomamos por polêmica, remontam à Grécia Antiga.
O próprio termo tem origem na palavra grega polemikós27, e tem como significado “relativo
à guerra”28. Contudo, apesar dessa denotação bélica, os primeiros estudos da polêmica
assentam-se na retórica, “a arte de falar bem”.
27
Πολεμικός (grego antigo).
28
Por ser um vocábulo antigo, foi localizada a definição apenas em uma seção especial, dedicada a
curiosidades, na página do verbete polemic, no dicionário Merriam-Webster. Em uma breve descrição da
etimologia da palavra inglesa polemic, verifica-se que a origem do termo é proveniente de um empréstimo do
francês (polemique), feito no século XVII, com o sentido de “ataque hostil às ideias de outra pessoa”. Em um
39
resgaste ainda mais remoto, o site menciona o termo polemikós, do grego, que traz como definição “relativo à
guerra”, “hostil” (tradução da autora). Disponível em: https://www.merriam-webster.com/dictionary/polemic.
Acesso em: 23 nov. 2019.
29
Órganon, Livro I.
40
30
Silogismo dialético, silogismo polêmico e silogismo científico.
31
Autores como Russel (2001) diferenciam discussão de debate. Segundo ele, o debate vincula-se à noção da
erística, enquanto a discussão aproxima-se da dialética. Perelman e Olbrechts-Tyteca também levantam essa
questão, tal como destaca Amossy (2017); porém, a autora pontua justamente a dificuldade em estabelecer a
diferença entre discussão e debate na prática, o que enfraquece a nomenclatura. Para ela, e neste trabalho, o que
se busca é uma desmistificação do debate enquanto algo negativo e despreocupado com a racionalidade na
escolha dos argumentos.
32
Na dialética.
33
Na retórica.
34
Dependendo da tradução, pode-se ler “provas técnicas” e “provas não-técnicas”.
41
Essas provas artísticas, portanto, são regidas pelo ethos, pathos e logos. Ethos está
relacionado com o caráter do orador, isto é, o orador, por meio da construção de uma
imagem de si mesmo, feita quando o discurso é proferido, consegue persuadir seu auditório
dando-lhe a impressão de ser alguém digno de fé. Quanto ao pathos, entende-se como sendo
a capacidade de persuadir o auditório provocando-lhe emoções, sejam de tristeza, alegria,
amor ou ódio. Essas duas provas são essencialmente afetivas, visto que ambas atuam na
subjetividade da capacidade de persuadir.
O logos, por outro lado, age sob o aspecto intelectivo da persuasão. O que está em
jogo, nesse caso, é o valor de verdade, ou o que parece ser verdadeiro, dentro do discurso.
Isso é obtido via raciocínio lógico, o qual é viabilizado pelo silogismo, pelo entimema ou
pela analogia. Segundo a retórica de Aristóteles, todas as três categorias compõem o
encadeamento de proposições lógicas. A primeira trata-se da conclusão a partir de premissas
como, o exemplo clássico,
Todos os homens são mortais.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
A segunda, o entimema, diz respeito a um silogismo de efeito retórico, ou, em outras
palavras, uma das premissas é implícita. Exemplificando:
Joaquim é advogado, logo, Joaquim tem formação universitária.
Por fim, a última, a analogia, é quando há uma relação de semelhança entre os fatos,
o que torna a conclusão lógica:
Se aquele remédio fez bem para ele, fará bem para mim, também.
Ouso afirmar que a analogia é amplamente utilizada pela propaganda, considerando
a construção de uma história, com personagens, cenário, enredo, próprios para aproximar-se
da realidade do auditório, a fim de persuadi-lo/convencê-lo da necessidade de determinado
produto, prometendo-lhe aquele mesmo status, aquelas mesmas condições conquistadas
pelos envolvidos na peça publicitária. Neste ponto, faz-se necessário estabelecer a distinção
entre convencer e persuadir, apresentada por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]):
convencer é mais que persuadir, visto que – tomando emprestados os termos da Semiótica –
convencer é /fazer-crer/, enquanto persuadir é /fazer-fazer/. Em outras palavras, convencer é
42
35
Este livro é um compilado das ideias de Schopenhauer e está disponível em:
https://kosmotheories.files.wordpress.com/2016/02/38-estrategias-para-vencer-qual-arthur-schopenhauer.pdf.
Acesso em 24 nov. 2019.
36
Amossy (2017) comenta sobre a obra realçando seu caráter defensivo e cita o próprio Schopenhauer (1864),
o qual esclarece seu intento com o livro: “é necessário conhecer os estratagemas da desonestidade para
enfrentá-los, e até mesmo, por vezes, fazer uso de alguns para bater no inimigo com suas próprias armas.” (p.
12 apud AMOSSY, 2017, p. 38-39).
43
matemáticos, perdeu campo dentro da filosofia; discordar sobre um assunto, por exemplo,
indica erro, essa visão impossibilita o estabelecimento de uma discussão ou um debate para
gerir determinada questão (ou não)37.
Em resposta a esse entendimento e visando um resgate das reflexões aristotélicas,
Perelman & Olbrechts-Tyteca voltaram-se à retórica, porém, buscando uma atualização: “É
evidente, entretanto, que nosso trabalho de argumentação ultrapassará, em certos aspectos –
e amplamente –, os limites da retórica antiga, ao mesmo tempo em que deixará de lado
outros aspectos que haviam chamado a atenção dos mestres de retórica.” (PERELMAN &
OLBRECHTS-TYTECA, 2005 [1958], p. 6). Sob essa perspectiva, tem-se que o objetivo
maior dessa publicação é romper com a concepção de razão e raciocínio advinda de
Descartes, articulando a velha tradição marcada pelas premissas gregas acerca da retórica e
da dialética e essa nova retórica.
Contudo, conforme pontuado, para Perelman & Olbrechts-Tyteca, bem como para os
pioneiros da retórica, o debate bem-sucedido era aquele em que as partes visavam o acordo.
Amossy (2017) sintetiza bem ao expor esse aspecto dos filósofos belgas:
Devemos notar que o acordo recebe um lugar privilegiado em Perelman, na
medida em que se torna a pedra de toque da racionalidade. Na verdade, é o acordo
dos espíritos sobre o que parece aceitável que funda na razão um posicionamento
ou uma opinião. Nessa perspectiva, a busca pelo consenso compreende questões ao
mesmo tempo filosóficas e sociais. Isso significa que o dissenso deve ser superado
a todo custo, sob pena de falhar aos critérios da razão e de fazer a comunidade
afundar na discórdia na divisão e, até mesmo, na luta armada. (AMOSSY, 2017, p.
22, grifo original).
37
Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]), conforme mencionado na Introdução, adotam uma postura de
alcançar uma solução em um debate. Amossy (2017), e este estudo, compreende a importância de existir o
dissenso, sem que isso indique insucesso de uma discussão.
44
38
A ideia de polêmica associada à guerra foi cristalizada metaforicamente pela expressão francesa guerre de
plume.
39
Na perspectiva discursiva, entendemos que aquilo que é tomado como verdade é uma construção social e
histórica sobre os objetos no mundo, de modo que não há verdades a priori, e sim, versões públicas do mundo
construídas a partir dos horizontes apreciativos dos grupos sociais.
45
40
Lógica Informal, segundo as palavras de Govier (1987) e Walton (1989), “[...] designa o ramo da lógica cuja
função é desenvolver parâmetros, critérios e procedimentos não-formais para a análise, interpretação,
avaliação, crítica e construção da argumentação no discurso cotidiano.” (JOHNSON, R; BLAIR, J. A., 2017, p.
197).
41
O Princípio de Cooperação do filósofo britânico Paul Grice postula quatro máximas como sendo necessárias
para que haja uma comunicação efetiva. São elas: a) máxima de qualidade; b) máxima de quantidade; c)
máxima de relevância; e, d) máxima de modo. (SAEED, 1997, p. 193 apud CANÇADO, 2008, p. 132). Assim,
no que diz respeito às polêmicas, uma ruptura de uma dessas máximas compromete a validade dos argumentos
e, consequentemente, o sucesso, ou não, do debate.
46
verbal somente pode ser tomada enquanto polêmica quando há confronto entre opiniões
divergentes. “Porque a polêmica, não se deve confundir, não é uma fala selvagem. Ela toma
corpo num espaço democrático que a autoriza e a regula ao mesmo tempo.” (AMOSSY,
2017, p. 65).
Logo, com base nesse panorama, consideramos relevante discutir o modo de
funcionamento do discurso polêmico nas mídias digitais justamente por reunir essa noção de
conflito, dicotomização, estratégias de subversão – aplicadas à análise dos comentários, dos
tweets – e, também, da violência verbal. Dentro da plataforma do YouTube, por exemplo, é
possível, em um vídeo promocional, avaliar essas condições que definem a polêmica, dentro
do contexto sociocultural em que estamos inseridos.
No capítulo seguinte, apresentamos o percurso metodológico adotado na pesquisa,
mobilizado na análise dos modos como o discurso polêmico se materializa nas mídias
digitais.
49
42
É importante destacar que a Análise Dialógica do Discurso (ADD), segundo Brait, nasce no Brasil a partir de
estudos bakhtinianos brasileiros. Atribui-se a Carlos Alberto Faraco (UFPR), a expressão que dá nome a essa
abordagem teórico-metodológica.
50
43
Na seção 3.3, em Geração e Descrição dos Dados da Pesquisa, consta uma descrição dos dados gerados a
partir das propagandas polêmicas, de modo mais detalhado.
44
[…] dois mundos se confrontam, dois mundos que não têm absolutamente comunicação um com o outro e
que são mutuamente impenetráveis: o mundo da cultura e o mundo da vida, o único mundo no qual nós
51
no mundo da vida e contempla um horizonte valorativo de acordo com a cultura em que está
inserido e que, dessa forma, se distancia de uma condição de neutralidade, compreende-se
que o ato de pesquisar é também um evento único e irrepetível que será registrado no mundo
da cultura por meio de sua escrita. Desse modo, o pesquisador atua como um intermediador
desses dois mundos, uma vez que ambos são impenetráveis.
Assim, ainda de acordo com Jobim e Souza e Deccache Porto e Albuquerque
(2012) “o lugar ocupado pelo pesquisador é marcado pela experiência singular, única e
irrepetível do encontro do pesquisador e seu outro, na busca de produzir textos que revelem
compreensões, ainda que provisórias, para dar sentido aos acontecimentos na vida.” (p. 6).
Além de pesquisador, o analista ocupa também uma posição de sujeito histórico.
Segundo Brait (2018 [2006]), o fazer ciência dentro de uma perspectiva dialógica justifica-
se tendo em vista que a análise das especificidades discursivas constitutivas de situações
permite compreender a relação entre a linguagem e determinadas atividades que se
interpenetram e se interdefinem, e do compromisso ético do pesquisador com o objeto, que,
dessa perspectiva, é um sujeito histórico. (BRAIT, 2018 [2006]).
Desse modo, em uma pesquisa pautada nas concepções bakhtinianas, tanto
linguagem quanto sujeitos – pesquisador e seu outro – tornam-se objetos de análise, uma vez
que há a produção de saberes acerca de produções discursivas situadas em um contexto
sócio-histórico produzidas e recebidas por sujeitos históricos, também histórica, cultural e
socialmente determinados.
Sendo assim, o que se busca por meio desse trabalho artesanal de bricolagem, ao
reunir peças publicitárias de diferentes temáticas, tal qual metaforiza Denzin e Lincoln
(2006), é reunir pedaços da realidade em um dado tempo e cultura e interpretá-los à luz de
uma teoria sociodiscursiva, buscando compreender as relações que marcam esse encontro
entre pesquisador-objeto-outro.
Logo, em uma pesquisa baseada na perspectiva da ADD, contempla-se o estudo
de discursividades produzidas em múltiplas esferas (ROHLING, 2014, p. 45). Partindo dessa
noção e do exposto, este estudo busca, dentro da esfera publicitária, regularidades no que diz
respeito ao discurso polêmico disparado pelo gênero discursivo propaganda em mídias
digitais, visando a descrição de um fenômeno. Assim, objetivamos observar os modos de
criamos, conhecemos, contemplamos, vivemos nossa vida e morremos ou – o mundo no qual os atos da nossa
atividade são objetivados e o mundo do qual esses atos realmente provêm e são realizados uma e única vez.
(BAKHTIN, 1993, p. 20).
52
45
Compreendemos a complexidade que envolve definir o gênero propaganda. A discussão acerca desse
assunto será desenvolvida posteriormente como parte integrante da análise.
53
(1892), de Arthur Conan Doyle, em que Holmes, reconhece as orelhas recebidas pelo
correio e às relaciona com as de outra senhorita.
Na sua qualidade de médico o senhor não ignorará, Watson, que não existe parte
do corpo humano que ofereça maiores variações do que uma orelha. Cada orelha
possui características propriamente suas e difere de todas as outras. [...] Imagine
então a minha surpresa quando, pousando os olhos sobre a senhorita Cushing,
notei que sua orelha correspondia exatamente à orelha feminina que havia
examinado pouco antes. [...] Nas duas existia o mesmo encurtamento da aba, a
mesma ampla curvatura do lóbulo superior, a mesma circunvolução da cartilagem
interna. [...] Era evidente que a vítima devia ser uma parente consanguínea,
provavelmente muito próxima, da senhorita... (DOYLE, 1976, p. 937-8 apud
GINZBURG, 2016 [1989], p. 146).
Tanto Morelli quanto Doyle e Freud eram médicos e, segundo o historiador, isso
foi determinante para estabelecer um interesse comum entre os três, baseado na semiótica
médica. Assim, as pistas guiavam cada um deles para “captar uma realidade mais profunda”
(GINZBURG, 2016 [1989], p. 150): Freud atrelava-se aos sintomas; Holmes, aos indícios; e,
Morelli, aos signos pictóricos.
Entretanto, ainda de acordo com Ginzburg, a investigação a partir de indícios
remonta à era em que o homem era um caçador e disso dependia sua sobrevivência:
Durante inúmeras perseguições, ele aprendeu a reconstruir as formas e
movimentos das presas invisíveis pelas pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas
de esterco, tufos de pelos, plumas emaranhadas, odores estagnados. Aprendeu a
farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba.
Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante, no
interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas. (GINZBURG,
2016 [1989], p. 151).
46
A repercussão, nesse caso, foi mensurada a partir da produção de conteúdo sobre a propaganda em si. Tendo
em vista que o anúncio da Bettina foi divulgado apenas como publicidade em vídeo no YouTube e não possui
56
busca se deu pelas propagandas que foram uma espécie de gatilho para emergência de
enunciados outros em que vemos reverberar a polêmica.
Na sequência, foram buscados novos dados nas outras redes sociais, considerando
esse primeiro levantamento. No Twitter, a busca é mais efetiva por meio da “Busca
Avançada” em que é possível estabelecer termos-chave, hashtags, pessoas envolvidas (@),
idioma e, inclusive, determinar um período em que se tem interesse em pesquisar.
Figura 6 - Sistema de busca do Twitter
Fonte: Twitter
No Instagram, por sua vez, não há a possibilidade de realizar uma busca avançada,
portanto, os resultados são obtidos apenas por meio do uso das hashtags ou do perfil do
usuário, da página da marca/empresa ou ainda de algum lugar específico.
Fonte: Instagram
Já na rede social Facebook, é possível realizar uma busca mais apurada, usando os
chamados “Filtros” (Tudo, Publicações, Pessoas, Fotos Vídeos, etc.).
um vídeo oficial, postado pela empresa Empiricus, e a propaganda da Bombril, Krespinha, foi retirada de
circulação, não é possível verificar a quantidade de acessos e visualizações de tais conteúdos. Entretanto,
considerando a grande variedade de material produzido pelos usuários e pela mídia em relação a esses
comerciais, foi que se baseou a seleção dessas propagandas.
57
Fonte: Facebook
Contudo, vale destacar que os resultados obtidos, em quaisquer das redes sociais,
estão limitados ao modo público, isto é, os usuários que restringem suas publicações para
que apenas seus próprios seguidores vejam, ou quaisquer outras formas de controle
possibilitadas em cada uma das redes, não têm suas postagens e publicações exibidas nesses
resultados.
Figura 9 - Exemplo de restrição de público em uma postagem no Facebook
Fonte: Facebook
porém, é possível observar certa regularidade em seus debates, uma vez que, arriscamos
dizer, são temas pertinentes e relevantes na conjuntura em que vivemos.
Com base nisso, selecionamos as seguintes propagandas, apresentadas em ordem
cronológica:
Tabela 1 - Corpus
Data de
Empresa Propaganda Link de acesso
publicação
We Believe:
13 de
The Best
janeiro de Gillette https://www.youtube.com/watch?v=koPmuEyP3a0
Men Can
2019
Be47
12 de “Oi, meu
março de Empiricus nome é https://www.youtube.com/watch?v=knIHvor2gHs
48
2019 Bettina,…”
Krespinha,
17 de
ideal para https://www.youtube.com/watch?v=6zj0t5vwKJ8&t
junho de Bombril
limpeza =44s
2020
pesada49
Fonte: Da autora
Por ser um universo bastante amplo, não é possível analisar todos os comentários ou
publicações frutos da repercussão desses anúncios publicitários no tocante à polêmica.
Como mencionado, nossos dados são organizados tendo como referência as publicações e as
postagens feitas em resposta às propagandas, obtidas por meio do sistema de busca de cada
uma das redes sociais, principalmente, rastreando possíveis hashtags atreladas a esses
comerciais. Além disso, considerando a imensa variedade de material produzido envolvendo
tais anúncios, fizemos uma seleção randômica em que se contemplavam as diversas
possibilidades de participar da arena discursiva, principalmente, no que concerne aos
múltiplos gêneros discursivos presentes nas redes sociais, tais como: repostagem de notícia,
selfies, gifs, memes, screenshots, tweets, entre outros gêneros que enredam a trama da cadeia
enunciativa da polêmica.
47
“Nós acreditamos: O melhor que os homens podem ser”, tradução da autora.
48
A propaganda da Empiricus foi lançada apenas como publicidade em vídeo no YouTube, ou seja, aqueles
anúncios que aparecem ou no início ou durante a exibição de um vídeo. Portanto, não há um link original
postado pela empresa na plataforma, apenas o que foi produzido pelos próprios usuários do site.
49
A Bombril retirou o produto de circulação bem como qualquer comercial atrelado a ele – apenas manteve um
comunicado no Instagram, informando o cancelamento da campanha e da marca Krespinha, e pedindo
desculpas –, portanto, o que foi possível rastrear foram os vídeos-resposta e a repercussão, por parte dos
usuários das redes sociais, em publicações, tweets, posts e comentários sobre a ação da empresa.
59
Sendo assim, para cada uma das propagandas considerou-se como hashtag:
Tabela 2 - Hashtags buscadas sobre a campanha da Gillette
#gillette #gilette #thebestmencanbe #gilettead
Gillette
#gillettead #gilletteboycott #gilletteboicote
Fonte: Da autora
4. VAMOS ÀS POLÊMICAS?
Dificilmente, ao acessarmos uma rede social, não nos deparamos com a “polêmica
do dia”. O Twitter, inclusive, dispõe da ferramenta “Assunto do Momento” ou “Trending”
para facilitar o acesso a todas elas. De celebridade à política, de futebol à notícia, tudo pode
transformar-se em “assunto mais comentado” e vencer fronteiras geográficas, alcançando
usuários de diversas partes do mundo.
É possível dizer que a polêmica é um dos motores das redes sociais, uma vez que
promovem o engajamento dos interlocutores em gestos como postar, comentar, discutir,
produzir conteúdos relacionados a elas. Por essa razão, tendo em vista a grande exposição a
que somos submetidos, sobre os mais variados temas, todos os dias ao entrar no Twitter, no
Instagram, no Facebook ou no YouTube, pode-se afirmar que estamos constantemente
participando de uma grande arena discursiva; para a qual somos convocados a
reagir/interagir, curtindo, comentando, ou produzindo novos conteúdos (memes, lives,
stories, posts, etc.).
As quatro seções seguintes organizam-se em torno das propagandas: Bettina, Gillette
e Krespinha, respectivamente. A primeira seção discute, mais especificamente, a questão
conceitual de acentuação, ampliação e valoração; as próximas três, em cada uma delas,
buscou-se ilustrar, por meio das propagandas, como o discurso polêmico é desvelado nas
mídias digitais a partir da relação da polêmica e as mídias, da sua arquitetônica e, por fim,
da compreensão responsiva-ativa.
A pesquisa que tem como princípio basilar o dialogismo assume o enunciado como
sendo um “momento da comunicação discursiva ininterrupta” (VOLÓCHINOV, 2018
[1929], p. 217), ou seja, o discurso verbal50 participa de uma grande arena, respondendo,
refutando, confirmando, antecipando respostas e possíveis críticas, buscando apoio, etc.
(VOLÓCHINOV, 2018 [1929]); aliado a isso está a situação extraverbal, isto é, “atos sociais
de caráter não discursivo (atos do trabalho, atos simbólicos de um rito ou de uma cerimônia
e assim por diante)” (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p. 220). Assim sendo, verifica-se o elo
estabelecido entre a comunicação discursiva e a situação concreta, o que vem a ser a
totalidade do enunciado.
50
Segundo Sheila Grillo, “discurso verbal” aparece também como sinônimo de enunciado.
62
51
Exemplo disso é a possibilidade de resgatar enunciados integrantes a certa cadeia enunciativa,
materializando o interdiscurso. Em outras palavras, ao evocar o já-dito, pode-se não só citá-lo, como também
localizá-lo na rede e reenunciá-lo.
63
Diante disso, é possível aventar que o acento valorativo empregado na palavra nas
interações produzidas na cultura digital podem carregar certas marcas axiológicas. Ainda
sob o viés literário, o Círculo apresenta alguns modos como se imprimem marcas de acentos
valorativos no emprego da palavra, sendo eles sintetizados por Cunha (2009):
o tom (o humor, a ironia, a paródia, o desespero);
o julgamento de valor;
o ponto de vista; e,
o recorte dentro da temática em questão.
Assim, dependendo da rede social, os modos de enunciação variam de acordo com o
espaço e possibilidades da própria rede. De modo que o enunciado se materializa não
somente devido à escolha semântico-objetal dos enunciadores-usuários, mas também pelos
recursos fornecidos em cada uma delas, que seriam as condições de possibilidade desse
dizer, o que amplia as possibilidades dentro da arena. No entanto, esse aspecto não se mostra
novo, uma vez que já foi discutido por Volochínov no tocante às condições de produção e
circulação dos enunciados ou, ainda, a dimensão extraverbal do enunciado Volóchinov
(2018 [1929]).
O que se pode dizer que, nas mídias digitais, essas condições de produção e de
circulação se ampliam, se complexificam, tendo como espaço de produção e circulação dos
enunciados a arquitetura desenvolvida por designers de softwares, mas que também podem
ser redimensionadas em termos de funcionalidade pelos usuários nas interações discursivas.
Um exemplo disso é o Instagram: a proposta inicial da plataforma era a publicação de fotos,
hoje possui uma gama de outros tipos de postagem entre threads, notícias, vídeos etc.
Apesar de muito desses recursos serem frutos de grandes fusões como ocorreu entre
o Instagram e o Facebook, com as quais são incorporadas funcionalidades semelhantes em
ambas as redes, tais como o stories, os próprios internautas promovem mudanças. Com
apenas um clique no celular, é possível transformar um tweet, um trecho de vídeo do
YouTube ou um título de notícia de algum jornal on-line em uma fotografia, por meio do
screenshot; uma vez foto, os conteúdos podem ser facilmente disseminados em outras redes,
compondo outros enunciados, considerando seu novo enquadramento e, consequentemente,
sua reenunciação. Esse trabalho discursivo demanda do enunciador-internauta certa
agentividade e engajamento nas interações nesse espaço virtual a fim de construir novos
enunciados no interior dessa teia enunciativa de já-ditos e pré-figurados.
Mais especificamente sobre esse aspecto de captura de instante de enunciado, de
screenshot de realidade, pode-se resgatar o conceito de enquadramento delineado por
64
Fonte: Twitter
52
O nome da rede social remete ao pio do passarinho, o gorjeio; e, figurativamente, à ação de “jogar conversa
fora”. A rede surgiu em 2006 e hoje conta com 230 milhões de usuários cadastrados. Com uma proposta
minimalista, inicialmente, o Twitter contava com uma restrição de caracteres, apenas 140, atualmente, se aceita
até 280. Fontes: https://www.inglesnapontadalingua.com.br/2009/03/o-que-significa-twitter.html. Acesso em:
30 jul. 2020. https://canaltech.com.br/redes-sociais/Metade-dos-usuarios-ativos-do-Twitter-esta-em-apenas-
cinco-paises-diz-pesquisa/. Acesso em: 30 jul. 2020.
65
Fonte: Twitter
Nesse ponto, faz-se relevante comentar a própria visibilidade, oferecida pela rede
social, que se dá à participação pública: o que se tem à mão são os recursos de brado, ou
seja, a participação do sujeito mais acessível e imediata é aquela em que há a “assinatura”
dele – o comentário, o retweet, a curtida, tudo isso fica registrado na rede sob seu nome de
usuário. Portanto, pode-se pensar em um chamamento para a participação desse sujeito à
arena discursiva.
Participar de uma rede social, ser ativo, representa assumir atos. Bakhtin (2010
[1920-1924]) coloca que o homem vivente se estabelece ativamente dentro de si mesmo no
mundo, sua vida conscientizável é a cada momento um agir: eu ajo através do ato, da
66
53
Apenas a título de exemplificação, recentemente, uma notícia correu entre os meios de comunicação
comentando a ação do presidente Jair Bolsonaro ao curtir um tweet em que a cantora Anitta é criticada por
realizar um show na Itália, em tempos de pandemia. Percebe-se, com isso, que o simples ato de “clicar no
coração” representa um posicionamento e isso pode gerar repercussão. Fonte:
https://noticias.r7.com/prisma/r7-planalto/bolsonaro-curte-publicacao-que-critica-anitta-em-show-na-italia-
10082020. Acesso em: 22 ago. 2020.
67
Fonte: Twitter
Ou, ainda, a interface do Facebook mobile, em que a parte inicial do aplicativo é toda
voltada para dar voz ao usuário: “No que você está pensando?”, “Live”, “Photo”, “Sala”,
“Criar um story”. Em outras palavras, é uma provocação ao dizer, ao posicionamento, à
manifestação no espaço da praça pública.
Fonte: Facebook
68
Fonte: Instagram
Bem como existe essa facilidade de publicação, há também a rapidez com que é
possível interagir com as postagens dos outros usuários; as redes, novamente, preocupam-se
em propiciar um espaço em que seja atrativo e prático expor o posicionamento de quem
participa da rede. Tomando como exemplo um tweet como o TB01, percebem-se diferentes
formas de compor e atuar na rede discursiva, do ponto de vista da interação e,
consequentemente, da polêmica: TB01 recebeu 132 comentários, 3.3k retweets, isto é, 3.300
pessoas publicaram em seus próprios perfis esse mesmo tweet, e 10.7k curtiram a
publicação, ou seja, 10.700 usuários concordam com aquela mensagem. Isso sem mencionar
o formato anônimo de interação que seria “enviar por mensagem direta”, o qual não é
possível obter dados.
Percebe-se, a partir da contabilização da repercussão, como é fértil esse espaço para a
provocação. Sob as lentes do dialogismo, o enunciado está em associação com outros
enunciados, os já-ditos, além de antecipar a resposta do outro. Podem-se considerar nesse
entremeio os recursos interacionais das redes sociais. A publicação faz alusão a um
69
Acerca desse sistema de receber “números” pelo seu ponto de vista pode contribuir
para a ampliação da polêmica, uma vez que é, de certa maneira, possível verificar seu grau
de aprovação ou desaprovação. Um tweet não bem aceito pode ganhar ainda mais
repercussão justamente por contrariar a maioria.
Figura 16 - TK01
Nesse caso, a postagem da Bombril teve uma grande repercussão, recebeu mais de
1.100 comentários, e os próprios comentários desdobram-se em novas polêmicas. O
comentário em destaque provocou uma avalanche de novos comentários, 217 novos
comentários, muitos deles agredindo o autor, sua possível posição política, estereotipando
sua origem (Santa Catarina, sul do Brasil), sugerindo sua sexualidade, entre outros.
Com isso, verifica-se, de modo mais proeminente, que a ampliação da polêmica
ultrapassa as fronteiras do tópico em questão: o foco passa a não ser mais a propaganda em
70
55
Ao usar o aparelho celular, pois na versão web, ainda é possível obter os números de curtidas de cada
publicação.
71
Figura 17 - IG01
Utilizando IG01 como modelo, pode-se verificar como interagir nessa plataforma. A
publicação permite curtida e comentários nos mesmos moldes do Twitter, representados por
um coração e um balão de fala, respectivamente. A seta simboliza diferentes formas de
compartilhamento; clicando ali esta é a janela que se abre:
Fonte: Instagram
Sendo assim, a publicação pode migrar de rede social utilizando esse recurso: dessa
forma, um post no Instagram pode tornar-se imediatamente uma publicação no Facebook,
no Twitter ou em qualquer outra rede visto que o link pode ser copiado e colado em outros
espaços virtuais, como o WhatsApp, o YouTube ou o Telegram, por exemplo. O debate pode
ser direcionado a apenas uma pessoa, caso seja escolhida a opção de Direct (chat dentro do
72
Fonte: Facebook
Fonte: Facebook
56
Ao tratar de romances (auto)biográficos, Bakhtin (2014) apresenta a questão do homem voltado ao seu
universo particular. Um dos aspectos observados é o interesse crescente, na Antiguidade, por formas retóricas
íntimas, dentre elas a epístola. A epístola, atualizando-a para o nosso contexto, é a antepassada das mensagens
de WhatsApp, dos Directs e do Messenger. “Numa atmosfera intimamente amistosa (semiconvencional,
naturalmente) começa a se revelar uma nova tomada de consciência do homem, privada de alcova.”
(BAKHTIN, 2014, p. 261). Esse espaço mostra-se relevante uma vez que é ali que a “plasticidade
monumental” e a extroversão são deixadas de lado, dando lugar a uma conversa mais natural, em que é
possível exprimir opiniões e pontos de vista de modo mais espontâneo e, de certo modo, livre de julgamentos.
73
Fonte: Facebook
57
Amplio aqui a noção de praça pública como sendo a televisão, os jornais impressos, a rádio, as redes sociais,
enfim, os meios de comunicação que apresentam os temas em debate.
74
Em termos de compartilhamento, uma das redes que mais facilita essa opção aos
usuários é o YouTube. São exatamente dez redes sociais, e envio direto por e-mail,
vinculadas diretamente à plataforma de vídeos para compartilhamento direto e instantâneo;
além de fornecer pronto o link para quaisquer outras páginas do interesse do usuário.
Fonte: YouTube
Além desse modo de interação, é possível curtir e marcar como “não gostei”. Esse
sistema mais objetivo de verificação da aprovação/desaprovação de algum conteúdo facilita
analisar o nível de discussão acerca de algum tema, o que pode servir de base para geração
de conteúdo.
Figura 23 - YG01
é muito mais provável que quem desaprove comente que quem concorda, considerando a
necessidade do lado contrário ter que justificar seu posicionamento.
Além desse recurso de curtidas, o YouTube fornece um espaço para comentários,
logo abaixo da exibição do vídeo. Seguindo a mesma linha do Instagram, o YouTube
permite que o usuário adicione um comentário e o comentário poderá ser também curtido
e/ou receber uma réplica.
Figura 24 - Campo comentários do YouTube
Fonte: YouTube
58
Nessa propaganda da Gillette, YG01, por exemplo, às 11h05 de 02 de agosto de 2020, os últimos 27
comentários estavam em um intervalo de 01 de agosto de 2020 e 10h de 02 de agosto de 2020, indicando como
ainda o anúncio encontra-se em arena.
76
visto que é por meio dele que a polêmica ganha visibilidade. Em outras palavras, são
diferentes formas de participar do debate em uma mídia digital e de convocação dos
usuários para produzir e responder com novos enunciados, os quais passam a compor a
cadeia enunciativa sobre o tema debatido.
O vídeo não foi publicado e, sim, exposto em intervalos comerciais do YouTube. Tal
exibição deu-se início em 12 de março de 2019 e alastrou-se pelas redes sociais ao longo do
ano, como já mencionado, de diferentes maneiras. Essa diversidade de gêneros originados
com base em uma propaganda de 1 minuto e 10 segundos deu-se somente por soar como
propaganda enganosa?
59
A Empiricus é uma empresa brasileira, com sede em São Paulo, fundada em 2009, e especializada em
publicar ideias de investimento financeiro. Fonte: Empiricus.
60
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zR4avHCwy7k. Acesso em 30 mai. 2020.
61
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=knIHvor2gHs. Acesso em 30 mai. 2020.
77
Figura 27 - IG01
Ou será que isso se deve ao fato de Bettina não representar, dentro da nossa sociedade
patriarcal, o modelo de especialista em finanças, isto é, ser jovem e mulher, desqualificando-
a, gerando piadas e comentários machistas?
Figura 28 - TB02
62
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EzZ1Torups4. Acesso em 30 mai. 2020.
63
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=u8SiCap1wCw. Acesso em 30 mai. 2020.
64
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eUdTQWfD1mk. Acesso em 30 mai. 2020.
65
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_5De951bZ3I. Acesso em 30 mai. 2020.
66
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yVgvdtWebXk. Acesso em 30 mai. 2020.
67
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VQ6Cl82_OkM&t=321s. Acesso em 30 mai. 2020.
68
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jrS2UKEKMLg. Acesso em 30 mai. 2020.
69
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_continue=8&v=D-Qg9AHCoXs&feature=emb_logo.
Acesso em 30 mai. 2020.
70
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0wN6_3VjOfk. Acesso em 30 mai. 2020.
79
Figura 31 - TB05
Figura 32 - TB06
Figura 34 - IB02
Figura 35 - IB03
71
Disponível em: https://www.facebook.com/revistaISTOE/posts/2524452850899593. Acesso em 30 mai.
2020.
72
Disponível em: https://www.facebook.com/potencialgestante/posts/2227033027335829. Acesso em 30 mai.
2020.
73
Disponível em: https://www.facebook.com/peixesdoalasca/posts/2556200274421912. Acesso em 30 mai.
2020.
81
Tabela 7 - Relação dos vídeos da Empiricus protagonizados por Bettina antes da propaganda que gerou a
polêmica
Quantidade de
Data Título do vídeo Visualizações74
comentários
Como começar a
01 ago. 2018 218.618 73 comentários
investir do zero?
18 set. 2018 Carro: ter ou não ter? 29.776 91 comentários
21 set. 2018 Quer ficar rico? 2.498.540 1027 comentários
O investimento certo
08 out. 2018 170.175 46 comentários
para você
Aluguel ou
24 out. 2018 105.032 73 comentários
financiamento?
O hábito que vai
09 nov. 2018 salvar sua vida 49.205 72 comentários
financeira
Medo de investir na
26 nov. 2018 1.618.550 509 comentários
Bolsa?
Como investir na
21 dez. 2018 143.508 126 comentários
bolsa?
Entenda o trabalho da
10 jan. 2019 Empirus, com Bettina 204.457 227 comentários
Rudolph
74
Visualizações até a data de 23 ago. 2020, às 9h33.
82
Confuso para
04 fev. 2019 102.393 76 comentários
investir?
As melhores ações da
12 fev. 2019 67.282 54 comentários
Bolsa
Como escolher uma
26 fev. 2019 154.258 176 comentários
corretora de valores?
Fonte: A autora
75
Somando as visualizações dos vídeos menos populares até 23 ago. 2020, e estabelecendo uma média, ficaria
em torno de 124.470 visualizações.
76
Em termos de comentários, a média ficaria em 101.
83
Um enunciado pode ser revisitado desde que ele esteja materializado, isto é, por meio
do material escrito, de um vídeo, de uma mensagem de voz, enfim, porém, o que se observa
com a facilidade de recuperar esses arquivos, dentro da mídia digital, é um deslocamento do
espaço-tempo.
O usuário que recorreu aos vídeos anteriores de Bettina, após ter visualizado o dito
comercial, deparou-se com um enunciado proferido anteriormente ao já-dito. Portanto, a
resposta deu-se não em relação ao enunciado mais antigo e, sim, ao mais recente. Logo, há
uma ruptura no encadeamento da cadeia enunciativa, que perde sua linearidade, e pode ser
compreendida como uma rede enunciativa.
Considerando que Bettina já havia protagonizado outros vídeos da empresa, o que
determinou para que apenas o anúncio viralizasse e tornasse alvo de tanto embate?
A publicadora financeira Empiricus tem uma característica de diminuir o
afastamento entre os interlocutores, isto é, seus conteúdos são produzidos com uma
linguagem mais acessível, se comparado com outros materiais disponíveis sobre finanças, e
possui traços de informalidade – os apresentadores vestem-se de maneira casual, usam gírias
e expressões populares em suas explicações, além de se portarem de modo descontraído
diante da câmera, sempre gesticulando bastante, enfim, percebe-se uma preocupação em
estabelecer um diálogo com o usuário, com a intenção, de buscar romper com a formalidade
característica desta área de atuação: economia e finanças.
Essa proximidade manteve-se na propaganda em questão: Bettina veste-se de modo
casual, com os ombros à mostra e cabelo solto, e utiliza uma linguagem mais coloquial,
usando expressões como “o tempo aqui embaixo não joga a meu favor”. Além disso, pode-
se considerar que a estrutura do vídeo constrói-se na base do diálogo: “Oi, meu nome é
Bettina, eu tenho 22 anos e um milhão e quarenta e dois mil reais de patrimônio
acumulado.”. Verifica-se no trecho em destaque uma apresentação tipicamente informal –
dizer “oi”, o nome e a idade.
Amossy (2019) orquestra no capítulo “O ethos na interação das disciplinas” as vozes
de autores que suscitaram estudos acerca da natureza do locutor, nos campos da retórica,
pragmática e sociologia. Representante dessa última corrente, Bourdieu aponta, segundo
Amossy (2019), que “o poder das palavras deriva da adequação entre a função social do
locutor e seu discurso: o discurso não pode ter autoridade se não for pronunciado pela
pessoa legitimada a pronunciá-lo em uma situação legítima, portanto, diante dos receptores
84
legítimos.” (p. 120). Enquanto Ducrot, porta-voz da pragmática, também de acordo com
Amossy (2019), compreende que a autoridade é constituída a partir da interação verbal e é
interna ao discurso, isto é, o locutor é “dotado de certos caracteres” e, com base nos
participantes, no cenário e no gênero discursivo, encaminha sua fala.
Alinhada às reflexões da nova retórica, Amossy (2019) desenvolve sua premissa de
que, a fim de alcançar êxito na comunicação, precisa haver um estabelecimento de uma doxa
comum, ou seja, locutor e auditório devem partilhar de valores e crenças. Ademais, Amossy
(2019) acrescenta que, para Perelman, tanto orador quanto público constroem imagens um
do outro: “[é] a representação que o enunciador faz do auditório, as ideias e as reações que
ele apresenta, e não sua pessoa concreta, que modelam a empresa da persuasão.” Essa
representação está diretamente ligada ao sucesso, ou ao fracasso, da operação, conforme
coloca Amossy (2019), visto que a autoridade do locutor está à mercê do julgamento
assumido pelos seus alocutários. Sendo assim, tem-se o seguinte cenário entre orador e
auditório:
(...) a eficácia do discurso é tributária da autoridade que goza o locutor, isto é, da
ideia que seus alocutários fazem de sua pessoa. O orador apoia seus argumentos
sobre a doxa que toma emprestada de seu público do mesmo modo que modela seu
ethos com as representações coletivas que assumem, aos olhos dos interlocutores,
um valor positivo e são suscetíveis de produzir neles a impressão apropriada às
circunstâncias.(...) O orador constrói sua própria imagem em função da imagem
que ele faz de seu auditório, isto é, das representações do orador confiável e
competente que ele crê ser as do público. (AMOSSY, 2019, p. 124).
ou outra. A concepção, correta ou errada, que faz do auditório, guia seu esforço
para adaptar-se a ele. (AMOSSY, 2019, p. 126).
Amossy (2019) pontua que tanto ethos institucional quanto ethos discursivo
caminham para uma construção de imagem autoritária. Bettina detém o ethos institucional,
uma vez que recebeu o papel de porta-voz da publicadora financeira. Entretanto, não
77
Fonte: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/advertising-channels/v%C3%ADdeo/entenda-o-poder-
do-youtube/. Acesso em 26 ago. 2020.
78
Bakhtin (2013) classifica a paródia como o revestimento da linguagem do autor em uma roupagem
semântica diferente da empregada pelo outro.
86
contempla o discursivo, visto que o proferimento do discurso, por parte de Bettina, não
confere “certa realidade à distribuição dos papéis e às imagens do orador que eles
autorizam.” (AMOSSY, 2019, p. 138). Assim, se o público a vê como igual, ela não teria
condições, do mesmo modo que seu auditório, em deter “um milhão e quarenta e dois mil
em patrimônio acumulado” de forma que fosse “simples assim”.
Colocando em cheque a veracidade do discurso de Bettina, além das inúmeras
interrupções durante a exibição dos vídeos, formou-se aí o objeto da polêmica.
Ainda, segundo Amossy (2017), a construção da polêmica é dada a partir do
“conjunto de confrontos verbais sobre uma questão social.” (p. 101). Nesse sentido,
compreende-se que cada publicação, cada comentário, cada geração de conteúdo sobre o
tema passa a integrar um todo, o qual compõe a historicidade de uma dada realidade social.
Medviédev (2016) trata da avaliação social que, justamente, promove essa atualidade
histórica, quando na enunciação de cada novo enunciado.
[A] própria presença peculiar do enunciado é histórica e socialmente significativa.
Da categoria de uma realidade natural, ela passa para a categoria de uma realidade
histórica. O enunciado já não é um corpo nem um processo físico, mas um
acontecimento da história, mesmo que seja infinitamente pequeno.
(...) o próprio sentido da palavra-enunciado passa a fazer parte da história por meio
do ato individual de sua realização e torna-se um fenômeno histórico. Pois o fato
de que foi esse sentido que se tornou um objeto de discussão aqui e agora, que é
dele que estão falando e que falam justamente assim e não de outra forma, que
precisamente esse sentido entrou no horizonte concreto dos que falam, tudo isso é
inteiramente determinado pelo conjunto das condições histórico-sociais e pela
situação concreta desse enunciado individual. (p. 183-184).
resgatada por meio de hashtags, as quais podem ser consideradas também como um
enunciado historicamente marcado79.
Hashtags (#) é um recurso bastante presente nas redes sociais de modo geral.
Inclusive, como explicado, a reunião dos dados desta pesquisa deveu-se a esse meio de
organização, similar a um etiquetamento, de assuntos. Ademais, pode-se concluir que a
ampliação de polêmicas está diretamente relacionada às hashtags, as quais servem de
hiperlink, uma vez que ocorre certa materialização da cadeia enunciativa, possibilitando
visualizar esse encadeamento o que facilita mapear o trajeto percorrido por um tema dentro
das mídias.
Azzari et. al. (2020) classifica a intenção do uso de hashtags como sendo “[um]
procedimento discursivo comum à ágora digital, o que denuncia o desejo de
transbordamento da postagem e o estabelecimento do diálogo com uma multiplicidade de
interlocutores (aqueles que vierem a utilizar mecanismos de busca para localizar conteúdos
que digam respeito a qualquer uma destas hashtags)”.
Esse panorama do funcionamento das mídias, como ocorre a ampliação desses
discursos, permite delinear um retrato desta microcultura estabelecida dentro da
cibercultura. Constata-se que, muito além de uma ferramenta de comunicação, as mídias
passam a integrar um modo de ser no mundo, visto que ali ocorre a produção de discursos e
novos contornos culturais são estabelecidos.
Assim, os enunciados produzidos, replicados, ampliados e, consequentemente,
acentuados e valorados por cada um dos usuários, contribuem para a manutenção e o
fortalecimento das mídias como praça pública.
Como o discurso polêmico se estrutura nesse espaço, considerando sua arquitetônica
em termos de argumentação e interlocutores, é o tema da nossa próxima seção.
79
Há hashtags, por exemplo, que se aplicam a outros enunciados, isto é, que não necessariamente estão
vinculados a certo tema. Pode-se citar o caso do #sqn (só que não); essa hashtag não está associada a um
assunto específico, mas a uma condição presente no extralinguístico comum à imagem/ao vídeo ao qual ela
passa estar relacionada.
80
“eu também.”, em português.
88
Tarana atuava como conselheira de jovens meninas negras em situação vulnerável. Segundo
ela, certo dia, após uma sessão de aconselhamento coletivo, uma das meninas a procurou
reservadamente.
A garota, Heaven, começou seu relato sobre o que seu “stepdaddy” 82 vinha fazendo
com ela. Burke desabafa que não conseguiu ouvir mais que cinco minutos de confidência,
tamanha revolta e repulsa sentida por ela ao ouvir a história da menina. Tarana não se sentiu
preparada para ajudar ou aconselhar Heaven e a encaminhou para outra conselheira. A
ativista conta que a expressão da garota ao ter seu desabafo interrompido e não ter sido
acolhida por ela a assombra até os dias de hoje.
Burke admite não ter tido a coragem de Heaven e ter demonstrado empatia dizendo
“me too.”. E foi daí que partiu o movimento.
Somente em 2017 “me too.” tornou-se hashtag (#metoo), quando viralizou nas redes
sociais, após as denúncias contra o produtor e co-fundador da Miramax Pictures e da The
Weinstein Company83, Harvey Weinstein. A atriz nova-iorquina Alyssa Milano criou a
hashtag e a publicou em um tweet, em seu perfil pessoal do Twitter, convidando a todos que
já sofreram algum tipo de violência sexual a responderem sua postagem, usando #metoo.
Segundo Milano, ainda em seu tweet, “se todas as mulheres que sofreram assédio ou foram
agredidas sexualmente escrevessem “me too” como status, nós talvez consigamos dar às
pessoas uma ideia da magnitude do problema. ”84.
81
Disponível em: https://metoomvmt.org/get-to-know-us/history-inception/. Acesso em 30 ago. 2020.
82
“padrasto”, em português.
83
Para se ter ideia da dimensão da influência de Harvey Weinstein em Hollywood, somam-se oitenta estatuetas
do Oscar de filmes sob seu comando ou sob sua influência. Fonte:
http://www.adorocinema.com/slideshows/filmes/slideshow-137798/. Acesso em 30 ago. 2020.
84
Tradução da autora, da figura 37.
89
85
“Onde está o movimento #metoo? Misoginia 101: Pessoas doando e ajudando Jacob Blake, enquanto
ignoram completamente a mulher que ele estuprou.” – tradução da autora. Resumidamente, sobre o caso Blake,
Jacob Blake foi condenado por estupro e, de acordo com uma das versões do caso, ao cumprirem o mandado
de prisão, Blake resistiu à prisão e acabou sendo baleado. Por ser negro e ter sofrido violência policial, o caso
reacendeu o recente debate sobre os excessos na ação policial envolvendo pessoas negras, como aconteceu
com George Floyd, em 25 de maio de 2020; episódio esse que também fez subir uma hashtag, também
associada a outro movimento, #blacklivesmatter.
86
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mmYgdOTPE3w. Acesso em: 31 ago. 2020.
90
A expressão “Me too.” ganhou tanta visibilidade nos meios de comunicação, que foi
eleita como “palavra do ano” pelo Dicionário Macquarie87, de 2018; enquanto, “toxic”88 foi
eleita pelo Dicionário Oxford89, também em 2018, a qual também está associada ao
movimento encabeçado por Burke.
Tal repercussão refletiu em uma série de mudanças e medidas tomadas em relação à
cultura do assédio, entre elas, um fundo, Time’s Up, criado para amparar financeiramente
mulheres vítimas que enfrentam processos jurídicos ao terem denunciado abusos, por
exemplo. Outra medida, voltada para os homens, é o programa A Call to Men, o qual
consiste em promover treinamentos dentro de empresas, entre outros serviços, endereçados
ao público masculino, que buscam uma masculinidade positiva90.
Nessa linha, a empresa Gillette lançou uma campanha estreitamente vinculada ao
movimento “me too.”. Em 13 de janeiro de 2019, três meses após o boom das denúncias
contra produtores e atores hollywoodianos e, consequentemente, da viralização da referida
hashtag (#metoo), a Gillette publicou em seu canal do YouTube “The Best Men Can Be91”.
87
Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2019/jan/15/me-too-named-2018-word-of-the-year-by-
australias-macquarie-dictionary#:~:text=1%20year%20old-
,'Me%20Too'%20beats%20'big%20dick%20energy'%20as%20Macquarie,2018%20word%20of%20the%20ye
ar&text=The%20phrase%20'Me%20Too'%20has,2018%20word%20of%20the%20year.. Acesso em 31 ago.
2020.
88
“Tóxico”, em português.
89
Disponível em: https://www.cnbc.com/2018/11/15/toxic-is-oxford-dictionary-2018-word-of-the-
year.html#:~:text=Oxford%20Dictionaries%20named%20%E2%80%9Ctoxic%E2%80%9D%20its,and%20%
E2%80%9Cpost%2Dtruth.%E2%80%9D. Acesso em 31 ago. 2020.
90
“Healthy manhood” é o termo empregado pela A Call to Men. Optei pela tradução “masculinidade positiva”
em oposição à expressão “masculinidade tóxica”.
91
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=koPmuEyP3a0. Acesso em 05 set. 2020.
91
92
Ainda sem tradução em português, essa expressão refere-se à atitude masculina em interromper a fala da
mulher, muito comum em ambientes de trabalho. Não é incomum deparar-se com esse termo associado a
outros três: mansplaining, quando um homem assume uma posição professoral e explica algo para a mulher,
julgando-a inocente ou ignorante em algum assunto, podendo, ser inclusive, do próprio universo feminino
(amamentação, parto, menstruação, etc.); gaslighting, quando um homem sugere que a mulher enlouqueceu,
está exagerando ou que “está surtando”, ao ser confrontado ou é questionado sobre algo; e, por fim,
bropriating, quando uma ideia da mulher é roubada por um homem e este leva os créditos por ela. Fonte:
https://annelisegripp.com.br/gaslighting-mansplaining-manterrupting-bropriating/. Acesso em 03 set. 2020.
93
Não foi possível encontrar um estudo específico que tratasse de vídeo marketing; portanto, a síntese feita
refere-se a uma reunião de leituras de diversos sites que abordam a temática do marketing digital.
92
linha masculina. Ademais, as mulheres ainda são as principais responsáveis pelas compras
do lar, o que pode determinar a escolha dos produtos Gillette por parte delas94.
Tendo isso em vista, se o objetivo da campanha é aumentar o engajamento não
somente para fidelizar a marca, mas também para persuadir uma mudança de
comportamento, é válido avaliar de que modo o vídeo marketing em questão foi arquitetado
a fim de atingir o público e alcançar tais metas.
Assim como o ethos, o pathos também está atrelado a uma doxa comum. A doxa,
nesse caso, estaria relacionada com o despertar de uma emoção esperada, isto é,
(...) a emoção se inscreve claramente em um saber de crença que desencadeia certo
tipo de reação, diante de uma representação social e moralmente proeminente.
Normas, valores e crenças implícitas sustentam as razões que suscitam o
sentimento. A adesão do auditório às premissas determina a aceitabilidade das
razões do sentimento. (AMOSSY, 2018, p. 208).
94
Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2019/01/31/gillette-irrita-clientes-antigos-
para-conquistar-nova-clientela.htm. Acesso em 04 set. 2020.
93
95
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ThDBf14qPsc. Acesso em 04 set. 2020.
96
“O melhor que um homem pode conseguir”, tradução da autora.
94
97
“Isso é o melhor que um homem pode conquistar?”, tradução da autora.
98
“É isso?”, tradução da autora.
96
99
“um homem”, tradução da autora.
100
“homens”, tradução da autora.
97
Figura 45 - Trecho da campanha em que noticiários comentam as denúncias envolvendo o movimento "me
too."
Dessa forma, pode-se verificar o casamento entre logos e pathos com lentes
argumentativas. Partindo disso e assumindo a polêmica como sendo do campo da
argumentação, Amossy (2018) aponta modalidades do discurso polêmico. A primeira diz
respeito à emoção propriamente dita; a segunda justifica tal emoção; e, por fim, a terceira
recorre a argumentos racionais, fazendo uma crítica velada, camuflando a polêmica.
(...) [E]stamos diante de uma modulação que expõe as possibilidades maiores do
vínculo discursivo entre logos [razão] e pathos [emoção]: emoção cuja estrutura
argumentativa é dissimulada; emoção explicitamente argumentada; emoção oculta
por trás de um raciocínio. (p. 221).
Figura 50 - Clichê do mundo de negócios ser chefiado por homens e a prática do manterrupting (YG09)
Figura 52 - Terry Crews apoiando o movimento "me too." e declarando que a responsabilidade sobre tais
atitudes recaem sobre os próprios homens (YG11)
Figura 55 - Exibição de homens reais "fazendo a coisa certa"101 : apartando brigas (YG14)
Figura 56 - Exibição de homens reais “dizendo a coisa certa”: valorizando as mulheres desde cedo, enquanto
pais (YG15)
101
O narrador do vídeo diz “to say the right thing, to act the right way”, ou seja, “dizer a coisa certa, agir do
jeito certo.”, tradução da autora.
103
Figura 58 - Desfecho inspirador da cena que perpassa o vídeo (YG17) - vide YG04 e YG05
102
Porque os meninos observando o hoje serão os homens de amanhã”, tradução da autora.
104
103
“Os homens do amanhã”, tradução da autora.
104
Tradução da autora da Figura 60.
105
Figura 63 - "Meu nome é #Mustard e eu estou destruindo minha lâmina de barbear #Gillette" (TG02)
Figura 65 - "Eu trouxe a vocês o amor"; "Está trazendo amor! Não deixem que fuja! Quebrem as pernas deles!"
(IG02)
Figura 67 - Egard Watches publicou o vídeo tanto no YouTube quanto no Instagram (IG04)
105
"Pessoal, por favor, se acalmem. A Gillette não está pedindo que vocês se depilem, usem maquiagem,
coloquem perfume ou usem salto alto; ou não comer muito em público ou não ficar acima do peso... Tá bom?",
tradução da autora.
109
O vídeo de reação entre pais e filhos é uma iniciativa de promover o debate não só
entre os membros da família, envolvendo os valores de cada núcleo familiar, mas também
de abrir a discussão para a comunidade do YouTube. Gostaria de ressaltar uma das reações
de um dos pais: um deles comentou que ficou contente pelo vídeo ter acabado logo, pois ele
já estava bastante emocionado. Essa resposta ao vídeo demonstra a presença do pathos, ou
106
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sESYdmOWi_I. Acesso em 05 set. 2020.
110
seja, emociona e convida o público a fazer diferente. Por outro lado, houve reações
contrárias que consideraram uma falha da campanha ao generalizar o comportamento
masculino como sendo dessa forma e, o que deveria ter sido enfatizado é a relação de
respeito, independentemente, se homem ou mulher.
Assim como foi verificada a ampliação da polêmica e seus desdobramentos no que
tange à valoração e acentuação, o mesmo movimento é possível constatar na campanha da
Gillette. O norteamento para localizar os conteúdos, novamente, foi por meio de hashtags;
pode-se apontar aqui também como um importante elemento dialógico uma vez que há a
integração de enunciados através de um hiperlink.
A arquitetônica de uma polêmica consiste em observar a composição e os sentidos
construídos a partir dela. Utilizando a campanha promovida pela Gillette como exemplo,
procuramos refletir a respeito dos enunciados que ela responde e verificar como, enquanto
marca de renome e de grande visibilidade social, a empresa dedicou-se a essa resposta.
Além disso, partimos do pressuposto de que um vídeo marketing pauta-se no engajamento
do público, o que, a propósito, foi atingido com sucesso, e que esse engajamento
fundamentou-se, principalmente, na construção do pathos, por intermédio dos clichês.
Figura 70 - Krespinha
Fonte: G1 (2020)
111
Essa definição favorecia, ainda de acordo com Ortegal (2018), uma espécie de
justificativa moral para explorar, escravizar e/ou exterminar determinado grupo.
A partir do estabelecimento do capitalismo, segundo Ortegal (2018), novas divisões
do trabalho contribuíram para o deslocamento do racismo e da escravidão. Contudo,
diferentemente do que se imagina, não houve propriamente dita uma assimilação do negro
neste espaço, agora, assalariado. O que se verificou na época, conforme explica Ortegal
(2018), foi um aumento da captação da mão de obra europeia, “com vistas a substituir os
trabalhadores negros, movidos pela ideologia racista do sucessivo branqueamento da
população brasileira.” (ORTEGAL, 2018). Dessa forma, nota-se que o determinante “raça”
perpassou não somente o período de escravidão, como também definiu as bases do sistema
capitalista brasileiro.
Diferentemente de outros países, o Brasil não passou por um regime de segregação
como o apartheid, na África do Sul (1948-1994), e as leis de Jim Crow, nos Estados Unidos
(1877-1965), o que favoreceu a impressão de uma relação pacífica e harmoniosa entre
brancos e não brancos, como coloca Ortegal (2018). Contudo, verifica-se, na verdade, um
racismo à brasileira, o qual consiste:
a) em preconceito racial de marca, isto é, vinculados à cor da pele e aos fenótipos,
como a questão atrelada à Krespinha;
b) em racismo cordial, ou seja, ser verificado em situações comuns, levando a uma
segregação, tal qual ocorre em estabelecimentos comerciais em que o negro é
impedido de entrar ou sofre revista sem motivo aparente;
112
107
Disponível em: https://blacklivesmatter.com/what-matters-2020/. Acesso em: 24 nov. 2020.
108
Arruda (2020), inclusive, cita o levantamento realizado pelo Senado, em 2016, sobre o Assassinato de
Jovens no Brasil, em que se constatou que um jovem negro é morto a cada 23 minutos em nosso país.
109
“Vidas negras importam”, em português.
114
A Figura 71 é o caso mais recente envolvendo violência por parte de dois seguranças
do Carrefour, em Porto Alegre, que culminou na morte de João Alberto Freitas, de 40 anos,
justamente na véspera do Dia da Consciência Negra, 10 de novembro de 2020. Freitas
parece ter se envolvido em uma discussão com uma funcionária da rede, mobilizando a
equipe de segurança do supermercado, a qual teria encaminhado Freitas até a saída da loja
onde o espancaram e também o asfixiaram, resultando na morte de João Alberto.
A série de manifestações no Brasil que se seguiu após esse episódio fez a hashtag
reaparecer nos trend topics no país. Isso comprova a força de hashtags em reunir
acontecimentos que se entrelaçam nas tramas da rede digital, compondo, assim, um coro em
prol de uma causa. Inclusive, tal mobilização concretiza-se na vida, uma vez que são
sugeridas ações que corroboram com o movimento.
Figura 72 - O perfil Black Lives Matter americano propõe um boicote, em nível internacional, à rede Carrefour,
após o ocorrido no Rio Grande do Sul
Essa “teia de significações” remonta de uma certa forma à noção da hashtag, visto
que há esse agrupamento de significações envolvendo acontecimentos distantes no tempo e
no espaço, porém, interligados pela mesma temática e posição axiológica dos interlocutores.
No que tange a posição axiológica desses interlocutores de espectro progressista,
nota-se que se trata de um público militante – diferentemente do constatado nos comentários
e nas publicações da Bettina ou da Gillette, por exemplo. Assim, as reações-respostas ativas
desses comentários carregam o peso de valores partilhados por uma comunidade além do
digital, direcionando a polêmica a um outro nível de envolvimento dos participantes,
promovendo debates, dentro e fora da arena digital, manifestações, abaixo-assinados, e,
inclusive, alternativas endereçadas ao Estado, em se tratando de medidas legais, dependendo
do grau de ofensa direcionada a um determinado público.
Tal anúncio, a título de exemplificação, no tocante à reação-resposta ativa, não gerou
piadas, como ocorreu com a Bettina e a Gillette, e sim, charges, “textões”, vídeos-
comentários, notícias, ou seja, publicações de natureza mais formal e/ou com aspecto crítico.
A crítica, portanto, repercutiu mais fortemente entre os negros, os quais se sentiram
ofendidos por terem o reforço da própria marca à expressão pejorativa “cabelo de Bombril”.
Figura 74 - Repercussão por parte de maioria negra diante do produto Krespinha (TK02)
Nesse sentido, esta seção serve como uma amostra das diferentes reações-resposta,
dentro das redes sociais, diante desse enunciado polêmico. Levando em consideração que
[o]s enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmos;
uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. Todo enunciado
é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela
identidade da esfera de comunicação discursiva. Todo enunciado deve ser visto
antes de tudo como resposta aos enunciados precedentes de um determinado
campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo): ela os
rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subtende-os como conhecidos, de
certo modo os leva em conta. (...) Por isso, todo enunciado é repleto de variadas
atitudes responsivas a outros enunciados de um dado campo da comunicação
discursiva. Essas reações têm diferentes formas: os enunciados dos outros podem
ser introduzidos diretamente no contexto do enunciado; podem ser introduzidas
somente palavras isoladas ou orações (...). (BAKHTIN, 2016, p. 57).
Figura 77 - YK01
Na postagem IK02, tem-se mais uma charge sobre a temática Krespinha que, traz,
desta vez, alguém com as vestes da organização Ku Klux Klan, remetendo à prática dos
integrantes de perseguirem e torturarem negros norte-americanos. Entretanto, o que chama a
atenção é um dos comentários:
120
Figura 78 - IK02
Apesar de esse comentário ser, até mesmo, singelo perto de outros, nota-se o embrião
da violência verbal, principalmente, no que concerne à resposta provocada por ele:
121
maior de caracteres. São, muitas vezes, acompanhados de uma fotografia que dialogam com
a mensagem.
FK01 não foge à regra e, junto ao textão, há uma fotografia que ilustra o teor da
postagem. Pode-se remeter a escrita de textos dessa natureza como sendo, conforme
sintetiza Bakhtin (2014) no tocante às autobiografias, como uma forma de “tomada de
consciência pública do homem” (p. 258).
Bakhtin (2014) organiza a historiografia dos encômios iniciando com os gregos, mais
especificamente, com a de Isócrates.
A conscientização do homem apoia-se, aqui, somente sobre os aspectos de sua
personalidade e de sua vida que são voltados para o exterior, concernentes tanto
aos outros como a si próprio, sendo que apenas neles a consciência procura seu
apoio e sua unidade, ela não conhece absolutamente outros aspectos intimamente
pessoais, “por si só”, individuais e irrepetíveis. (BAKHTIN, 2014, p. 255).
Olhando sob esse viés, é possível considerar as postagens como sendo pequenos
recortes autobiográficos, uma vez que o acento e o enquadramento de enunciados são
construídos a partir de um enredamento dialógico promovido pela rede social. O textão
passa a ser, desse modo, uma página do meu diário aberta aos meus amigos ou seguidores,
refletindo meu posicionamento e, consequentemente, conferindo meu acento valorativo em
dada questão.
Com base nesse conciso recorte, diante da imensa variedade de respostas atreladas ao
enunciado produzido pela Bombril, pode-se ter uma noção do modo de participação dos
123
110
Fazendo uma alusão ao carnaval e às suas fantasias.
124
exemplo, o discurso de ódio poderia ser amplamente analisado, bem como produções que
vão além da Internet, como a televisão e o rádio, que poderiam ser mais bem exploradas
como receptoras da polêmica. Apesar disso, cumpre o objetivo de apresentar os modos de
ampliação, acentuação e valoração do discurso polêmico, sua arquitetônica em termos
argumentativos e suas formas de participação ativa no debate.
Bettina situou seu nome no tempo-espaço e deu espaço a um universo de gêneros
discursivos para tratarem da polêmica com diferentes enfoques, tonalidades e acentos.
Indiscutivelmente, uma das maiores responsáveis por uma gama infindável de memes.
Tamanho alcance deveu-se à quebra de expectativa do ethos, isto é, Bettina não corresponde
à figura de ethos delineada pelo auditório de alguém capaz de fazer um milhão e quarenta e
dois mil reais de patrimônio acumulado de modo “simples assim”.
A empresa Gillette atingiu o coração do seu público e, por meio de uma
argumentação fundamentada no pathos, via clichês, acabou tornando-se alvo de boicote e de
revolta por parte de seu próprio público-alvo, os homens.
“Krespinha”, apenas o nome de um produto que desestabilizou as mídias digitais no
ano de 2020. Em tempo de #blacklivesmatter, relançar uma esponja de nome Krespinha, em
uma clara alusão ao cabelo crespo, o qual, muitas vezes, recebe como alcunha “cabelo de
Bombril”, foi um movimento tido por muitos como inapropriado. As formas de reação-
resposta ilustram modelos de dialogar com o enunciado-mestre por intermédio das mídias
digitais.
Assim como abrimos espaço para o diálogo entre teóricos, procuramos pôr em
evidência o enunciado como parte de uma rede enunciativa complexa, em que referências
anteriores diversas (os já-ditos), podem ser recuperadas por meio das mídias digitais. Dessa
forma, as propagandas, apesar de separadas em seções, articulam-se e organizam-se da
mesma maneira, apenas seccionadas para evidenciar aspectos diferentes do discurso
polêmico.
A mobilização de tantas vozes e a ilustração, na prática, do funcionamento de uma
rede enunciativa, por meio de propagandas, foi o caminho escolhido para alcançar a resposta
de como esse discurso é consolidado nessa praça pública.
Portanto, pode-se constatar que o discurso polêmico nas mídias digitais não repousa
apenas sobre uma temática, como no caso da Krespinha, mas também é pautado nas
diferentes relações estabelecidas entre enunciador (empresa responsável pela propaganda) e
auditório (usuários da rede). Além disso, a polêmica é fomentada a partir da interface
oferecida pelas redes sociais, ao serem construídas de modo a incitar a participação dos
126
usuários, de forma cada vez mais instantânea, em que emoções são generalizadas e
simplificadas entre curtir/não curtir; caracterizando, esse simples ato, em uma tomada de
posição dentro da arena discursiva digital.
Finalmente, pode-se reconhecer como o grande responsável em fazer alastrar o
discurso polêmico, realizando o intercâmbio entre redes sociais, elaborando argumentos a
partir de enunciados já-ditos, atuando como mediador entre comentários, interligando as
mais variadas materialidades discursivas (fotos, vídeos, memes, notícias, etc.) por meio de
hashtags, as quais passam a compor uma gigantesca rede discursiva: o dialogismo.
Somos seres constituídos pela e através da linguagem (BAKHTIN, 2018 [1929]), a
linguagem é estabelecida com base no embate (VOLOCHÍNOV, 2018 [1929/1930]), logo,
somos sujeitos em constante tensionamento – confrontando, assimilando, respondendo. A
mídia digital potencializa essa característica e nos coloca em arena diariamente:
polemizando.
127
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